Fox disse:
Da parte de mangás eu tenho que dizer que discordo, no tocante à variedade.
Mangás têm bastante variedade sim, se não em termos de traço, pelo menos em termos de
gêneros. O problema é que os títulos costumam invariavelmente seguir fórmulas de sucesso comprovado, independente do gênero.
Mas são muitos gêneros. Por exemplo, existem inúmeros mangás sobre esportes, algo inexistente nos quadrinhos ocidentais. Mas aí tem a questão das formulinhas: se for um mangá sobre futebol, vai ter o time dos heróis e o time dos vilões, que vão se enfrentar na final do campeonato, e o time dos heróis vencerá a partir de um grande sacrifício, enquanto o interesse romântico do protagonista se desespera nas arquibancadas (claro que isso é uma generalização grosseira, mas não está muito longe da verdade).
Existem também mangás de romance, mangás sobre bandas, sobre o cotidiano escolar ou profissional, sobre tudo que você possa imaginar. Então a diferença é basicamente essa. Mangás variam os gêneros, e os comics variam
dentro dos gêneros (inclusive se concentrando em
subverter gêneros, de uns tempos pra cá).
E talvez seja isso que falte nos mangás.
Subversão. As histórias podem falar sobre dezenas de temas diferentes, mas o resultado é basicamente sempre aquela mesma coisa, enlatada e direcionada para um público específico. (Eu acho que essa discussão já aconteceu em outro lugar, mas quem se importa?)
Pensando sobre os parênteses acima, eu não sei se já disse o que vou dizer a seguir, mas whatever. Vou dar um exemplo: Shaman King. Um dia um cara leu ou ouviu falar sobre shamans e mundos espirituais e resolveu fazer um mangá sobre isso. O que saiu? Um protagonista juvenil que controla poderes representados por avatares visualmente espalhafatosos ativados por comandos vocais, que enfrenta antagonistas juvenis que controlam poderes representados por avatares visualmente espalhafatosos ativados por comandos vocais.
Isso é
fórmula. Se você tirar o conceito de "shaman" disso, o que sobra não é muito diferente de Cavaleiros do Zodíaco ou algo assim. E esse é o problema do mangá, IMO.
Existem exceções, mas elas aparentemente são desencorajadas pelas editoras, ou os autores simplesmente não têm interesse em explorá-las.
Muita gente gosta de NG Evangelion, porque as histórias exploram os anseios e frustrações da juventude, além de tocar em temas delicados como a questão de onde os homens se encaixam nos planos de Deus, etc. Mas, putz grila, pelo pouco que eu li isso me pareceu mais uma desculpa pra mostrar robôs gigantes.
É por isso que eu me interesso por poucos mangás, apesar de ser totalmente fanático por longas de animação japoneses. Mas se você for ver
quais são esses longas de animação pelos quais eu sou fanático, vai descobrir que são aqueles que não se submetem a fórmulas, como os do Miyazaki, um cara que consegue ser um verdadeiro
auteur num mercado completamente estagnado por criações derivativas.
Mas estamos falando de quadrinhos aqui, não animação (apesar de que no Japão os dois são divididos por uma linha bem tênue), e eu disse que me interessava por poucos mangás, o que significa que eu me intereso por
alguns. Bem, quais são eles?
Basicamente aqueles que têm alguma preocupação com a própria integridade artística, e não se deixam invadir por convenções destruidoras de criatividade. Eu posso, por exemplo, ler Vagabond com a certeza de que ninguém ali vai ficar gritando nomes de golpes durante uma luta, e isso já é reconfortante.
Tipo, quando Akira foi lançado muitos japoneses torceram o nariz, dizendo que o Otomo tinha feito um mangá "ocidental demais" (o que é uma tremenda besteira). "Mas peraí, isso explicaria o sucesso internacional de Akira!", você pode dizer. Na verdade a coisa é mais assim: Akira foi um mangá com integridade artística e sem convenções, e por isso se tornou algo menos hermético para o público internacional, que obviamente não estava acostumado com essas convenções.
Hoje em dia todo mundo está familiarizado com essas convenções, então os mangás de maior sucesso têm público garantido até aqui no Brasil, onde estão vendendo bastante (eu, por exemplo, não posso ir até a banca sem esbarrar em alguém comprando mangás).
Tecnicamente isso não teria a menor lógica, já que os quadrinhos ocidentais estão passando por uma fase ótima, enquanto os mangás se encontram no estado que eu descrevi acima. Mas, como sempre, as coisas não são exatamente o que parecem ser.
Temos que considerar algumas coisas pra entender o que está acontecendo: primeiro, todo mangá tem um fim. Segundo, quadrinhos ocidentais são publicados aqui
há muito mais tempo.
Assim sendo, o mangá é relativamente algo "novo", enquanto todo mundo já está de saco cheio de olhar pra cara do Homem-Aranha. Séries clássicas e de grande sucesso (como Dragon Ball e Cavaleiros do Zodíaco) já terminaram no Japão há anos, mas só estão sendo publicadas no Brasil agora, porque há pouco tempo atrás não havia público pra elas além dos geeks viciados que corriam atrás de pokets importados.
Foi com as séries de TV que o interesse começou a crescer, e uma demanda surgiu. Aí é que entra o fato de todas as séries de mangá terminarem: os leitores podem acompanhar uma série sabendo que em praticamente todos os casos foi o mesmo cara que escreveu aquilo do começo ao fim, e que a coisa vai ter uma conclusão. Isso encoraja o leitor a acompanhar, enquanto que o sistema dos regulares americanos (que normalmente estica a coisa indefinidamente, fazendo com que a série tenha inúmeras mudanças de autores, o que resulta em fases boas e fases ruins), pode ser bastante desencorajador para novos leitores.
Então, tipo, ao criticar o mangá que é publicado
aqui deve-se entender que só as séries de maior sucesso chegam às nossas bancas.
No entanto, do jeito que eu vejo isso só agrava a situação. A coisa passou por uma filtragem minuciosa e
mesmo assim não há muita variedade nas histórias.
Por que então o mangá faz tanto sucesso? Estão preparados? Pelo mesmo motivo que super-heróis fazem sucesso: o público é
burro e gosta da
mesma merda de sempre.
Por que 100 Balas, Tomorrow Stories, Preacher e outras coisas realmente originais têm que ser publicadas por editoras pequenas com distribuição setorizada e constante perigo de cancelamento? Porque coisas originais
não vendem.
Taí o fracasso de New X-Men que não me deixa mentir. O povo não quer novas idéias, o povo quer
colantes coloridos e
a mesma merda enlatada de sempre.
O povo quer mocinho x bandido, romance novelesco, música pop, Big Brother e lobotomia pro café-da-manhã.
Agora dá licença que eu vou me enforcar no chuveiro.