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Friedrich Nietzsche (1844-1900)

Biografia
Friedrich Willhelm Nietzsche nasceu em 15 de outubro de 1844. Sua família era luterana, sendo que seus avós foram pastores, e o próprio Nietzsche pensou em seguir a carreira religiosa mas abandonou a fé cristã na adolescência durante seus estudos filosóficos.
Iniciou seus estudos em Filologia clássica e Teologia evangélica no semestre de inverno de 1864-1865 na Universidade de Bonn, se transferindo para a Universidade de Leipzig, por vários motivos, entre os quais, o mais importante tenha sido talvez a transferência do Prof. Friedrich Willhelm Ritschl para essa universidade. Ritschl foi um mentor adorado por Nietzsche. Data dessa época a descoberta de "O mundo como vontade e representação", de Artur Schopenhauer, por Nietzsche, que se apaixona e se deixa influenciar filosoficamente pelo pensamento desse outro alemão brilhante, o que transparece em "O nascimento da tragédia", primeira obra do filósofo, escrita em 1872, durante a Guerra franco-prussiana, na qual Nietzsche serviu como enfermeiro, dedicada ao seu amigo dileto Richard Wagner e mal recebida no meio acadêmico. Dotado de formação clássica, o filósofo é nomeado professor de Filologia na universidade de Basileia, aos 24 anos, adotando nacionalidade suíça. Mantém contato com o pensamento grego antigo, especialmente os pré-socráticos, sendo Heráclito e Anaxágoras seus preferidos.
Alguns anos depois rompe definitivamente com Richard Wagner, desapontado com a fragilidade de seu romantismo, que não só não cumpria com os objetivos ousados que Nietzsche sonhara para a música nova, como se tornara uma espécie de arte pobre dedicada a representar valores perdidos e não a criar novos valores. Em 1879 seu estado de saúde o força a abandonar a sala de aula. Começa uma vida errante, de peregrino ou pensador solitário viajando por várias cidades europeias, principalmente italianas e suíças, por onde passa, se recolhe e escreve profusamente. Em 1882, conhece Paul Rée e Lou-Andréas Salomé, por quem se apaixona mas tem seu pedido de casamento recusado. Em Nice, começa a escrever a sua obra-prima, o "Assim falava Zaratustra", vindo a lume em 1888, junto com outros muitos livros publicados por sua própria conta, parte do projeto da Transmutação de todos os valores, nunca completado.
Em 1889, sofre de uma crise de loucura que o prostra por anos, sendo cuidado pela mãe e, posteriormente pela irmã, que cuida de seu espólio literário após sua morte, em 1900.
Filosofia
Podemos caracterizar a filosofia nietzscheana pela ausência de fórmulas racionais prontas, tratados complexos e mesmo por uma lógica consistente com alguma racionalidade, visto ser ele o mais ferrenho crítico de toda a racionalidade e moral tradicionais. Como se expressar então? Primeiro, pelo uso de aforismas que visam a trazer uma determinada situação ou personagem ou simbolismo, a partir do qual instila suas mordazes flechas irônicas e de fino sabor artístico, poético, contra a tradição ocidental, em termos de filosofia, moral, politica e arte. Tais flechas não visavam criar um antídoto para tais problemas, eram antes manifestações da visão aguda de Nietzsche sobre a decadência da civilização expressas em formas decadentes de cultura. A dificuldade de se compreender em que consistiam tais pontos de ruptura e decadência progressiva derivam da dificuldade de penetrar no estilo poético e aforismático do filósofo alemão, cheio de enigmas e aberturas a diferentes interpretações.
Essa fluidez na linguagem, na verdade, é um de seus traços mais fascinantes e que mais aproximam-no da literatura como um dos mais belos escritores e poetas de língua alemã, além de inaugurarem uma idade áurea na história da filosofia e da literatura, onde está tão difícil separar uma da outra. Essa aparente desonestidade intelectual, que nada mais é que quebra de cânones lógicos mofados, é também característica de toda a filosofia contemporânea, a subjetividade na linguagem e as brincadeiras com figuras mitológicas e poéticas como meios mais eficientes de representar a realidade.
Mas a filosofia de Nietzsche não apresenta essas mesmas características e pensamento em todas as suas obras. Podemos dividir seu pensamento em três épocas distintas, intercambiáveis, mas com diferentes enfoques e abordagens dos mesmos assuntos e tratamento de outras questões.
