Phreddie Cadarn
Sempre no limbo.
Darcy Ribeiro*
Estou me cansando de ouvir falar de Lula com descaso. Qualquer advogadinho idiota, porque formado, se acha melhor que ele, mais
preparado para governar. Um intelectual desses que leu meia dúzia de livros ou escreveu qualquer bobagem, um tecnocrata que
desempenhou bem ou mal algum cargo, todos se acham melhores que Lula e falam dele sem sombra de respeito. Por que? Essa gente
pensa que o exercício do poder, em postos de alta responsabilidade, cabe a uma categoria particularíssima de pessoas, na qual não
incluiriam jamais um ex-operário ou um líder sindical, ainda que muito bem-sucedido. Para eles, o exercício da Presidência se dá
naturalmente, é quando um figurão tradicional sucede a outro ou entrega o poder a um militar golpista. Nesses casos nunca se pergunta
por competência para governar, nem se alega incompatibilidades.
Não devia ser assim, mesmo porque foi esta gente que nos governou até hoje, quase sempre da forma mais desastrosa para o povo.
Quando se fala da necessidade de reformas ou renovações, devia-se estar falando de afastar esses protagonistas fracassados, para chamar
ao poder presidencial personagens novos que, ao menos, não tenham demonstrado sua inépcia para compor e reger governos
democráticos capazes de promover uma prosperidade generalizável a toda a população. Vale dizer, gente como Lula, descomprometida
com a ordem vigente tão privilegiadora da minoria rica que enriquece cada vez mais, quanto perversa para com o grosso da população
brasileira que se miserabiliza cada vez mais.
O povo, ao contrário, percebeu que nada pode esperar desses poderosos que ocuparam a arena política desde sempre ou nela querem
ingressar pelo controle de máquinas partidárias e de mídias. Todos eles falam exaustivamente de seus méritos. Seja uma larguíssima
experiência, no trato da coisa pública, como governantes ou parlamentares. Seja a astúcia de intelectuais coniventes, mas dispostos a pôr
a serviço do povo sua suposta capacidade de governar com sabedoria. Seja ainda o tipo de empresários bem-sucedidos que, sabendo
ganhar dinheiro nos seus negócios, se acham também bons para reger os bens públicos. Seja até, outra vez, um general mandão com
talento para por ordem na baderna nacional.
O eleitorado rejeitou a todos eles e consagrou a Lula colocando-o na segunda rodada. Pode até errar, elegendo mal, amanhã, o novo
presidente, induzido que foi a ver como bom para o povo aquele que os donos das máquinas publicitárias de vender refrigerantes ou
sabonetes nos querem impingir. Mesmo nesse caso, porém, vota pela renovação. Que renovação maior pode haver do que a de colocar
Lula na Presidência do Brasil?
Pela primeira vez na história lá estaria um homem que veio do fundo dos fundos. Lula é o flagelado que deu certo. Teve êxito, mas
permaneceu fiel a suas origens. Assim foi porque Lula se construiu na luta de toda uma vida admirável de líder sindical e de político
popular pelos direitos dos trabalhares e dos cidadãos. Hoje, Lula é tão operário como foi criança, um dia. É de assinalar, entretanto, que
sua formação ele não a alcançou nas universidades, nos parlamentos ou nos quartéis que são os úteros de gestação de nossas precárias
classes dirigentes. Ele se fez foi nos movimentos sociais que são um ambiente melhor para fazer o governante apto e leal de um país que
não deu certo, por culpa não do seu povo, mas das elites.
Minha vivência com o poder, aqui e lá fora, é que dita esse testemunho. Vejo Lula como mais competente que Ulysses ou Montoro,
Maluf ou Antônio Ermírio, Garrastazzu ou Pires, Fernando Henrique ou Jaguaribe para conduzir o Brasil por caminhos novos, modernos,
de uma modernidade socialmente responsável e assumidamente brasileira. Dele, tenho certeza de que não ouviremos mais falar do tolo
orgulho de sermos a segunda economia agrícola do mundo - produzindo soja para engordar porcos no Japão, mas indiferente à fome do
povo. Com Lula no poder ninguém alegará mais que somos a sétima ou oitava economia do mundo, esquecendo que nossos salários são
dos mais baixos da Terra.
Nos livraremos também da balela de que o Brasil é um país em desenvolvimento porque se tornará evidente que estamos é sendo
afundados no poço do atraso. O diabo é que nossa opção no dia 17 não se dará nem entre Lula, como o novo, e qualquer vetusta figura
tradicional. Se dará, isto sim, é entre Lula e Collor, que é muitíssimo pior do que todos eles. Pior porque ainda mais servil à nossa velha
elite, feita de filhos e netos de senhores de escravos calejados na maldade; de ricaços descendentes de imigrantes que olham de cima,
com desprezo, a quem não enricou também; e sobretudo desta casta de gerentes das multinacionais, só leais a seus patrões.
Velha e infecunda elite que sempre detestou o povo brasileiro, que o manteve sempre atrasado e faminto, usando-o como mero carvão
de se queimar na produção, mas que defende de unhas e dentes sua hegemonia que uma vez mais ameaça perpetuar-se. Apesar de
todos eles, havemos de amanhecer.
* Aos 67 anos de idade, o Prof. Darcy Ribeiro escreveu esse desabafo, dias antes de ocorrerem as votações do 2º turno das eleições de
1989, das quais saiu vitorioso Fernando Collor de Melo. Mostra-se tão atual quanto verdadeiro....
