• Caro Visitante, por que não gastar alguns segundos e criar uma Conta no Fórum Valinor? Desta forma, além de não ver este aviso novamente, poderá participar de nossa comunidade, inserir suas opiniões e sugestões, fazendo parte deste que é um maiores Fóruns de Discussão do Brasil! Aproveite e cadastre-se já!

Ficções, Jorge Luis Borges

Tatarana disse:
zé zão disse:
"Lesbare und Lesenswerthe Bemerdungen über das Land. Ukkbar in Klein-Asien, data de 1641 e é obra de Johannes Valentinus Andreä" é quase uma piada tendo em vista o tamanho do nome da obra, algo bem Alemão e que de alguma forma também parece se referir ao fato da Rosa Cruz

Confesso que não consegui enxergar a relação dessa obra em alemão com a Rosa Cruz.

No mais, muito interessante e enriquecedor seu post.

Adrea descreveu a comunidade de Rosacruz sendo que ela não existia. Após o seu relato, passou-se a tentar construir comunidades que fossem, ou se assemelhassem, a de Rosacruz. Criou-se até uma ordem da Rosecrucian. É a Rosacruz invadindo o mundo assim como o Borges propões no final do conto a respeito de Tlön.
 
Tatarana disse:
zé zão disse:
"Lesbare und Lesenswerthe Bemerdungen über das Land. Ukkbar in Klein-Asien, data de 1641 e é obra de Johannes Valentinus Andreä" é quase uma piada tendo em vista o tamanho do nome da obra, algo bem Alemão e que de alguma forma também parece se referir ao fato da Rosa Cruz

Confesso que não consegui enxergar a relação dessa obra em alemão com a Rosa Cruz.

Aqui:

Johannes Valentinus Andreä (1586-1654). Teólogo alemão, que descreveu, no começo do século XVII, a comunidade que Rosenkreutz fundaria depois como uma utopia iluminista.

El hecho es significativo; un par de años después, di con ese nombre en las inesperadas páginas de De Quincey (Writings, decimotercero volumen) y supe que era el de un teólogo alemán que a principios del siglo XVII describió la imaginaria comunidad de la Rosa-Cruz - que otros luego fundaron, a imitación de lo prefigurado por él. (p. 433)


Ele escreveu sobre a Rosa Cruz e é citado pelo Borges.

Tatarana disse:
Mavericco disse:
Você fala existir como uma sociedade comprovadamente imaginada, ao contrário de Tróia, que era imaginada mas depois se tornou concreta?

Se eu bem entendi, ele se refere ao fato de que a cidade de Ur, situada na região da Babilônia, era comentada em textos antigos, mas ninguém sabia se ela realmente existia, até que suas ruínas foram encontradas. Mesma coisa aconteceu com Tróia, mencionada no texto da Odisséia, e tida como ficcional, até que suas ruínas também foram encontradas.

Então, Tlon é o contrário de Ur e de Troia, que eram imaginadas mas depois se tornaram concretas... (li Ur e quase arranquei os cabelos por não saber do que se tratava... Mas só agora foi cair a ficha =p... Esse livro está fazendo mal ao meu couro cabeludo)


Agora, percebi uma coisa deveras intrigante: quando o Casares menciona a frase, ele e o narrador vão pesquisar no volume XLVI da enciclopédia. Certo. Não acham. Procuram em outros volumes XLVI's e nãop acham. Certo. Depois o Casares liga e diz que está com o volume XLVII da enciclopédia com a frase em sua mão. Certo. Mas depois o narrador volta a referir ao XLVI... Mas... Oras... Porque eles estão procurando no XLVI se o Casares disse que é no XLVII que tem a indicação? Um lapso ou o quê?

Fora isso,

Dos nomes históricos, um só: o impostor Esmerdis, o mago, invocado mais como metáfora.

Alguém teria alguma ideia de que metáfora Esmerdis representaria?
 
Mavericco disse:
Dos nomes históricos, um só: o impostor Esmerdis, o mago, invocado mais como metáfora.

Alguém teria alguma ideia de que metáfora Esmerdis representaria?

A metáfora em si vejo como sendo bem desconhecida mesmo. Mas tenho uma sugestão: ele era como o uma metáfora, ou melhor, um exemplo de um hron; Esmerdis foi realmente um rei persa, existem duas correntes em relação ao que teria acontecido em seu governo e uma delas é a de que ele teria sido morto(mandado pelo seu irmão) e personificado por um mago chamado Gaumata("O usurpador", rs, não resisti). Agora o povo sabia que o Esmerdis não era o Esmerdis mas continuavam fingindo que era ele pois ele os havia remitido os impostos. E então o impostor se tornou um hron(É quase como a segunda caneta do exemplo da Manu).

Esse é um chute.
 
Realmente o tópico está sensacional! Tenho percebido vários aspectos do conto que passaram despercebidos durante a primeira leitura que fiz do mesmo. Para entender tudo, realmente estou tendo que arrancar os cabelos :taco: Como ainda não sei como colocar citações no Post vou fazer referência apenas àquele que escreveu.