1-Filosofia da arte: apolíneo e dionisíaco
Os primeiros questionamentos de Nietzsche sobre o cristianismo e a moral são de sua adolescência. Com o passar do tempo essas críticas se tornam mais maduras, adquirindo forma em uma crítica da moralidade ocidental, cristã ou pós-cristã, que se expressa em uma filosofia da arte fortemente inspirada no que ele enxergava ser a 'nova música', prefigurada em Beethoven e tornada real em Richard Wagner, seu amigo próximo e companheiro de ideias. Nietzsche cria que a nova música era uma retomada da música trágica da época grega, que ele tanto admirava como a música de forte sentido metafísico que, como a mitologia, eram o antídoto grego contra a fatuidade da existência, a valorização do ser, do Um Primordial, a imersão humana no Um a partir da valorização das dores humanas expressa na tragédia ática pela música.
Esse grande projeto composto em "O nascimento da tragédia no espírito da música" (1872), é mais que uma crítica mordaz e apaixonada à tradicional concepção dos historiadores e críticos de arte, de que a chamada serenidade grega fosse representativa de algum período na história desse povo além da época da decadência, o século de Alexandre Magno e os séculos tristes que o seguiriam, que seguiriam a miscigenação e absorção preguiçosa das culturas orientais assimiladas. A crítica aqui é contra toda a moral e religião, símbolos da decadência, que são descendentes de uma Grécia já enfraquecida, deteriorada pelos instintos da massa ignorante e dos homens de ciência, que apequenavam os verdadeiros instintos favorecedores da vida. E da vida pela arte através da submissão das formas de arte e pensamento às suas imposições: do homem teórico, ou científico, tido como único ideal de homem, o homem moral e obediente à razão ordenadora, tão certo e otimista dos resultados da dialética e da ciência, como se todas as crises da vida pudessem ser superadas pelo saber e pela técnica. Para Nietzsche toda a história da filosofia e da arte ocidentais são uma continuação desse instinto patético que dominou e segregou os verdadeiros instintos artísticos e legitimadores da vida ao subterrâneo, o mesmo instinto que, na modernidade, se encontra limitado, seco, sem esperanças. O projeto da música de Wagner restabeleceria os instintos verdadeiros da arte para Nietzsche, como visível está no Prefácio a Richard Wagner, incluso na obra, e pela teorização desse projeto na mesma obra.
Primeiro Nietzsche, partindo de Schopenhauer, entende a música como a forma mais pura de arte, pela qual as dores da existência são suprimidas e a vida atinge seu centro, o indivíduo se perde em si mesmo e mergulha no Um, onde todas as individualidades e suas contradições são superadas e a dor é assumida junto com a alegria. O cerne verdadeiro do livro é apresentar o auge da tragédia grega e sua música como a manifestação plena do instinto de arte trabalhado no subterrâneo da consciência grega. Esse instinto é o dionisíaco.
Segundo Nietzsche, toda a arte nasce da conjunção harmônica e da luta constante entre dois instintos artísticos, o apolíneo e o dionisíaco. O apolíneo é o instinto de Apolo, o espírito das aparências que sufocam a dor das contradições e do devir pela ilusão e pelo sonho, pelas máscaras das artes plásticas, da moral guerreira, da mitologia que são os véus da verdade primordial. O dionisíaco, por outro lado, através da música caótica e o comportamento imoral e desregrado de Dioniso (ou Baco, para os romanos), meio pelo qual que descarrega seus efeitos de loucura, insânia e desprezo de todas as convenções sociais. O dionisíaco é o instinto pelo qual o homem se despe de suas vestes de homem e se torna apenas mais uma criatura viva se fundindo á Natureza, emergindo no Um primordial, princípio de todas as coisas. Em seguida somos apresentados à teoria segundo a qual toda a história da arte grega, principalmente o nascimento da tragédia está ligado à disputa e ao equilíbrio tenso entre esses dois instintos contrários, tendo a tragédia papel importante nessa 'metafísica de artista' como veículo apolíneo a levar a mensagem dionisíaca aos corações na superação do sofrimento ao apresentá-lo nu de valores morais e recheado de sentido metafísico.
Após a exposição de sua teoria, o filósofo explica como esses princípios foram sendo destruídos aos poucos pela ideologia do homem teórico, somos apresentados à sua surpreendente visão de Sócrates, como o principal agente da decadência grega, como aquele que se esforça para impor sua visão do homem teórico e científico a ponto de se sacrificar por esse ideal, santificando-o. A mesma crítica se encontra em "Filosofia na época trágica dos gregos", onde faz análises interessantes sobre os filósofos pré-socráticos, lamentando a canonização do Ser em Parmênides, ancestral das Ideias platônicas e de toda metafísica, antes um preconceito lógico que uma ideia verdadeira, e louvando as ideias originais de Heráclito, Parmênides e Anaxágoras em cosmologia e devir.
