Obrigada pela review Chava ^^
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XI - O isolamento de Mairon
Por alguns segundos, o Maia não sabia o que pensar. Ainda não cria que havia perdido o Anel. Maquinalmente, passou a procurá-lo dentre os corpos caídos na batalha e em seu próprio "fána", mas foi em vão. Ele sabia: se sua mão estava sem o dedo, isso apenas significava que alguém se atraíra por seu anel de ouro e o capturara.
Em desespero, mesmo que apenas em "fairë", Sauron tomou as têmporas com as mãos e gritou. Perdera sua melhor essência, a qual colocara no Anel. Estava perdido. Tudo estava lá, a esperança de trazer a Melkor de volta, seu poder e força vital, tudo. Que faria?!
Nunca fora de seu perfil perder a calma e a racionalidade, mas perder o Anel era algo com o qual não contava. Perder o "fána", perder qualquer coisa, era ainda recuperável se tivesse o Anel. Mas sem ele... tudo, absolutamente tudo, estava perdido.
- Malditos Eldar! Malditos Edain! Tinham de ter-me tirado justamente o que mais precisava!
E ficou procurando, em desvairado ódio, quem havia descoberto seu segredo. Ninguém...! Ninguém nunca o descobrira! Nem mesmo em Númenor alguém sabia do real poder do Anel-mestre! Nem Celebrimbor nos tempos antigos soubera dele! Então... quem?!
Apenas um, dentre todos, sabia da funcionalidade do Um Anel. E ele não estava em Eä.
Melkor.
Seria possível que Melkor estava com ciúmes do poderio que ele, Sauron, adquirira após a queda do mesmo?! Será que pensava que, uma vez Senhor do Escuro, o Maia nunca mais retornaria o poder a seu anterior senhor?
"Não é possível...!", pensou de si para si. "Ele nunca poderia agir, preso no Vazio como está. Além do mais, sou o único que tem contato com ele...! Nem os Balrogs restantes, nem ninguém sabe onde e como Melkor está!"
Mas aquela semente de dúvida se plantara em seu espírito. Ora, se ele próprio conseguia penetrar no Vazio, o tal não era tão "intransponível" assim...!
No entanto, os Edain lutariam por Melkor? Tomariam a seu Anel para Melkor?! Como?! Bem... se ele saíra de Valinor para juntar-se a Melkor, por que não poderiam alguns Edain fazer o caminho contrário?
"Ele seria capaz de me atraiçoar dessa maneira?! Aquele a quem um dia ele chamara de filho?!"
A desconfiança da Escuridão tomava até mesmo os Senhores do Escuro; nenhuma afeição poderia ser realmente genuína dentro dela. Mas Sauron considerou a hipótese tão hedionda, que balançou a cabeça, transtornado.
"Não! Ele não faria isso. Eu fiz um templo a ele, eu fingi ser algo que não era para que os Valar me libertassem e eu pudesse salvá-lo, eu...! Não! Ele não me trairia dessa forma. Foi coisa dos Eldar! Mesmo sem saber do que é capaz meu Anel, algum deles - ou um Edain, que seja, se é que aqueles inúteis mortais são capazes de pensar o suficiente para tal com seus cérebros débeis - se sentiu atraído pelo poder que dele emanava, e quis me espoliar! Malditos! Ah, mas isto não fica assim!"
Injuriado, ferido como nunca antes, o Maia se refugiou somente em "fairë" na floresta de Dol Guldur, enquanto não podia fazer um novo "fána" a si. Resolveu esfriar a mente ali, enquanto fingia dar aos Edain e Eldar uma trégua. Observaria ao mundo mais uma vez, retraindo-se, deixando-se perder a batalha a fim de ganhar a guerra. E descobriria onde estava seu Anel, afinal de contas.
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Mesmo desconfiando de Melkor no começo, Sauron tinha de dar satisfações a ele. Afinal de contas, havia-lhe reportado anteriormente que haveria uma enorme guerra contra a Última Aliança. E lhe devia explicações e resultados, caso contrário o Vala caído o esperaria em vão. Não podia fazer isso. Era leal, afinal de contas, apesar do coração negro.
Como o Anel, mesmo após ter sido tirado de si, ainda possuía muito poder, ele ainda podia fazer as visitas a Melkor - mesmo que somente em "fairë" - e um dia, após um tempo que parecia demasiadamente longo até mesmo para os Ainur sem ver a seu senhor, ele decidiu lá voltar.