Sobre o mago Esmerdis, conforme informado pelo Ze zão, parece que é mais um exemplo de uma falsidade que após aceita por todos se transforma em realidade (o falso Esmerdis passa a ser o "real" Esmerdis") . Aliás, só acreditamos no que lemos em uma enciclopédia, pelo fato estar em uma enciclopédia (logo a enciclopédia pode perpetuar falsidades que se incorporam em nosso Universo - tomado no sentido de Berkley/Tlon). Nesse aspecto, interessante o que consta da parte final do conto "já nas memórias um passado fictício ocupa o lugar de outro, do qual nada sabemos com certeza - nem, ao menos, que é falso". Um passado em que "Ur" era um mito é substituído por um passado em que "Ur" é real, mas de fato não podemos ter certeza se Ur é real pois é possível que estejamos lendo uma enciclopédia falsa como aquela que foi lida por Borges no conto. Nesse aspecto, interessante a menção feita por Borges a história da arqueologia, bem como a afirmação "A metódica elaboração de hronir prestou serviços prodigiosos aos arqueólogos. Permitiu examinar e até modificar o passado, que agora não é menos plástico e menos dócil que o futuro"

Sobre a questão do volume da Britânica mencionado pelo Mavericko a minha edição (obras completas) provavelmente apresenta erro tipográfico pois afirma "Disse-me que tinha à vista o volume o artigo sobre Urqubar, no volume XXVI da enciclopédia" e "o volume que Bioy trouxe era efetivamente o XXVI da Enciclopédia".

Sobre a questão do nome Urqbar colocada por Tatarana, acho que as citações da wikipedia de fato enfraquecem bastante a hipótese, mas não acho que chegam a infirmá-la por completo. Borges poderia adotar duas fontes de inspiração para o nome. De qualquer forma, acho que a hipótese ficou tão enfraquecida que não se justifica a leitura do logopandecteision.XD Quanto a citação do Karl Popper, não foi minha. De qualquer forma, acho que a afirmação contida no final do livro de que "Há dez anos, bastava qualquer simetria com aparência de ordem - o materialismo dialético, o anti-semitismo, o nazismo - para encantar os homens" poderia muito bem sair da boca do autor de a pobreza do historicismo.

Bem, se deixei de mencionar alguma coisa é porque meu cérebro não está dando conta de processar tanta complexidade e tantas mensagens simultaneamente :taco: .
 
Kelvin disse:
Sobre o mago Esmerdis, conforme informado pelo Ze zão, parece que é mais um exemplo de uma falsidade que após aceita por todos se transforma em realidade (o falso Esmerdis passa a ser o "real" Esmerdis") . Aliás, só acreditamos no que lemos em uma enciclopédia, pelo fato estar em uma enciclopédia (logo a enciclopédia pode perpetuar falsidades que se incorporam em nosso Universo - tomado no sentido de Berkley/Tlon). Nesse aspecto, interessante o que consta da parte final do conto "já nas memórias um passado fictício ocupa o lugar de outro, do qual nada sabemos com certeza - nem, ao menos, que é falso". Um passado em que "Ur" era um mito é substituído por um passado em que "Ur" é real, mas de fato não podemos ter certeza se Ur é real pois é possível que estejamos lendo uma enciclopédia falsa como aquela que foi lida por Borges no conto. Nesse aspecto, interessante a menção feita por Borges a história da arqueologia, bem como a afirmação "A metódica elaboração de hronir prestou serviços prodigiosos aos arqueólogos. Permitiu examinar e até modificar o passado, que agora não é menos plástico e menos dócil que o futuro"

Interessante... A própria enciclopédia como sendo uma forma abominável ao perpetuar ilusões... Aliás, fico me perguntando se nesse mar de ilusões que vamos descobrindo ao longo do conto, se Herman Ashe não era alguém do Orbis Tertius, e aquela suposta encomenda de transferir tabelas decimas em duodecimas / sexagesimais não fazia parte também dos propósitos do Orbis Tertius... Afinal de contas, a Cyclopaedia estava no número XLVI e o A First Encyclopaedia of Tlön no XI, que são próximos da numerologia indicada por Borges...

E sobre essa coisa de passado / futuro plásticos e dóceis... Será que Borges, no final, não estava nos indicando em alguma das teorias do tempo citadas por ele como crenças tlonianas?:

Uma das escolas de Tlön chega a negar o tempo: argumenta que o presente é indefinido, que o futuro não tem realidade senão como esperança presente, que o passado não tem realidade senão como lembrança presente.

Futuro e passado intrínsecos ao presente... Dependentes do mesmo...

2 Russel (The Analysis of Mind, 1921, página 159) supõe que o planeta foi criado há poucos minutos, provido de uma humanidade que "recorda" um passado ilusório.

Essa teoria é coisa de doido! @_@

Outra escola declara que transcorreu já todo o tempo e que nossa vida é apenas a lembrança ou reflexo crepuscular, e sem dúvida falseado e mutilado, de um processo irrecuperável.

Ou seja: nós somos um espelho, uma ilusão do passado. Logo, somos abomináveis.

Outra, que a história do universo – e nela nossas vidas e o mais tênue detalhe de nossas vidas – é a escrita que produz um deus subalterno para entender-se com um demônio.

Essa do universo sendo escrito por um deus talvez se encaixe perfeitamente no Orbis Tertius / Borges...

Outra, que o universo é comparável a essas criptografias nas quais não valem todos os símbolos e que só é verdade o que acontece a cada trezentas noites.

Outra, que enquanto dormimos aqui, estamos despertos em outro lado e que assim cada homem é dois homens.

Será que um desses homens é um hronir?
 
Meu Deus... Ainda bem que está se encerrando o prazo de Tlön, para começar a de Pierre Menard. Já estava começando a ficar bem complexo. XD

Gostei imensamente dos últimos posts, especialmente as opiniões de Kelvin e de Mavericco sobre passados alternativos.

Para encerrar minha participação em Tlön, compartilho uma idéia, aproveitando a discussão acerca de realidades alternativas, sobre uma possível estrutura alternativa do próprio conto.

