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[Lindoriel][E na escuridão aprisioná-los][L]

VI - A sutileza da serpente

Apesar de bastante altivo, Ar Pharazôn não era cruel com seus prisioneiros. Gostava de humilhá-los e vê-los submissos, sim, mas não exatamente era de seu feitio fazê-los sofrer fisicamente.

Assim ele fez com Sauron. Colocou-o como um de seus servos mais simples, fazendo trabalhos como servi-lo na hora das refeições, preparar-lhe as vestimentas reais e ainda arrumar a Sala do Trono. Colocou-o instalado num quarto simples, perto dos empregados mais reles, mas ele com tudo isto parecia não se importar. E os empregados fitavam admirados aquele senhor que, no meio deles, era de um esplendor maior que o dos elfos. Não entendiam o que ele fazia ali, ainda mais sem reivindicar a si um lugar melhor.

Mas Sauron não reagiu. Na maior parte das atividades diárias, deixava seus anéis guardados em seu pequeno quarto, mas quando servia a refeição do rei, fazia questão de colocá-los novamente nos dedos. Fazia isso de propósito, para que o Um Anel exercesse, mesmo que indiretamente, sua influência sobre o Rei. Pois Ar Pharazôn, em seu orgulho, exigia que Sauron ficasse sentado ao seu lado, como um cão fiel, enquanto ele próprio não acabasse de comer. Fazia isso para exibir o controle que supostamente tinha sobre o Maia.

Sauron fazia tudo isso sem reclamar, em silêncio, e sem também observar o rei. Sempre parecia perdido em seus pensamentos e nunca se alterava. Com o tempo, para o Rei, Sauron começou a parecer uma entidade digna e correta, embora ainda não externasse isso a ele, e embora também não deixasse de demonstrar que o dominava.

No entanto, Ar Pharazôn começou a reparar na aparência dele. Não parecia a si, ainda, um Senhor do Escuro. Seus olhos brilhavam com intensidade, e sua postura era sempre educada e correta; sempre que acabava o serviço, Sauron beijava o anel de chancela do Rei em sinal de submissão, e este se mostrou impressionado ao ver que, após todo aquele tempo, não houvera uma única mostra de revolta, desobediência ou impaciência da parte dele.

Num desses dias, enquanto almoçava, Ar Pharazôn reparou na aparência dele. Não podia dizer que era "velho", pois não tinha calvice, cabelos brancos ou ainda rugas; nenhum sinal do envelhecimento que acometia aos homens após um certo tempo. No entanto, seria disparatado dizer que era "jovem", pois não o era em absoluto. Seu olhar traía um conhecimento profundo e insondável, de alguém que vivera anos sem conta, e portanto "jovem" ele também não era.

Essa curiosidade foi aumentando a cada dia, e uma hora o Rei não se aguentou. Teve de falar.

- Escute. Pode me dizer quantos anos tem?

Sauron mostrou-se solícito e ainda submisso, porém sorriu e disse:

- Meu senhor, me desculpe... mas minha idade não pode ser medida em anos.

- Não...? Você vive desde quando? Chegou a ver as Árvores em flor...?

Mais uma vez Sauron sorriu, condescendente ante a ingenuidade do rei.

- Senhor... eu vi Eä ser formada, e a ajudei a formar. Quando os Círculos do Mundo foram firmados, eu já existia.

Ar Pharazôn abriu a boca em espanto.

- Todos os Maiar são assim velhos?

- Todos, meu senhor. Surgimos antes dos homens, dos elfos... de tudo. Surgimos juntamente com os Valar.

- E... e como consegue ser assim, tão... vigoroso? Pois os homens, você sabe... eles envelhecem e morrem!

Sauron sorriu novamente.

- Os Maiar, assim como os Eldar, não estão fadados a envelhecer e morrer. Podem se passar milênios, e eu permanecerei.

- Sendo assim tão velho em idade, pode me contar várias histórias, não?

- Ah, mas as histórias antigas de um Maia como eu... não lhe serão enfadonhas?

- Claro que não! Nós em Númenor nos interessamos ainda mais por elas! Pois dizem que nosso ancestral, Eärendil, ainda vive...! Por isso temos esse interesse no que não perece... no que não envelhece jamais.

Sauron sorriu. E dessa vez de contentamento. Estava tudo saindo conforme o planejado...

- O que o senhor deseja saber de mim?

- Ora, diga-me... esse negócio de "Sauron"... "O Terrível"... você não me parece terrível de forma alguma!

- Isso foi o que os elfos inventaram a meu respeito, meu senhor... não vou agora pedir para que o senhor acredite em tudo que eu digo, mas... o senhor vê, com seus próprios olhos, como tenho agido em seu reino.

- Oh, sim... mas como alguém da sua grandeza pode aceitar me servir, sem nunca ter dito um "não" ou ter-se rebelado?

- Ah, meu senhor... eu sei apreciar a alma de um senhor poderoso e digno quando o conheço.

- É...? Você acha que eu sou assim?

- E por que não? Um homem que colocou medo até mesmo em minhas anteriores hostes...

- E... veja, seu nome original, quando você morava em Valinor... qual era?

- Meu nome...? O senhor deseja mesmo saber?

- Mas é claro!

- Talvez eu não o mereça atualmente. Mas eu era chamado de "Mairon, o Admirável".

Neste momento, os olhos do Rei louvaram de tal forma os modos e a eloquência do Maia, que outro nome não pareceria a ele mais adequado.

- E eles tinham razão... você parece mesmo bastante admirável, sim?

- Obrigado, meu senhor.

- Mas agora quero que, a cada dia, em vez de ficar sentado quieto aí, me conte mais coisas sobre o princípio do mundo, e como era tudo em Valinor, e como viveu até aqui!

- Se é isso que meu Rei ordena... assim eu farei!

Ao final daquela refeição, Sauron beijou mais uma vez o anel de chancela do Rei... e foi embora, um sorriso pícaro nos lábios, pensando cuidadosamente em como contaria as histórias do mundo para ele, da forma que melhor servisse a seus propósitos.

OoOoOoOoOoOoO

A partir do outro dia, Ar Pharazôn, já começando a se sentir enfeitiçado pelas palavras mansas de Sauron, passou a lhe tratar mais como "igual". Conversava com ele normalmente, como se ele fosse até mesmo membro de sua família ou amigo de longa data. Perguntava várias coisas, ávido por conhecimento, e Sauron respondia a tudo de forma a manipular a visão que o Rei teria sobre as coisas dali por diante.

- Como era sua vida em Valinor?

- Ah... o senhor vai achar que eu estarei sendo insolente em demasia... mas era difícil ser Maia de Aulë. Os Valar, meu senhor... somente desejam impor a própria vontade aos outros! Jamais desejam dar aos demais uma forma independente de pensar...

- Dizem que após um período você se rebelou e se tornou assecla de Morgoth. É verdade...?

Nesta hora, Sauron baixou os olhos, como que a ponderar o que diria, e enfim respondeu:

- Sim, meu senhor. Eu fui, por muitos séculos. Mas veja... ele me deu poderes e mando sobre homens e demais criaturas. Eu admirei a coragem dele, e o adorei como a um deus... o deus que ele era e é.

E nessa hora os olhos de Sauron brilharam com ainda mais força, como a lembrar da Primeira Era, quando ele e Morgoth dominavam a Terra-média de maneira ferrenha e absoluta.

- Ele é...? Mas ouvi falar que ele foi posto para fora dos Círculos do Mundo! É verdade...?

- Meu senhor, o que eles fizeram a Melkor é ainda pior do que se diz...!

- E por que...?

- Veja. Com o tempo, eu trabalhei com afinco a ele. Com muito mais afinco do que a Aulë, pois o Senhor Melkor me considerava, e me delegava cada vez mais poder, e me colocava em posição muito superior a de simples servo. Ele me colocava como seu colaborador...! Com o tempo, ele me adotou, assim como um pai faz com um filho. Os Ainur, diferente dos Edain e Eldar, não podem ter filhos biológicos, então ele me adotou. Ele me passou todos os conhecimentos de sua maravilhosa arte, e disse que em sua ausência, minha palavra seria lei. Ele sim me valorizou, diferentemente do que os Valar fizeram...!

Estas coisas Sauron falava com tal ímpeto, que Ar Pharazôn acreditou nelas sem muito esforço. De repente, Melkor pareceu a ele o libertador, o benfeitor, em face de toda a opressão ordenada pelos Valar.

- E depois, o que ocorreu?

- Meu senhor Melkor não foi tolerado, por causa de sua maneira diferente de ver as coisas e de governar. Então os Valar o capturaram...! A ele e a mim, eu, que mesmo no último momento não abandonei a meu senhor, no fundo daquelas masmorras terríveis!

E nesta hora a voz de Sauron pareceu vacilar... mas o Rei não reparou, ávido que estava por saber o desfecho daquela história.

- E então...?

- Eles levaram, a mim e a ele, para as terríveis prisões de Aman. E lá... me obrigaram a matá-lo, caso eu quisesse ser liberto!

- E você o fez...?

- Infelizmente...! Veja, se aqui estou é porque o fiz. Meu senhor... me dói até hoje na alma ter feito aquilo com ele!

- Mas que crueldade...!

- Só que o espírito dele vive. Oh, sim, e eu ainda sou o intendente direto do poderosíssimo Senhor Melkor!

- Deve ser complicada essa questão... pois eu nunca fui pai! Minha rainha nunca me deu filhos!

- Eu entendo, meu senhor. E entendo, porque eu também nunca fui pai, Ainu que sou, e portanto impossibilitado de tal. Porém... criei um laço filial tão forte com o Senhor Melkor, que prometi que o traria de volta ao mundo...! Porque ele, sim, ele, é o verdadeiro Senhor do Destino de Arda. Ele, no início, era mais forte que todos os Valar juntos! Ele, que ainda surgirá novamente em todo seu esplendor do começo, quando eu era apenas um jovem artífice na infância do mundo, admirando seu poder...!

Saurou fechou os olhos, enlevado em pensar nessas coisas. No entanto, em seguida ponderou se dissera demais ao Rei... mas não. O Rei estava maravilhado, e completamente rendido àquela ideia.

- Me diga uma coisa. Esse tal de Eru, do qual os Valar sempre falaram, você o conheceu?

Nesta hora, Sauron fez uma careta de desgosto. Em seguida, continuou:

- Sim, infelizmente! Ele se diz criador de tudo, o pobre, em seu delírio megalomaníaco! Sempre invejou ao poder de Melkor, à originalidade de seus magníficos propósitos! E agora fica se auto-proclamando deus...! Quando este título tão-somente pertence a meu prezado pai! Sim, meu senhor, este Eru não passa de um espectro invejoso, o qual os Valar, em sua loucura, adoram e instituíram como deus!

- É verdade...? - exclamou o rei, ainda mais maravilhado, boquiaberto, esquecido temporariamente da comida que esfriava em cima da mesa.

- Sim, meu rei. Eru é assassino e mau! Pois deixa aos Edain a maldita sina da morte! Ele é assassino, por assistir a tantos bons e valorosos homens durarem algumas décadas e depois morrerem! Que se diz de um "deus" assim?! Pois meu senhor Melkor sempre quis restituir o direito da imortalidade aos homens...!

- Ele nos tornaria imortais?!