2-Filosofia da ciência: humanismo sóbrio
Nessa época encontramos um Nietzsche redefinindo seus caminhos intelectuais com suas "Considerações extemporâneas" (1873-1876), uma série de 4 (de 13 planejados) de artigos, entre os quais chama particularmente a nossa atenção "Richard Wagner em Bayreuth", com sua filosofia da arte mais sofisticada e menos otimista com relação ao ufanismo germânico. Característico desse período é o ateísmo mais ácido, o ceticismo mais profundo, a visão também menos otimista de um Reich alemão capaz de ser uma força antagônica à decadência europeia. Menos otimista igualmente quanto aos rumos da música wagneriana, que o desaponta fortemente.
Em "Humano, demasiado humano, um livro para espíritos livres" (1878), seguido de "Miscelânea de Opiniões e sentenças" (1879) e "O viajante e sua sombra" (1880), se desenham as linhas mestras de sua filosofia. Embora a arte nunca tenha abandonado sua importância capital na obra do filósofo, é a partir dessas obras que ele começa a abandonar sua 'metafísica de artista' e passa a enxergar o mundo como um eterno devir, em constante transformação e o homem, como aquele que desvenda o mundo e suas contradições por rigorosos processos de análise e confiando na ciência, não no racionalismo cego da tradição filosófica, mas na ciência moderna, cada vez mais livre da invasão de uma metafísica que nada diz sobre a realidade, apenas acrescenta preconceitos, inventa regras morais e as absolutiza, só serve para dar respaldo ideológico a religiões inumanas, que desnaturalizam o humano com um Deus e um outro mundo irreais.
O homem do futuro, o espírito livre, não é apenas ateu, mas o 'ateu por instinto', aquele que consegue pensar sozinho, refletir por si mesmo, sem depender de consolos metafísicos, religiões e sistemas que nada tem a ver com a verdade crível e verificável. O espírito livre não só supera os preconceitos metafísicos, como encarna a negação total de qualquer tipo de moral, torna-se ele um ser livre de julgamentos morais e o senhor de sua própria moral. Desnecessário dizer que "Humano, demasiado humano" é o livro com as mais fortes críticas à metafísica, especialmente o de tipo idealista-romântico alemão.
Em "Gaia ciência" (1882) encontramos pela primeira vez a expressão "Deus está morto, e fomos nós que o matamos", com a qual Nietzsche quer dizer que a civilização já não se encontra em condições de ainda crer em um Deus, de ainda poder ter uma moral considerada absoluta, o homem é um indecente se ainda crê na imortalidade da alma e em recompensa e castigo no reino dos céus da idiotice moralizante, se ele tem o mínimo de conhecimento científico, principalmente psicológico.
3-Filosofia moral: transmutação de todos os valores
O pensamento maduro de Nietzsche é uma derrubada radical de todos os ídolos da religião, da filosofia, da arte e de toda forma de idolatria. O livro mais característico é "Assim falava Zaratustra" (1888), considerado sua obra-prima. O livro narra as andanças e ensinamentos de Zaratustra, ironicamente, o fundador do zoroastrismo e cunhador do bem e do mal na teologia moral, mas o Zaratustra aqui é um profeta do super-homem. Ele adverte as pessoas e seus discípulos que o homem é uma coisa a ser superada e que cabe aos homens superiores serem os seres que viverão 'se extinguindo', sempre se provando superiores uns aos outros, verdadeiros animais de rapina, derrubando todas as convenções morais e criando seus próprios valores, seus próprios bem e mal, sem medo de serem tiranos, campeões e destruidores da ordem. Zaratustra não se preocupa apenas com o niilismo da destruição de todos os valores tradicionais, mas da construção de valores mutáveis, não os valores fracos e decadentes da democracia mas valores afirmadores da vida. Um resumo desse 'programa' se encontra aqui.
Característico dessa obra é a profundidade enigmática de muitas passagens, a riqueza simbólica, o valor artístico de uma obra considerada a Bíblia do ateísmo, um Eclesiastes da vida amoral, dos instintos artísticos, do desprezo pelo tradicional, o evangelho do homem superior, o que deve ser desejado, o homem de rapina.