Depois que li Ficções e retornei ao Tlön para nossa discussão, surgiu uma interessante idéia em mim. Borges, ao escrever esse conto, poderia tê-lo rematado com a sugestão de que, assim como Tlön, também nós vivemos em um planeta que não é real, mas é sonhado/imaginado/criado por seres que habitam outro mundo.

Em verdade, em contos posteriores de Ficções (que ainda vamos discutir), ele utiliza essa perspectiva. Isso me diz que ele certamente considerou a possibilidade de ter feito assim, mas concluiu que do jeito que o conto está era melhor.
 
Também achei muito interessantes os últimos comentários, principalmente os do Mavverico, do Tatarana, do Ze zão e o da Kika. Tenho a impressão que levaríamos meses, senão anos, para explorar todas as metáforas contidas no texto. XD Sobre o postado pelo Mavverico, é engraçado que a teoria de que o tempo não existe tem defensores modernos no campo da física (p. ex. o físico Julian Barbour no livro "The end of time" que se centra no conceito de time capsules). O livro, aliás, foi elogiado numa resenha de 2000 do The New York Times Book Review.
Sobre a relação do número XLVII convertido para duodecimal (=3B) e o volume XI da "Enciclopédia de Tlon", não compreendi a vinculação ?

Tatarana escreveu:
Borges, ao escrever esse conto, poderia tê-lo rematado com a sugestão de que, assim como Tlön, também nós vivemos em um planeta que não é real, mas é sonhado/imaginado/criado por seres que habitam outro mundo.

De fato, acho que Borges anteviu essa concepção, pois, se não me engano, ela se encontra nos Upanishads (faz muito tempo que os li e não me recordo de detalhes). Numa entrevista constante em "Sobre a filosofia e outros diálogos" (editado pela Hedra e cuja entrevista é realizada por Osvaldo Ferrari), Borges ao ser perguntado sobre os filósofos que o influenciaram (Berkley, Hume e Schopenhauer) afirma: "Exato, e depois, isso deve ter sido pensado na ìndia sem dúvida, já que eu li os três volumes de Deussen, da filosofia da índia, o livro Os seis sistemas de filosofia da ìndia, de Max Muller, e concluí que tudo já foi pensado na índia - em relação ao pensamento filosófico é claro."
 
Kelvin disse:
Sobre a relação do número XLVII convertido para duodecimal (=3B) e o volume XI da "Enciclopédia de Tlon", não compreendi a vinculação ?

É que o Ashe estava convertendo tabelas decimais em duodecimas ou sexagesimais, então eu pensei se ele não poderia estar "trabalhando" para o Orbis Teutis... Já que a numerologia das enciclopédias vistas pelo narrador (XLVI e XI - 65 e 11) são números parecidos com os convertidos do Ashe... Pode ser até mesmo que exista alguma referência obscura ao Ashe na parte que desvenda o mistério da criação do mundo, mais no final... Vou reler e tentar ver se detecto.

Agora essa coisa do Borges acreditar nessa teoria de que nós somos uma imaginação de uma sociedade... Bem interessante isso... Bem interessante mesmo! Vou me atentar a isso em outros contos!

Vou ler o Pierre Menard hoje... Espero que minha lida do começo da primeira parte do Quixote valha de algo! (apesar de que meu respeito por Dom Quixote transcende o de literaturas e literaturas, alcançando um patamar que possuo apenas com a Divina Comédia e a Eneida!)
 
OFF TOPIC 2

Bom, o fim da discussão do primeiro conto está quase chegando. segundo a votação via MP (da qual participaram zé zão, brianstorm, kelvin, valentina e yo), ficou decidido por 4x1 que incluiremos A aproximação a Almostásim no cronograma. Sendo assim, o novo cronograma é:

01/02 - Prólogo + Tlön, Uqbar, Orbis Tertius
08/02 - A aproximação a Almostásim
15/02 - Pierre Menard, autor do Quixote
22/02 - As ruínas circulares
01/03 - A lotaria na Babilônia
09/03 - Análise da obra de Herbert Quain
15/03 - A Bilblioteca de Babel
22/03 - O jardim dos caminhos que se bifurcam
 
Meninos, vcs são lindos e o Borges é o Mr. Universo. =)

Esse conto tem uma complexidade alucinante, fico me perguntando quanto tempo ele demorou pra escrever isso, rs. Não vou comentar todos os insights e ampliações q vcs fizeram porque não há condições pra isso, né, mas queria destacar uma coisinha besta e sentimental, rs.

Tatarana escreveu:
Borges, ao escrever esse conto, poderia tê-lo rematado com a sugestão de que, assim como Tlön, também nós vivemos em um planeta que não é real, mas é sonhado/imaginado/criado por seres que habitam outro mundo.

(Entendi que vc quis dizer q nosso mundo real é irreal, entendi certo?) Eu diria de outra forma, Tartarana. Digo que vivemos nesse mundo bem real, mas criamos nosso próprio Tlön (espelho de nossos desejos, um amável hronir) e somos tão seduzidos e hipnotizados por ele vivemos como se este mundo palpável fosse mesmo o irreal, ainda q ele não se encaixe (ou ignore) nossa realidade. em suma: é como se a criação dominasse seu criador. E daí decorrem todos os dramas e glórias da nossa raça. As ruínas circulares e A loteria de Babel entram mais nessa questão, e a ultrapassam, rs.