Quando o Maia chegou, Melkor o olhou com tais olhos de felicidade, sendo Sauron seu único elo com o mundo físico em Arda, que o Maia até mesmo se sentiu em remorso por ter desconfiado que seu pai quisesse lhe roubar o Anel. Após as reverências corriqueiras, Sauron foi chamado para sentar-se com Melkor, como costumeiro, para contar-lhe o que estava ocorrendo na Terra Média.
- Você parece ter-se ausentado mais tempo que o habitual - ele disse, ainda sorrindo, a seu filho - Mas tudo bem, você deve ter estado muito ocupado lá. Agora me diga, como estão as coisas?
- Não vão bem... - e isso o Maia disse abaixando os olhos, diminuindo assim um pouco da alegria de seu senhor em revê-lo.
- Por que não...?
- Perdi a guerra e meu "fána" outra vez.
- Ah...! Mas Elrond e aqueles malditos Edain estavam assim tão fortes?
- Estavam, infelizmente. Me refugiei na floresta de Dol Guldur, planejando o que fazer em minha volta...
- Bem. Não fique muito preocupado. Por mais graves que as coisas possam estar assim, você tem seu poder concentrado naquele Anel de ouro, e não em Arda, como eu fiz. Assim pode se recuperar quantas vezes quiser.
Sauron tentou não demonstrar, mas sentiu ainda mais pesar. Melkor estava contando com o poder do Anel... e com a perda do mesmo, todos os planos ficavam ainda mais atrasados. Percebeu, ainda mais consternado, que seu senhor contava consigo... e se ele lhe relatasse sobre a perda do Um, tudo seria ainda pior. Como se já não bastasse estar preso há tanto tempo naquele Vazio... portanto, escolheu não contar a ele sobre a perda do anel, ao menos não por enquanto.
Relatou os principais acontecimentos da guerra, tentando sempre desviar-se de contar do final que ocorrera após a perda de seu corpo. Tomou os devidos cuidados para não revelar tudo que passara, e deixara a seu senhor contente por saber que ao menos Gil Galad e alguns da raça dos dúnedain haviam perecido na guerra. "Mais trabalho para Mandos", dizia Melkor ao ouvir as novas, entre um e outro sorriso de escárnio.
Todavia, reparou que seu filho, das vezes seguintes em que o fora visitar, apareceu ainda triste e com olhar apreensivo. Ora, sequer na queda de Angband ele se deixara levar pelo abatimento. Por que agora, em uma simples derrota, ficara daquela forma...?
Começou a ver, também, que o Maia não trazia mais o Anel-mestre na mão direita. Ao passo que o "fána" de Sauron apresentaria defeitos a partir de então, não mais podendo ser belo e com um dos dedos a faltar na mão (justamente o que Isildur lhe arrancara na ocasião de sua derrota), o "fairë" podia ainda apresentar a forma original, bem como todos os dedos nas mãos. No entanto, o Maia não podia simplesmente "inventar" uma imagem do Anel para que ela aparecesse em seu dedo, ou ainda colocar um Anel falso; não sem que Melkor percebesse ao menos. Logo, ele escolheu não usar nada naquela mão.
O que ele não esperava é que seu mestre percebesse tão rapidamente...
Um dia, o Vala caído disse a seu pupilo:
- Mairon... e aquele seu Anel-mestre, onde está? Não o usa mais?
O Maia baixou os olhos, não esperando ser interpelado de maneira tão direta. Mas logo respondeu:
- Eu o guardo num cofre, meu senhor... para que não chame a atenção dos demais.
O olhar que Melkor lhe direcionou deixou bem claro que ele não ficara satisfeito com a resposta...
- Chamar a atenção? De quem ele ia chamar a atenção, se o anel de chancela que lhe dei no início de seu serviço chama muito mais, possuindo uma grande pedra vermelha engastada em ouro e prata? Se for assim você não usa mais jóia alguma!
- O poder que ele emana... pode seduzir até as almas mais fortes, meu senhor.
- Almas mais fortes...? O que você quer dizer com isso?
E neste momento uma grande tensão se estabeleceu entre os dois Senhores do Escuro. Sauron percebeu que seu mestre de si desconfiava, e Melkor finalmente se deu conta de sua situação: estava totalmente nas mãos de Mairon a partir de então. Se ele quisesse, poderia causar sua glória... ou sua ruína. Tal dependência lhe causou pânico e terror. Impulsivo como era, não conseguiu esconder seus pensamentos:
- Mairon, você está guardando o Anel de mim! Pensa que eu posso cobiçá-lo para mim, pois sim!
