Eu nunca consigo me lembrar de todos que eu gosto ao fazer essas listas. ¬¬
De qualquer forma, vou tentar. Eis os que eu lembrei, não necessariamente em ordem de preferência.
Benjamim, o Burro - A Revolução dos Bichos, George Orwell: Eu gosto muito dele. A maneira como ele se portou durante a revolução, os seus comentários, o seu ceticismo, isso tudo me cativa muito. Gosto do trecho em que o narrador, falando do Burro, diz
"(...) para dizer, por exemplo, que Deus lhe dera uma cauda para espantar as moscas e que, no entanto, seria mais de seu agrado não ter nem a cauda nem as moscas". Ainda tem seu único comentário a respeito da Revolução:
"Os burros vivem muito tempo. Nenhum de vocês jamais viu um burro morto". Benjamim é nota dez.
Rosa Cabarcas - Memórias de Minhas Putas Tristes, Gabriel García Márquez: Gosto dela muito mais do que gosto da personagem principal. Seu espírito de fazer as coisas na hora, de dominar plenamente "sua arte", seu jeito de falar. Essa personagem nem é lá tão complexa ou destacada, mas eu gosto muito dela.
"Também a moral é uma questão de tempo, dizia com um sorriso maligno, você vai ver".
Don Vito Corleone - O Chefão, Mário Puzo: Ele é foda, muito foda. Sempre calmo, sempre no controle. Quando crescer, quero ser que nem ele.
"Mas, se você tivesse vindo a mim, minha bolsa estaria à sua disposição. Se você tivesse vindo me pedir justiça, essa escória que desgraçou sua filha estaria hoje chorando lágrimas de amargura. Se por infelicidade um homem honesto como você fizesse inimigos, eles se tornariam meus inimigos - Don Corleone levantou o braço, o dedo apontado para Bonasera - e então, acredite em mim, eles teriam medo de você.
Bonasera baixou a cabeça e mumurrou com voz abafada:
-Seja meu amigo. Eu aceito.
Don Corleone pôs a mão no ombro do homem:
-Bem - disse ele - você terá sua justiça. Algum dia, e esse dia talvez nunca chegue, eu lhe pedirei que me faça um favor em troca. Até esse dia, considere essa justiça como um presente de minha mulher, a madrinha de sua filha."
Marvin - O Guia do Mochileiro das Galáxia, Douglas Adams: Não é à toa que o uso como meu avatar em todos os fóruns. Mais uma vez fui cativado pelo pessimismo, pelo ceticismo. Adoro ele, seus comentários, sua visão desdenhosa da vida. Ele tem algumas frases muto divertidas também:
"Eu fico com dor de cabeça só de tentar rebaixar meu intelecto ao seu nível" ; "Eu tenho milhões de idéias, mas todas apontam para morte certa" ; "Eu poderia calcular suas chances de sobrevivência... mas você não iria gostar..." ;
Baudolino - Baudolino, Umberto Eco: A coisa mais mágica desse livro todo é duvidar da história sem, contudo, deixar de acreditar nela. Baudolino é um mentiroso compulsivo, que acabou por adotar a máxima
"numa grande História podem-se alterar pequenas verdades, para ressaltar a verdade maior". Agora, esse mentiroso que altera os fatos para ressaltar outros resolve contar uma história mais do que fantástica. O livro todo é fenomenal, mas Baudolino em si supera todo o resto. Ele também é fantástico.
"Não existem histórias sem sentido. Sou um daqueles homens que o sabem encontrar até mesmo onde os outros não o vêem. Depois disso, a história se transforma no livro dos vivos, como uma trombeta poderosa, que ressuscita do seprulco aqueles que há séculos não passavam de pó..."
Gregor Samsa - A Metamorfose, Kafka: Pô, ele e transforma num inseto. Talvez numa barata. Conseguem pensar em algo mais repugnante do que acordar com várias patinhas fininhas se mexendo freneticamente? BLÉRG! Eu não! Gregor merece pelo menos um pouco de empatia, né? Além disso, a maneira como ele encara o fato de ter se tornado um inseto (uma barata?!?!?) é muito interessante. Ele continua sendo si mesmo, pensando como Gregor, esperando o que Gregor esperaria dos outros. Bem legal, merece estar nos Top 10.
"Tirar a coberta com que se cobria foi muito simples; precisou apenas inflar um pouco o peito, e ela caiu por si mesma. Mas daí em diante ficou complicado, em especial porque ele estava excepcionalmente largo. Precisava de braços e mãos para se levantar e, em vez disso, tinha apenas muitas perninhas que se moviam ininterruptamente em todas as direções e sobre as quais não tinha nenhum domínio. Se queria dobrar uma, era justamente essa a primeira a se esticar; e quando por fim conseguiu realizar o que queria com ela, logo todas as outras trabalhavam descontroladas, fazendo-o sofrer atrozmente."
Túrin Turambar - O Silmarillion, Tolkien: Túrin é o cara mais azarado do mundo, hein? Ainda assim, eu curto muito ele. É, na minha opinião, a melhor história de um dos meus livros favoritos (entenda-se: o Silma).