É q aquela frase inicial (do escritor q escreve em 1a pessoa etc. pra revelar algo banal ou atroz) me guiou a leitura, e me fiquei me perguntando q coisa seria essa. Acho q nossa discussão aqui abre caminhos pra descobrir isso. Pensando bem, essa "autoilusão" que escrevi acima, é mesmo uma coisa banal. E atroz.

(Viajei horrivelmente, né? rs)
 
a primeira coisa que eu achei interessante nesse conto do Almostasin foi: o Borges no começo diz que vai fazer uma resenha do livro... Mas ele não faz. Ele basicamente fica só na sinopse... É como se a análise prometida no começo do verso tivesse fugido junto com o protagonista do livro!

Além do fato de ser impossível de se ler esse conto sem pensar nos hronir e na relação protagonista-Almostásim! Chego até mesmo a me perguntar se no final o protagonista de fato achou Almostásim ou se não encontrou um hronir segundo a concepção do Tatarana ou se ele não achou algo parecido, segundo a concepção da Manu...

E se pegarmos a concepção da Manu, quem não há de imaginar que o rapaz que urinava na torre não era Almostásim? Pode perfeitamente ser, não acham? O protagonista não percebeu antes porque ele não havia procurado por ele, oras...

Que outras coisas vocês acham que "fugiram" ou "Migraram" ao longo do conto?

A temática e a abordagem da edição de 1932 para a de 1934 creio que seja um fator.

(depois do trabalho eu posto mais coisas... Escreverno trabalho é sempre uma aventura =p)
 
Mavericco disse:
Kelvin disse:
Sobre a relação do número XLVII convertido para duodecimal (=3B) e o volume XI da "Enciclopédia de Tlon", não compreendi a vinculação ?

É que o Ashe estava convertendo tabelas decimais em duodecimas ou sexagesimais, então eu pensei se ele não poderia estar "trabalhando" para o Orbis Teutis... Já que a numerologia das enciclopédias vistas pelo narrador (XLVI e XI - 65 e 11) são números parecidos com os convertidos do Ashe... Pode ser até mesmo que exista alguma referência obscura ao Ashe na parte que desvenda o mistério da criação do mundo, mais no final... Vou reler e tentar ver se detecto.
Ah, agora entendi !!!!

Manu, acho que vc não viajou não. Ainda, não reli os contos que vc mencionou, mas sua conclusão de que "em suma: é como se a criação dominasse seu criador. E daí decorrem todos os dramas e glórias da nossa raça", está de pleno acordo com o que consegui entender do primeiro conto.
 
Mavverico,

Terminei agora minha primeira leitura. Acho que o conto não estava na edição das ficções que li alguns anos atrás. Será que Almostasin não estava procurando a si mesmo a semelhança das aves ? Confesso que não cheguei a uma conclusão segura quanto a essa conjetura. As aves também não sabiam que estavam procurando a si mesmas.

Interessante o verso mais famoso da Conferência das aves:

Come you lost Atoms to your Centre draw,
And be the Eternal Mirror that you saw:
Rays that have wander'd into Darkness wide
Return and back into your Sun subside


Nesse aspecto, aliás, conta da nota "essas e outras ambíguas analogias podem significar a identidade do procurado e de quem procura" e o nome Al Mostasim quer dizer o "procurador de amparo". Na wikipedia em francês encontrei o seguinte comentário sobre a conferência das aves "L'oiseau symbolise l'homme, imparfait, capable de s'élever spirituellement mais devant revenir aux choses matérielles"

Também achei interessante a menção a Chesterton. Nos romances do padre Brown insinua-se uma saída sobrenatural/mística mas o conto policial é resolvido pela forma racional (como no Homem Invisível). Tenho a impressão que no conto ocorre o contrário. Insinua-se um conto policial, mas ao contrário a conclusão parte para uma solução mística/transcedental, o que excluiria a analogia com Chesterton.

Agora, a parte final "também pode significar que este influi naquele", não seria uma reflexão sobre a consciência ou a busca mencionada pela Manu. Outro ponto que achei interessante é a referência ao romance do Defoe no que diz respeito à alteridade.
 
Nossa!! Fico sem poder entrar no fórum por 4 dias e perco uma discussão dessas! ¬¬
Vamos ao novo conto então... a primeira coisa que me chamou a atenção: espelhos. Reparei que existem coisas e temas que são citados em muitos contos do Borges, nem que seja em um título de livro ou nota de rodapé...
Nesse caso os espelhos vão aparecer no resto do conto (os ecos de Almotásim) mas às vezes ele inclui espelhos, tigres, labirintos, etc, em detalhes pequenos dos contos. Estou dizendo isso aqui porque fiz uma leitura meio desatenta do inicio do conto e, mesmo a palavra aparecendo no subtítulo da obra analisada pelo narrador durante o resto do conto, e não um mero detalhe, pensei que fosse só mais uma dessas citações.

O que seriam essas pessoas que o narrador encontra? Pensei em uma coisa meio maluca... seriam o mesmo Almotásim multiplicado sob diferentes formas? (e em cada um desses ecos o narrador percebe uma parte dele) Sei que, se referindo a fantasma, Borges se refere a algo que não existe, no caso seria tudo uma grande metáfora para Deus, mas e se não existisse um único original? Isso me veio na cabeça quando li o conto e relacionei os espelhos, tão amados por Borges... as pessoas seriam ecos uns dos outros, como os espelhos da amiga da mãe da Manu, se multiplicando infinitamente, um sendo o reflexo do outro. Nesse caso, espelhos multiplicando uma única ilusão.(como disse Bioy, rs)
Aliás, Borges parece adorar o infinito também. Me lembrei imediatamente de outro conto dele que será discutido depois aqui quando li isso aqui:

a conjetura de que também o Todo- Poderoso está em busca de Alguém, e esse Alguém de Alguém superior (ou simplesmente imprescindível e igual) e assim até o Fim – ou melhor, o Sem-Fim – do Tempo, ou em forma cíclica.

