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Discriminação e arte.

Ouvi uma vez um podcast sobre literatura, e o cara dizia que tinha o livro de um determinado autor, mas devido a comentários homofóbicos ou qualquer coisa que esse teria feito em redes sociais, o livro foi descartado sumariamente.

Como eu comentei no Feicetruque, se formos seguir tal princípio, podemos jogar fora Pound, Céline, Aristóteles, Dickens... Eu não gosto da pessoa Elia Kazan, mas caramba, "Sindicato de Ladrões", seu filme-desculpa/justificativa, é um dos melhores que eu já vi! Também não gosto da pessoa John Wayne, mas "Onde Começa o Inferno", uma resposta ao "Matar ou Morrer", de Fred Zinnemann, ambos filmes que se colocam em lados opostos da crise envolvendo o mccarthyismo, é um dos melhores filmes de faroeste de Howard Hawks - assim como o filme de Zinnemann. Detesto Wagner, mas acho incrível suas composições. E por aí vai. Se formos além da obra, se quisermos avaliar pela pessoa por trás dela, nada sobrevive ao escrutínio, seja por razões morais ou ideológicas.

Olha, já sobre o funk... Não creio que aí o autor faça questão de se separar do 'eu lírico'. Eles afirmam e reafirmam que são assim, pensam dessa forma porque se consideram 'autênticos', e que a música é sua forma de se expressar. O conceito de 'autenticidade' deles deve ter parado na quinta série, mas deixa esse assunto pra lá..

O mesmo fenômeno é visto na literatura brasileira contemporânea e ninguém reclama tanto, vai lá saber porque... :lol:


EDIT: Acho que uma forma boa de avaliarmos uma obra é vendo se, despida desse teor ideológico - como em Céline -, ela ainda se mantém relevante. Um exemplo é assistir qualquer filme do Eisenstein e saber que aquilo ali é propaganda socialista. Mas a força da obra vem do uso revolucionário que ele faz das câmeras e cortes ou da propaganda em si? Se da propaganda, se você consome pelo que está presente, sem se importar com aspecto técnico, então a obra não deve ser tão boa assim.
 
Última edição:
Meu autor preferido(Brasileiro) é Monteiro Lobato. Li as obras dele quando tinha meus 9-11 anos e até hoje lembro de trechos. Quando mais velha passei a analisar mais conscientemente a obra dele e percebi o preconceito. Mas as lições já passadas não deixaram de existir. E sinceramente, não é possível desvincular um autor da sua época e a época que o ser humano vive,molda em parte seu pensamento. Ele escreveu contos como 'Negrinha' que denunciavam os maus tratos a crianças negras.
Ninguém lembra que Machado de Assis escreveu coisas que dentro da linha de pensamento de quem acha Monteiro preconceituoso seria apoio ao segregacionismo.
Gente,uma obra deve ser avaliada pelo o que ela é. O autor está intrisicamente ali mas não deve ser julgado separadamente, eu não gosto do George R.R. Martin mas curto os livros dele. E aí?
 
Wow...
Isso ai dá pano pra manga, e, adoro manga bem docinha. XD
Muitas coisas surgem, creio eu que, o artista, seja escritor, pintor, etc.. está preso a sua época. E no decorrer das épocas os conceitos, leis, direitos, etc. mudam. Julgar a obra pelo autor é maldade para com a obra, mas julgar a obra ignorando o autor é, no mínimo, ingenuidade. Pois as obras não são livres e absolutas por si só, não surgiram, alguém as criou, baseado em tudo o que compreende todo o seu ser, desde por tudo o que passou e que não passou, pelo que acredita, pelo que não acredita, pelo que pensa e pelo que não pensa e pelo tempo, especialmente pelo tempo. Quero dizer que existem obras com caráter político, em forma de propaganda, arte que era propaganda assim como há propaganda que é arte!
No universo das artes tudo toma proporções e noções complexas demais pra minha cabeça. Assim como foi dito, diz-se que Wagner tinha seus preconceitos, hoje horrendos, na época normais? Mas sua obra é propaganda de suas idealogias e crenças?
Creio que se Hitler tivesse pintado a Monalisa ela não seria a mesma Monalisa, pois teria sido pintada em uma época diferente e certamente que por um longo tempo existiria uma grande propaganda anti-nazista que diria que a Monalisa é uma porcaria nazista da mente deturpada de um alemão louco.
o_O
É duro entender. É difícil ter um quadro de Hitler na parede de casa. Seria inocência dizer: Só achei bonito. O quadro possuí muita carga histórica, por assim dizer. Eu, particularmente, preferiria comprar um quadro desses artistas de rua, ajudaria alguém e nunca precisaria dar explicações às visitas. =P
 
