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O número de telefone

Társio

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Então, eu estava, há algumas semanas, atrás dessa garota. Bem, não atrás atrás, tipo um tarado que segue as pessoas e fica tirando fotos para o seu mural perto de uma estante cheia de velas e um galo morto. Eu só a olhava durante algumas horas na sala de aula e me masturbava vendo fotos suas no orkut. O que é bastante normal. E não me olhe com essa cara de reprovação. Você faria a mesma coisa se visse as fotos. Não a do perfil talvez, o cabelo está meio maluco nessa foto e ela está com algumas espinhas a mais do que o normal. As fotos do álbum são muito melhores. Só que não é só beleza, sabem? È amor mesmo, eu me interesso pelo seu interior, mesmo que não saiba muito sobre ela.

E eu pensava, nunca vou conseguir falar com essa garota. Para ela eu seria sempre um elemento da paisagem, um figurante qualquer. Faltavam-me coragem, inteligência, dinheiro e plástica. Você deve pensar que eu ficava deprimido pelos quatro cantos, pensando nela. Essa situação na verdade não me incomodava tanto, resignado que estava em entrar no seu álbum um dia ou outro e fingir um relacionamento. Porém, isso não dá uma boa história né? Ninguém faz filmes sobre jovens se masturbando, a não ser talvez American Pie. Um obstáculo tinha de acontecer para dar um suspense na narrativa. Infelizmente, devo adiantar, carece de grandes emoções. Tinha acabado de ensaboar e perfumar a minha mão para uma noite de amor imaginário. Acendi algumas velas na mesa, criei um clima, coloquei uma musiquinha. Preparado o ambiente, era hora de dar acesso à namorada. Entrei no meu orkut, colocando a senha e coisa e tal. Em sua página, um link indicava a entrada para as suas fotos e o glorioso mundo feito de pixels. Esfreguei as mãos, ansioso, e cliquei.

De repente estava perdido num deserto roxo, sem qualquer imagem, com apenas uma frase de companhia: “nenhum álbum”. Ao mesmo tempo, o próprio orkut dizia que havia 58 fotos, criando assim um paradoxo. A solução do problema demorou a me atingir e precisei de mais um tempo para digeri-la, ruminá-la e por ventura vomitá-la. O álbum de minha amada estava trancado à minha singela obsessão, habilitado apenas para os seus amigos na rede social, o que eu não era. A coragem que me faltava no mundo real era igual no virtual e preferia não causar problemas em minha relação imaginária lhe mandando mensagens.

E sei o que lhe passa na cabeça, leitor, um mané como eu deve ter aberto uma das centenas de sites com fotos de mulheres e tido o seu prazer solo. Sinto muito, mas faz uma imagem errada de mim. Sou escravo do amor e seria incapaz de compartilhar a minha imaginação com qualquer uma. Fiquei assim no bode, como diziam os antigos, na fossa, com a maior dor de cotovelo. Os dias se passaram sem nenhuma miragem. O RGB do meu computador, mas parecia tons de cinza, sem vida. Desprovido de fugas, a realidade só me mostrava 2 opções, ou eu tomava vergonha, melhor: perdia a vergonha e falava com a tal, ou eu a esquecia para sempre. Esquecer parecia impossível, o jeito era lhe abordar.

Foi depois da aula. Ela saiu apressada e eu, atrapalhado como sou, sentado no mais fundo recanto da classe, tive que ir tropeçando e caindo em cima das carteiras para alcançá-la. Já estava fora do prédio quando meus chamados a alcançaram. Ela virou para trás na lenta velocidade que a sua perna um pouco torta lhe permitia. Ficamos finalmente cara a cara. Seus olhos eram duas estrelas caídas na terra, um tanto juntas por causa do estrabismo.

-Já tirou a xérox para aula?-puxei assunto.
-Não.
-Quer que eu tire para você?
-Não.
-Eu tiro.
-Não precisa.
-Deixa eu tirar. Por favor porfavorporavorporfavor
-EU...
-Porfavorporfavorpor avorporfavorporfavorporfavor
-Tá bem!- concordou ela, vencida e transtornada.

Quando não se tem charme, serve a chatice. Essa tática funcionava muito mais do que você imagina.

-Ótimo! Você me empresta R$2,00?
-O quê?!
-Quis dizer, quando eu posso te entregar a Xerox?
-Agora mesmo. Ela é aqui do lado.
-Ah que isso não vou te dar esse trabalho. Que tipo de cavalheiro eu seria? Fazemos o seguinte: você me dá seu telefone, nós marcamos um encontro e eu deixo com você as xérox.
-Isso parece muito mais trabalhoso...
-Que nada! Então?

Ela ficou me encarando um tempo, avaliando a proposta ou tendo uma de perda de percepção. Acontecia de ficar fora do ar, assim sem qualquer sinal de vida às vezes. Ficava extremamente bonita nessas horas. Voltando a si, disse:

-Está bem. O meu telefone é...