Acho que quem leu sabe qual é. Essa espécia de "recursão infinita", aparece lá também.
 
Mavericco disse:
Chego até mesmo a me perguntar se no final o protagonista de fato achou Almostásim ou se não encontrou um hronir segundo a concepção do Tatarana ou se ele não achou algo parecido, segundo a concepção da Manu...

Mavericco, muito pertinente a sua dúvida. Aliás, como é que o personagem principal da história sabe que o nome de quem ele busca é Almostásim? Não consegui entender como ele chegou até esse nome.

Kelvin disse:
Será que Almostasin não estava procurando a si mesmo a semelhança das aves ?

É possível. Dois fatores parecem corroborar uma hipótese como essa. Em primeiro lugar, durante todo o curso da história, não se sabe o nome do protagonista. É como se ele não tivesse identidade. Aliás, apesar dele não ter muito apreço à fé muçulmana, deixou-se envolver em uma briga religiosa e matou (ou achou que matou) um hindu. Sinal de uma alma "sem rumo". Por outro lado, o nome de Almostásim é certo, embora não dê para se imaginar como o protagonista chegou a essa descoberta.

Kelvin disse:
Interessante o verso mais famoso da Conferência das aves

Foi bom você postar isso, pois não tinha me dado conta de que esse suposto poema da Conferência das aves é real.


Kelvin disse:
Também achei interessante a menção a Chesterton. Nos romances do padre Brown insinua-se uma saída sobrenatural/mística mas o conto policial é resolvido pela forma racional (como no Homem Invisível). Tenho a impressão que no conto ocorre o contrário. Insinua-se um conto policial, mas ao contrário a conclusão parte para uma solução mística/transcedental, o que excluiria a analogia com Chesterton.

Eu não li Chesterton, mas pelo que você diz há uma insinuação da necessidade de algo metafísico para a solução de um crime. Na história proposta por Borges, não se busca a solução do crime, mas esse desencadeia a necessidade de solução de uma busca metafísica.

.Penny Lane. disse:
a conjetura de que também o Todo- Poderoso está em busca de Alguém, e esse Alguém de Alguém superior (ou simplesmente imprescindível e igual) e assim até o Fim – ou melhor, o Sem-Fim – do Tempo, ou em forma cíclica.

Acho que quem leu sabe qual é. Essa espécia de "recursão infinita", aparece lá também.

Venho me segurando há bastante tempo, mas agora vou falar uma coisa. Durante a discussão de Tlön, por várias vezes, lembrei-me de Gödel, Escher, Bach, mas não falei nada para não sair do foco da discussão. Mas, eis-me novamente lembrando daquela obra. Nela, há um episódio em que se invoca o Gênio da Lâmpada, e o Gênio do Gênio da Lâmpada, e o Gênio do Gênio do Gênio da Lâmpada, numa progressão infinita. Desculpem-me os parêntesis na discussão. XD

Mavericco disse:
A temática e a abordagem da edição de 1932 para a de 1934 creio que seja um fator.

Assim também me parece.

Em especial, notei que Borges diz não ter acesso à primeira edição de 1932, mas somente a uma tradução da edição posterior de 1934. Segundo ele nos conta, ele tenta inferir a diferença entre as duas versões, através da leitura de um apêndice que resumiria a "diferença fundamental" entre elas.

Isso não o impede, contudo, de defender que a primeira edição de 1932 é muito superior, apesar de não a ter lido. Ora, o protagonista da história, apesar de não conhecer Almóstasim, percebe nele uma superioridade sobre as demais pessoais. Da mesma forma, Borges enxerga, na primeira edição, uma superioridade, e parece empreender também uma busca, tentando conhecer os contornos de seu ser "literário" idealizado.
 
Tlon (...)

Considerações finais sobre o conto:

Kelvin disse:
Sobre a relação do número XLVII convertido para duodecimal (=3B) e o volume XI da "Enciclopédia de Tlon", não compreendi a vinculação ?

É que o Ashe estava convertendo tabelas decimais em duodecimas ou sexagesimais, então eu pensei se ele não poderia estar "trabalhando" para o Orbis Teutis... Já que a numerologia das enciclopédias vistas pelo narrador (XLVI e XI - 65 e 11) são números parecidos com os convertidos do Ashe... Pode ser até mesmo que exista alguma referência obscura ao Ashe na parte que desvenda o mistério da criação do mundo, mais no final... Vou reler e tentar ver se detecto.

Detectado:

Essa revisão de um mundo ilusório se denomina provisoriamente Orbis Tertius e um de seus modestos demiurgos foi Herbert Ashe, não sei se como agente de Gunnar Erfjord ou como afiliado.

Fora isso, a primeira inclusão do mundo tloniano no mundo real deu-se com o advento de uma bússola: porque disso? Estava a bússola querendo indicar algum norte, algum rumo? Talvez sim. Borges diz no final que o mundo real se dissolverá com o advento de Tlon, pouco a pouco, congenitamente... É porque o mundo real é o livro e o fantástico ao mesmo tempo, e é também porque na mesma medida em que Tlon invade Ficções, Ficções invade Tlon, e nós simplesmente não podemos saber o que é verdadeiro ou falso ou quem é legítimo: um jogo de espelhos que se deslocam, como Almostásim descobre mais abaixo...