E nessa hora Sauron não conteve um breve sorriso de satisfação. Pois Ar Pharazôn, mesmo para os padrões de Númenor, já não era jovem; e já começava a sentir os efeitos da idade em seu corpo mortal, e isso o assustava; a si, que fora criado para ser glorioso e ostensivo, envelhecer devia ser um duro golpe!

- Sim - e nesta hora, Sauron baixou a voz, por mais que estivessem a portas fechadas na sala de refeições do Rei¹ - E este, meu senhor, era o plano secreto de Melkor, o Supremo Senhor de Arda... deter os malditos Valar e seu espectro maligno Eru na matança de seres humanos que eles têm feito por todos estes séculos! Meu senhor, se o senhor me ajudar a trazer ao senhor Melkor, meu querido pai, em presença física de novo para os Círculos do Mundo... eu lhe prometo que ele o fará jovem novamente, e a todos os demais Edain, e aos que nascerão depois! Pois se os Eldar podem - por que não vocês?!

Nesta hora, o brilho dos olhos de Ar Pharazôn denunciaram toda a sua vontade de ser imortal, e eternamente jovem, a qual imperava em Númenor já há eras.

- Pois sim! É claro, que devemos nós aos Eldar? E que têm eles de superior a nós, senão o fato de terem nascido Eldar?! Que culpa temos nisto?! Pois foi um acaso muito bom tê-lo trazido da Terra-Média para cá, Mairon! Sim, Mairon! Ninguém nunca mais vai chamá-lo de Sauron nesta terra, ou será duramente castigado!

- Muito obrigado, meu senhor.

- E também não fica direito a um Ainu de seu porte ficar servindo ao rei qual camponês inculto! Você merece muito mais! A partir de hoje, nomeio-o meu principal conselheiro! Darei-lhe roupas, e atavios, e jóias a sua altura! Não mais ocupará aquele quartinho minúsculo na área dos servos, mas dormirá nos melhores aposentos de meu palácio, somente inferior ao que eu e minha rainha ocupamos! Mas de seu conselho não abdicarei jamais. Vamos continuar conversando sobre isto, pois de todos que já me apareceram aqui, você foi o mais amigo, e o que mais me ajudou no que eu necessitava saber!

A surpresa no rosto de Sauron era visível, pois ele esperava um dia dominar a mente do rei, mas não de maneira tão rápida. Bem...! A vinda a Númenor havia sido útil, afinal de contas! Muito útil...

- Agradeço-lhe imensamente, meu senhor...! Não sei se mereço tanto! No entanto, o ajudarei e aconselharei, e o guiarei rumo ao triunfo total de Númenor! Não precisará de prole, pois viverá eternamente!

O sorriso no rosto do rei indicou que ele estava, enfim, completamente tomado pela sutileza das palavras da serpente de Melkor.

To be continued

OoOoOoOoOoOoO

¹O Akallabêth diz que Saurita ficou a portas fechadas com o rei, mas não diz onde... rs. Fiz que seria na sala de jantar, pois ele estava servindo ao rei, não é mesmo?

E essa questão de Ainur não poderem ser pais... parece que Melian, mãe de Lúthien, foi a única a se reproduzir de fato, usando um "hröa" de elfa pra casar com o Thingól e conceber a Lúthien. Mas os demais Ainur, incluindo os Valar e demais Maiar, pareciam inférteis mesmo. Aí não sei, rs!

De qualquer forma, a cobra tá fumando! Vamos ver no que vai dar essa lambança do Sauron!

Beijos a todos e todas!
 
Última edição:
Engabela-rei LIKE A BOSS!

Nossa, Lynn, tá muito legal sua fic! Quero só ver o que Saurita Catita vai aprontar daí por diante.

E claro, quero rever Melkor, né? :D
 
Nota da Lynn: é incrível. Todas as minhas histórias têm seu clímax no capítulo sete. E não é proposital, nem nunca foi. Mas "Almas Gêmeas" e "Mizérable" também tiveram seu cap mais "marcante" como sendo o sétimo. Como que fas? Rs!

De qualquer forma, aí vai. Espero que gostem!

OoOoOoOoOoOoO


VII - O Necromante

Em poucos dias, o Maia prisioneiro passou de servo simples a principal conselheiro do Rei. Todos o olhavam estupefatos, pois nunca antes ninguém subira tão rapidamente no conceito de Ar Pharazôn. De fato, todos sabiam que Sauron não teria porte para ser "apenas um servo". E realmente, ao se vestir com as roupas de conselheiro real, bem como ataviar-se com os paramentos que o rei lhe cedera, aquilo parecia a si muito mais adequado.

O Rei lhe devolvera todas as joias que espoliara na ocasião de sua captura, e ainda lhe dera outras mais. Agora, nas mãos de Sauron brilhavam três anéis: o Um Anel, que aparentava ser o mais simples dos três; o anel de chancela que Morgoth lhe dera ainda na juventude sua e do mundo; e o anel que o Rei de Númenor lhe dera em sinal de aceitação como membro do Conselho Local.

O intendente de Melkor começou a reparar em tudo que ocorria no dia-a-dia do rei, agora muito mais acessível a si que no começo. Com frequência agora Ar Pharazôn o procurava para se aconselhar e não raro guiava seus passos totalmente pelo que Sauron dizia. Mas o que mais lhe interessava eram as histórias antigas, seguidas de perto pela perspectiva de imortalidade que Sauron colocava na volta de Melkor ao mundo.

O Maia começou a reparar que a Rainha de Númenor, conhecida como Ar-Zimraphêl, ou Tar-Míriel em seu nome élfico, quase não passava seus dias com o Rei. Eram marido e mulher e se recolhiam para dormir no mesmo aposento, no entanto, durante o dia, mal se viam. O Rei preferia a companhia de soldados, conselheiros e valetes à de sua própria esposa, como se eles não pudessem entender um ao outro.

E Sauron estranhava aquilo... pois Tar-Míriel, apesar de não ser mais jovem, assim como o rei também não era, ainda era linda e rivalizava em esplendor com quase todas as damas e donzelas locais, mesmo as bem mais jovens, e ele não entendeu o porquê de Ar Pharazôn não se agradar dela.

Um dia, com toda a sutileza que lhe era própria, Sauron resolveu saber a razão daquela indiferença toda da própria boca do rei.

- Meu senhor. Tenho visto sua rainha por estes dias, e ela me parece uma mulher bastante formosa e distinta, no entanto... bastante solitária. O que ela tem?

- Ah! - respondeu o rei, fazendo um gesto de desdém com a mão - Ela é terrível. Nunca gostei dela, nunca mesmo. É minha prima, mas precisei casar com ela para ascender ao trono. Não fosse por isso eu não a aceitaria. Mulherzinha intragável!

- Desculpe a ousadia de comentar assim sobre a sua esposa, ó Rei... mas ela é lindíssima. Creio que não haveria dama que o senhor pudesse ter almejado mais em sua juventude...

- Em beleza o atributo dela é realmente grande, isso não posso negar. E era ainda mais quando me casei com ela. Mas de que me serve isso...?! Se ela tivesse um caráter altivo, orgulhoso, ambicioso como o meu... mas qual! Desde jovem que é isso, só quer ficar rezando o terço! Um ar amedrontado na face...! E ainda por cima - e nessa hora o Rei falou bem baixo, de modo a somente Sauron poder ouvi-lo - ainda se diz fiel ao tal de Eru, o espectro contra o qual me falou! Ela ainda respeita as tradições nesse aspecto!

- Entendo, meu senhor. Mas ela... e o senhor... nunca se deram bem?

- Nunca! Não dá pra ter uma conversa mais longa com a minha esposa. Cansei dela. Pode ser linda, mas no resto é uma infeliz. Teve o trono tomado, a maternidade não lhe aconteceu, seu casamento não foi por amor... talvez eu tenha tirado um grande quinhão dela ao poupar-lhe de encontrar a um parceiro o qual ela pudesse amar, mas enfim, que fazer? Eu precisava ter feito isto para assumir o trono. De mais a mais, não a importuno, e lhe dou jóias, e ainda faço vida com ela e me deito no mesmo leito que ela... mas por pena, não por amor. Porque também seria uma grande humilhação a uma dama do porte dela dormir em quarto separado do seu marido... mas é isso, mesmo tendo piedade dela, não a suporto!

- Pobre mulher... mas, meu rei... quando o senhor Melkor voltar ao mundo e lhe restituir a juventude, o senhor gostaria de se casar novamente...? Com outra dama de sua escolha?

O Rei observou a Sauron com um olhar atento e quase amedrontado. Em seguida, sem muita firmeza na voz, declarou:

- Mas, Mairon... o que eu faria com ela?! É uma mulher com a qual eu não me dou, mas abandoná-la...?

- Ora, meu senhor e rei... veja, quando o senhor Melkor retornar, em sua bondade imerecida, transformará a todos em Númenor em jovens novamente. E isto inclui a Rainha. Ela não ficará abandonada...! Não faltarão pretendentes à sua mão quando ela for moça outra vez!

- Mas Mairon... isso de separação... não é bem visto por aqui! Ninguém se separa de ninguém, muito menos se casa com pessoas separadas! Ela ficará literalmente abandonada, sendo jovem ou não!

- Entendo. Bem, isto concerne ao senhor... foi apenas um conselho.

- Não há de quê. E de qualquer forma, mesmo que eu tivesse a oportunidade de casar de novo, com outra dama... não casaria! Mulheres são muito aborrecidas, não sei lidar com o gênio delas!

- Ah sim, meu senhor... disto eu sei. Pois é por isto que não me casei...!

- E fez muito bem! Só servem pra apoquentar. Eu ainda aturo a pobre Míriel, mas por razões de grande monta. Mas agora... se assim você desejar... eu gostaria de falar de um assunto mais importante a mim. Fale-me mais desse senhor Melkor, desse Vala que era poderosíssimo e o adotou na sua juventude. Tenho muita curiosidade sobre ele!

Sauron sorriu de maneira lisonjeira. Era bom que o rei lhe indagasse essas coisas sem ele mesmo precisar induzi-lo a esses assuntos...

- O que deseja saber sobre ele, meu rei?

- Como ele era no auge de seu poder?

O Maia sorriu novamente. E nesta hora sorriu de satisfação ao lembrar de como eram as coisas naquele tempo.

- Ele se vestia em ouro e prata, e ataviava a seu longo e negro cabelo com jóias brilhantes e variadas; seus olhos fulguravam intensamente, de modo que ninguém podia encará-los diretamente, nem mesmo os Valar! Em sua mão havia força, em sua postura dignidade, em suas palavras o comando do Destino de Arda. Mesmo sendo extraordinariamente poderoso, era um senhor muito bom. Pois dava a seus servos a liberdade de ir e vir, e de fazer o que bem entendessem, e lhes dava poder como deu a mim. E me considerava como a um filho, coisa que o tal Eru nunca, jamais fez com nenhum dos Valar, nem mesmo com Manwë, o qual nunca se cansa de lamber as botas do tal Eru. Apenas punia quando lhe provocavam e desrespeitavam, o que nunca era feito de maneira desarrazoada.

- E como você passou a servi-lo?

