Fúria da cidade
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Introdução por @Melian
Comentário de @Loveless
1. Fausto (Goethe)
Quando conheci a história do livro, e a história fáustica em geral, fiquei assustado e ao mesmo tempo fascinado. Peguei-me pensando nela por dias, semanas, até decidir comprar o bendito livro. Logo no início, um impacto: não entendi absolutamente nada da Dedicatória. O Prólogo no Teatro tampouco foi inteligível. Será que essa obra era mesmo para mim?
A partir do Prólogo no Céu as coisas ficaram um pouquinho mais claras. Lá fui apresentado a um dos melhores personagens da literatura de todos os tempos: Mefistófeles. Irônico, sagaz, sarcástico, astuto, ardiloso, malicioso, e, ao mesmo tempo, fascinante.
Não nego que o livro é bastante complexo, ao menos para mim; foi a leitura mais difícil da minha vida até ler Origem do Drama Trágico Alemão, do Walter Benjamin; só que, ao contrário desta, a leitura de Fausto foi muito gratificante. De fato, foi uma aventura, passando por altos e baixos, pelo grotesco e pelo belo, pela alegoria e pelo símbolo, pelo infernal e pelo divino, até chegar na última cena do último ato do segundo livro, a cena do Desfiladeiro, sem dúvidas uma das coisas mais lindas que já li; cena essa cujos diálogos foram imortalizados na segunda parte da Oitava Sinfonia de Mahler, certamente a mais bela dentre todas as sinfonias do universo.
Cada leitura é uma aprendizagem nova, é um pedaço de mim que se completa, ainda que pouco a pouco. Sinto-me um ser mais completo especialmente após ler obras dessa magnitude.
(Esse texto originalmente tinha uns oito parágrafos, mas se ninguém vai ler isso, imagina duas vezes disso).
2. O Silmarillion (J. R. R. Tolkien)
Cumprindo a cota de Tolkien da lista.
Sempre fui fascinado pelos filmes do Senhor dos Anéis. Assisti incontáveis vezes, desde quando era criança. Os filmes do Hobbit, apesar de suas questionáveis qualidades, trouxeram novos aspectos da obra para os leigos como eu, e esses aspectos relativos ao universo do Legendarium foram me deixando cada vez mais curioso. Toda hora eu pesquisava alguma coisa e vivia no Tolkien Gateway. Até que chegou um dia que percebi: tenho que ler O Silmarillion. Ao contrário da maioria, que começa com o Hobbit ou com a trilogia, eu fui direto na fonte de tudo. E saí dela apaixonado.
3. O Lobo da Estepe (Hermann Hesse)
Harry Haller é um personagem insuportável. Arrogante, pedante e hipócrita, ele consegue ter várias características detestáveis. E é por isso que eu o odeio: porque eu me identifico muito com ele. Porque vejo nele muito de mim, e porque vejo em mim muito dele. Meu sonho é que algum dia um transeunte qualquer me entregue o meu próprio Tratado do Lobo da Estepe – Só para loucos.
Em certo ponto da história, encontramos ela. Ele. Hermínia. Personagem fascinante, mágico, místico, difuso, fantástico, fabuloso, sobrenatural, apaixonante. O resto é história. (Cês perceberam o quanto eu amo e me ligo aos personagens, né?)
Entendi alguma coisa do final? Não. Algum dia entenderei alguma coisa do final? Provavelmente não. Mas, senhoras e senhores, que final sensacional.
4. O Barão nas Árvores (Italo Calvino)
O Barão Cosme Chuvasco de Rondó decidiu um belo dia simplesmente morar na copa das árvores e nunca mais descer. Parece bobo, e talvez realmente seja. Mas como não se apaixonar pela deliciosa escrita de Calvino e pelos seus personagens? O livro é muito gostoso de ler; talvez seja o mais saboroso e delicioso que já li na vida.
É impossível não sentir alguma coisa pelo livro, pelos seus personagens, pela história, pelos lugares, pelas paisagens, pela forma em que a história é contada. Começando pelo personagem principal, Cosme Chuvasco de Rondó, o Barão de Rondó, que aos doze anos decide subir nas árvores para nunca mais descer. Há outros personagens memoráveis, como o apaixonante João do Mato, Viola, o abade Fauchelafleur, o advogado Eneias Sílvio Carrega, a irmã Batista, Ótimo Máximo... praticamente todos que passam pela vida de Cosme. Talvez o personagem menos interessante seja mesmo Biágio, o irmão de Cosme, que é quem narra a história.
