Só não entendi o problema com o método científico. Se a ciência hoje é dogmatizada, isso significa que a culpa (ou mesmo parte dela) é do método?
Em parte é do método que não se constroi sem referenciais filosóficos, sem uma certa concepção de mundo, sem uma posição do próprio observador face ao fenômenos observado que leva em conta uma série de variáveis que dependem também da confiança mais ou menos irrefletida nessas mesmas concepções e mesmo em equipamentos, em instrumentos científicos e 'de trabalho' etc. Mas a grande responsabilidade mesmo é a de um zeitgeist materialista que reduz cada vez mais e mais o valor e o nível do conhecimento, descendo e descendo, para uma confiança cada vez mais cega no conhecimento empírico, quantificável, observável, muitas vezes sem o acompanhamento de necessária reflexão, de um centro de investigação e saber que se alia, que dialoga com outros ramos científicos, com debates mais ousados sobre a unidade do conhecimento, sua definição etc.
E embaixo de tudo a superstição moderna de que os progressos materiais compensam e avalizam as experimentações por si mesmas e sua dogmatização, sua instrumentalização ideológica.
Eu não entendi o termo dogma.
Não? Isso é sério? A imagem que é passada de que não existe nenhum conhecimento mais valorizado em si mesmo que a ciência não lhe parece dogmática?
O método cientifico não é um problema. Ele é só a forma de como as pesquisas no mundo todo conversam entre si.
Mas hem? O método não é um problema? Mas é claro que é um problema, é um problema imenso, gigantesco, monstruoso!
Ainda que todos os 'problemas' não possa se reduzir a uma questão metodológica é inegável que existe nessa 'conversa' uma série de ruídos, de barulho, de problemas de comunicação, de frequência. Existe uma imensa dificuldade de saber quando normatizar métodos a partir de resultados, de quando individualizá-los, de como operar em termos práticos para se obter o melhor das condições de observação, de busca por uma certa impessoalidade no trabalho que possa contribuir cada vez mais e melhor na apreensão da objetividade nos dados, visando diminuir o mais possível interferências da subjetividade. É um problemão!
Ora, se a própria evolução dos métodos está intrinsecamente ligada não apenas aos próprios desenvolvimentos científicos como à mesma vida do mundo social, intelectual, religioso em que se opera!
Ela pode mesmo determinar o que é? Tem certeza disso? Digo, quantas vezes já refutamos teorias científicas no passado? (e fazemos agora), como podemos ter certeza de que a atual está certa e não será nunca mais refutada?
E não se trata apenas de refutação de teorias mas em um grau menor das transformações estruturais que o método e o próprio modo de 'fazer ciência' e 'pensar o mundo' que estão direta ou indiretamente relacionados com os efeitos dessas mesmas refutações.
E, em grau maior, e quando não se trata de refutações simplesmente, mas de mudanças totais, verdadeiras revoluções de paradigma, de método, de concepção espiritual e cosmológica? A passagem da ciência medieval ao sistema de Galileu e Copérnico, o mecanicismo cósmico de Newton, a física relativista e quântica? Essas revoluções não se operam fora do trabalho científico, mas elas não são menos criações humanas, produto do gênio humano, que a Renascença ou que a Revolução Francesa. Essas coisas levam décadas, mesmo séculos, exigem suor e lágrimas e frequentemente sangue, principalmente quando se confrontam com concepções mais tradicionais de se ver o mundo e quando o diálogo com estas se mostra complicado ou nem se coloca.
Quando eu falo que existe subjetividade, quero dizer que não existe uma resposta objetiva, tu diz que a ciência informa como as coisas "são", inclusive citando Einstein, no entanto aceita como plausível uma visão interpretativa das coisas. Assim, ciência descobre fatos sobre o mundo ou ela constrói uma interpretação dos fatos sobre o mundo? Quando eu digo constrói uma interpretação, tu entende que isso é a mesma coisa que as religiões fazem e que a comunidade científica critica, por que eles não tem autoridade de dizer como as coisas são..
É bem por aí mesmo, principalmente porque não se compreende que se não fossem os rumos pelos quais seguiu a filosofia escolástica dos séculos XIII e XIV, dificilmente haveriam tantas confusões e tantos conflitos como houveram entre religião e ciência, fato que nunca, ou muito raramente, se de deu em outras civilizações tradicionais, como a China, a Índia, Islã etc.
Aí a limitação é humana? é isso? O ponto do artigo inicial era que o limite da ciência era a nossa cognição, e o meu ponto era questionar se era tão "superior" o limite assim, ou seja, antes de falarmos de limite da cognição para o limite da ciência, o limite da ciência está bem abaixo, ao não conseguirmos definir o que é ciência.
Ou seja, a questão não é tanto à capacidade cognitiva do observador quanto o é para a relação do saber propriamente científico em relação a outros pontos que compõem a gama de 'saberes possíveis' do homem, correto? Sobre isso aqui só seria possível dissertar páginas e páginas.
Não é culpa do método, é culpa da sociedade que coloca a ciência como autoridade sobre como as coisas são, sendo que a ciência não tem como dizer que as coisas são como ela diz que são. Dogma é um princípio dito por uma autoridade que é considerado verdadeiro sem poder ser questionado.
Bem por aí mesmo. Só não acho que exista realmente um hiato conflituoso entre ciência e sociedade. Se é fato que a sociedade toma os resultados das ciências positivas pelos seus efeitos técnicos mais materiais e do ponto de vista mais grosseiro, até animalesco, a ciência não está separada desse processo. O processo de alienação mental e espiritual das pessoas e da sociedade como um todo com relação ao entendimento do lugar próprio da ciência em si, na sua mente e no próprio usufruto de seus resultados tem muita responsabilidade da própria ciência, tanto pelo divórcio que esta realiza com relação à sociedade (aquela maldita dicotomia entre senso comum e saber científico) quanto pela sua auto-referencialidade moderna, onde muito da sua 'autonomia' nada mais é que um longo processo de auto-gnosticização, de sua transformação em um tipo de saber esotérico, transmitido apenas a iniciados, cada vez mais intelectualizado e distante da apreensão pela maioria dos mortais, ficando cada vez mais e mais dotada de um caráter místico e proibitivo.
A física moderna parece apenas acentuar esse aspecto. Nada explica. A tudo quantifica, mensura, disseca, mas nada explica, sintetiza. O reino da análise sobre o da síntese, nada mais é que um anti-conhecimento, muitas vezes, pois prefere a parte ao todo, se deleita na observação cada vez mais apurada, analítica, dos elementos cada vez menores e cada vez mais ininteligíveis e tem uma incapacidade invencível de coordenar essas montanhas de dados e de fluidos interpretativos em uma teoria unificada do cosmo. Acentua-se o divórcio entre ciência e filosofia, joga-se a sabedoria para escanteio e se privilegia o saber periférico, compartimentalizado, parcial, detalhista, que nada explica, parece ser realizado com o intuito puramente técnico, prático.
A questão é que não existe método científico. Os cientistas se utilizam de qualquer ferramenta à mão para provarem suas teorias (esse é exatamente o ponto de Feyerabend que eu citei).
Isso é verdade. Pode ser uma teoria cosmológica que fundamente um método ou uma tradição metodológica mas no geral, em função da praticidade, o melhor é mais comum é que se prefira uma multiplicidade de métodos que se possa chegar ao que se interpreta como verdade, ou como um centro de probabilidades mais altas para se validar 'algo'.