- Eu estava profundamente sobrecarregado com as terríveis maneiras de Aulë, o qual nada elogiava e muito criticava. Além disso, não sobrava a nós, Maiar aprendizes dele, nenhum tempo livre. Para nada! E nada em troca, somente mais e mais servidão. Até o dia em que o Senhor Melkor me apareceu, num dos poucos momentos meus de ócio, e me pareceu um senhor de imenso poder e esplendor. O ser mais magnífico de Eä! E então ele me disse: "Você quer reconhecimento? Pois eu lhe darei". No início hesitei, pois ele era malvisto dentre os Valar... mas vi que o poder e o conhecimento, assim como a razoabilidade, estavam com ele; e muito em breve ele me ataviou como a si mesmo, e me deu poder e servos, e uma consideração que eu nunca tivera antes, sendo no início um reles capacho de Aulë...

- Ele deve ser realmente magnânimo, pelo que diz...!

- Oh, sim! Ele se autodenominava como "Aquele que traz presentes", e trazia mesmo. E ele era, sim, mestre da Escuridão. Mas por que, meu rei, a Escuridão deve ser algo ruim...? Ela é onde tudo começa. É o renascer. O útero da mãe é sempre escuro, e sem a Escuridão a Luz jamais existiria.

As palavras de Sauron a Ar Pharazôn pareciam muito justas e sábias, e ele a cada dia se fascinava ainda mais por elas. Logo, quis saber como Sauron pretendia trazer a Melkor de novo para os Círculos do Mundo.

- Não haverá perigo de os Valar o capturarem novamente?

O Maia hesitava quando o rei chegava a perguntar essas coisas tão detalhadamente, pois não queria revelar o sistema dos Anéis que criara para sugar o Fogo Negro dispersado por Morgoth no mundo, justamente para devolvê-lo a ele depois. Mas podia dizer algumas coisas, ou distorcer alguns fatos...

- Não, meu senhor. Não haverá, pois desta vez ele voltará no seu poder do início. Infelizmente, meu senhor e pai gastou muita de sua energia dispersando-a em trabalhos na Terra, e por isso ao final da Primeira Era decaíra muito...

- E como... pretende fazê-lo ficar forte outra vez?

Desta vez, Saurou pediu para ficar a portas fechadas novamente com o rei. E, tomando um ar sério em seu rosto compenetrado, ele enfim declarou:

- Meu rei. Este é um assunto de grande monta, o qual eu evitava abordar com o senhor... mas é necessário ser dito agora.

O rei ficou atônito ante as palavras do Maia, e o instou a continuar. Sauron, então, o fez:

- Senhor Melkor é uma divindade, e para tanto precisa de um templo. Para que lá seja concentrada toda a energia a fim de trazê-lo de volta.

- Entendo! Pois mandamos construir!

- Mas não é só isso, meu senhor!

- Não...?

- Infelizmente, não. Meu pai precisa de um novo corpo... e fazer um novo corpo a um Vala como ele... não é tarefa fácil. Demanda muita, muita energia...

- E de onde a tiraremos...?

- Meu senhor, esta é a parte delicada de todo o processo. Para que a vida seja gerada, precisamos de... vidas.

- Como assim...?

- É isso mesmo. O combustível para que meu senhor Melkor seja trazido ao mundo novamente serão... vidas de seres humanos.

O rei pareceu ficar espantado, mas Sauron logo o tranquilizou.

- Meu rei, quando eu disse ao senhor que Melkor é benevolente e não fere ou julga senão quando necessário, isto é verdade. Portanto, eu jamais o admoestaria a utilizar as vidas dos justos! Longe de mim! Mas aqueles que traem à Vossa Majestade... que ousam se colocar entre o senhor e o seu poder... estes sim, seriam bons exemplos para o povo não mais se rebelar contra o senhor! E ainda por cima... abasteceriam ao que eu chamo de "reservatório de energia" para a vinda do senhor Melkor!

- Bem... falando assim, tem muita gente nesta terra que realmente merece morrer!

Sauron sorriu novamente. Ar Pharazôn estava completamente dominado...

OoOoOoOoOoOoO

Obcecado que estava com a imortalidade, o rei mandou construir o templo a Melkor a toque de caixa, em Armenelos. Enquanto o templo era construído, Sauron o manipulava e conquistava ainda mais sua mente com suas palavras enganadoras. O templo foi construído todo como Sauron aconselhou ao rei. Alguns consideraram aquilo um disparate, e lamentaram o dia em que o rei trouxera a Sauron para Númenor. Mas ao ouvir as ameaças de que seriam imolados no templo caso se insurgissem contra o rei ou Sauron, silenciaram.

Vez por outra, o Maia observava a seu anel de chancela e sorria, pensando em como em breve Melkor poderia estar de volta. Mas logo seus olhos se direcionaram a Nimloth, a Árvore Branca, e a odiou. Instou com o rei que ela era maldita e venenosa, colocada pelos asseclas de Eru no mundo e por isso precisava ser o primeiro sacrifício no templo.

Assim foi feito. A Sauron foram dadas belíssimas vestimentas sacerdotais, negras e douradas, como as que ele usava em Angband, e em seguida em Mordor, para seus atos de necromancia e feitiços nefastos. Seus cabelos foram ataviados com azeviche, prata e diamante. Em seus dedos agora brilhavam quatro anéis: o Um, o Anel de chancela de Morgoth, o de Conselheiro de Númenor e o de Supremo Sacerdote de Melkor. Poucas vezes após a queda de seu senhor Sauron se sentira tão satisfeito com a própria habilidade.

Embaixo da enorme cúpula de prata, Sauron e Ar Pharazôn iniciaram os ofícios. E até mesmo o rei, mortal que era, apagava-se diante da figura alta, forte e imponente que era Mairon nas vestes de sacerdote, os olhos cortantes como punhais recém-afiados.

O Rei tomou a palavra. E falou para o povo, que ainda não sabia direito sobre o que aquilo se tratava.

- Povo de Númenor! Devem saber que, anos atrás¹, eu capturei a Mairon, conhecido como Senhor do Escuro, como meu prisioneiro. E ele, ao contrário do que me provavam minhas expectativas, é um senhor magnífico! Foi meu amigo e me instruiu na grande arte de sua sabedoria milenar. E eu percebi que a Arte das Sombras não é má, e que Melkor é Senhor e Deus. Quem não quiser adorar a Melkor, que saia de meu reino, ou será morto!

Muitos desaprovaram aquilo em seus corações, mas nada disseram. Muitos, no entanto, já cedendo à influência de Sauron, saudaram ao rei, ao Maia e gritos de "Salve Melkor!" foram ouvidos, para o deleite do Maia, o qual acariciava, em alegria maligna, seu anel de chancela de Morgoth com pedra vermelha.

- Agora, para início de nossos ofícios, queimaremos a Nimloth, a árvore maldita dos Valar, na fogueira que meu tão estimado sacerdote instituiu sob a Sagrada Cúpula Prateada!

Nesta hora, trouxeram a árvore recém-cortada para as mãos do Rei, o qual a entregou nas mãos de Sauron. O Maia, embriagado pelo poder, tomou a árvore e a levou ao Fogo. Numa voz imperiosa, mandou que o acendessem com mais força.

- Aumentem! Fogo brando não serve a meus propósitos!

Aturdidos com o olhar hostil que viram em Sauron, os homens o acataram. E em seguida, com um prazer mórbido no rosto, o Maia jogou a árvore no fogo. Ela crepitou e soltou uma fumaça negra, a qual subiu e passou pela abóbada de prata, ofuscando a luz do sol, inaugurando o início de uma grande série de sacrifícios em prol da Escuridão.

Mairon abriu os braços para o povo e para o rei, em estado catártico, e bradou em voz alta:

- Salve Melkor, Senhor dos Destinos de Arda!

O Rei bradou logo em seguida, e junto com ele vários dos que assistiam à cerimônia.

OoOoOoOoOoOoO

Aquele foi, de fato, o primeiro de muitos outros sacrifícios. Animais e plantas não satisfaziam à ânsia de Sauron: ele queria humanos. E logo alguns dos Fiéis foram colocados para serem queimados vivos sob a abóbada prateada, a qual não tardou em se tornar negra devido à fumaça que subia das ofertas.

Assim que os homens morriam, Sauron aprisionava seus espectros numa sala contígua, a qual fora construída ao lado da fogueira dos sacrifícios. Ali, o Maia instituiu um grande vaso de ouro, o qual conteria as almas. Lá, com algumas palavras de encantamento, ele as prendia à sua vontade e as enviava para sussurrar o mal aos demais homens e, assim, prender mais e mais energia a si no Um Anel. A cada vez que fazia isso, o Um Anel brilhava intensamente - e era por isso que a sala era contígua à dos sacrifícios e lá nem o Rei entrava. Pois Sauron não desejava que ele soubesse do Segredo do Um, justamente o que aparentava ser o mais simples dos anéis que carregava em suas mãos.

Quando ordenava às almas que fossem em busca de mais energia e de mais terror para ele, drenando assim todo o sofrimento delas para o Um, mostrava-se em toda a sua ira. Comandava-as com ódio e desdém, despindo-se assim do disfarce afável que apresentava ao rei.

- Vão, tolos! Vão, pois seu poder me fortificará! Não mais precisaremos de vocês quando o Reino das Sombras se reerguer por completo ao lado do senhor Melkor!

Logo, centenas de almas estavam aprisionadas à vontade suprema de Sauron, e em breve milhares. O Anel reluzia com força em sua mão, e então ele finalmente começou a agir.

Com todo aquele poder acumulado, Sauron passou a conseguir direcionar sua mente para qualquer lugar de Arda sem perigo, usando as energias dos inimigos e, portanto, sem alterar seu próprio "fána".

Por todo o canto seu "fairë" passou, sem ser notado. E ele invadiu Aman, e os Palácios de Mandos, e seu próprio reino obscuro na Terra Média, sem que seu corpo saísse da Sala Sagrada das Almas.

E finalmente, num golpe de audácia, ele ousou chegar perto das Portas da Noite. Nem quando seu Senhor fora aprisionado lá ele chegara perto delas. Era arriscado demais para qualquer ser vivente, até mesmo aos Valar, pois de lá ninguém retornava.

Mas ele precisava ir. E, num dia, após imolar muitas almas, ele se sentiu preparado. Paramentou-se por completo, colocou seus anéis, e pensou enfim:

"Se eu não retornar, que por lá fique! Ao menos terei tentado!"

E direcionou portanto sua mente para as Portas da Noite. Após muito exercitar sua força de vontade, as ultrapassou. E enfim, sua visão foi tomada pela cegueira do Nada. Isso o aterrorizou por um momento, mas a seguir ele o viu.

Jogado a um canto, sem coroa e sem majestade, apenas com um pálido "fairë" a vagar pelo terrível Vazio, mas ainda com as características que lhe eram próprias: cabelos longos e negros, olhos verdes e penetrantes, a marca de faca ainda no pescoço. A faca que ele próprio, Sauron, brandira contra seu senhor.

Era ele enfim. Melkor. E não era uma visão.

Nessa hora, Mairon percebeu como fazia tempo que não o via. Pois encontrá-lo novamente fez com que ele se sentisse velho, terrivelmente velho, e tudo que pertencia à Primeira Era fosse algo que ocorrera com outra pessoa que não consigo. Mas conseguiu falar:

- Meu senhor Melkor...

