Bom, esses textos (o I e II da seção Miths Transformed do HoMe X) são MUITO interessantes, e refletem as idéias mais tardias de Tolkien sobre o mito criacional em sua obra, em particular a criação do Sol e da Lua.
Mas na época em que estes textos foram escritos (final dos anos 50, início dos anos 60), Tolkien começou a criar algumas contradições, surgidas principalmente de sua indecisão sobre que versão adotar como "oficial".
No que diz respeito à criação do Sol, ele optou pela versão que o Slicer mostrou, na qual ele já existia antes de Arda.
Só que essa versão entra em conflito com a dos Anais de Aman, que data da mesma época desse novo mito criacional; e nos Anais, a criação do Sol e da Lua é aquela que conhecemos através do Silma publicado: eram frutos das Duas Árvores.
Christopher Tolkien comenta muito essas questões, mostrando inclusive, em suas notas, trechos da contradição de seu pai em certos momentos.
Num deles, no início do texto II do Miths Transformed, Tolkien afirma: "Nem poderia haver bosques, flores, etc. na terra, se não houvesse luz desde a destruição das Lâmpadas!". Porém, na primeira nota sobre essa afirmação, Christopher coloca o trecho dos Anais (que é o mesmo do Silma publicado), onde é afirmado que, após a destruição das Lâmpadas, Yavanna colocou plantas e animais sob um sono profundo, para que os mesmo não envelhecessem e aguardassem o que estava por vir (isto é, o Sol)!!
Percebe-se, pelos textos contidos nos três últimos volumes da série HoMe e pelos próprios comentários de Christopher, que Tolkien, na última década de sua vida estava "filosófico demais", e começava a rever conceitos do Silmarillion criados décadas e décadas antes... e o olhar que caía sobre sua obra era menos "mitológico" e mais "religioso", por assim dizer.
Christopher teve que escolher cuidadosamente que versões poderiam ser colocadas juntas para formar o Silmarillion de modo que não entrassem em contradição umas com as outras... e creio que ele fez as escolhas certas: o Silma publicado ficou muito mais "mágico e mitológico", mesmo contendo versões que poderiam ser vistas como "antigas" e "rejeitadas" pelo próprio Tolkien. O problema do Professor era sua eterna insatisfação com o próprio trabalho. Essa "releitura" que ele mesmo estava fazendo de sua obra no fim de sua vida começava a desestruturar e mesmo a anular o que ele já havia escrito antes, de modo que o Silma corria sério risco de voltar à estaca ZERO!
Christopher foi coerente e pegou a versão mais "completa" e "concisa" possível, e é essa que temos hj.
Particularmente, fico satisfeito com ela, e tenho-a como a "oficial", por assim dizer; mas, claro, nem por isso rejeito os textos de Tolkien posteriores a ela, pois muitos complementam o Silmarillion publicado ao invés de contradizê-lo e, felizmente, estes são a maioria. Na verdade, prezo-os imensamente, e têm sido estes textos que me tem feito pensar e divagar muito sobre a mitologia de uns 3 anos pra cá. Sem dúvida são os mais profundos, psicologicamente falando... e só dar uma olhada no Athrabeth, por exemplo.