Mavericco disse:
Tlon (...)
Essa revisão de um mundo ilusório se denomina provisoriamente Orbis Tertius e um de seus modestos demiurgos foi Herbert Ashe, não sei se como agente de Gunnar Erfjord ou como afiliado.
Fora isso, a primeira inclusão do mundo tloniano no mundo real deu-se com o advento de uma bússola: porque disso? Estava a bússola querendo indicar algum norte, algum rumo? Talvez sim. Borges diz no final que o mundo real se dissolverá com o advento de Tlon, pouco a pouco, congenitamente... É porque o mundo real é o livro e o fantástico ao mesmo tempo, e é também porque na mesma medida em que Tlon invade Ficções, Ficções invade Tlon, e nós simplesmente não podemos saber o que é verdadeiro ou falso ou quem é legítimo: um jogo de espelhos que se deslocam, como Almostásim descobre mais abaixo....
Interessante esse comentário sobre a bússula para dar um norte e todas as suas consqüências.
Mavericco disse:
A aproximação a Almostásim
Se todas essas pessoas encontradas pelo narrador são o mesmo Almostásim, não seria estranho que ele procurasse tanto? Vai ver ele não procurava por hronirs de Almostásim, mas sim pelo próprio Amostásim...
Essas pessoas sendo abomináveis dá uma conotação diferente quando o narrador vai pela segunda vez a Bombain e se encontra entre pessoas "vis". Seriam elas mesmo vis? Ou seriam simplesmente vis pelo fato de serem reflexos?
De súbito – com o milagroso espanto de Robinson ante a pegada de um pé humano na areia – percebe certa mitigação dessa infâmia: uma ternura, uma exaltação, um silêncio, num dos homens detestáveis. "Foi como se tivesse cruzado armas no diálogo um interlocutor mais complexo. " Sabe que o homem vil que está conversando com ele é incapaz desse momentâneo decoro; daí postula que este refletiu um amigo, ou amigo de um amigo.
Não estaria o Borges querendo se referir ao fato de que para nos encontrarmos temos que mirar nos outros (espelhos que nos refletem). A menção ao Robinson Crusoé que ficou isolado numa ilha parece querer transmitir essa idéia. Para Robinson Crusoé voltar a ser humano ele tinha que buscar nos outros a natureza humana que perdeu quando ficou isolado. Ele sabia que o homem vil (=bárbaro= sexta-feira) não era suficiente para atender suas necessidades de civilização. Daí postulava/fantasiava este (sexta-feira) como um amigo (segundo Borges, pois deve ter uns vinte anos que li Robson Crusoé).
[quote='Mavericco' pid='105226' dateline='1297198485]
Os romances do Joyce são quase que estritamente construídos a partir da imagética do labirinto... Isso fica bem claro no Retrato do Artista Quando Jovem, que é, basicamente, uma sequência de labirintos que se movem ou algo assim: o protagonista, Stephen Dedalus (Dédalo, o lendário construtor de labirintos) sai do labirinto familiar para cair no labirinto religioso, sexual, espiritual, artístico... Ele só consegue de fato sair destes inextricáveis labirintos quando começa a construir seus próprios labirintos (como Dedalus é o alter-ego de Joyce, fica subentendido que esses labirintos são as suas posteriores criações artísticas). Mas no Ulisses nós não temos uma folga no labirinto, e aqui encontramos os labirintos físicos de Dublin, das pessoas de Dublin, de pensamentos entrecruzados, de pensamentos próprios... É como se o Ulisses, ao contrário do Retrato, fosse um labirinto mas universal, que abrangesse mais pessoas e mais fatos...
Borges cita o Ulisses varias vezes ao longo do livro Ficções, pela guaribada que dei, e um dos personagens do Jardim dos Campos que se Birfucam se chama Stephen Albert: um parente próximo do alter-ego do Joyce, o Stephen Dedalus.
No conto em questão, Borges fala dos insignificantes contatos da Odisseia com o Ulisses. O Ulisses foi baseado na Odisseia, mas os contatos efetivos dos dois textos são pequenos, e a Odisseia nada mais é que um sustentáculo verbal do Ulisses. Uma paródia. Um brinde no texto. Se não fosse a Odisseia, Joyce teria adaptado seus personagens e seu universo, seu labirinto a outra Grécia, seja ela original ou espelhada, hroniana ou abominável.
Podemos, assim, ter a teoria de que o romance de Almostásim possui uma espécie de sustentáculo de enredo com os livros citados, tais quais o Colóquio dos Pássaros... Mas isso não quer dizer que os dois textos são extremamente díspares ou que a "simples" dependência de enredo não seja importante... Num universo paralelo o Ulisses é baseado na Iliada e não na Odisseia; mas será que esse Ulisses desse universo paralelo é tão bom quanto este que possuímos? O narrador poderia estar mentindo, afinal... Essa repetição de paralelos pode ser muito mais significantes do que pensamos, oras... O esqueleto, por mais depreciado que seja (segundo Nietzsche, pelo fato das cosias essenciais serem malquistas), é fundamental, e pode ser a diferença entre um objeto e um espelho; entre um objeto e um hronir[/quote]
A partir da sua idéia fico me perguntando: não seriam os personagens de Borges também labirintos que se encontram, se entrecruzam e se separam ? Aliás como as próprias linhas de um labirinto. Talvez por isso as referências a Ulisses (= labirinto Joyce) (= Odisseu= ninguém na Odisséia XI, 365 e ao mesmo tempo vários no conjunto da Odisséia). Não é a própria Odisséia para alguns uma obra coletiva que atribuíram a Homero (referência as mil e uma noites e ao I ching s.m.j no primeiro conto). Viajei né ?
Mas os paralelos em Borges parecem se multiplicar ao infinito ...
Haja vista essas analogias, as referências à morte de um hindu no último conto e ao infinito, bem como a perspectiva mencionada pelo Tatarana acerca de tudo ser uma ilusão, acho que ficou claro um paralelo também com a deusa Maya da mitologia hindu. Li algumas coisas no livro Filosofias da India de Heinrich Zimmer, pena que não vai dar pra postar devido ao horário.