O Calion sabe, espero, que a Igreja Católica, assim como abomina o comunismo, condena também o liberalismo. Espero que saiba, senão suas idas à igreja nos domingos nao devem estar sendo muito produtivas. Mas sei lá.
Só alguns trechinhos avulsos do Compêndio da Doutrina Social da Igreja já bastariam pra mostrar o disparate desse comentário:
A «
Quadragesimo anno» reafirma o princípio segundo o qual o salário deve ser proporcionado não só às necessidades do trabalhador, mas também às de sua família.
O Estado, nas relações com o setor privado, deve aplicar o princípio de subsidiariedade, princípio que se tornará um elemento permanente da doutrina social. A encíclica refuta o liberalismo entendido como concorrência ilimitada das forças econômicas, mas reconfirma o direito à propriedade privada, evocando-lhe a sua função social. Em uma sociedade por reconstruir desde as bases econômicas, que se torna ela mesma e toda inteira «a questão» a enfrentar, «Pio XI sentiu o dever e a responsabilidade de promover um maior conhecimento, uma mais exata interpretação e uma urgente aplicação da lei moral reguladora das relações humanas... para superar o conflito de classes e estabelecer uma nova ordem social baseada na justiça e na caridade»
[154] . [...]
250 Para tutelar esta relação essencial entre família e trabalho, um elemento a estimar e salvaguardar é o salário-família, ou seja, um salário suficiente para manter e fazer viver dignamente a família [564] . Tal salário deve também permitir a realização de uma poupança que favoreça a aquisição de uma certa propriedade, como garantia de liberdade: o direito à propriedade é estreitamente ligado à existência das famílias, que se põem ao abrigo da necessidade também graças à poupança e à constituição de uma propriedade familiar
[565] .
Vários podem ser os modos para concretizar o salário familiar. Concorrem para determiná-lo algumas importantes medidas sociais, como os abonos familiares e outros contributos para as pessoas que dependem da família, como também a remuneração do trabalho doméstico de um dos genitores [566] . [...]
279 A relação entre trabalho e capital não raro apresenta traços de conflituosidade, que assume novas características com o mudar dos contextos sociais e econômicos. Ontem, o conflito entre capital e trabalho era originado, sobretudo, « pelo fato de que os operários punham as suas forças à disposição do grupo dos patrões e empresários, e de que este, guiado pelo princípio do maior lucro da produção, procurava manter o mais baixo possível o salário para o trabalho executado pelos operários»
[601] .
Atualmente, a conflituosidade de tal relação apresenta aspectos novos e, talvez, mais preocupantes:
os progressos científicos e tecnológicos e a mundialização dos mercados, de per si fonte de desenvolvimento e de progresso, expõem os trabalhadores ao risco de ser explorados pelas engrenagens da economia e pela busca desenfreada de produtividade [602] .
280 Não se deve julgar erroneamente que o processo de superação da dependência do trabalho em relação à matéria seja capaz por si de superar a alienação no trabalho e do trabalho. A referência não é só aos grandes bolsões de não trabalho, de trabalho clandestino, de trabalho infantil, de trabalho sub-remunerado, de trabalho explorado que ainda persistem, mas também às novas formas, muito mais sutis, da exploração dos novos trabalhos, ao super-trabalho, ao trabalho-carreira que às vezes rouba espaço a dimensões igualmente humanas e necessárias para a pessoa, à excessiva flexibilidade do trabalho que torna precária e não raro impossível a vida familiar, à modularidade do trabalho que corre o risco de ter graves repercussões sobre a percepção unitária da própria existência e sobre a estabilidade das relações familiares. Se o homem é alienado quando inverte meios e fins, também no novo contexto de trabalho imaterial, leve, qualitativo mais que quantitativo, podem dar-se elementos de alienação «conforme cresça a ... participação [do homem] numa autêntica comunidade humana solidária, ou então cresça o seu isolamento num complexo de relações de exacerbada competição e de recíproco alheamento»
[603] . [...]
302 A remuneração é o instrumento mais importante para realizar a justiça nas relações de trabalho [659] .
O « justo salário é o fruto legítimo do trabalho » [660] ; comete grave injustiça quem o recusa ou não o dá no tempo devido e em proporção eqüitativa ao trabalho realizado (cf.
Lv 19, 13;
Dt 24, 14-15;
Tg 5, 4). O salário é o instrumento que permite ao trabalhador aceder aos bens da terra: « o trabalho deve ser remunerado de tal modo que permita ao homem e à família levar uma vida digna, tanto material ou social, como cultural ou espiritual, tendo em conta as funções e a produtividade de cada um, e o bem comum »
[661] .
O simples acordo entre empregado e empregador acerca do montante da remuneração não basta para qualificar como « justa » a remuneração concordada, porque ela « não deve ser inferior ao sustento » [662] do trabalhador: a justiça natural é anterior e superior à liberdade do contrato.