"-Salve, filho de Húrin. Bons olhos o vejam!
Túrin deu então um salto e investiu contra ele, e a lâmina de Gurthang refulgia como que em chamas. Glaurung, porém, reteve seu fogo, abriu muito seus olhos de serpente e fitou Túrin. Sem medo, Túrin encarou esses olhos enquanto erguia a espada; e de imediato caiu no encantamento paralisante dos olhos sem pálpebras do dragão, ficando imobilizado. Então, por um bom tempo, quedou-se ali parado como que esculpido em pedra; e os dois estavam sós, mudos, diante das portas de Nargothrond. Glaurung, porém, voltou a falar em provocação a Túrin.
- Funestos foram todos os teus atos, filho de Húrin. Filho adotivo ingrato, proscrito, assassino de teu amigo, ladrão do amor, usurpador de Nargothrond, comandante imprudente e traidor de tua família. Como escravas, tua mãe e tua irmã moram em Dor-lómin, em meio a aflições e necessidades. Estás trajado como um príncipe, mas elas andam esfarrapadas. Por ti ambas anseiam, mas tu não te importas com isso. Feliz ficará teu pai de saber que tem um filho desses; como sem dúvida saberá.
E Túrin, por estar encantado por Glaurung, deu ouvidos a essas palavras e se viu como que num espelho deformado pela maldade; e odiou o que viu. "
Seu José, Mestre Carpina - Morte e Vida Severina, João Cabral de Melo Neto: Eu tenho o costume de gostar de personagens que vão contra o sentimento geral do livro. Em Morte e Vida Severina, todo mundo é meio mórbido, pessimista, só fala de morte. Aí vem o Seu José, com uma esperançazinha mesclada com resignação. A personagem mais legal do livro, IMO.
"-Severino, retirante,
deixe agora que lhe diga:
eu não sei bem a resposta
da pergunta que fazia,
se não vale mais saltar
fora da ponte e da vida;
nem conheço essa resposta,
se quer mesmo que lhe diga
é difícil defender,
só com palavras, a vida,
ainda mais quando ela é
esta que vê, severina
mas se responder não pude
à pergunta que fazia,
ela, a vida, a respondeu
com sua presença viva.
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida;
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida;
como a de há pouco, franzina;
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina."
Yonah Helkias Toledano - O Último Judeu, Noah Gordon: Eu gosto da maneira como Noah constrói suas personagens e gosto especialmente de Yonah, o último judeu da Espanha. O livro mostra ele tocando a vida durante a Inquisição, após a expulsão dos Judeus de seu país, ao mesmo tempo que esconde suas crenças, mas não as abandona. Torci por ele do começo ao fim!
"A sinagoga, pelo menos naquele momento, parecia ter virado um depósito de lenha, pois havia toras de madeira amontoadas ou simetricamente empilhadas nos degraus e por toda a frente do prédio.
Yonah puxou as rédeas da égua quando chegou à antiga casa e oficina da família Toledano.
-Ainda judeu, abba, clamou em silêncio.
A árvore que havia sobre o túmulo do pai tinha crescido bastante.
Atrás da casa, os ramos de folhas largas pendiam sobre o telhado baixo, dando sombra, balançando na brisa.
Sentiu a forte presença do pai.
Real ou imaginária, deixou-o muito feliz e ele contou mentalmente tudo que acontecera. Não havia como enganar os mortos. O caso do relicário completara seu círculo e estava encerrado. Não era mais possível recuperar o que se perdera nos acidentes de percurso."
Baleia - Os Sertões, Graciliano Ramos: Ela é esperta, tem sentimentos, tem sonhos. Um animal humanizado em um grupo de humanos animalizados: simplesmente perfeita. Para mim, a morte da Baleia é uma das passagens mais tristes de litaratura. Essa cachorrinha merce seu lugar no meu top!
" Baleia respirava depressa, a boca aberta, os queixos desgovernados, a língua pendente e insensível. Não sabia o que tinha sucedido. O estrondo, a pancada que recebera no quarto e a viagem difícil do barreiro ao fim do pátio desvaneciam-se no seu espírito.
Provavelmente estava na cozinha, entre as pedras que serviam de trempe. Antes de se deitar, Sinhá Vitória retirava dali os carvões e a cinza, varria com um molho de vassourinha o chão queimado, e aquilo ficava um bom lugar para cachorro descansar. O calor afugentava as pulgas, a terra se amaciava. E, findos os cochilos, numerosos preás corriam e saltavam, um formigueiro de preás invadia a cozinha.
A tremura subia, deixava a barriga e chegava ao peito de Baleia. Do peito para trás era tudo insensibilidade e esquecimento. Mas o resto do corpo se arrepiava, espinhos de mandacaru penetravam na carne meio comida pela doença.
Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A pedra estava fria, certamente Sinhá Vitória tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo.
Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes."
Nossa, demorei um ano pra fazer esse Top, mas ficou bem legal. Acho que coloquei mesmo as personagens que eu queria.