100+ 8)
Estou me cansando de ouvir falar de Lula com descaso. Qualquer advogadinho idiota, porque formado, se acha melhor que ele, mais
preparado para governar. Um intelectual desses que leu meia dúzia de livros ou escreveu qualquer bobagem, um tecnocrata que
desempenhou bem ou mal algum cargo, todos se acham melhores que Lula e falam dele sem sombra de respeito. Por que? Essa gente
pensa que o exercício do poder, em postos de alta responsabilidade, cabe a uma categoria particularíssima de pessoas, na qual não
incluiriam jamais um ex-operário ou um líder sindical, ainda que muito bem-sucedido. Para eles, o exercício da Presidência se dá
naturalmente, é quando um figurão tradicional sucede a outro ou entrega o poder a um militar golpista. Nesses casos nunca se pergunta
por competência para governar, nem se alega incompatibilidades.
Não devia ser assim, mesmo porque foi esta gente que nos governou até hoje, quase sempre da forma mais desastrosa para o povo.
Quando se fala da necessidade de reformas ou renovações, devia-se estar falando de afastar esses protagonistas fracassados, para chamar
ao poder presidencial personagens novos que, ao menos, não tenham demonstrado sua inépcia para compor e reger governos
democráticos capazes de promover uma prosperidade generalizável a toda a população. Vale dizer, gente como Lula, descomprometida
com a ordem vigente tão privilegiadora da minoria rica que enriquece cada vez mais, quanto perversa para com o grosso da população
brasileira que se miserabiliza cada vez mais.
O povo, ao contrário, percebeu que nada pode esperar desses poderosos que ocuparam a arena política desde sempre ou nela querem
ingressar pelo controle de máquinas partidárias e de mídias. Todos eles falam exaustivamente de seus méritos. Seja uma larguíssima
experiência, no trato da coisa pública, como governantes ou parlamentares. Seja a astúcia de intelectuais coniventes, mas dispostos a pôr
a serviço do povo sua suposta capacidade de governar com sabedoria. Seja ainda o tipo de empresários bem-sucedidos que, sabendo
ganhar dinheiro nos seus negócios, se acham também bons para reger os bens públicos. Seja até, outra vez, um general mandão com
talento para por ordem na baderna nacional.
O eleitorado rejeitou a todos eles e consagrou a Lula colocando-o na segunda rodada. Pode até errar, elegendo mal, amanhã, o novo
presidente, induzido que foi a ver como bom para o povo aquele que os donos das máquinas publicitárias de vender refrigerantes ou
sabonetes nos querem impingir. Mesmo nesse caso, porém, vota pela renovação. Que renovação maior pode haver do que a de colocar
Lula na Presidência do Brasil?
Pela primeira vez na história lá estaria um homem que veio do fundo dos fundos. Lula é o flagelado que deu certo. Teve êxito, mas
permaneceu fiel a suas origens. Assim foi porque Lula se construiu na luta de toda uma vida admirável de líder sindical e de político
popular pelos direitos dos trabalhares e dos cidadãos. Hoje, Lula é tão operário como foi criança, um dia. É de assinalar, entretanto, que
sua formação ele não a alcançou nas universidades, nos parlamentos ou nos quartéis que são os úteros de gestação de nossas precárias
classes dirigentes. Ele se fez foi nos movimentos sociais que são um ambiente melhor para fazer o governante apto e leal de um país que
não deu certo, por culpa não do seu povo, mas das elites.
Minha vivência com o poder, aqui e lá fora, é que dita esse testemunho. Vejo Lula como mais competente que Ulysses ou Montoro,
Maluf ou Antônio Ermírio, Garrastazzu ou Pires, Fernando Henrique ou Jaguaribe para conduzir o Brasil por caminhos novos, modernos,
de uma modernidade socialmente responsável e assumidamente brasileira. Dele, tenho certeza de que não ouviremos mais falar do tolo
orgulho de sermos a segunda economia agrícola do mundo - produzindo soja para engordar porcos no Japão, mas indiferente à fome do
povo. Com Lula no poder ninguém alegará mais que somos a sétima ou oitava economia do mundo, esquecendo que nossos salários são
dos mais baixos da Terra.
Nos livraremos também da balela de que o Brasil é um país em desenvolvimento porque se tornará evidente que estamos é sendo
afundados no poço do atraso. O diabo é que nossa opção no dia 17 não se dará nem entre Lula, como o novo, e qualquer vetusta figura
tradicional. Se dará, isto sim, é entre Lula e Collor, que é muitíssimo pior do que todos eles. Pior porque ainda mais servil à nossa velha
elite, feita de filhos e netos de senhores de escravos calejados na maldade; de ricaços descendentes de imigrantes que olham de cima,
com desprezo, a quem não enricou também; e sobretudo desta casta de gerentes das multinacionais, só leais a seus patrões.
Velha e infecunda elite que sempre detestou o povo brasileiro, que o manteve sempre atrasado e faminto, usando-o como mero carvão
de se queimar na produção, mas que defende de unhas e dentes sua hegemonia que uma vez mais ameaça perpetuar-se. Apesar de
todos eles, havemos de amanhecer.
* Aos 67 anos de idade, o Prof. Darcy Ribeiro escreveu esse desabafo, dias antes de ocorrerem as votações do 2º turno das eleições de
1989, das quais saiu vitorioso Fernando Collor de Melo. Mostra-se tão atual quanto verdadeiro....
100+ 8)