É o terceiro livro da trilogia Os Nossos Antepassados, do Calvino. Os outros dois livros também são excelentes, na mesma pegada. Recomendo a todos de todas as idades.
5. A História Secreta de Twin Peaks (Mark Frost)
Não é difícil perceber que eu sou apaixonado por Twin Peaks, vide minha foto de perfil. Mais uma vez, declaro aqui minha relação intensa com os personagens. É impossível conhecer essa cidadezinha cheia de mistérios na fronteira com o Canadá e não se apaixonar por ela, por suas paisagens, e especialmente por seus personagens.Poucos sabem, mas além das três temporadas — a última lançada 25 anos depois da segunda, afinal, I’ll see you again in 25 years — também foram lançados alguns livros que são considerados canônicos. Entre eles está o famoso Diário Secreto de Laura Palmer e esse aqui, A História Secreta de Twin Peaks, escrito pelo co-criador da série, Mark Frost.
O livro é um dossiê escrito por um arquivista anônimo sobre a história da cidade de Twin Peaks, sobre seus personagens, e, especialmente, como seu nome sugere, sobre seus mistérios. Envolve as forças sobrenaturais atuando desde o início da civilização, misticismo indígena, teorias conspiratórias, aliens, cientologia, gigantes, e mistérios, muitos mistérios. É bastante fascinante como o autor consegue intercalar os mistérios apresentados com fatos que realmente aconteceram, com pessoas que realmente existiram.
A qualidade gráfica é ímpar, e a forma como tudo é apresentado é sensacional. Temos cartas, transcrições, fotos, pedaços de jornais, depoimentos... tudo que um bom dossiê merece, tudo da forma mais bonita e cuidada graficamente possível.
MENÇÕES HONROSAS:
O Processo (Franz Kafka)
Eu fiquei com sérias dúvidas se colocava O Processo na lista. Juro que ficou até o último instante, e, como se diz no jargão futebolístico, foi substituído aos 45 do segundo tempo. A história de um homem, nosso querido Josef K., ou Kaká, como diz o lindo do @Giuseppe; a história da angústia sofrida pelo homem moderno perante o mundo, perante um estado de coisas tão opressor quanto desesperador. Um livro que me acompanha em meus pensamentos até hoje. Leitura difícil, cansativa, exaustiva, mas muito recompensadora.
Cinematographos (Guilherme de Almeida)
Coletânea de textos do Guilherme de Almeida, poeta modernista brasileiro, sobre cinema, publicados no jornal O Estado de S. Paulo entre 1926 e 1942. É sensacional como podemos acompanhar o olhar de Guilherme sobre essa nova mídia, sobre suas mudanças (o impacto que foi a chegada do som, p. e.), sobre o fazer cinema, sobre o cinema como arte. A forma como Guilherme fala sobre o cinema é apaixonante, e apaixonante é essa obra, tão apaixonante como o próprio cinema.
Nunca tive dúvida de que viver é pactuar: seja consigo, com os outros, com um propósito, com um despropósito, enfim, viver é integrar; sentir-se parte, fazer-se parte e, às vezes, partir. Nunca tive dúvida de que viver é, em certa medida, buscar pela inalcançável e, talvez por isso, fascinante harmonia entre as muitas vozes responsáveis pela (re)criação do mundo. Inúmeras vozes passam muito tempo cantando sozinhas, ou apenas escutando o cantar de outras vozes. É que, num primeiro momento, só conhecemos aquela canção que, de início, Ilúvatar colocou em nossas mentes e, por mais que queiramos ouvir a canção que o outro guarda, diante do desconhecido, recuamos.
Tememos que a canção do outro seja grandiosa e que a nossa seja pífia; tememos que o outro se encante por outra canção, que não a nossa, e nos deixe; tememos, sobretudo, que o outro se apaixone pela nossa canção, e que possamos, em harmonia, cantar e encantar o mundo. Viver é pactuar, seja com nossos pontos fortes ou fracos, seja com o Mefistófeles fictício, ou com o real, este que nos habita, este que nos constitui, este com o qual só conseguimos lidar após saborearmos uma deliciosa torta de cereja, enquanto tomamos consciência de que nunca vamos entendê-lo, e que é exatamente por esse motivo que ele sempre será fascinante.