No dia seguinte, estava digitando os números em meu celular, na cela de me quarto, andando de um lado para o outro. A primeira tentativa foi patética. Mal soou o toque, desliguei na mesma hora. Era uma ligação que eu fazia ou era um controle de uma bomba nuclear que segurava em minhas mãos? Um espectador poderia ter essa dúvida, pois tinha a relutância de quem tem que escolher ser corta o fio ver ou o azul para salvar o mundo. Na terceira tentativa me obriguei a ficar quieto e esperar o telefone chamar. Tanto estorço para ouvir o tututututu de ocupado. Esperei um tempo para ver se desocupavam a linha e recomecei o ritual . Dessa vez atenderam.

-Quem?
Repeti o nome
-Não não tem ninguém com esse nome não.
Sem entender, perguntei se ela realmente tinha certeza. A voz irritou-se. Como não teria certeza? É a merda do telefone dela. Mesmo assim, insisti. Falei o número que havia discado e pedi para que confirmasse.
-O número é esse sim, mas não tem... ninguém... com.... esse... nome.
O bom e velho truque do telefone falso. A rejeição era pouco para mim, era necessário me fazer sofrer, me pregar uma peça. Só restava fazer uma coisa.
-Você não gostaria de sair comigo?
-Não!

Não custava tentar. A linha havia encerrado, assim também o meu amor. Eu poderia tolerar um amor platônico durante anos, mas ser feito de trouxa, isso era imperdoável. Ela havia de pagar pelos seus atos. Eu a faria pagar.

Ou assim pretendia. O plano era dar uma dura, dizer algumas verdades, mostrar-me superior. Vê-la pedir perdão, enquanto de braços cruzados negava até mesmo o toque do meu olhar. Tomei até umas bebidas, para tentar soltar o meu inconsciente, liberar o animal selvagem engaiolado dentro de meus recalques. Com certeza não esperava que fosse chorar como um garotinho que acabou de ter o seu doce roubado.

-Por que você fez isso comigo? Por quê?- eu gritava me ajoelhando aos seus pés, com certeza tudo seria melhor se não fosse no meio do campus universitário, e se não existissem celulares que gravassem vídeo, e youtube. Merda.
-O que você ta fazendo? – ela perguntava, tentando se soltar de mim, mas rá! Eu havia agarrado a sua perna ruim e não iria soltar fácil.
-Como pôde?! Eu amava você! Pensava que nós tínhamos algo especial e você fez isso comigo! Eu me masturbava pensando em você! Por quÊÊÊÊÊE AAAAAAAAAAH!
-Pára! Socorro! – os pedidos de socorro não adiantavam muito, já que os seguranças estavam ocupados afastando os alunos e monopolizando a filmagem do evento. –Eu não fiz nada!!
-Não fez?! Você destruiu o meu coração! Que tipo de pessoa fala que vai sair com alguém e dá um telefone errado?
-O quê?
-Não se faça de desentendida! Você já baixou o nível demais!
-Eu te dei a merda do telefone certo! Se soubesse que estava dando o número pru, maluco não teria feito.
-Ah é! Pois eu digo que liguei o número e caiu na casa de outra pessoa, a não ser que você tenha dupla personalidade.
E aqui ela começou a me chutar o que foi muito indelicado da parte dela e poderia afetar as chances de nós termos filhos, caso acabássemos nos entendendo.
-Babaca! Me solta!Deve ter ligado errado!
-Liguei exatamente o número que me deu. XXXXX-7XCCC
Ela finalmente parou de me chutar.
-Mas não é XXXXX-7XCCC. É XXXXX-1XCCC
-Chega de mentiras!
-Você está com o papel que eu te dei aí?
Sim, estava no meu bolso. Eu o trouxe para me motivar. Caso começasse a pensar racionalmente, era só vê-lo para preencher de raiva infantil. Peguei o papel e lhe mostrei. Ela tirou da minha mão, olhou rapidamente e me devolveu
-Olha o pézinho embaixo. É um 1, não 7!

É incrível como um ligeiro tracinho na base pode mudar totalmente um número e a sua vida. Mas, veja bem, seria uma ótima história para contar aos nossos filhos. Levantei e fiz o que todo bom cidadão faz quando comete um grande erro. Pedir desculpa? Muito indigno! Simplesmente fingi que nada tinha acontecido.

-Tudo bem. Nunca gostei de telefone mesmo. Então quer ir no cinema ou quem sabe...
-Vai se foder!

Ela deu as costas e foi-se. Um dos seguranças aproveitou para aproximar o celular e ganhar um close de meu olhar perdido, enquanto um colega se ocupava com o contra-plano da amada partindo para sempre, ou pelo menos até a próxima aula. Achei que ainda podia me dar bem e fiz uma última tentativa:

-ME ADICIONA NO ORKUT?

Não digo o sinal que ela me deu em resposta. É um tanto desconcertante e complexo para ser descrito, mas pode você pode vê-lo entre os vídeos mais acessados do youtube.

Pelo menos alguma coisa do nosso amor ficou para sempre.
 
No passado de todo adulto loser há sempre um adolescente punheteiro. Ok, generalizei demais. Esse conto é uma ode aos virgens apaixonados. E ela era manca vesga raimunda feia de cara boa de bunda?! Putz grila... O amor é cego. E tem espinhas. Espinhas de peixe na garganta.
 

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