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Como o UX Design pode ajudar a construir cidades melhores.

Fúria da cidade

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UX desing, ou o design centrado na experiência do usuário, não é, como muito se pensa, um campo voltado exclusivamente ao mundo digital, telas e interfaces visuais. Trata das "complexas redes de relacionamento que cada usuário tem entre si e dentro do próprio sistema", seja ele um projeto virtual, gráfico, arquitetônico ou urbano. É o que diz Cuca Righini, arquiteta formada pela FAUUSP e especialista em UX design, desing thinking e pedagogia da cooperação.

O pensamento de design centrado na experiência do usuário pode oferecer aportes valiosos a qualquer processo projetual, e Cuca não hesita em citar as propostas urbanas implementadas em Medellín, na Colômbia, como exemplo bem sucedido de projeto urbano que leva em consideração necessidades e questões particulares dos usuários — no caso, a população da favela Comuna 13. Tivemos a oportunidade de conversar com Cuca sobre as possibilidades do UX design e sua trajetória da arquitetura para outros campos de atuação. Leia a entrevista, a seguir.

Romullo Baratto (ArchDaily): Você é formada em arquitetura pela FAU USP. Poderia contar como foi seu percurso da arquitetura para o trabalho com UX e Desing Thinking? O que lhe atraiu para essas áreas?

Cuca Righini: Me formei na FAU USP em dezembro de 1986 e trabalhei aqui no Brasil em alguns escritórios por dois anos. Em fevereiro de 1989, fui para Londres onde trabalhei por quatro anos, primeiro como como arquiteta junior e depois como Project Architect no projeto de um centro comunitário em Kingsclere, Basingstoke chamado Fieldgate Center. A experiência na Inglaterra foi muito desafiadora, sobretudo porque todas as técnicas construtivas, detalhamento de projeto, aspectos legais eram muito diferentes do Brasil. A pergunta que sempre me fiz foi: como consegui trabalhar e gerenciar projetos num outro país, tão diferente do meu? A resposta veio muitos anos depois: o pensamento do design.

Cortesia de Cuca Righini

Durante os anos da FAU era claro para mim que um processo profundo de transformação na forma de pensar, de entender os problemas e buscar soluções, estava acontecendo comigo e com meus colegas. O processo de construir para pensar (ao invés de pensar para construir), de se comunicar primeiramente através do desenho, de entender os contextos culturais e as questões humanas envolvidas nas premissas de um projeto, antes de partir para as propostas, todas essas são boas práticas inerentes a qualquer projeto de arquitetura. Vivíamos o processo de desconstrução mental e atitudinal, mas não falávamos sobre isso.

Design Thinking é o metadesign do design. Mas, antes mesmo da publicação do livro Desing Thinking em 1987, por Peter Rowe, o processo do design já era praticado e vivido nas escolas de design do mundo todo. Foi isso que possibilitou que eu pudesse atuar como arquiteta em meio a condições específicas contextuais, climáticas e culturais tão diversas.

Quando ouvi o termo Desing Thinking pela primeira vez, em dezembro de 2013, já havia voltado para o Brasil e mudado de rumo profissional, tendo trabalhado como coordenadora acadêmica e professora em uma instituição renomada na área da educação, por 18 anos. Minha atuação nessa instituição havia sido sempre nas áreas de desenvolvimento e design de novos produtos (R&D) e formação de professores. Eu era a única arquiteta na instituição e era difícil explicar o como era o meu processo de criação e desenvolvimento de projetos. Quando assisti ao Ted Talk do Tim Brown: Desing think big e vi o diagrama do duplo diamante pela primeira vez fiquei perplexa: É assim que eu faço!