Por uns instantes, o Vala, o qual não ouvia ninguém chamá-lo por tantos séculos, repentinamente se virou em direção à voz e pensou se não era uma ilusão. Mas não era. Lá estava ele, em seu esplendor de Maia altivo. Era seu filho, Mairon.

- Mairon...? O que...? O que faz aqui...!?

- Meu senhor Melkor...! O senhor consegue me ouvir?

- Sim, eu consigo...! Mas não pode ser você, aqui, no Vazio...!

- É apenas meu "fairë"... meu "fána" se encontra em outro lugar...!

- Mas como...? Como conseguiu driblar a vigilância dos Valar e vir aqui?! E pior: preservando a um "fána" em algum lugar!

- É uma longa história, a qual não posso lhe contar ainda...! Mas para começar... observe isto!

Mairon levantou a mão direita e lhe mostrou... o Um Anel.

- O que... o que é este Anel?!

- Meu senhor...!

A visão de Melkor, após tanto tempo, não lhe deixava falar. De repente, do extremo de sentir-se velho, ele se sentiu estranhamente jovem. Como não se sentia há muito, muito tempo. Pois Melkor ainda era a si como um senhor poderoso e "mais velho", e ele de repente se sentiu de novo como apenas um servidor que admira a seu mestre, e pouco ou nada sabe em face dele... mesmo que àquela ocasião, Melkor estivesse em momento frágil e ele estivesse poderoso.

- Este anel... - Sauron retomou fôlego e continuou - Este anel é o Anel-mestre de uma série de Anéis que criei juntamente com os elfos de Eregion. Eu os ludibriei... e fiz com que me ensinassem a fazer este tipo de artefato.

- E para que eles servem?

- Para dominar as vontades dos povos... e este, o Anel-mestre, serve para guardar a energia de meu "fána" para que eu não precise gastar poder. Ele fica no Anel...

Num estalo, o Vala entendeu todo o plano de Sauron. De uma só vez.

- Mairon...! A Grande Lição que você disse ter aprendido, quando estavamos prestes a ser presos em Angband...

- Essa mesma...! Eu não dispersei meu poder em Arda, como o senhor anteriormente fez. Eu coloquei o reservatório de meu poder... neste Anel.

- Fantástico...! Você é esplêndido, Mairon! Meu filho querido...

E, num ímpeto inesperado para ambos os Senhores do Escuro, Melkor abraçou a Sauron, de forma semelhante à que fizera quando estavam prestes a ser capturados pelos Valar. E nesta hora, ao contrário do que ocorreu no final da Guerra da Ira, Sauron não demonstrou frieza ou racionalidade. Após tanto tempo de dissimulações, de guerras e atritos com os homens e os elfos, de tanto esconder o que seu coração realmente sentia, ele enfim se sentiu como um pouco mais do que uma máquina de raciocinar e ludibriar. Contra suas próprias expectatvas, o Maia abraçou a seu senhor de volta, e enfim chorou.

Era como a um menino que acorda de um longo e tenso pesadelo nos braços do pai. Pois ele, Mairon, se perdera da retidão ao seguir os propósitos de Morgoth. Mas tal perdição ocorrera por causa da dureza de Aulë, a qual deixara a Mairon com o coração frio e indiferente. Vingara-se ao se colocar nas hostes do Senhor do Escuro, recebendo prestígio e boa posição. Mas de maneira paradoxal, o caminho que o levara ao fundo do abismo, ao final de sua própria dignidade, fora o único que lhe demonstrara algum apreço e consideração.

Pois naqueles milênios todos, a única pessoa que ele sentira que o amara de verdade fora Melkor. E ele nunca deixaria que disséssem que dele não podia vir o bem; pois o bem dos Valar ele nunca recebera, nem mesmo na ocasião de seu perdão após o final da Guerra da Ira, pois ali eles agiram mais como arrogantes senhores que dão o perdão como uma humilhação e demonstração de poder para com suas vítimas.

O Vala percebeu as lágrimas de seu anterior servidor, e então proferiu:

- Eu não sabia que você era capaz de chorar de verdade, Mairon... pensei que era apenas capaz de fazê-lo quando queria causar piedade nos outros. Mas de mim você não precisa de piedade agora, uma vez que quem necessita dela, no caso, sou eu...!

Enxugando as lágrimas com as costas da mão, o Maia replicou:

- Eu também não sabia disso, meu senhor. Mas debalde...!

- Não tenha vergonha. Eu também chorei quando fui capturado em Angband, e naquele tempo minha situação era de vergonha e humilhação. Você não; está esplêndido! Reconheço dois anéis em suas mãos; esse Anel-mestre do qual me falou, e o Anel de chancela que lhe dei na juventude sua e do mundo; fico muito feliz por ver que ainda o usa!

- Agora e sempre, meu senhor.

- Mas esses outros dois não reconheço. Quem o paramentou dessa maneira?

- Foi o rei de Númenor. Eu estou lá.

- O que é Númenor...?

- É a ilha dos filhos de Elros, os que têm a Lúthien e Melian como ascendentes. Eru a deu a eles. No entanto, os descendentes de Elros são mortais, pois ele, ao contrário de Elrond, escolheu a Sina dos Edain. Eu fui tomado como prisioneiro e me infiltrei lá, me fingindo de servo do rei. O mesmo agora come na minha mão, e tem medo de morrer. Quer reivindicar a imortalidade dos Eldar para si!

- É...? E o que você está fazendo lá?

- Eu sou o sumo-sacerdote... do templo de meu senhor Melkor.

- O que...? Você conseguiu fazer com que os Fiéis construíssem um templo para mim?!

- Sim...! Prometi imortalidade ao imbecil do rei, e ele acreditou! Sacrifícios humanos lhe são ofertados lá todos os dias, meu senhor, sob meu comando!

E, num ímpeto de antiga porém constante servidão de séculos a Morgoth, Sauron se ajoelhou perante seu senhor e beijou-lhe a mão no dedo onde antigamente repousava um anel de Imperador. E desta fez, ele fazia a mesura com sinceridade, ao contrário do que fazia com Ar Pharazôn.

- Você é fantástico. Eu sabia que não me arrependeria de tê-lo admitido dentre os meus, quando o fiz no início do mundo.

- As almas alimentam a energia do Um Anel. E com ele eu o trarei de volta, meu senhor. Farei um novo "fána" ao senhor, e também um novo Anel para si. Este é para mim, mas o senhor terá o seu. E então seu poder do início do mundo será retomado; não mais precisará utilizar seu "fána" constantemente. O Fogo Negro que o senhor dispersou na Terra durante seu reinado lá lhe será restaurado, pois eu o estou guardando no Um Anel. E então... com seu poder totalmente retomado e com garantias de que não será disperso, sendo ele guardado num Anel como este, nunca mais os Valar poderão lhe fazer frente outra vez!

Ao ouvir os planos de Sauron, Melkor sorriu. E seu sorriso foi algo que, se os Valar ou mesmo os Eldar vissem, diriam que não vinha do Senhor do Escuro, mas apenas de um senhor inofensivo que estava plenamente maravilhado e orgulhoso com os feitos de um filho seu.

- Eu sabia que não me abandonaria.

- Não... eu lhe disse, meu senhor...! Que lhe seria fiel até o fim, mesmo quando não o parecesse ser...!

- Sim...! Você cumpriu a promessa!

- E sempre cumprirei!

Nesta hora, no entanto, uma tontura forte tomou conta do Maia... e ele sentiu que deveria retornar, ou corria o risco de ficar no Vazio sem poder retornar.

- Meu senhor... perdoe-me, mas gastei demasiada energia vindo aqui...! Já não posso mais ficar!

- Então volte! Volte, que do modo que as coisas estão avançadas, em breve eu conseguirei sair daqui, para que instauremos um novo reinado na Terra-média. E desta vez, definitivo e para sempre!

- Sim, meu senhor...! Aguarde apenas mais um pouco, pois logo o trarei de volta para a vida em Arda!

- Está certo! Agora vá!

Mas Sauron não queria ir. Voltar para Númenor era como retornar para aquela vida de fingimento e falcatruas, e ao menos por um pouco mais ele desejava ficar com seu pai, o único a quem podia ser verdadeiro e sincero. Todavia, uma náusea ainda mais poderosa o tomou, e ele quase se sentiu perdendo os sentidos.

- Mairon, vá...! Está na hora - e pela primeira vez, Melkor foi mais racional do que Sauron.

- Ainda não...!

- Nós nos reencontraremos em breve; vá!

Os dedos do Maia crispavam-se em torno dos braços de seu senhor, como que relutando em ir.

- Mairon... vá, ou tudo dará errado!

- Eu não consigo...!

E, no último instante, antes que tudo estivesse perdido, Melkor tomou as mãos de Sauron, retirou-as de si e o empurrou para fora da Porta da Noite. Por um triz, Sauron não ficou lá preso com o Vala, sem que nada os pudesse tirar de lá após isso.

O "fairë" de Sauron retornou para seu "fána" em Númenor, na Sala das Almas. Mesmo assim, a energia gasta com aquela perigosíssima empreitada fora tanta, que o "fairë" do Maia não acordou de pronto. Na verdade, não acordou nas próximas horas, pois foi encontrado desacordado pelos servos do rei, os quais temeram por sua vida, dada a lividez de seu rosto.

To be continued

OoOoOoOoOoOoO

¹O Akallabêth, que fala da queda de Númenor, diz que demoraram mais ou menos uns três anos para que Sauron dominasse completamente a cabeça do Rei. E de qualquer forma, deve ter demorado mais um pouquinho para o templo de Melkor ser construído.

De qualquer modo, alguns termos que aprendi recentemente.

"Hröa" = corpo dos naturalmente encarnados, como elfos ou humanos.

"Fëa" = alma dos naturalmente encarnados, como elfos ou humanos.

"Fána" = corpo usado temporariamente pelos não-encarnados, os Ainur (Valar e Maiar).

"Fairë" = alma dos não-encarnados (Valar e Maiar).

Nos primeiros capítulos, fiz uma lambança terrível porque achava que os Ainur TAMBÉM tinham como termos "fëa" e "hröa", mas só fui aprender isso depois. Agradeço ao pessoal do Forum Valinor por ter me ajudado nessa, rs!

No mais, meu, Sauron tem um coração, tá vendo? Rssssss!

O próximo cap vai ser tenso também, com mais loucuras ainda!

Beijos a todos e todas!
 
Lynn, esse Melkor paternal é tudo de bom! Ainda acho ele melhor que o Sauron e não consigo de jeito nenhum gostar do Senhor dos Anéis, mas de seu chefe eu gosto. Amei essa parte, mas fiquei com uma raiva federal do Sauron!

Só quero ver se o Sauron vai dar jeito de trazer o Melkor.

Lynn, parabéns. Estou gostando da fic. :)

Ah, comenta a minha também pra não fecharem o Clube dos Bardos... rss
 
Mas por que tava com raiva do Saurets?? :lol:

Tadenho, até que nesse cap ele foi "light"... :mrgreen:

Vou comentar lá sim, precisamos agitar essa budegaaaaa!! :ahhh:

Bjaum!!
 
Light?

Olha, só se for nos padróes de Angband... kkkkkkkkkk

Mas vamos agitar esse espaço sim. Poxa, agora que começamos a postar nossas fics querem fechar... AAAAAAHHH, NÃO!
 