Esses temas são recorrentes em todas as suas obras do período. Tais linhas são:
a) super-homem
Como dito acima, o super-homem é o homem do futuro, o homem criador de valores, que confecciona seu próprio bem e seu próprio mal, o homem que arquitetará os destinos da humanidade sem nenhum compromisso com nada nem ninguém a não ser consigo mesmo, o homem tirano e que não tem vergonha de ser o que é, quem é, o homem que deve ser sonhado como desejado, não atacado por ter a coragem e a frieza de que a massa fraca e raquítica carecem. É o homem do grande Meio Dia, o profeta de tempos vindouros em que a moral será a da entrega ao poder maior e mais terrível, a época da guerra como mãe de todas as coisas, querida, desejada como amante do homem viril.
O evangelho do super-homem se encontra em Zaratustra, mas as noções mais claras de Nietzsche sobre o papel do homem futuro se encontram também em "Além do Bem e do Mal - Prelúdio de uma filosofia do futuro" (1886) e "Crepúsculo dos ídolos", onde transparece mais a figura do super-homem como o filósofo que marca a filosofia na própria carne a ferro e a fogo.
Os modos pelos quais se dará a superação do homem:
1-superação da consciência moral e cristã
2-'Transmutação de todos os valores'
3-através da vontade de potência, natural a todas as coisas em vez de falsas leis morais que negam os instintos básicos da vida
b) vontade de poder
A vontade de poder se encontra em muitos livros do filósofo alemão. Trata-se da substituição de todas as leis morais, cânones religiosos e filosofias metafísicas pela vontade de poder, a vontade instintiva do homem em se eternizar na terra, é mais que um instinto inato no homem, é a necessidade natural de toda o cosmo. Advinda da própria natureza das coisas, a vontade de potência é o fluxo da existência, a força que alavanca o devir. Não é uma lei racional, um fundamento teológico, um Deus, é o modo como as coisas são, aquilo que permite às coisas serem, finitamente, em um tempo infinito. Essa ideia deriva da noção nietzscheana de que o tempo é infinito, sempre existiu, a ideia do 'eterno retorno'.
Fragmento de 1881:
“E sabeis... o que é pra mim o mundo”?... Este mundo: uma monstruosidade de força, sem princípio, sem fim, uma firme, brônzea grandeza de força... uma economia sem despesas e perdas, mas também sem acréscimos, ou rendimento,... mas antes como força ao mesmo tempo um e múltiplo,... eternamente mudando, eternamente recorrentes... partindo do mais simples ao mais múltiplo, do quieto, mais rígido, mais frio, ao mais ardente, mais selvagem, mais contraditório consigo mesmo, e depois outra vez... esse meu mundo dionisíaco do eternamente-criar-a-si-próprio, do eternamente-destruir-a-si-próprio, sem alvo, sem vontade... Esse mundo é a vontade de potência — e nada além disso! E também vós próprios sois essa vontade de potência — e nada além disso!”
c) eterno retorno
Gaia Ciência:
2"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"
Considerado uma das ideias mais originais de Nietzsche (supostamente ocorrida a ele durante uma caminhada), o eterno retorno não trata de uma concepção cíclica do tempo, mas de uma complementaridade entre as instâncias opostas da mesma realidade. Como a realidade não tem fundamento nem sentido (pois não existe deus e, se existisse tal finalidade, já teria sido alcançada), a alternância de instâncias nunca finda, o que explica a eternidade do tempo e a ideia básica do ateísmo nietzscheano de que não existe um deus para haver existido uma criação. Logo, o mundo é sempre o mesmo, desde sempre, sempre retornando e nunca findando.
d)Amor fati:
Em Nietzsche o Amor fati é o 'amor ao inevitável', retomado dos gregos estóicos e da renascença italiana, ambos adorados pelo filósofo. Trata-se do 'amor dos fortes', a resignação altiva, ativa e apaixonada ao destino, ao fado, aos fatos que sempre retornam sem seguir nenhuma lógica, apenas a vontade de potência da realidade.
Política e cultura
Outras ideias de Nietzsche, influentes na antropologia e na literatura, são o perspectivismo, segundo o qual a realidade é a mesma para todos mas percebida de forma diferente de acordo com o código simbólico e o ambiente cultural de quem vive; e a ideia do ressentimento.