Você levantou um ponto interessante com esse exemplo do quadro. A diferença é que um quadro fica em exposição na sua casa e creio que ninguém ia querer ter um quadro de Hitler a vista, por mais belo que fosse, justamente por ter que eventualmente dizer a alguma visita que é do Hitler. Ou seja, obra de exposição, seja pintura, escultura, etc, feita por um cara responsável por tanta atrocidade é algo qur eu evitaria ter em casa apesar de admitir que são bem feitas.
Mas eu não deixo de ler um livro por exemplo por causa do autor. Obviamente a obra, enquanto produto do autor, carrega muito do mesmo em suas mais diferentes facetas, mas eu prefiro ler e julgar a obra em seus próprios méritos. Caso seja propagandista ou eu sentir que o autor se esconde atrás de um personagem para destilar seus preconceitos ou o que seja, provavelmente a obra também não será grande coisa.
 
Todo ser é capaz de produzir o Belo e o Bem, não importa o quão posicionado em um monturo moral esteja.
A avaliação não se restringe apenas a distinguir ou não obra/autor mas é uma questão profundamente ontológica.
O Belo e o Bem, acredito eu, dá-se a existencia a partir de mãos que cuidam de flores e de mãos que matam pessoas, e a mistica acontece quando o "Belo" permanece belo, ou torna-se belo, ao romper as amarras de quem o criou.
 
Não quero dizer que um cara preconceituoso não poderá produzir o Belo e o Bem, como disse e aliás show de bola isso ai. Eu, pra dizer a verdade, nunca busco informações do autor antes de ler um livro, não penso no autor ao ver uma obra de arte. Se eu gosto da obra, ai sim! Vou buscar o autor, quem é? Que mais que fez?
=D
Sendo assim, algumas coisas entende-se melhor a obra, por exemplo Dostoiévski, quando queria que algum personagem tivesse um fim pior que a morte ele mandava pra sibéria. Isso porque ele mesmo considerava tal, pelo tempo que ficou lá! =D
 
Entre a face e a máscara: como separar criador e criatura?
26 de Outubro de 2017 às 09:31

Certa vez, entrevistando Steven Spielberg, perguntei se ele conseguia separar o criador ou criadora de sua obra. A pergunta era motivada por Hergé, cartunista belga criador dos personagens e quadrinhos de Tintin e companhia, e uma duradoura paixão de infância de Spielberg – tão duradoura que levou à realização do seu filme As Aventuras de Tintin, em 2011.

Criativo, mestre do traço e da narrativa, Hergé, nom de plume de Georges Prosper Remi (1907-1983), também era um simpatizante da extrema-direita que repetidas vezes incluía representações racistas de personagens não-brancos em suas histórias, e foi preso como colaborador nazista pelo governo belga depois do final da Segunda Guerra Mundial.

“É difícil”, Spielberg me respondeu. “Mas é essencial separar a pessoa da obra. No caso de Hergé, creio que ele teve uma longa jornada pessoal em que reviu muita coisa e mudou de postura. Mas o garoto que fui e sou não sabia nada disso quando se apaixonou por Tintin. Não fiz o filme em tributo a tudo de negativo que Hergé possa ter em sua vida, mas em reconhecimento de sua obra.” Spielberg fez uma longa pausa e acrescentou. “Olha, se eu não conseguisse fazer esse esforço eu jamais ouviria Wagner de novo.”