VIII - Akallabêth

Vários númenorianos se apinhavam no quarto da enfermaria. O principal conselheiro do Rei e sumo-sacerdote do templo de Melkor encontrava-se desacordado já há horas, e ninguém sabia o que fazer para que ele voltasse à consciência.

Fora encontrado estirado no chão, na sala contígua aos sacrifícios. Aquela sala era de acesso proibido; apenas Sauron podia lá entrar. No entanto, após tanto procurar pelo Maia sem sucesso, o Rei sentiu-se na obrigação de mandar arrombar a porta e socorrer a ele, caso lá estivesse. E lá estava. Com o corpo gelado, hirto, quase como morto. Muitos temeram por sua vida.

Com o tempo, ele passou a apresentar sinais de consciência... todavia, parecia um delírio febril. Ele gemia como se estivesse com dor, e passou a suar frio novamente. Logo, os sons desconexos se transformaram em palavras.

- Meu senhor... não...

Ar Pharazôn pensou que Sauron se referia a ele próprio, dado que nos últimos tempos ele se tornara senhor do Maia - embora, obviamente, Sauron o controlasse a seu bel prazer por trás da fachada de "servidão". Mas qual não foi sua surpresa ao ver que não era... pois logo em seguida ele passou a proferir o nome de Melkor.

- Meu senhor Melkor... não...! Ainda não... eu não posso ir agora, não posso...!

Uma exclamação de assombro tomou a todos os presentes. Como ele continuava a suar, os servos enxugavam sua testa. Até que, de uma única vez, como se seu espírito estivesse vagando e de repente descesse outra vez ao corpo, ele se sentou na cama, os olhos arregalados, a respiração ofegante e difícil.

- Mairon... você está bem?

Ar Pharazôn perguntara ao Maia, mas ele não havia escutado. Estava totalmente tomado pela ansiedade, febrill, ainda sem consciência completa. Enfim observou o quarto à sua volta. Estava novamente em Númenor, após a perigosa empreitada ao Vazio.

Por um instinto de maldade, observou suas mãos. Ora, como estivera desacordado, pensara que tentariam roubar de si o Anel de Poder - por mais que ninguém naquela terra soubesse que aquele anel liso e dourado era na verdade mais que uma jóia simples. Mesmo assim, a cautela e a desconfiança não abandonaram a seu espírito. Estavam os quatro anéis ali; o povo de Númenor o respeitava em demasia para lhe espoliar o que quer que fosse.

Caiu para trás, deitando a cabeça pesada e cansada no travesseiro novamente. Fechou os olhos, sentindo que o peso de todas as montanhas do mundo lhe oprimiam o corpo. Fechou os olhos, ainda se sentindo exausto. Todos em volta queriam saber como estava, mas o rei tentou desoprimi-lo.

- Saiam! Saiam, vão embora! Eu vou conversar com Mairon!

Assombrados porém não ousando contrariar o rei, todos saíram da sala. Isto não impediu que vários ficassem apinhados na entrada da enfermaria, tentando extrair ou escutar algum trecho da conversa, porém somente teriam informações concretas mais tarde.

Com alguma dificuldade, o Maia levantou da cama e foi lavar o rosto. Estava moído de cansaço, a energia praticamente toda exaurida, porém seu coração estava plenamente satisfeito. Ele conseguira...! Conseguira entrar no Vazio e de lá sair, mesmo que somente em "fairë"...! Nenhum ser antes conseguira tamanha proeza!

Após lavar o rosto, bebeu alguns goles de água. A raiz de seus cabelos estava suada, e ele reparou que suas vestimentas sacerdotais também. Estava cansado... terrivelmente cansado.

"Maldita necessidade de usar um 'fána' no meio desses Edain ignorantes...!", pensava ele, enquanto soltava as jóias dos cabelos e pensava em tomar um banho... mas o Rei o interpelou mais uma vez. E Sauron quase esquecia que estava, ainda, como "vassalo" do Rei. Não podia fazer besteira... não agora, quando estava tão perto de conseguir o que desejava.

- E então, Mairon...? Nós todos ficamos preocupados com você. O que houve...?

O Maia respirou fundo, pensando sobre o que devia ou não falar ao rei. Decidiu enfim falar a verdade:

- Eu... consegui fazer com que minha mente se direcionasse ao local onde está a alma de nosso deus. Eu consegui falar com o senhor Melkor...!

Uma expressão de profundo assombro tomou o rosto do rei. Mas Sauron mal a percebeu, pois as lembranças de seu breve porém mui significante encontro com Melkor ainda lhe revolviam a memória.

Mas Ar Pharazôn estava ansioso e não queria deixar Sauron descansar.

- E como foi...? O que ele lhe disse?!

- Ahn... ele ficou surpreso. Nunca antes ninguém havia entrado no Vazio... ele ficou deveras surpreso por saber que eu conseguira entrar lá... eu lhe disse, senhor, que os sacrifícios humanos não seriam em vão...! Pois foi graças a eles que consegui adentrar tal local e voltar!

- É...? E sobre a imortalidade dos homens...? O que ele disse?

Sauron se sentiu aborrecido. Aquela era a única questão pertinente para o rei; no entanto, para si era a menos importante, Maia imortal que era. Sequer tratara de nada daquilo com seu senhor! Porém, tendo de ainda iludir ao rei, preparou seu melhor sorriso e se dirigiu a ele afinal.

- Meu rei... ele disse que já está cuidando disto, e assim que voltar para Arda em corpo físico, poderá restaurar a juventude dos Edain.

- E vai demorar muito? Hein, o corpo dele já está sendo preparado...?

Sauron teve de lançar mão de todo seu autocontrole para não se demonstrar aborrecido. E como não queria contar ao rei sobre o Um Anel, sempre receoso de que lhe roubassem o mesmo, sorriu mais uma vez e disse:

- As almas logo darão energia suficiente para que o Senhor Melkor retorne.

- Ah, que bom...! Mas... você me entende, Mairon? "Logo" para imortais como vocês pode ser cem, duzentos anos; para mim não! Já passo da conta das duas centenas de anos... isto é quase o limite do que costuma viver um númenoriano! Estou velho... não posso esperar muito mais!

- Eu sei, meu senhor. O "logo" de Melkor é o "logo" dos Edain, não dos Ainur. Aguarde somente mais um pouco, e eu conseguirei trazer o Senhor Melkor de volta, em presença física, aqui mesmo em Númenor!

- Oh, será um dia esplendoroso...! Mas você me parece muito cansado!

- Ah, sim...! Estou muito preso ao corpo físico, pois preciso dele para viver entre vocês, Edain... e isso acaba me cansando! Eu simplesmente não estava mais acostumado às limitações que um corpo traz... como cansaço, fome, sono, necessidade de banho todos os dias, coisas assim... mesmo que ele seja um corpo que não envelhece e morre.

- Entendo... ora, banhe-se! Descanse, fique à vontade, sim?

- Obrigado, senhor!

E, mesmo exausto como estava, Sauron ainda fez a costumeira reverência ao Rei e beijou-lhe o anel de chancela. E a seguir, deixou o Rei com suas ilusões de imortalidade, qual criança entretida com novo e deslumbrante brinquedo, e foi se banhar. Depois do banho, vestiu uma roupa simples, bem diferente da habitual veste sacerdotal, e se trancou em seu quarto. Decidiu repousar o corpo, mas a mente ainda trabalhava... seus olhos não se fechavam, e a lembrança de Melkor ainda calava fundo em seu coração.

"Meu filho querido..."

Na verdade, era tudo que ele sempre ansiara. Não; no começo trabalhara não para si, mas para ele, o qual ele adorava... justamente porque ele soubera lhe dar aquela consideração que nunca tivera de mais ninguém. E isso, todos os que o chamavam de "Sauron" ou "Gorthaur" não percebiam... que ele apenas retribuíra àquele que lhe dera tudo que ele mais queria e nunca tivera antes.

E de repente, percebeu que ainda tinha algum coração no peito... e que aquele coração, àquele momento, queria guardar e retomar aquela lembrança que, de repente, fez com que ele pudesse prosseguir com ainda mais força.

OoOoOoOoOoOoO

Logo, a notícia de que Mairon havia visitado a Melkor, mesmo que somente em alma, no Vazio, se espalhou por toda Númenor. Primeiro na corte do Rei, depois por todo o resto do povo. E assim sendo, os que começaram a seguir a Melkor instigados por Sauron e por Ar Pharazôn se alegraram, pensando que em breve obteriam a vitória sobre os Valar e sobre a maldita sina de morte dos Edain.

No entanto, o entusiasmo do Maia fora tão grande ao rever seu antigo tutor, que começou a trabalhar rápido demais, ansioso por trazê-lo de volta à Terra. A matança se tornou ainda mais intensa. E ao passo que intensificava sua autoconfiança, ia revelando quem realmente era, não mais utilizando palavras afáveis e corteses. Via a si mesmo quase como sendo rei de Númenor, e um dos poucos a quem ainda mantinha seu disfarce era a Ar Pharazôn. Mas mesmo ele já estava tão enfeitiçado pelo culto a Melkor e às anteriores palavras do Maia, que mesmo que Sauron retirasse seu disfarce amável para si, não daria por nada.

E por causa deste descuido e dessa "cegueira" de Ar Pharazôn, muitas almas passaram a estar a serviço de Sauron, atormentando aos homens, soprando palavras de terror em seus ouvidos à noite, fazendo-os contrair doenças terríveis e matarem uns aos outros. Aos poucos, de dentro para fora, a paz de Númenor começou a ruir e se transformar num tumulto que tomou conta de praticamente todos os lares.

Se antes os homens morriam lentamente, com mortes tranquilas e após uma longa velhice, agora as doenças grassavam. Os assassinatos se multiplicavam. As mulheres e os nascituros morriam nos partos, e a fertilidade parecia decair; poucos nasciam e muitos morriam. E Sauron, que sempre odiara a vida, a luz, os Edain e Eldar desde que entrara ao serviço de Morgoth, era um dos únicos que se comprazia totalmente disto.

Ar Pharazôn via as coisas acontecendo e fora tomar satisfação com o Maia, mas este lhe dissera que a culpa da violência e da falta de paz naquelas terras se dava por causa de Eru e dos Valar, os quais deviam estar querendo se vingar em face dos acontecimentos que já ocorriam na ilha.

- Meu rei, a esta altura eles já devem saber que o senhor Melkor tem um templo construído em Númenor! Mas devemos ser firmes em nossos propósitos! Em breve nosso senhor retornará e poderemos portanto confrontar a todos os Valar, e tudo isto cessará por completo!

Ainda enfeitiçado pelas palavras de Mairon, Ar Pharazôn manteve tudo como estava, e continuou enviando pessoas, jovens e velhos, crianças e mulheres, para as fogueiras de Melkor. Sauron exultava, pois o sofrimento deles, quando morriam e ainda depois, quando suas almas eram totalmente aprisionadas em seu poder, lhe davam energia; o sofrimento dos seres vivos e mortos era o combustível de suas artimanhas e de sua negra feitiçaria, a cada dia mais apurada e presente em Elenna.

Após vários sacrifícios, Sauron treinou mais sua força de vontade e conseguiu visitar Melkor outras vezes no Vazio. Este, o qual já se sentira completamente revigorado em sua esperança na ocasião da primeira visita de Sauron, ficara ainda mais satisfeito após isto.