Comentário de @Loveless
Bem, de início já informo que essa não é bem uma lista de cinco livros favoritos. Talvez até seja, eu que não sei se é mesmo. O meu autoconhecimento não é tão bom assim. A lista a seguir é composta de livros impactantes, livros marcantes. Livros que me deixaram dias e dias pensando sobre eles; livros em que cada frase, linha ou palavra era como um mergulho em meu próprio eu, em pensamentos e divagações que fazem parte de mim até hoje.
Ademais, aproveitando o ensejo, agradeço muito à Valinor e a todos do fórum pelo ambiente tão propício e tão estimulante. Não tenho muitos amigos da “vida real” que são leitores, então acompanho fielmente todas as discussões literárias (e sobre arte, cultura, cinema, música) do fórum, discussões essas sempre muito ricas e estimulantes. Sinto-me muito acolhido por aqui.
1. Fausto (Goethe)
Quando conheci a história do livro, e a história fáustica em geral, fiquei assustado e ao mesmo tempo fascinado. Peguei-me pensando nela por dias, semanas, até decidir comprar o bendito livro. Logo no início, um impacto: não entendi absolutamente nada da Dedicatória. O Prólogo no Teatro tampouco foi inteligível. Será que essa obra era mesmo para mim?
A partir do Prólogo no Céu as coisas ficaram um pouquinho mais claras. Lá fui apresentado a um dos melhores personagens da literatura de todos os tempos: Mefistófeles. Irônico, sagaz, sarcástico, astuto, ardiloso, malicioso, e, ao mesmo tempo, fascinante.
Não nego que o livro é bastante complexo, ao menos para mim; foi a leitura mais difícil da minha vida até ler Origem do Drama Trágico Alemão, do Walter Benjamin; só que, ao contrário desta, a leitura de Fausto foi muito gratificante. De fato, foi uma aventura, passando por altos e baixos, pelo grotesco e pelo belo, pela alegoria e pelo símbolo, pelo infernal e pelo divino, até chegar na última cena do último ato do segundo livro, a cena do Desfiladeiro, sem dúvidas uma das coisas mais lindas que já li; cena essa cujos diálogos foram imortalizados na segunda parte da Oitava Sinfonia de Mahler, certamente a mais bela dentre todas as sinfonias do universo.
Cada leitura é uma aprendizagem nova, é um pedaço de mim que se completa, ainda que pouco a pouco. Sinto-me um ser mais completo especialmente após ler obras dessa magnitude.
(Esse texto originalmente tinha uns oito parágrafos, mas se ninguém vai ler isso, imagina duas vezes disso).
2. O Silmarillion (J. R. R. Tolkien)
Cumprindo a cota de Tolkien da lista.
Sempre fui fascinado pelos filmes do Senhor dos Anéis. Assisti incontáveis vezes, desde quando era criança. Os filmes do Hobbit, apesar de suas questionáveis qualidades, trouxeram novos aspectos da obra para os leigos como eu, e esses aspectos relativos ao universo do Legendarium foram me deixando cada vez mais curioso. Toda hora eu pesquisava alguma coisa e vivia no Tolkien Gateway. Até que chegou um dia que percebi: tenho que ler O Silmarillion. Ao contrário da maioria, que começa com o Hobbit ou com a trilogia, eu fui direto na fonte de tudo. E saí dela apaixonado.
3. O Lobo da Estepe (Hermann Hesse)
Harry Haller é um personagem insuportável. Arrogante, pedante e hipócrita, ele consegue ter várias características detestáveis. E é por isso que eu o odeio: porque eu me identifico muito com ele. Porque vejo nele muito de mim, e porque vejo em mim muito dele. Meu sonho é que algum dia um transeunte qualquer me entregue o meu próprio Tratado do Lobo da Estepe – Só para loucos.
Em certo ponto da história, encontramos ela. Ele. Hermínia. Personagem fascinante, mágico, místico, difuso, fantástico, fabuloso, sobrenatural, apaixonante. O resto é história. (Cês perceberam o quanto eu amo e me ligo aos personagens, né?)