Diagrama do Duplo Diamante. Crédito: Oxford Business and Management Institute

Em 2014 mudei novamente o rumo profissional, desta vez, resgatando minha atuação como arquiteta e designer, somado à minha experiência na área da aprendizagem. Além da especialização em Desing Thinking, ampliei meu repertório de referências acadêmicas e profissionais através de especializações em Pedagogia da Cooperação, Teoria U e Comunicação Não Violenta. Durante cinco anos trabalhei na Echos como facilitadora e designer de experiências de aprendizagem e cultura organizacional, para construção de ambientes de trabalho capazes de gerar inovação, com base no modelo mental do design.
Hoje, há dois anos, atuo na Camino School, na área de design de currículo. Entendo o meu papel como sendo o de facilitar a construção de uma nova cultura de trabalho e atuação do professor. Nessa nova estrutura o professor se torna mais propositivo, resgatando seu papel determinante como conhecedor e proponente do currículo, como designer de experiências e como facilitador de processos de aprendizagem.

RB: A formação em arquitetura costuma ser ampla e oferece uma visão generalista dos processos envolvidos no projeto e construção de um espaço ou edifício. Acha que essa visão abrangente contribui, de alguma forma, com o trabalho de UX designer? Como?

CR: Eu percebo que os campos de atuação do design tenham se expandido muito nos últimos anos, principalmente depois dos anos 2000 e após o advento da internet. Meu curso de cinco anos na FAU USP contemplava uma formação ampla abrangendo design industrial, urbanismo, arquitetura, paisagismo e programação visual. Hoje em dia essa amplitude não é mais plausível, por causa da das camadas de complexidade adquiridas em cada uma dessas áreas. O currículo da FAU hoje é muito mais centrado no desenvolvimento de habilidades e conhecimentos relacionados especificamente à arquitetura e urbanismo, do que nos anos 80.

Entretanto, percebo, que para além das especificidades de cada área do design, existe um processamento mental e uma forma de conhecer e propor intervenções no mundo que é comum a todas. Em seu artigo acadêmico Desing Research and the New Learning, Richard Buchanan diz que o processo do design é essencialmente humanista e integrativo e que o crescimento das pesquisas relacionadas ao design e seus processos oferece à academia e às instituições educacionais um novo caminho para ampliação da aprendizagem e do conhecimento, oposto à fragmentação de saberes, advinda do positivismo e do enciclopedismo.

Parklet em São Paulo. Foto: EMBARQ Brasil | WRI Brasil Cidades Sustentáveis, via Visualhunt

O termo UX, cunhado pelo designer Donald Norman, significa Experiência do Usuário. Inicialmente, o termo foi criado para descrever a experiência do usuário nas páginas digitais da internet, entretanto, o foco no usuário é o elemento fundamental do termo e deve ser o foco central de qualquer projeto de design.

Sem o foco no usuário e sem o entendimento das complexas redes de relacionamento que cada usuário tem entre si e dentro do próprio sistema, corremos o risco de muitos pontos cegos no projeto. As consequências podem ser, desde o fracasso comercial do projeto, até o fracasso em relação à responsabilidade ética do projeto frente à sociedade como um todo.

RB: Um dos pontos centrais do UX Desing é a consciência de que a experiência – compreendida num sentido bastante amplo – do usuário é determinante para o sucesso ou fracasso de um produto ou serviço. É justamente nesse ponto que pecam muitas arquiteturas que, apesar de virtuosas em diversos aspectos, acabam por negligenciar as necessidades dos habitantes. Como os processos de UX design podem ser implementados na arquitetura?

CR: Os habitantes de um edifício e de uma cidade têm muitas necessidades em diferentes camadas. Como na música da Marisa Monte: "A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte". Entendo que as necessidades de sobrevivência e conforto térmico e acústico sejam as necessidades básicas que um edifício que abriga atividades humanas de qualquer natureza deva atender. Mas como humanos temos necessidades emocionais, intelectuais, sociais e espirituais que também precisam ser levadas em conta pela arquitetura e pelo urbanismo e aí o olhar e os processos do design são fundamentais.