Com o tempo, Sauron conseguia ir e voltar facilmente, não exaurindo tanto a energia de seu "fána", e conseguia ter visitas mais longas a seu senhor. Melkor não tinha muito o que lhe contar, inserido há séculos naquele Vazio, sem percepção de coisa alguma. No início fora um tormento sem igual, pois o Vazio era realmente um vácuo insuportável, mas após muito tempo ele se acostumara à solidão e á cegueira, à surdez e à falta de tato, e portanto ficara por todo aquele tempo num estado de semiconsciência, deixando a mente dormir sem parar, para que nada sentisse.

Nos primeiros tempos, desconfiara das intenções e da fidelidade de Sauron, pois este não tivera as mãos queimadas pelas Silmarils na ocasião de seu julgamento, e além disso o despojara de seu "hröa" com tanta naturalidade... mas depois ponderou as palavras que o Maia pronunciara antes de o executar, e pensara que ele faria algo para o tirar dali enfim. Dito e feito: após um período que não parecera tão longo, dada a inconsciência a qual Melkor induzia a si próprio na maior parte do tempo para poder suportar ao Vazio propriamente, lá estava ele, Mairon, fiel e vitorioso em sua inigualável astúcia, com todo aquele esplêndido plano já quase pronto para que ele próprio voltasse não mais com um "hröa", mas com um "fána" tão poderoso como fora no início do mundo. Havia lhe tirado o "hröa" apenas para lhe dar algo muito melhor em seguida!

À questão das Silmarils não lhe terem queimado, nem mesmo Mairon tinha resposta. Dizia que havia sido um teste-surpresa imposto por Manwë; que nem ele sabia do que se tratava. Mas que dera tudo certo afinal, por golpe de sorte. Mas Melkor sabia, em seu íntimo, do porquê. Ora, ao observar o Maia se esforçando tanto para lhe tirar do Vazio, quando podia viver sua vida sem senhor e totalmente independente, no auge de seu esplendor como Senhor do Escuro; e no entanto fazendo todo aquele esforço tão-somente para lhe restaurar seu reino e sua vida em Arda... aquilo somente poderia significar, às Silmarils, que ele ainda tinha alguma bondade em si. Portanto, elas não o condenaram, pois tudo que fazia era por amor a seu senhor.

E realmente, mesmo sem necessidade, Sauron se comportava como servo de Melkor. Sentava-se a seus pés, beijava-lhe a mão como que pedindo-lhe bênção, prestava-lhe conta de tudo que ocorria em Númenor. E mesmo que Melkor estivesse em condição ainda deplorável, ainda sem "fána" e completamente preso àquele lugar nefasto, e Sauron ostentasse grande poder e magnificência, mesmo assim o Maia se comportava como seu inferior, pedindo-lhe conselhos sobre tudo o que faria em Númenor e com os Edain dali por diante.

Muitas vezes, ambos os Senhores do Escuro se compraziam com os relatos que Sauron contava de Númenor; pois ele dizia que a morte vinha visitar aos Edain mais cedo e de formas muito piores do que eles concebiam no início; eles, que odiavam a toda a obra de Arda, sentindo-se excluídos e mal reconhecidos desde o início de Eä, numa inveja e num ódio cada vez maior; teciam planos de malícia e terror para quando Melkor voltasse à ativa em Arda, com vontade e vigor mil vezes piores que no início do mundo; eles, pai e filho, numa afeição nefasta que englobava apenas a eles dois, odiando todo o resto de almas existentes, de toda aquela criação e pujança que não lhes apresentava lugar.

E assim ficavam ambos, numa nefasta aliança, os laços de Melkor mais fortes do que nunca em torno do espírito de Sauron, ambas as mentes experimentadas em malícia agora maquinando juntas após tanto tempo separadas, o Maia agindo de forma semelhante a quando era artífice de Aulë e entregava todos os segredos dos Valar a Melkor; só que dessa vez com posição e templo estabelecidos, influência magna dentre os Edain descendentes de Melian e Lúthien; que aquela raça merecia pagar-lhes a desonra impingida na Primeira Era quando houvera o ignominioso furto da Silmaril da coroa de Morgoth; os mal paridos filhos da maldita agora pagavam em dobro o que sua mãe e seu pai insolentes fizeram em Angband!

E quando se despedia de Melkor, era com a alma limpa e leve que o fazia; pois a cada encontro deixava as linhas de seu plano obscuro cada vez mais delineadas; o Vala lhe dizia que Sauron era tão brilhante que não precisava de conselhos, pois soubera conduzir as coisas tão bem até ali... mas o Maia os pedia mesmo assim, nunca esquecendo de sua posição de filho e servidor.

Como retribuição, Melkor colocava as mãos em seus ombros e o parabenizava, demostrando o quão feliz com ele estava.

- Se por um lado fui o único Vala que não teve esposa - e nisto ele apresentava um rancor sem tamanho na voz, lembrando da rejeição que Varda lhe oferecera, e a partir de então seu amor por ela se transformara no mais completo ódio e repulsa - posso dizer que fui o único deles a ter um filho. E um filho que nunca me decepcionou, o melhor que eu poderia querer ter!

Sauron sorria, e nesta hora o brilho de seus olhos o tornava Mairon outra vez; e neste instante qualquer um que o visse compreenderia perfeitamente o porquê de as Silmarils o terem perdoado.

E todavia logo a maldade voltava para o semblante e rosto de ambos os Senhores do Escuro, ali livres para serem quem realmente eram, sem precisar fingir a ninguém. E numa destas deliberações, Sauron demonstrou seu enorme aborrecimento com Ar Pharazôn, o qual lhe cobrava imortalidade sem cessar.

- É um velho completamente insuportável - queixava-se ele - Não serve-me de mais nada, agora que tenho o que quero... ainda não sei como me livrar de semelhante estafermo sem causar nenhum estranhamento dentre os da corte!

- Ora, é fácil!

- É...?

- Sim, meu filho, muito fácil... já que você colocou os Valar como "vilões" da história, faça com que os tais Edain vão reivindicar a imortalidade diretamente com eles. E assim, se livra de todos aqueles Edain aborrecidos sem mover sequer um dedo contra eles!

Os olhos de Sauron brilharam novamente... e dessa vez foram de pura malícia... uma malícia que nem mesmo todo o amor por Melkor redimiria, fosse perante as Silmarils, fosse perante quem quer que fosse.

To be continued

OoOoOoOoOoOoO

Segundo o que é comumente debatido, o "fána" (corpo) de Melkor com o tempo se transformou em "hröa" (corpo encarnado 100%) porque ele despendia muita energia em Arda. Porém, em minha fic o Sauron planejaria trazer um "fána" novamente pra ele.

Espero que estejam gostando! Até o próximo!

Beijos a todos e todas!
 
IX - A queda de Númenor


Após a sugestão de seu senhor de colocar os Edain de Númenor contra os Valar, Sauron voltou a ser cauteloso. Afinal de contas, se logo se livraria do Rei e dos demais, precisaria arrematar aquele ato final com chave de ouro.

Passou a sua forma branda e bajuladora de outrora, tentando inclusive ganhar o favor da rainha Tar Míriel. No entanto, ela, que parecia "tola" para muitos e no entanto era bastante observadora e paciente, jamais se deixara levar pelas belas palavras de Sauron.

Um dia, ela estava a rezar quando o Maia a interpelou. Poucas vezes antes ele fizera isto, pois a Rainha no começo lhe parecia uma figura débil, que não "mandava nada" naquele reino... no entanto, nos últimos tempos pensou em obter alguns favores dela.

Aproximou-se da senhora e ia beijar-lhe a mão em sinal de submissão, como fazia com Ar Pharazôn, mas ela recuou, altiva, para a surpresa do Maia.

- Minha senhora... eu apenas lhe faria uma mesura! Mas se isto a desagrada...

A monarca podia claramente ver o veneno escorrendo da fala e dos olhos malignos de Sauron, e tal veneno se disfarçava de mel... mas ela o percebeu a tempo, bem como a falsa humildade dele.

- Pensa que me engana como fez com meu marido... pois sim! Que quer de mim, uma simples dama senil, que mal tem alguns anos pela frente?!

- Consolá-la de sua velhice, ó senhora... pois em breve o senhor Melkor retornará e trará de volta o frescor dos anos a todos, e isto inclui a senhora também!

- Não seja tolo...! Maldito emissário de Morgoth! Ele pode até retornar, mas não trará juventude nenhuma a ninguém...! Muito menos a mim, que jamais curvarei a espinha a semelhante crápula...! E de mais a mais, de que me serviu esta desgraçada vida?! Se ao menos quando moça eu tivesse a força de vontade para não ter-me casado com Calion¹...! Mas agora é tarde, e tudo que almejo é que meus dias terrenos se findem, e não se prolonguem!

Sauron teve de fazer um grande esforço para se conter ante a insolência da rainha; poucos antes tiveram a coragem de interpelá-lo de forma tão ousada. Mas se conteve. Afinal, sua vingança logo seria plena.

- Pense como quiser, ó Senhora de Númenor. Seu marido, arrisco dizer, foi mais intrépido que a senhora. Se teme a vida... é melhor que dela se retire. No entanto... não sei porque me trata com tamanho desdém, eu que sempre fiz o melhor por Númenor.

- O melhor! Toda a doença que se alastra, toda a violência, todas as mulheres sem descendência...! Toda a dor que agora se sente somente em respirar o ar daqui! Você acha mesmo que isto é o melhor?!

- É obra dos Valar, minha senhora! Eles não querem o bem de Númenor, e têm ciúmes do templo erigido a Melkor!

- Templo...! Antes de você chegar aqui, espectro do mal, não havia templo...! Sequer a Ilúvatar! E agora você erige um a esse monstro de maldade e destruição...! Se eu não tivesse me casado com Ar Pharazôn, e ele não o tivesse buscado na Terra-média, nada disso teria acontecido!

Os olhos de Sauron rebrilharam num furor incontido.

- E por um acaso a senhora conheceu ao senhor Melkor para saber como ele era...? É muito fácil julgar através das palavras dos Eldar! Pois sim! Que Ele tenha piedade de suas palavras desarrazoadas, ó Senhora, quando voltar à Terra! E agora com licença...!

E ia se retirando, quando a rainha, num último rompante de audácia, lhe replicou pela última vez:

- Pois vá...! E não me importune mais com suas palavras não requeridas!

O Maia crispou os dedos de raiva daquela mulher, mas se conteve mais uma vez. Antes de dar o golpe final, faria a cabeça do Rei para que ela sofresse um pouco mais... antes que tudo enfim se acabasse.

OoOoOoOoOoOoO

A Sauron a rebeldia da rainha de Númenor lhe pareceu algo por demais audacioso, dado que àquela altura a maioria dos Númenorianos se rendera à sua influência. Porém não era somente a Rainha quem ainda era fiel a Ilúvatar, e sim vários outros, que para sua própria segurança mantinham segredo sobre suas posições. No entanto, ainda com o mesmo segredo, eles se reuniam para debater a situação de Númenor. Míriel os encontrava e presidia as sessões, sendo Rainha de Númenor que era. Todos a respeitavam como monarca e senhora, e já não levavam em conta o poder de Ar Pharazôn, dado que ele havia se rendido totalmente às palavras e aos ensinamentos da Escuridão.