A aproximação a Almostásim

Se todas essas pessoas encontradas pelo narrador são o mesmo Almostásim, não seria estranho que ele procurasse tanto? Vai ver ele não procurava por hronirs de Almostásim, mas sim pelo próprio Amostásim...

Essas pessoas sendo abomináveis dá uma conotação diferente quando o narrador vai pela segunda vez a Bombain e se encontra entre pessoas "vis". Seriam elas mesmo vis? Ou seriam simplesmente vis pelo fato de serem reflexos?

De súbito – com o milagroso espanto de Robinson ante a pegada de um pé humano na areia – percebe certa mitigação dessa infâmia: uma ternura, uma exaltação, um silêncio, num dos homens detestáveis. "Foi como se tivesse cruzado armas no diálogo um interlocutor mais complexo. " Sabe que o homem vil que está conversando com ele é incapaz desse momentâneo decoro; daí postula que este refletiu um amigo, ou amigo de um amigo.

Que será essa pessoa com quem o narrador sentiu tamanha ternura? Almostásim? Se for Almostásim, então porque o narrador resolveu procurá-lo, se o tinha em sua frente? Se Almostásim é Deus, fica fácil de se identificar o porque: muitas pessoas para se aproximarem mais de Deus se afastam mais dele, numa espécie de tentação, numa espécie de masoquismo (vide padres que passam na porta de prostíbulos e veem as pernas axadrezadas das prostitutas). ..

Uma chusma de cães cor de lua (a lean and evil mob of mooncoloured hounds) emerge dos rosais negros.

Mooncoloured? Ou moonmooned? =p

A game with shifting mirrors como subtítulo da obra dá uma prova bastante concreta à teoria da Penny... Mas... Porque espelhos que se deslocam? Isso explicaria perfeitamente o fato de Almostásim não ter sido encontrado tão facilmente pelo narrador mesmo ele sendo praticamente todas as pessaos: os espelhos se deslocam, e seus reflexos também... A cena final e não incluída no livro do encontro entre Almostásim e o narrador poderia muito bem ser desfeita com um soco na medida em que o espelho se movesse um centésimo de ângulo e adeus tudo: Almostásim foi-se...

Kelvin disse:
Mavverico,

Terminei agora minha primeira leitura. Acho que o conto não estava na edição das ficções que li alguns anos atrás. Será que Almostasin não estava procurando a si mesmo a semelhança das aves ? Confesso que não cheguei a uma conclusão segura quanto a essa conjetura. As aves também não sabiam que estavam procurando a si mesmas.

As aves apenas encontraram a si mesmas quando terminaram sua jornada: e o narrador? Sua jornada de fato terminou? Ou ele encontrou um hronir e se deu por satisfeito?

Será mesmo que o narrador matou alguém? Será que ele não matou a si próprio?

Outro capítulo insinua que Almotásim é o "hindu" que o estudante crê ter matado.

A última frase de um conto é geralmente importantíssima. Você pode passar seu livro inteiro escrevendo num "torpor literário" (que apenas a Vera Fischer e a torcida do Flamengo conseguem) -- mas você para pra escrever a última frase.

Se o estudante procura por Almostásim, que é o hindu... No que isso implica? Minha teoria é a de que o estudante matou a si próprio, subiu na torre tentando procurar a redenção (numa torre de marifm, porque não?), não a encontrou e passou, então, a procurar Almostásim, que era ele mesmo. Isso explicaria também a peregrinação do narrador de cidade em cidade, na tentativa de procurar o que havia perdido -- pois que nem ele sabia. Apenas num instante, quando encontra um reflexo de Amostásim (o primeiro do jogo que se desloca), ele de fato começa a procurar sua parte perdida...
 
.Penny Lane. disse:
Nossa!! Fico sem poder entrar no fórum por 4 dias e perco uma discussão dessas! ¬¬
Vamos ao novo conto então... a primeira coisa que me chamou a atenção: espelhos. Reparei que existem coisas e temas que são citados em muitos contos do Borges, nem que seja em um título de livro ou nota de rodapé...
Nesse caso os espelhos vão aparecer no resto do conto (os ecos de Almotásim) mas às vezes ele inclui espelhos, tigres, labirintos, etc, em detalhes pequenos dos contos. Estou dizendo isso aqui porque fiz uma leitura meio desatenta do inicio do conto e, mesmo a palavra aparecendo no subtítulo da obra analisada pelo narrador durante o resto do conto, e não um mero detalhe, pensei que fosse só mais uma dessas citações.

O que seriam essas pessoas que o narrador encontra? Pensei em uma coisa meio maluca... seriam o mesmo Almotásim multiplicado sob diferentes formas? (e em cada um desses ecos o narrador percebe uma parte dele) Sei que, se referindo a fantasma, Borges se refere a algo que não existe, no caso seria tudo uma grande metáfora para Deus, mas e se não existisse um único original? Isso me veio na cabeça quando li o conto e relacionei os espelhos, tão amados por Borges... as pessoas seriam ecos uns dos outros, como os espelhos da amiga da mãe da Manu, se multiplicando infinitamente, um sendo o reflexo do outro. Nesse caso, espelhos multiplicando uma única ilusão.(como disse Bioy, rs)
Aliás, Borges parece adorar o infinito também. Me lembrei imediatamente de outro conto dele que será discutido depois aqui quando li isso aqui:

a conjetura de que também o Todo- Poderoso está em busca de Alguém, e esse Alguém de Alguém superior (ou simplesmente imprescindível e igual) e assim até o Fim – ou melhor, o Sem-Fim – do Tempo, ou em forma cíclica.