A questão voltou na minha cabeça com força esta semana. A devassa provocada pelas matérias do The New York Times e da The New Yorker sobre o segredo menos secreto de Hollywood: a predileção do ex-poderoso produtor Harvey Weinstein pela agressão sexual, assédio e estupro. No vórtex dessa devassa, o outro segredo menos secreto da indústria está sendo desvendado: agressão sexual, assédio e estupro são parte da cultura da indústria do entretenimento desde suas origens, e exige uma mudança profunda, que de fato torne esse tipo de comportamento inaceitável e intolerável e – mais importante – abra mais oportunidades para mulheres em posições de decisão e poder.

O conta-gotas das revelações vai, inevitavelmente, atingir realizadores e talentos cujo trabalho admiro. Há décadas ouço esses rumores e, mais que isso, mais de uma vez me vi em situações semelhantes. Serei capaz de separar uma coisa da outra? Serei capaz de não ver – ou, vendo, relevar – na obra dessas pessoas as reverberações de suas sombras?

Por coincidência (ou não), acabei de ler um livro excelente que, entre muitas outras coisas, é exatamente sobre esse tema. The Night Ocean, de Paul La Farge, é, sobretudo, um livro sobre escritores e sobre o poder da narrativa: é uma espécie de matriochka russa (ou um conto das Mil e uma noites...) em que uma história se aninha dentro de outra história dentro de outra história. A principal voz narrativa é de uma psicanalista de Nova York, ao mesmo tempo abalada e intrigada pelo que pode ter sido (ou não) o suicídio de seu marido, após um colapso nervoso.

O marido, pesquisador e autor, era obcecado com um escritor – H. P. Lovecraft – e, particularmente, com um episódio bizarro do que, curiosamente, foi a vida pacata de um dos maiores autores de sci-fi de terror e bizarrice: o relacionamento de Lovecraft com o antropólogo, linguista e escritor Robert Barlow, quando ele ainda era um menino de 13 anos.

Não vou dizer mais nada porque La Farge tece uma trama perfeitamente entrelaçada, onde fatos são infinitamente menos importantes do que a narrativa do que pode ou não ter acontecido. E central nas múltiplas histórias que circulam em torno do incidente que deflagra a trama, está exatamente essa questão: é possível amar as obras de Lovecraft sabendo que ele era racista, antissemita e – a gota que faltava – provavelmente um pedófilo? (William Burroughs e Isaac Asimov também fazem parte da trama, e Burroughs não se sai bem muito bem da peleja...)

A questão de separar autor/a e obra é um traço essencial da história – ao longo de mais das sete décadas que a narrativa cobre, amar ou odiar autores depende, em vários momentos, de quem eles são e o que fazem no mundo de carne e osso, e não naquilo que colocam em seus textos. Em um momento crucial – o auge do Macartismo, nos anos 1950 – a tensão entre autor e obra gera um novo monstro: deveria toda a ficção científica e literatura fantástica ser condenada e banida por conta de quem seus autores são?

The Night Ocean é bárbaro, mas não há respostas fáceis. Nunca suportei o machismo de Hemingway, mas sempre fui leitora assídua e apaixonada de suas obras – o que me levou a descobrir a outra metade dessa história, que é Martha Gellhorn, outro ícone da minha vida de peregrina das letras.

Existe a máscara e existe a face, e existem os pequenos mundos que criamos para justificar o tempo que passamos entre o berço e o túmulo. É possível desfazer o nó que costura vida e arte?

* * * * *
Ana Maria Bahiana nasceu no Rio de Janeiro e vive em Los Angeles. Jornalista cultural, escreveu sobre cinema e música em publicações como Rolling Stone, Bizz, Jornal do Brasil e Folha de S. Paulo, entre outras, e foi correspondente, na Califórnia, das redes Globo e Telecine. É autora de Como ver um filme (Nova Fronteira, 2012), Almanaque dos anos 70 (Ediouro, 2006) e Almanaque 1964 (Companhia das Letras, 2014), entre outros livros. Ela contribui para o blog com uma coluna mensal.

Fonte: http://www.blogdacompanhia.com.br/c...e-e-a-mascara-como-separar-criador-e-criatura
 
Existe a máscara e existe a face, e existem os pequenos mundos que criamos para justificar o tempo que passamos entre o berço e o túmulo.

Para mim, esse trecho define bem a questão. Perfeito. :D

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