Entendi alguma coisa do final? Não. Algum dia entenderei alguma coisa do final? Provavelmente não. Mas, senhoras e senhores, que final sensacional.
4. O Barão nas Árvores (Italo Calvino)
O Barão Cosme Chuvasco de Rondó decidiu um belo dia simplesmente morar na copa das árvores e nunca mais descer. Parece bobo, e talvez realmente seja. Mas como não se apaixonar pela deliciosa escrita de Calvino e pelos seus personagens? O livro é muito gostoso de ler; talvez seja o mais saboroso e delicioso que já li na vida.
É impossível não sentir alguma coisa pelo livro, pelos seus personagens, pela história, pelos lugares, pelas paisagens, pela forma em que a história é contada. Começando pelo personagem principal, Cosme Chuvasco de Rondó, o Barão de Rondó, que aos doze anos decide subir nas árvores para nunca mais descer. Há outros personagens memoráveis, como o apaixonante João do Mato, Viola, o abade Fauchelafleur, o advogado Eneias Sílvio Carrega, a irmã Batista, Ótimo Máximo... praticamente todos que passam pela vida de Cosme. Talvez o personagem menos interessante seja mesmo Biágio, o irmão de Cosme, que é quem narra a história.
É o terceiro livro da trilogia Os Nossos Antepassados, do Calvino. Os outros dois livros também são excelentes, na mesma pegada. Recomendo a todos de todas as idades.
5. A História Secreta de Twin Peaks (Mark Frost)
Não é difícil perceber que eu sou apaixonado por Twin Peaks, vide minha foto de perfil. Mais uma vez, declaro aqui minha relação intensa com os personagens. É impossível conhecer essa cidadezinha cheia de mistérios na fronteira com o Canadá e não se apaixonar por ela, por suas paisagens, e especialmente por seus personagens.Poucos sabem, mas além das três temporadas — a última lançada 25 anos depois da segunda, afinal, I’ll see you again in 25 years — também foram lançados alguns livros que são considerados canônicos. Entre eles está o famoso Diário Secreto de Laura Palmer e esse aqui, A História Secreta de Twin Peaks, escrito pelo co-criador da série, Mark Frost.
O livro é um dossiê escrito por um arquivista anônimo sobre a história da cidade de Twin Peaks, sobre seus personagens, e, especialmente, como seu nome sugere, sobre seus mistérios. Envolve as forças sobrenaturais atuando desde o início da civilização, misticismo indígena, teorias conspiratórias, aliens, cientologia, gigantes, e mistérios, muitos mistérios. É bastante fascinante como o autor consegue intercalar os mistérios apresentados com fatos que realmente aconteceram, com pessoas que realmente existiram.
A qualidade gráfica é ímpar, e a forma como tudo é apresentado é sensacional. Temos cartas, transcrições, fotos, pedaços de jornais, depoimentos... tudo que um bom dossiê merece, tudo da forma mais bonita e cuidada graficamente possível.
MENÇÕES HONROSAS:
O Processo (Franz Kafka)
Eu fiquei com sérias dúvidas se colocava O Processo na lista. Juro que ficou até o último instante, e, como se diz no jargão futebolístico, foi substituído aos 45 do segundo tempo. A história de um homem, nosso querido Josef K., ou Kaká, como diz o lindo do @Giuseppe; a história da angústia sofrida pelo homem moderno perante o mundo, perante um estado de coisas tão opressor quanto desesperador. Um livro que me acompanha em meus pensamentos até hoje. Leitura difícil, cansativa, exaustiva, mas muito recompensadora.
Cinematographos (Guilherme de Almeida)
Coletânea de textos do Guilherme de Almeida, poeta modernista brasileiro, sobre cinema, publicados no jornal O Estado de S. Paulo entre 1926 e 1942. É sensacional como podemos acompanhar o olhar de Guilherme sobre essa nova mídia, sobre suas mudanças (o impacto que foi a chegada do som, p. e.), sobre o fazer cinema, sobre o cinema como arte. A forma como Guilherme fala sobre o cinema é apaixonante, e apaixonante é essa obra, tão apaixonante como o próprio cinema.
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