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O caderno "Sabático" do Estadão de 22/05/10 trouxe alguns artigos sobre o Bolaño. Alguns trechos interessantes:
Em Caracas, em 2 de agosto de 1999, quando recebeu o prêmio Rómulo Gallegos, falou: "Tudo o que escrevi é uma carta de amor ou de despedida de minha própria geração, nós que nascemos na década de 50 e que escolhemos em um dado momento o exercício da milícia, neste caso seria mais correto dizer a militância, e entregamos o pouco que tínhamos, que era nossa juventude, a uma causa que acreditamos a mais generosa das causas do mundo e que, de certa forma, o era, mas que na realidade não era. Nem é preciso dizer que lutamos com grande empenho, que tivemos chefes corruptos, líderes covardes, um aparelho de propaganda que era pior que um leprosário, lutamos por partidos que se houvessem vencido nos teriam enviado de imediato a um campo de trabalhos forçados, lutamos e pusemos toda nossa generosidade num ideal que havia mais de 50 anos estava morto, e alguns o sabíamos, e como não iríamos saber se havíamos lido Trotski ou éramos trotskistas, mas mesmo assim o fizemos, porque fomos estúpidos e generosos, como são os jovens, que entregam tudo e não pedem nada em troca, e agora desses jovens já não resta nada, os que morreram na Bolívia, morreram na Argentina ou no Peru, e os que sobreviveram foram morrer no Chile ou no México, e aos que não mataram ali serão mortos depois na Nicarágua, na Colômbia, em El Salvador. Toda América Latina está semeada com os ossos desses jovens esquecidos."
Grínor Rojo, Cinco romances reunidos em uma só narrativa
No primeiro semestre de 2011 a editora [Companhia das Letras] lança Terceiro Reich, seguido de Monsieur Pain (no segundo semestre) e Chamadas Telefônicas (só em 2012).
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Bolaño descendia, por parte de pai, de uma família de 500 anos de rigorosos iletrados e, por parte de mãe, de parentes entregues à preguiça há pelo menos três séculos. Era, portanto, a ovelha negra da família, um devorador de livros que, por falta de dinheiro, roubava das livrarias seus autores preferidos. Sua influência é tão grande sobre os novos escritores que até mesmo esse hábito desonesto foi incorporado. 2666 é o livro mais roubado em Portugal.
Antônio Gonçalves Filho, Gênio numa família de iletrados
Entrando em território mais pessoal, confesso que situei meu romance Areia nos Dentes no D.F. mexicano por causa de Os Detetives Selvagens. A figura do narrador também foi levemente moldada com base no personagem Amadeo Salvatierra. Por fim, o livro de contos que lanço em 2011 traz muitas referências formais ao ainda inédito no país Llamadas Telefonicas.
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Bolaño, portanto, definiu novos parâmetros acerca da posição e função do escritor no mundo. Até mesmo os narradores marginais que buscavam contestação política descobriram sua irrelevância. Livros são insignificantes pragmaticamente. E, ainda assim, os personagens de Bolaño continuam obcecados por livros, por escrever, por ler, por conhecer autores. A síntese proposta pela revista norte-americana n+1 sobre o universo do autor é certeira: "Os livros significam tudo e nada; o escritor é um herói e um idiota - se tornou uma das poucas atitudes literárias plausíveis hoje em dia."
Antônio Xerxenesky, Sombra por vezes desesperadora