Como a rainha já se encontrava idosa, o membro mais ativo era Elendil, o Alto, o qual, assim que vira Sauron colocar os pérfidos olhos em cima da árvore Nimloth, percebera parte de seus planos e tomou um fruto da mesma em suas mãos. Mostrou-a aos demais e revelara-lhes um plano para expulsar a ele de Númenor.

- Ele só se infiltrou aqui porque se fez de bondoso e amigo do rei. Se viesse com sua verdadeira vontade, jamais teria sido acolhido! Penso que devemos portanto fazer com que o rei veja quem ele é de verdade, e lhe retire todo o poder dado.

Míriel abaixou a cabeça, consternada.

- Ele é teimoso. Conheço-o já há longos anos, e não há o que o demova de uma ideia, caso se entregue a ela. Nos últimos tempos, a longevidade da casa de Elros se reduziu pela metade²... e ele vê que logo é hora de partir da presença física do mundo. Tudo que ele não quer... e esse assecla de Morgoth comprou a vontade dele e da maior parte da ilha com o argumento de vida eterna...! Não, ele não vai ceder.

- Só há uma forma, senhora, se me permite interpelá-la - interpelou Elendil - E a forma é mostrando, através de ações e não de palavras, o quão mal esse Sauron tem feito em nossa terra. Já não bastam os sacrifícios humanos ao templo de Morgoth; ele ainda quer acabar com a ilha e com os dúnedain. Pois bem! Devemos induzi-lo a mostrar sua verdadeira natureza, para que o rei assim a veja com os próprios olhos!

Mas os presentes não se julgavam fortes o suficientes para vencerem a um Maia, nem mesmo que fosse apenas através da astúcia; astúcia esta que Sauron tinha muito mais que eles, até pelos longos séculos vividos.

OoOoOoOoOoOoO

O trabalho seria ainda mais difícil do que os fiéis pensavam, pois neste estágio final do plano Sauron estava ainda mais ardiloso e fingido; cada passo era tomado com cuidado, e as palavras eram medidas antes de serem proferidas. Um dia, como quem nada queria, Sauron se dirigiu ao Rei, e lhe disse, afoito:

- Meu senhor...! Tenho uma excelente notícia para lhe dar...!

- Qual?

- Nosso deus Melkor... ele me fez uma nova revelação!

- Fez...? Vamos, conte-me qual foi!

- A de que a imortalidade se encontra com os Valar...! Na terra deles, em Valinor!

- Mas disso todos já sabem...!

- Sim, meu rei! Mas ele disse que é necessário ir até lá e exigi-la deles!

- Mas como...? Haverá poderio suficiente para tal em Númenor? Por mais que meus exércitos tenham se tornado poderosos, não creio que o sejam tanto...!

- Meu rei... veja a mim aqui! O senhor, apenas com um pequeno séquito, conseguiu me trazer cativo e sem resistência a Númenor...!

- Mas veja... você pode ser um Maia... mas é apenas um...!

- Sim, meu rei, mas imagine se utilizar todo o poderio de Númenor...! E ademais, posso ser "apenas um Maia", mas era à época de minha captura o senhor da Terra Média, comandante de homens e exércitos...! Poucos ousavam me defrontar em minha fortaleza!

O rei olhou para Sauron em todo o esplendor de suas vestes sacerdotais, e em seu porte de Maia, e pensou que se o vencera, os Valar seriam algo fácil para todo o seu exército.

Para banir de vez a dúvida do espírito de Ar Pharazôn, Sauron utilizou sua derradeira arma:

- Meu senhor, os reis de verdade buscam o que é deles por direito... vá lá e tome o que é seu! Melkor me garantiu que tudo dará certo... ele jamais mentiria para mim! Vá, senhor! Reivindique o que sempre foi de Númenor, dado que todos têm o sangue de Eärendil nas veias!

Foi o suficiente. O rei levantou-se de seu trono, resoluto, e disse em voz firme:

- Juntarei o melhor e maior exército que Númenor já viu e irei até Valinor!

E, após retirar-se do recinto, não pode ver a gargalhada de deboche e maliciosa satisfação que Sauron deu.

OoOoOoOoOoOoO

Após alguns dias, a maioria dos homens de Númenor havia sido convocada para o exército de Ar Pharazôn. Ele ainda quis que Sauron fosse à frente dele, representando Melkor, mas ele se recusou. De forma educada, mas recusou.

- Meu senhor, compreenda... não sou senhor de armas. Não eu pessoalmente. Já comandei exércitos, mas eu mesmo não manejo bem as armas. Meu principal atributo está na mente. Portanto, peço que deixe a seu servo cuidando do templo de Melkor, e das mulheres e das crianças, para caso algum maligno emissor dos Valar tente invadir a ilha. Eu invocarei o espírito e o poder do senhor Melkor sobre todos, e ninguém poderá se aproximar daqui!

Sob este argumento, Ar Pharazôn e seu exército deixaram a Sauron cuidando da ilha e do templo, enquanto preparavam-se para partir a Valinor. Ao saber dos planos de seu marido, Tar Míriel ainda tentou desesperadamente impedi-lo de exercer o que desejava.

- Não faça isto...! Os Valar nos impuseram uma interdição, e esta deve ser respeitada! Caso não seja, estaremos todos condenados! Ouça o que estou lhe falando, eles não nos pouparão!

Ignorando completamente as palavras da mulher, o rei simplesmente fez um gesto de desdém com a mão e disse:

- Mulher, você sempre foi covarde! Nunca teve sonhos de grandeza como eu. De mais a mais, eu consegui dominar a um Maia e fazê-lo meu prisioneiro apenas com uma pequena guarda. Agora, com todo o exército de Númenor a meu dispor, conquistarei Aman!

- Tolo! Pois nâo vê que quem o conquistou foi ele, através da astúcia?!

- Basta! Você tem inveja de meus feitos, mulher! Pois ainda faço um favor ao fazer vida com semelhante estafermo como você! É só bonita, mas não presta de mais nada!

- Pois... faça como quiser, afinal! Apenas espero que, caso não o poupem, os Valar poupem a mim e ao resto de vida que ainda tenho!

E, chorando, foi para seus aposentos particulares. O rei fez mais uma vez um gesto de desdém e foi organizar o resto de seu exército.

Sauron fez questão de se despedir da frota de Ar Pharazôn com muitas vênias e aparente submissão, quando no íntimo se ria. "Rei idiota!", pensava em seu interior. "Pensa que pode com os Valar! Pois sim, se nem Melkor pôde, em seu estado de decadência! Ah, mas isso vai mudar..."

"Isso vai mudar", pensava em seu interior. Pois já tinha almas o bastante no vaso dourado, e poderia a partir daí pensar em construir um "fána" novo a seu senhor. E então... novamente, ele poderia afrontar aos Valar sem problema algum.

E assim passou alguns dias, pouco dando atenção aos númenorianos ou à rainha que rezava em vão em seus aposentos. E por isso não viu a frota de navios que os Fiéis instituíram para uma emergência, caso ela acontecesse.

E por isso colocou-se em seu trono negro, o qual fora erigido a si à guisa de sacerdote, no templo de Melkor. E lá riu-se de sua astúcia maligna, e de todo o estrago que fizera naquela terra sem precisar, ele mesmo, mover um único dedo. E ficou pensando que era então completamente livre, livre para voltar a Mordor e enfim acabar de concretizar seus planos.

E por causa de seu enorme sentimento de prepotência, Ar Pharazôn pisou enfim em Valinor e foi soterrado antes mesmo de poder se dar conta do que acontecia, assim como todo o exército que consigo trouxera. E os Valar então invocaram o Um, e Númenor foi coberta por uma onda gigantesca que a afundou. E Sauron não a viu, mas em meio a seu riso e devaneio de futuro, teve seu "fána" tragado para as águas, perdendo assim para sempre a forma bela e enganadora.

Mas os Fiéis partiram para a Terra Média levando a muda de nimloth, e Elendil os liderou. Porém, Tar Míriel se recusou a partir, desgostosa da vida que estava, e tentou alcançar a Meneltarma num último e vão esforço: morreu por último, a rainha que fora bela como ouro e prata, de triste destino e injusto final.

Sauron, porém, não estava destruído, assim como o Um Anel. O vaso dourado estava para sempre perdido, dado que ele afundara juntamente com a terra de Númenor. Mas o Um Anel estava ligado de tal forma ao destino de Sauron, que o Maia conseguiu recuperá-lo mesmo sem "fána". Seu "fairë" era indestrutível, e portanto não poderia ser tragado pelas águas; logo, voltou nesta forma à Terra-média, não desistindo de seus propósitos, apenas tendo de atrasar por um pouco sua finalidade... pois precisaria primeiro achar um novo corpo para si.

To be continued

OoOoOoOoOoOoO

¹Calion era o nome élfico de Pharazôn.

²Segundo o "Contos Inacabados", os Númenorianos da casa de Elros em seus tempos de glória viviam até cerca de 400 anos, enquanto os demais viveriam cerca de 200. Depois, com a decadência, até mesmo os da casa de Elros passaram a viver pouco mais de 200 anos.

E agora, continuo até a Guerra do Anel? oO Acho que se parar aqui será, digamos, meio "cortado" no meio...

Continuo? ^^

Acho que vou continuar!

Beijos a todos e todas!
 
CLARO que continua, né! :D A fic está ótima!

E o Sauron perdeu o vaso dourado! Aaaah, se ferrou! Mas espero que aquelas almas tenham também se livrado do sofrimento que era imposto a elas nessa prisão.

Os personagens merecem destaque especial nessa fic. Todos eles estão ótimos, muito convincentes e encaixados de forma perfeita nos moldes que Tolkien criou.

Lynn, parabéns mais uma vez!
 
Obrigada pela review!! :D

E imaginei agora a Saurita chegando em Mordor, olhando-se no espelho e vendo que perdeu pra sempre a forma bonita:

- TÔ FEIAAAAAAAAA!! GAAAAAAAAAAAHHHHH!!!

:lol:

Mas vamos ver no q vai dar issaê! XD
 
Muito bom! Prendeu a atenção e me fez ficar com raiva do Sauron(mais ainda:lol:)

Acho que uma dica que daria....não pra deixar a fic melhor mas pra dar um efeito mais próximo da relação entre os dois....o nome Morgoth era usado só pelos inimigos dele, Sauron e outros servos como os Balrogs o chamavam de Melkor assim como Melkor chamava a si mesmo de Melkor e ele se orgulhava de seu verdadeiro nome.

Mas parabéns viu! Esperando pelas próximas fics:yep::obiggraz:
 
Última edição:
Obrigada! ^^

Mas de certa forma eu tentei usar o nome "Morgoth" somente na narração, assim como o nome "Sauron"... o Sauron chamaria o Morgoth sempre de "Melkor", e o Morgoth chamaria o Sauron de "Mairon"... pq realmente, "Morgoth" e "Sauron" eram nomes pejorativos, rs...

Tem algum trecho em que o Sauron chama o Melkor de Morgoth que eu deixei passar desapercebido? oO

No mais, obrigada pela review! ^^
 
X - A Guerra da Última Aliança

- Perdoe-me, senhor. Eu falhei.

