Meio cruel. O atendente do McDonald's, o bóia-fria, o cara que é vítima de trabalho-escravo ou semi-escravo etc, só fazem isso porque "merecem", ou porque não quiseram estudar.
Bem, meu tio só escolheu manter o sobrenome de seu pai, ao invés de adotar do padrasto, foi jogado para fora de casa com 6 anos de idade em um Japão assolado pela fome e pela 2a guerra mundial, engraxou sapatos entre outras coisas no frio gélido a ponto de gangrenar e perder a perna dele...
... mas dedicou-se aos estudos até se tornar especialista em próteses a tal ponto de enganar minha pobre maezita lá pelos idos de 1970*, pois era uma prótese tão parecida com uma mão humana (inclusive na maciez e textura) que hoje em dia seria uma mão na roda para inclusão social de deficientes que sofrem discriminação e até repulsa/medo da sociedade quando vêem aquelas coisas toscas de metal e plástico mal-feito.
*Pois minha mãe achou que meu tio tinha decepado a mão de algum cadáver e tava escondendo o negócio na própria bolsa. Bem, considerando-se que uma amiga dela morreu esquartejada na juventude por um maníaco, talvez por isso nenhum filme de sociopata dê medo em minha mãe.
E então... a comédia, o pastelão: porque minha tia contava bifes, um assaltante entra na casa deles e atira em meu tio. E em 1972, por conta de erro médico - derramaram alcool etílico no fígado dele durante a operação - ele não morre baleado, mas com necrose no fígado.
Muitas outras injustiças ocorreram antes e depois dele. Algumas durante minha infância.
Tudo isso foi justo?
Minha resposta: É infantil discutir sobre a justiça do que aconteceu a mim ou aos meus. O que importa é o que vou fazer a respeito para que não se repita ad infinitum esta porca miséria.
O ponto é: até quando vamos culpar os outros pela merda que somos? E se fazemos isso, então claro, teremos de ser indulgentes com outros que fazem merda e não querem assumir as responsabilidades que lhes cabem.
Como eu nunca fui indulgente comigo mesma, então não sou com outros. Apenas coerência pessoal. Que me faz ser racional para não assumir que o uma pessoa é santa porque é pobre, e FDP só porque tem dinheiro...
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Na verdade, 99% da humanidade a todo momento recebe inúmeras chances e as desperdiçam. Apenas 1% da humanidade - e não necessariamente "elite econômica" - percebe que ou se prepara para reconhecer uma oportunidade. Não raro, "coitadinhos" deixaram escapar uma chance pois não souberam reconhecer quando bateu à porta.
Pessoas que tem as duas pernas e dois pés que entram no ônibus exigindo ajuda e xingando por terem sido fodidos "pela vida", enquanto que vejo um colega meu que mal consegue mexer o braço direito e trabalha 50 horas/dia para que construir um Brasil melhor... ensinando.
Riquinhos que ganharam herança de bandeja perderem tudo em menos de 5 anos algo que avós demoraram 50 anos pelo mesmo motivo: não aproveitaram os ombros de gigantes para chegar mais alto. E milionários que sabendo a importância de se esforçar, não vão dar mais que metade da herança para os filhos, pois tem responsabilidade com seus empregados.
Sendo professores - classe intelectual - não vejo os alunos como coitadinhos. Aliás, porque todos assumem que uma pessoa na miséria necessariamente ficou assim porque se esforçou e não foi reconhecida?
Se fosse assim, alguém vendo Charles Ponzi na miséria tem de achar que ficou daquele jeito porque um FDP o fodeu, enquanto Chris Gardner só porque hoje é rico é um filho da puta!
Qual o perigo de ver as coisas com tanta indulgência?
Isto resulta em secretários da Educação cegos que chegam à conclusão educação com qualidade é só para "alguns, bem como dos idealistas que se tornam rapidamente reacionários.
Como voluntária em ensino, disse a meus alunos: pra que acordar sábado de manhã para assistir uma aula que não é obrigatória, se é para ficar namorando ou "fazendo o social"? Pô vão "dar" no shopping ou no motel, vai pro cinema ou viajar, sei lá!
Na "minha época", quando o ensino era "melhor", era a mesma coisa. De 100 alunos, apenas 1% aproveitou o que restava do ensino deteriorado. E somente agora, quando de repente tem filhos e contas para pagar, é que muitas colegas de 30 anos percebem que perderam a chance de "ser alguém na vida".
Na época de meus pais - alguns avós de vocês - quando o ensino era "bem melhor", o mesmo cenário: apesar dos pais darem valor, muitos dos filhos achavam besteira perder tempo estudando. Bem, no caso de meus pais nem tanto, pois escola era o mesmo que folga na enxada.
Hoje, dando aula na faculdade, não raro a culpa é do professor, mas não do aluno. E claro, o pessoal fazendo social em sala - independente de ser um bom ou mau professor - ao invés de aproveitar a chance durante a aula aparecem para chorar quando a guerra acabou, ou seja, quando o semestre acabou!
Em todos os lugares e em todos os tempos: reproduz-se um cenário em toda a educação, independente de pública ou privada: dá-se chance mas 99% dos alunos as desperdiçam.
Na 2a. Guerra Mundial, foi injusto tantos jovens e crianças morrerem... no entanto, ninguém discorda que deviam lutar enquanto VIVOS, e não depois de mortos. E principalmente que devemos pensar em modos destas coisas NUNCA mais acontecerem, e não ficarmos remoendo infinitamente o passado sem fazer nada.
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Como digo para meus alunos, o que vocês preferem Ferrari ou Fiat (de antigamente)? Airton Senna ou Rubens Barrichello?
Para ser "alguém na vida", o importante não são as desculpas que damos pelo fracasso, mas apesar das adversidades e "tudo contra nós", conseguirmos o sucesso. Ou como diz a propaganda: pegar um carro de uma escuderia pequena que só tinha a 2a e 5a marcha, na chuva, nos últimos lugares do grid de largada e ainda assim conseguir chegar em primeiro.
Mas a questão no caso é: se estas pessoas massacradas pelo MacDonalds estão felizes, não tenho porque ter pena ou inveja delas. E principalmente, não tenho porque tentar mudar elas para que fiquem "melhores", pois eu estaria impondo a elas meus ideais. (da mesma forma que tentam me convencer que 30 de agosto é uma iniciativa de solidariedade
)
Devo claro, estar atenta para que o sistema de lavagem cerebral não se torne uma ameaça para mim, ou aqueles que amo. Que é o que ocorre quando se torna uma ameaça fanática, ditadura da maioria.
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Apesar de tudo indicar que minha política é "cada-um-por-si", reitero: eu ESCOLHO quem quero ajudar. Não estou numa situação de naufrágio em alto-mar onde não cabe ficar escolhendo salvar vagal ou herói.
No caso, os semi-escravos Mac não querem, os fieis que querem ser enganandos idem. No entanto, gosto de ajudar pessoas que lutam, sejam voluntários de resgate a animais, ou testemunhas que contam com sua coragem pois são abandonadas pelo Estado e pela sociedade:
http://www.terra.com.br/istoe/edicoes/2026/artigo100351-1.htm
E ajudar não é só arregaçar as mangas ou dar dinheiro. As vezes é fazendo sempre um pouco, como hoje fiz. Apesar de não mais dar entrada no tópico "o que fiz hoje", eu sempre mantenho-me fiel a mim mesma, e não faço porque fico com peso na consciência ou por modismo: faço porque se tornou ROTINA.