Vou deixar de lado o preciosismo conceitual e admitir aqui esse uso mais "livre" do termo fascismo, para a reflexão que segue. Acho essa discussão pouco prática e desimportante a essa altura.
Mas eu preciso entender melhor a pergunta, Amon. Eu concordo com você que cenários de crise econômica costumam coincidir com o fortalecimento de discursos de extrema-direita. Só que, no Brasil, a extrema-direita já ascendeu ao poder - ascendeu, aliás, num contexto de crise econômica, embora muito mais ameno que a situação para a qual caminhamos a passos largos.
Bolsonaro montou um governo de extrema-direita, extremamente militarizado e vem, desde o princípio, testando e tensionando os limites da ordem democrática. Desse ponto de vista, a ascensão da extrema-direita já ocorreu e ela agora briga dentro do Estado para livrar-se dos constrangimentos dos freios e contrapesos.
Mas eu discordo do Neithan. Acho que há muito de bravata, sim, mas acho também que a ameaça de uma aventura existe, considerando que o Bolsonaro ainda conta com bastante apoio entre os militares e no meio das polícias. Outro dia mesmo o Procurador Geral da República me veio a público dizer que o Exército funcionava como uma espécie de poder moderador, dizendo nas entrelinhas que na hipótese de intromissão do judiciário (quem julga se houve ou não intromissão?), seria legítima a "intervenção" dos militares. Depois desdisse. Para dar um golpe, Neithan, você não precisa nem do apoio da totalidade dos militares. Basta que alguns apoiem. Aliás, uma ruptura de institucionalidade não precisa sequer seguir o receituário de 1964, com tanques nas ruas, jornais empastelados, opositores políticos presos e buscando abrigo em embaixadas, etc.
Só que o Bolsonaro é perene fator de instabilidade e isso talvez segure um pouco os militares - não sei.
À parte a facada, que estancou o seu derretimento eleitoral, Bolsonaro foi alçado ao poder nessa vaga de antipetismo e antipolítica associada à crise do nosso quadro partidário, com o apoio do grande empresariado, do mercado financeiro, das igrejas evangélicas etc, fazendo-se mula eleitoral do consenso liberalizante que emergiu na contraface do colapso do pacto lulo-petista, visando a garantir a agenda das reformas enquanto diziam para si mesmos que Bolsonaro jamais poderia ser um risco para a democracia e apontavam Sergio Moro e Paulo Guedes como garantes da estabilidade... pff.
Esse mesmo consenso liberalizante que o alçou ao poder começa a renegar a própria manobra e, à exceção de uma parcela estúpida do empresariado, começa a retirar-lhe o apoio, enquanto Bolsonaro continua gerando sucessivas crises no meio de uma crise global esmagadora. Só que, enquanto isso, Bolsonaro encheu o governo de generais, da reserva e da ativa, e parece disposto a querer usar canhão como argumento.
Por enquanto, ainda se segura, sobre uma base de apoiadores relativamente estável, que gira em torno dos 30% há meses, não importa quantas merdas o governo faça - muito embora a rejeição cresça dia após dia. Também ganhou sobrevida, comprando o apoio do Centrão - então, por enquanto, ele conta com os votos necessários para barrar um eventual processo de impeachment ou um julgamento do Supremo por crime comum. Mas essa base política é bastante movediça. Não apostaria tanto em sua durabilidade.
Acho mais provável que, no fim das contas, Bolsonaro acabe cuspido por esse mesmo consenso que o elegeu, que vai tentar migrar pra outra figura menos indigesta, pra tentar manter viva essa agenda liberalizante. Se bem que, me parece, essa agenda tende a perder força, considerando a crise gerada pela pandemia, quando até mesmo economistas ortodoxos têm botado um pezinho na heterodoxia.
A pergunta do Amon é se existe a possibilidade de nos tornarmos um "país fascista". Se com isso, ele fala de ruptura da institucionalidade por parte da extrema-direita, eu acho que essa não é uma carta fora do baralho. Bem entendido, eu não acho que vá acontecer. Acho que o Bolsonaro não termina esse mandato. Mas acho que os riscos existem e que o momento é tenso.