Acho que quem leu sabe qual é. Essa espécia de "recursão infinita", aparece lá também.

Interessante seu comentário. De fato, esses temas são bem freqüentes em Borges (pena que não vai dar tempo de escavar as obras completas para buscar outros paralelos). Por falar em labirintos, consta inclusive uma menção ao Ulisses (livro que apesar de ter lido continua sendo para mim um grande labirinto). Acho que talvez o Mavericco, que tem conhecimento bem mais profundo em Joyce, possa trazer alguma luz sobre essa referência. Quanto aos demais temas mencionados, por entender relevantes à reflexão, trago uma citação que Borges fez de Carlyle e seu comentário posterior (pretendo ler alguma coisa do Carlyle) na entrevista que mencionei anteriormente:

"A história Universal é um texto que estamos lendo e escrevendo continuamente", e aqui vem o terrível, "no que também nos escrevem". A respeito dela, Borges afirma "nós não só escrevemos símbolos, mas somos símbolos, e somo símbolos escritos devido a algo ou alguém, podemos pensar nessas duas palavras como letras maiúsculas para que impressionem mais: escrito por Algo ou Alguém que não conhecemos, ou que conheceremos parcialmente algum dia"

Sobre o comentário do Tatarana sobre Godel, Escher e Bach (obra que não li toda), também lembrei muito da obra ao reler o primeiro conto (Lewis Carol, paradoxo, etc.). Esse último conto me lembrou, ainda, de Esperando Godot (ao inverso) e Solaris (o livro, não o filme que é bem inferior). Com o último comentário do Mavverico acabei lembrando também do Mito de Sísifo de Camus. Bem como o post está ficando grande, deixo os últimos comentários do Mavverico para o próximo post.
 
Os romances do Joyce são quase que estritamente construídos a partir da imagética do labirinto... Isso fica bem claro no Retrato do Artista Quando Jovem, que é, basicamente, uma sequência de labirintos que se movem ou algo assim: o protagonista, Stephen Dedalus (Dédalo, o lendário construtor de labirintos) sai do labirinto familiar para cair no labirinto religioso, sexual, espiritual, artístico... Ele só consegue de fato sair destes inextricáveis labirintos quando começa a construir seus próprios labirintos (como Dedalus é o alter-ego de Joyce, fica subentendido que esses labirintos são as suas posteriores criações artísticas). Mas no Ulisses nós não temos uma folga no labirinto, e aqui encontramos os labirintos físicos de Dublin, das pessoas de Dublin, de pensamentos entrecruzados, de pensamentos próprios... É como se o Ulisses, ao contrário do Retrato, fosse um labirinto mas universal, que abrangesse mais pessoas e mais fatos...

Borges cita o Ulisses varias vezes ao longo do livro Ficções, pela guaribada que dei, e um dos personagens do Jardim dos Campos que se Birfucam se chama Stephen Albert: um parente próximo do alter-ego do Joyce, o Stephen Dedalus.

No conto em questão, Borges fala dos insignificantes contatos da Odisseia com o Ulisses. O Ulisses foi baseado na Odisseia, mas os contatos efetivos dos dois textos são pequenos, e a Odisseia nada mais é que um sustentáculo verbal do Ulisses. Uma paródia. Um brinde no texto. Se não fosse a Odisseia, Joyce teria adaptado seus personagens e seu universo, seu labirinto a outra Grécia, seja ela original ou espelhada, hroniana ou abominável.

Podemos, assim, ter a teoria de que o romance de Almostásim possui uma espécie de sustentáculo de enredo com os livros citados, tais quais o Colóquio dos Pássaros... Mas isso não quer dizer que os dois textos são extremamente díspares ou que a "simples" dependência de enredo não seja importante... Num universo paralelo o Ulisses é baseado na Iliada e não na Odisseia; mas será que esse Ulisses desse universo paralelo é tão bom quanto este que possuímos? O narrador poderia estar mentindo, afinal... Essa repetição de paralelos pode ser muito mais significantes do que pensamos, oras... O esqueleto, por mais depreciado que seja (segundo Nietzsche, pelo fato das cosias essenciais serem malquistas), é fundamental, e pode ser a diferença entre um objeto e um espelho; entre um objeto e um hronir
 
Mavericco disse:
Tlon (...)
Essa revisão de um mundo ilusório se denomina provisoriamente Orbis Tertius e um de seus modestos demiurgos foi Herbert Ashe, não sei se como agente de Gunnar Erfjord ou como afiliado.

Fora isso, a primeira inclusão do mundo tloniano no mundo real deu-se com o advento de uma bússola: porque disso? Estava a bússola querendo indicar algum norte, algum rumo? Talvez sim. Borges diz no final que o mundo real se dissolverá com o advento de Tlon, pouco a pouco, congenitamente... É porque o mundo real é o livro e o fantástico ao mesmo tempo, e é também porque na mesma medida em que Tlon invade Ficções, Ficções invade Tlon, e nós simplesmente não podemos saber o que é verdadeiro ou falso ou quem é legítimo: um jogo de espelhos que se deslocam, como Almostásim descobre mais abaixo....

Interessante esse comentário sobre a bússula para dar um norte e todas as suas consqüências.

Mavericco disse:
A aproximação a Almostásim

Se todas essas pessoas encontradas pelo narrador são o mesmo Almostásim, não seria estranho que ele procurasse tanto? Vai ver ele não procurava por hronirs de Almostásim, mas sim pelo próprio Amostásim...