Sauron dizia estas palavras, consternado, a Melkor, curvando-se enquanto sua cabeça chegava quase até o chão. O antigo Senhor do Escuro não sabia como lidar com aquele terrível sentimento de frustração, pois se por um lado Sauron realmente falhara, fora tão-somente por ter seguido a um conselho seu.

- Você apenas me obedeceu - disse ele afinal, embora o tom de sua voz fosse pesado, quase triste - O maior culpado fui eu, de não prever do que os Valar seriam capazes de fazer caso desafiados de maneira tão aberta.

- Eu também não tinha ideia... e depois os "maus" somos nós...! Acusaram-me de promover assassinatos na ilha, porém Eru simplesmente matou-a inteira, sem se preocupar com os inocentes que nela ainda residiam!

- Verdade. Mas agora tratemos de nós. Você, pelo que vejo, fugiu a tempo para a Terra Média, não foi?

- Não, senhor... - e isso o Maia dizia de maneira realmente consternada - Eu perdi meu "fána" quando a ilha foi inundada.

- O que?! - desta vez Melkor mal pôde conter a indignação e o desespero - Como então poderá sair daqui?! O que ainda o liga a Aman?!

- Acalme-se, senhor... eu preservei o Anel-mestre, e nele se encontra a sede de meu poder. Infelizmente perdi o vaso dourado e as almas que eram minhas escravas se libertaram... mas o poder inserido no Um Anel continua o mesmo de antes.

- Ah...! - o Vala caído suspirou de alívio - Que bom! Então os planos não estão perdidos?

- Não, meu senhor. Muita coisa foi adiantada em Númenor, apesar de esse incidente parecer atrasar tudo: o poder está em fase bem mais adiantada, por causa de toda a vampirização que fiz da energia dos que lá residiam. Sem contar que finalmente arruinamos com aquela raça desgraçada e aquela ilha sórdida foi ao fundo do mar...! A única coisa realmente ruim é que terei de atrasar um pouco o seu retorno, pois precisarei usar parte dessa energia vital do Um Anel para fazer um "fána" novo a mim mesmo...

- Sei. Mas preste atenção, Mairon: desta vez, a coisa não será tão fácil assim quanto você pensa.

- Não...?

- Claro que não. Ora, se bem o conheço, até aqui, e inclusive em Númenor, seu maior poder era o de persuasão. Você usava de uma boa conversa, de uma fala mansa e de uma boa aparência para iludir aos Eldar e Edain.

- Sim, meu senhor.

- Este nunca, jamais, foi meu modus operandi. Eu não sei lidar com estas coisas, uma vez que sou impulsivo demais e logo revelaria minhas verdadeiras intenções. No entanto, Mairon, devido à sua racionalidade e paciência, eu sempre o deixei usar desse modus operandi sem problema algum, já que era tão eficiente no que fazia.

- Sim... os Eldar e Edain são tão tolos, que pensam que belas palavras e atitude amiga são sempre sinal de boa vontade!

E ensaiou rir da cegueira deles, mas Melkor o advertiu:

- Eu se fosse você não riria.

- Por que...?

- Ora, seu primeiro "fána" foi feito por Ilúvatar nos primórdios do mundo. Por isso ele era belo: você ainda conservava alguma centelha daquela origem. Todavia, o corpo que porventura venha a fazer agora será completamente composto de escuridão e fogo negro. Mesmo que possa forjar a uma forma bela, ela será bela à maneira de escuridão. Nunca mais poderá ocultar seus propósitos dos Edain e Eldar, pois assim que o virem eles saberão daonde você provem. Nada de divino restará em sua forma nova, meu filho.

- Então... como farei?! Se até hoje nunca consegui agir de outra forma?

Melkor suspirou, e logo em seguida disse:

- Terei de lhe ensinar as formas mais avançadas da dominação através do terror. Você já as conhece, mas agora terá de aprimorá-las, pois se utilizará somente delas a partir de agora. Não se preocupe. Seremos novamente como no início do mundo, quando eu o ensinei a usar sua arte mágica e de forja para os propósitos negros. Era tudo novo, mas você aprendeu rápido. Creio que também aprenderá rápido dessa vez. Venha, eu o ensinarei.

E assim, enquanto não conseguia um novo "fána" a si, Sauron sentou-se aos pés de seu senhor e aprendeu tudo que podia ser aprendido naquele aspecto, com avidez. E os Valar mal sabiam que, ao não poderem penetrar no Vazio, haviam feito uma "fortaleza" a Melkor e Sauron, que dentro do mesmo podiam deliberar o que quisessem, sem ser interrompidos ou espionados por quem quer que fosse.

OoOoOoOoOoOoO

Assim foi. Quando Sauron julgou-se pronto para a nova ação, fez enfim o novo "fána". Este ficara tão impregnado de suas más intenções e de seu espírito de vingança e destruição, que ninguém nunca mais conseguiu sustentar o olhar em direção aos olhos de Sauron, pois deles vinha um terror e um pavor tão grandes, que mesmo um servo da escuridão não os aguentaria.

E então ele se demonstrou em todo o seu rancor perante os homens e elfos. Preparou guerras, prometeu postos avançados aos que os ajudassem e promoveu matança para vingar o atraso de seus planos. Mas nunca mais ergueu um templo, sequer para Melkor; pois se o templo em Númenor causara a destruição da mesma, qualquer outro templo chamaria a possível atenção dos Valar para Mordor e consequentemente para si. Então poderia não haver escapatória do Vazio para si também. Portanto, começou a trabalhar em maior segredo, porém com bastante dano aos demais. Não cansava de torturar e escravizar almas para encherem ainda mais o recipiente do Um Anel de poder, assim como fizera em Númenor com o vaso dourado. Não precisava de um templo para tal.

No entanto, ele podia não incomodar imediatamente aos Valar, mas aos Eldar e Edain sim. Em breve, uma aliança poderosa entre Gil Galad, Elrond e os Edain foi feita contra si, a qual já era deliberada antes mesmo da destruição de Númenor... mas somente agora aparecia com real força.

Houve uma hora em que Sauron finalmente conseguiu reunir forças para trazer a Melkor de volta para a presença física num "fána", porém uma escolha difícil se apresentava diante de seus olhos. Os exércitos de Gil Galad e Elrond se demonstravam cada vez mais fortes; e, ao contrário do que o Maia previra, a raça de Númenor não fora totalmente extinta; os remanescentes de Elendil construíram uma cidade perto de suas terras, o que o fez ficar com ainda mais ódio dos Edain. E eles se aliavam, aos poucos porém seguramente, ao exército dos elfos.

Um dia, resolveu comunicar isso a seu senhor.

- Eles são muitos. São fortes. Se eu deixar as coisas como estão, capaz de terem poderio suficiente para me subjugar! De mais a mais, não tenho mais o poder da persuasão e da bela aparência.

- Não. Portanto, terá de usar tudo que aprendeu aqui comigo.

- O senhor acha... que eu devo usar o poder contido no Um Anel para trazê-lo de volta, meu senhor?

- Não. É melhor derrotar aos exércitos primeiro, ou ao menos deixá-los sob controle. Pois se os Valar souberem de minha presença precoce na Terra Média, pode ser arriscado para nós dois. É melhor você livre e eu preso, para que você continue agindo como quer e bem entende; do que ambos presos. De qualquer forma, isso tudo logo acabará!

- Verdade. Bem, meu senhor, se não se importa em esperar mais um pouco...

- Não. Devo exercitar a paciência, pois sim? Mas lembre-se: nesta guerra, use do terror da pior forma possível!

E foi o que Sauron fez. Tomou o melhor de seu poder, concentrou-o no Um Anel e esperou o exército atacar. Pela primeira vez, ele encabeçou seu grande exército negro, coisa que, na posição de comandante e, anteriormente, de forma bela e enganadora, não fazia a fim de não se expor. Mas agora não havia motivo para tal.

- Que venham! - bradou em ódio para sua hoste principal - Que venham, pois, para serem estraçalhados pelo poderio de Mordor!

A maioria não conseguia suportar o horror que a presença e as palavras de Sauron inspiravam; porém, os que conseguiam aplaudiam e regozijavam-se na destruição, como seu mestre bem ensinara aos seus intendentes diretos, os quais fizeram questão de espalhar tais conceitos dentre toda a terra negra.

Por causa disto, todos pensaram que o assim chamado Éxército da Última Aliança também não suportaria o terror que Mordor inspirava. Por sete anos, Sauron pacientemente aguardou o cerco deles. Era imortal, não precisava comer ou beber, ou ainda dormir, dado que usava a um "fána" e não um "hröa"; mas os homens e elfos, esses sim passíveis de fome e sede, logo foram minguando naquela terra infértil.

E quando todos estavam terrivelmente fracos e abatidos, Sauron armou-se e seguiu para a guerra usando o Um Anel, esperando que o mesmo aumentasse todo o seu poder e terror no combate.

Realmente, poucos conseguiram confrontá-lo. Muitos fugiram de medo somente em saber que o Senhor do Escuro em pessoa batalhava, mas Gil Galad e Elendil não soçobraram; foram lutar pessoalmente com ele. Sentindo-se invencível, o Maia conseguiu tombar a Elendil, o qual caiu em cima de sua espada e a quebrou; e matou a Gil Galad, o qual, antes de morrer, conseguiu ferir a Sauron com sua espada Aeglos. E quando Sauron creu-se vitorioso, perdeu os sentidos, seu "fairë" vagando inconsciente sabe-se lá para onde. Perdera o "fána" mais uma vez.

Quando enfim voltou à consciência, constatou aborrecido que perdera a guerra. Mas ao menos a morte de Gil Galad e de Elendil o deixavam mais contente. Apenas lamentava não ter levado a Isildur e Elrond com eles. De resto, ele já sabia como fazer a um novo "fána" a si, e isso não lhe daria tanto trabalho quanto da primeira vez.

E eis que foi em busca de seu Anel, no "fána" já destruído, como fizera antes ao cair em Númenor. E eis que um esgar de terror sombrio tomou conta de si, pois ao olhar a mão onde se encontrava o Anel, viu surpreso seu dedo decepado, e o Anel, sumido.

Seu maior medo desde Númenor se concretizara. Roubaram-lhe o Anel.

To be continued

OoOoOoOoOoOoO

Agora começa a guerra pro Sauron não deixar ninguém queimar seu anel! KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK!

A fic "corre" mais uma vez pq enfim, são muitos séculos, OK? Então algumas coisas têm de passar mais rápido.

Beijos a todos e todas! Em breve continuo!
 
Obrigada! ^^

Mas de certa forma eu tentei usar o nome "Morgoth" somente na narração, assim como o nome "Sauron"... o Sauron chamaria o Morgoth sempre de "Melkor", e o Morgoth chamaria o Sauron de "Mairon"... pq realmente, "Morgoth" e "Sauron" eram nomes pejorativos, rs...

Tem algum trecho em que o Sauron chama o Melkor de Morgoth que eu deixei passar desapercebido? oO

No mais, obrigada pela review! ^^

Creio que foi nesse trecho mesmo....agora não me lembro de outro....sou virginiano sou apegado aos detalhes:lol:

"- Mas eu não o cobicei, eu...

- É o anel de chancela que Morgoth me deu quando eu era seu tenente.

O artífice não podia acreditar no que estava ouvindo. Morgoth...! Aquele nome terrível"


No diálogo de Sauron com Celebrimbor.
 

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