Ecoando Dostoievski, Nietzsche estabelece o relacionamento entre senhor e escravo como origem da moral escrava, a moral judaico-cristã, moral de ressentimento. Segundo ele a moral cristã da Igreja, ao se colocar ao lado dos desfavorecidos, pobres, infelizes, ignorantes e antecipar a mentalidade decadente dos revolucionários socialistas, se coloca CONTRA a vida, contra os instintos mais básicos da vida. Dessa forma ele admira o uso da religião como controle das massas pelas castas dominantes na Índia e lamenta a decadência de uma Europa cada vez mais democrática. Mostra-se contra a manipulação de uma aristocracia monárquica decadente por uma burguesia detentora de valores da ralé, de desejos plebeus por uma maior ascensão social e financeira, e mostra-se defensor de uma aristocracia guerreira e culta, como nos tempos dos bárbaros e da Renascença, onde os verdadeiros valores do homem nobre e superior se impunham sobre a massa ignorante que nascera para ser governada e prover às necessidades dos poderosos, que conquistarem seu direito se governar pelo sangue, pela sua superior vontade de poder.
Nietzsche aponta o desmantelamento dessa ordem superior de sociedade pelo aparecimento de profetas como Jesus que representam os instintos, a vontade de poder dos plebeus e escravos que, pelo ressentimento, impõem uma moral baseada em uma metafísica do medo, em um Deus do castigo e, conforme a história mostra pelo exemplo dos judeus e dos cristãos, vão se infiltrando nas estruturas de poder e maculando os belos edifícios do homem superior com suas ideias de um Deus que castiga, ressentimento na moral, mortificação e todo um complexo ideológico de antinaturalidades que tornam o homem um animal de rebanho conduzido por pastores, supostos doutores da verdade.
Apontando os tempos modernos, o filósofo mostra que a solução para salvar a Europa da crise do cristianismo, para impedí-la de embarcar em novas idolatrias a substituir o cristianismo falido, deve ser a criação de um programa educacional que ensine o homem a ser um ser amoral, que ensine a superioridade de uns e a inferioridade de outros, enfim, um sistema que separe, classifique os homens entre aqueles poucos criadores de valores que devem governar e a massa que deve se manter ignorante e controlada e continuar servindo à nação como um rebanho verdadeiro. Muito melhor que os grandes governem e os pequenos sirvam que os pequenos governem e os grandes, sirvam. Em tudo isso está a noção de domesticação dos instintos que a moral plebeia incitou no homem, a noção do animal de rebanho, tudo bem analisado cientificamente em "Genealogia da Moral: uma polêmica" (1888), acompanhando "Além do bem e do mal".
Destaque para "O Anticristo" (1888) que explora bem a visão nietzscheana sobre a história do povo judeu e do cristianismo, mostrando um Jesus sonhador e um Paulo de Tarso, manipulador do sonho da plebe em derrubar o Império romano pela revolução dos sentimentos morais, derrubando a virtude altiva romana e colocando em seu lugar a presença nefasta e julgadora de uma Igreja da ralé do império. Uma Igreja corrupta, podre até a falsificação dos ensinamentos de seu Mestre no afã de dominar as consciências e os corações. Lembremos também "Nietzsche contra Wagner", livro importante para entendermos claramente os pontos de ruptura entre os dois amigos.
Considerações pessoais
Para mim é especialmente difícil falar de Nietzsche, de seu pensamento, visto que esse pensamento revirou minha vida de cabeça para baixo em um determinado período ingênuo, como o fez com tantos outros. Ainda assim, hoje posso me considerar um nietzscheano mais maduro ao ler sua obra com olhos menos febris, menos fanáticos, com olhos e espírito mais frescos, mais puros, menos contaminados pela loucura idolátrica do mundo moderno. Nietzsche tem sido um guia em situações complexas, tem sido uma inspiração nos becos escuros da vida. Não é uma muleta, é uma lupa que me ajuda a olhar mais claramente a vida.
E falando em vida, é ela que mais transparece nos escritos de Nietzsche. Têm-se a impressão que a filosofia ocidental se especializou em uma visão teórica da existência, um afastamento da vida prática e, acima de tudo, um desinteresse pela vida, pelo corpo, pelos instintos, uma obsessão metafísica imperdoável com as coisas 'eternas, infinitas, imperecíveis, divinas'. No fundo tudo isso nada mais é que abuso linguístico, idolatria racionalista e nada nos diz sobre a verdade. Nietzsche me é precioso porque é da vida que ele trata, a vida pura em todas as suas formas. Ele me é igualmente caro pelo sofrimento que me causou ao me mostrar os absurdos da vida e me ensinar que cada dor é digna de ser sentida, porque só ela valoriza a vida. Só a dor nascida da superação das dores e que gera novas dores, só essa dor aponta o caminho para a verdadeira felicidade, não a felicidade dos paraísos eternos, mas a felicidade do viajante de muitas paragens, do andarilho e seus pensamentos meditados, ruminados.
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