O Maia se surpreendeu, não somente em ver como seu senhor percebera que ele mentia o tempo todo, mas também por um dia ter pensado que Melkor poderia tê-lo, de fato, cobiçado. Mas a expressão de seu senhor era tão terrível, que ele não pôde se conter:
- Não, meu senhor, eu...!
- Você não pode mentir para mim, não após todos os milênios que passou comigo! Eu o conheço bem, Mairon; quer você goste disso, quer não! Você quer o poder somente para si, e teme que eu o tome para mim, não é?
- Meu senhor...!
- Pois não me surpreenderia se você estivesse tentando me enganar com esse seu ar bajulador, como sempre fez com os Edain e Eldar! Pois a mim você não engana! Não vai me deixar sozinho aqui no Vazio! Se tentar fazer isto, o arrasto para cá e você nunca mais sai!
As palavras de Melkor continuariam a sair desordenadas, em ofensa a seu filho, porém quando ele finalmente percebeu a expressão do semblante de Sauron, parou.
O rosto do Maia se contorcia de dor, como se alguém o houvesse golpeado mesmo em sua alma indestrutível.
- Mairon...!
- O senhor tem razão por um lado. Eu menti. Mas não para ocultar o Anel do senhor, meu pai...!
E nesta hora até mesmo o Vala se surpreendeu, pois mesmo tendo aceitado a Sauron como seu filho, este raramente o chamava de "pai" em voz alta. Mas antes que pudesse replicar, ele continuou:
- Se eu o quisesse ocultar, teria ocultado desde o começo; desde Númenor, e não esperaria ter perdido sequer a meu primeiro corpo...! Mas não, o senhor é o único que soube de meu segredo!
- Então o que aconteceu com ele...?
- Eu o perdi, é isto, eu o perdi! Toda a minha desgraça vem daí!
E com esta frase, toda a dor, toda a ansiedade represadas pelo Maia transbordaram e seu mestre viu, enfim, que desta vez ele não mentia.
- Mas por que não me contou isso antes...?
- Pensei que já era tormento o suficiente para o senhor estar preso aqui e não quis aborrecê-lo! Mas se é para ser tomado por traidor...!
- Mairon...!
Subitamente, o Maia conseguiu retomar seu ar sério e impassível, mesmo diante de seu senhor. Olhou-o diretamente nos olhos e replicou enfim:
- Eu o perdi. Na guerra. Tomaram-no de meu dedo enquanto meu espírito vagava inconsciente. Mas eu o encontrarei; e tirarei o senhor daqui, meu pai, para que nunca mais desconfie de mim. Provarei meu valor por ações e não por palavras, já que é delas que o senhor necessita para me crer!
Sendo assim, ainda com o semblante impassível, Sauron beijou a mão de seu mestre, fez uma vênia formal a ele e anunciou sua partida.
- Até mais ver, meu pai!
E sem mais uma palavra, sem esperar réplica de Melkor, ele saiu do Vazio e voltou à Terra Média, somente em "fairë". O Vala ponderara sobre a dureza de suas palavras, mas não tinha mais como declarar isto a seu pupilo: era já tarde demais.
Quanto ao Maia, quando seu espírito enfim chegou a Dol Guldor, sentiu uma dor no peito que nunca antes sentira. Era semelhante àquele sentimento estranho, quando ainda na Primeira Era Melkor o admitira como seu pai¹, e no entanto aquele estranho sentimento era de afeição e lealdade; agora, era somente feito de trevas e dor.
Pela segunda vez, sem que pudesse controlar, Mairon chorou deliberadamente, pois seu senhor pensava que ele o traía. E escondeu-se no fundo mais recôndito de Dol Guldur, e lá sua dor e sua laceração continuaram por anos sem conta, seu "fairë" inerte, já não se importando com coisa alguma, esquecido de anel e guerra, esquecido até mesmo de seu pai, sentindo-se apenas como dor, e trevas, e vazio, e terror, e nada. Por muitas eras de homens assim permaneceu, até que um dia acordou, e percebeu que precisava voltar a agir.
To be continued
OoOoOoOoOoOoO
¹É uma fic que vou fazer quando Melkor voltar da primeira prisão dos Valar. Nessa fic, surpreso ao ver como Sauron cuidara de Angband em sua ausência, ele finalmente o acolherá de forma "oficial" como seu filho.
Saurita com depressão, rsrsrsrsrs! Pois é, eles tinham que brigar uma hora, né? Eles sendo "dumal" a coisa não ia ficar "bonita" pra sempre.
Logo continuo! Beijos a todos e todas!