Essas pessoas sendo abomináveis dá uma conotação diferente quando o narrador vai pela segunda vez a Bombain e se encontra entre pessoas "vis". Seriam elas mesmo vis? Ou seriam simplesmente vis pelo fato de serem reflexos?

De súbito – com o milagroso espanto de Robinson ante a pegada de um pé humano na areia – percebe certa mitigação dessa infâmia: uma ternura, uma exaltação, um silêncio, num dos homens detestáveis. "Foi como se tivesse cruzado armas no diálogo um interlocutor mais complexo. " Sabe que o homem vil que está conversando com ele é incapaz desse momentâneo decoro; daí postula que este refletiu um amigo, ou amigo de um amigo.

Não estaria o Borges querendo se referir ao fato de que para nos encontrarmos temos que mirar nos outros (espelhos que nos refletem). A menção ao Robinson Crusoé que ficou isolado numa ilha parece querer transmitir essa idéia. Para Robinson Crusoé voltar a ser humano ele tinha que buscar nos outros a natureza humana que perdeu quando ficou isolado. Ele sabia que o homem vil (=bárbaro= sexta-feira) não era suficiente para atender suas necessidades de civilização. Daí postulava/fantasiava este (sexta-feira) como um amigo (segundo Borges, pois deve ter uns vinte anos que li Robson Crusoé).

[quote='Mavericco' pid='105226' dateline='1297198485]
Os romances do Joyce são quase que estritamente construídos a partir da imagética do labirinto... Isso fica bem claro no Retrato do Artista Quando Jovem, que é, basicamente, uma sequência de labirintos que se movem ou algo assim: o protagonista, Stephen Dedalus (Dédalo, o lendário construtor de labirintos) sai do labirinto familiar para cair no labirinto religioso, sexual, espiritual, artístico... Ele só consegue de fato sair destes inextricáveis labirintos quando começa a construir seus próprios labirintos (como Dedalus é o alter-ego de Joyce, fica subentendido que esses labirintos são as suas posteriores criações artísticas). Mas no Ulisses nós não temos uma folga no labirinto, e aqui encontramos os labirintos físicos de Dublin, das pessoas de Dublin, de pensamentos entrecruzados, de pensamentos próprios... É como se o Ulisses, ao contrário do Retrato, fosse um labirinto mas universal, que abrangesse mais pessoas e mais fatos...

Borges cita o Ulisses varias vezes ao longo do livro Ficções, pela guaribada que dei, e um dos personagens do Jardim dos Campos que se Birfucam se chama Stephen Albert: um parente próximo do alter-ego do Joyce, o Stephen Dedalus.

No conto em questão, Borges fala dos insignificantes contatos da Odisseia com o Ulisses. O Ulisses foi baseado na Odisseia, mas os contatos efetivos dos dois textos são pequenos, e a Odisseia nada mais é que um sustentáculo verbal do Ulisses. Uma paródia. Um brinde no texto. Se não fosse a Odisseia, Joyce teria adaptado seus personagens e seu universo, seu labirinto a outra Grécia, seja ela original ou espelhada, hroniana ou abominável.

Podemos, assim, ter a teoria de que o romance de Almostásim possui uma espécie de sustentáculo de enredo com os livros citados, tais quais o Colóquio dos Pássaros... Mas isso não quer dizer que os dois textos são extremamente díspares ou que a "simples" dependência de enredo não seja importante... Num universo paralelo o Ulisses é baseado na Iliada e não na Odisseia; mas será que esse Ulisses desse universo paralelo é tão bom quanto este que possuímos? O narrador poderia estar mentindo, afinal... Essa repetição de paralelos pode ser muito mais significantes do que pensamos, oras... O esqueleto, por mais depreciado que seja (segundo Nietzsche, pelo fato das cosias essenciais serem malquistas), é fundamental, e pode ser a diferença entre um objeto e um espelho; entre um objeto e um hronir[/quote]

A partir da sua idéia fico me perguntando: não seriam os personagens de Borges também labirintos que se encontram, se entrecruzam e se separam ? Aliás como as próprias linhas de um labirinto. Talvez por isso as referências a Ulisses (= labirinto Joyce) (= Odisseu= ninguém na Odisséia XI, 365 e ao mesmo tempo vários no conjunto da Odisséia). Não é a própria Odisséia para alguns uma obra coletiva que atribuíram a Homero (referência as mil e uma noites e ao I ching s.m.j no primeiro conto). Viajei né ? XD Mas os paralelos em Borges parecem se multiplicar ao infinito ...

Haja vista essas analogias, as referências à morte de um hindu no último conto e ao infinito, bem como a perspectiva mencionada pelo Tatarana acerca de tudo ser uma ilusão, acho que ficou claro um paralelo também com a deusa Maya da mitologia hindu. Li algumas coisas no livro Filosofias da India de Heinrich Zimmer, pena que não vai dar pra postar devido ao horário.
 
Gente, acho muito legal o que vocês estão fazendo aqui e por favor, continuem. Seria ótimo se isso acontecesse com todos os tópicos, aliás. Mas tive que editar uma mensagem da Manu com link para texto porque o Borges ainda não se encontra em domínio público. Espero que isso não estrague a leitura e discussão de vocês, e que continuem fazendo isso por aqui e que, vendo que a coisa funcione, migrem para outros tópicos também.

Parabéns pela iniciativa dos envolvidos, mesmo. :sim:
 

Valinor 2023

Total arrecadado
R$2.434,79
Termina em:
Back
Topo