Edifício Copan / Oscar Niemeyer. Foto © Nelson Kon

Indo um pouco mais a fundo na questão, ouço muitas pessoas, colegas também, que criticam as obras do Oscar Niemeyer por estas não contemplarem o "conforto" das pessoas. Em 2003, tive a oportunidade de acompanhar, pela cidade de São Paulo, a diretora e curadora da Serpentine Gallery em Kensington Gardens (Londres), Julia Peyton-Jones. Ela queria visitar todos os edifícios projetados por Niemeyer na cidade. Ela estava, na época, à frente do projeto Serpentine Gallery Pavilion, um projeto que convidava um arquiteto, que nunca havia sido contratado para trabalhar no Reino Unido, para criar uma estrutura temporária na Galeria. O primeiro pavilhão foi desenhado por Dame Zaha Hadid em 2000. Em seguida vieram os pavilhões de Daniel Libeskind, em 2001, Toyo Ito em 2002 e Oscar Niemeyer em 2003.

OCA no Parque Ibirapuera. Foto © Nelson Kon

Ao andar pela cidade de São Paulo com Julia, percebi que ela via majestade e um enaltecimento da experiência humana ao entrar e sair de seus edifícios, para além da questão das formas e do uso audacioso do concreto, que os meus olhos críticos de arquiteta focavam. Me permiti vivenciar os edifícios de Niemeyer que visitamos a partir do seu olhar e percepção, de forma muito mais sensorial. Todo objeto construído possui essa dimensão e expressa algo. Todas essas camadas ampliam muito o nosso entendimento do que pode ser a Experiência do Usuário e da amplitude da intencionalidade que como designers podemos ter frente à essa questão.

RB: Empatia e colaboração são elementos essenciais de um projeto centrado na experiência do usuário, bem como a experimentação – que muitas vezes resulta em revisão de decisões anteriores. Esta última é muito rara no processo de projeto de arquitetura, talvez pela escala e recursos envolvidos. Na sua opinião, como essa carência poderia ser contornada?

CR: A raridade em presenciarmos um processo de projeto de arquitetura que siga as fases do projeto centrado no humano, pouco tem a ver com a escala ou os recursos envolvidos. Na minha opinião elas têm a ver com as pressões de mercado, com as pressões políticas e com as exigências de investidores. Muitas vezes nas mesas de decisão, o imediatismo fala mais alto e cala a visão humanista que poderia agregar mais valor ao investimento que está sendo feito. Mas isso não acontece na esfera da arquitetura.

Os teleféricos de Medellín. Crédito: The Gondola Project

RB: UX Desing vai além da interface e do design gráfico, lida com um escopo muito mais amplo. Que bons exemplos de desenho centrado no usuário encontramos na cidade?

CR: Os exemplos que vêm à mente mais rápido são os projetos em Medellín. No desafio de transformar a maior favela do mundo, a Comuna 13, historicamente controlada pelo narcotráfico, identificou-se a necessidade de implementação de vários equipamentos urbanos e culturais, como parques, praças e bibliotecas. Mas através de pesquisas etnográficas, percebeu-se que a dificuldade de acesso físico a outras áreas da cidade reforçava o sentimento de exclusão daquela população e que essa era uma questão fundamental e de impacto sistêmico para o desafio. Foi então que surgiram os “metrocables” — um sistema de escadas rolantes que permitiu a integração dos moradores da região periférica da cidade.

Em relação a São Paulo, acho que vale a pena citar os parklets e também o uso da marquise do Parq7e Ibirapuera. Nesses últimos 60 anos, desde sua construção, a marquise, que foi intencionada para ser uma ligação entre os grandes pavilhões do parque, passou a servir de suporte para inúmeros usos de intenso convívio social. Esse é um bom exemplo de um espaço ou equipamento urbano que pode ser apropriado de forma imprevisível, mas significativa pelos próprios usuários do parque.

Marquise do Ibirapuera. Acervo do Museu Paulista da USP. Foto © Werner Haberkorn

Marquise do Ibirapuera. Foto © Romullo Baratto



 

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