dermeister
Ent cara-de-pau
Anda rolando, por vários sites de notícias, o caso da sentença um tanto poética emitida por um juiz em uma ação pedindo o ressarcimento valores gastos com o conserto de um condicionador de ar danificado por uma lagartixa (!). Todas as versões que vi trazem basicamente o mesmo texto, tem uma reportagem da RBS de Florianópolis, etc. Essa matéria do Terra dá uma ideia da coisa:
A maior parte das matérias sonega a fonte primária, mas é algo fácil de encontrar. O texto completo da sentença merece uma reprodução (grifos meus):
05 de Março de 2013•13h49 • atualizado às 14h04
Justiça de SC reconhece direito de lagartixa 'circular pelas paredes'
A Justiça de Santa Catarina condenou uma empresa de importação a pagar R$ 664 de indenização por danos materiais a uma moradora de Florianópolis que teve o ar-condicionado queimado após uma lagartixa entrar no compartimento do motor do aparelho. A decisão da 1ª Turma de Recursos da Capital, porém, chamou atenção pela argumentação "inusitada", ao reconhecer o direito da lagartixa de circular pelas paredes externas da casa.
A empresa recusava-se a arcar com os custos do reparo do equipamento, sob o argumento de que a culpa era do consumidor que, por descuido, havia permitido a entrada da lagartixa no aparelho, o que provocou não só a queima do motor, como a morte do animal. Em primeira instância, a Justiça já havia condenado a empresa, que recorreu da sentença. A 1ª Turma de Recursos, porém, rechaçou os argumentos da defesa. "É, portanto, indiscutido nos autos que a culpa foi da lagartixa, afinal, sempre se há de encontrar um culpado", ironiza a sentença.
"Uma lagartixa tem todo o direito de circular pelas paredes externas das casas à cata de mosquitos e outros pequenos insetos que constituem sua dieta alimentar. Todo mundo sabe disso e certamente também os engenheiros que projetam esses motores, que sabidamente se instalam do lado de fora da residência, área que legitimamente pertence às lagartixas", prossegue o texto do relator do recurso, magistrado Alexandre Morais da Rosa. "Neste particular, tem toda a razão o autor, se a ré não se preocupou em lacrar o motor externo do split, agiu evidentemente com culpa, pois era só o que faltava exigir que o autor ficasse caçando lagartixas pelas paredes de fora ao invés de se refrescar no interior de sua casa", conclui.
O relator argumentou que as causas excludentes da responsabilidade civil aplicam-se às relações de consumo em caráter de excepcionalidade. Em regra, disse, deve-se ater às excludentes previstas segundo o regime de responsabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Alexandre acrescentou que, no CDC, não são excludentes o caso fortuito interno, o relativamente previsível e aqueles anteriores à disponibilização do produto ou serviço.
Os integrantes da Turma de Recursos afirmaram que ficou demonstrada a fragilidade do equipamento, já que sofreu dano pelo contato com um animal tão diminuto. De acordo com os autos, o comprador fez o pagamento das despesas, por isso "não se deve perder de perspectiva o desgaste imposto ao consumidor por ter que buscar nas vias administrativa (Procon) e judicial uma restituição manifestamente devida, em face da garantia e vício do produto".
Segundo a Justiça, a resistência da importadora em ressarcir as despesas da cliente, ainda que não implique dano moral, ataca a confiança e a boa-fé do consumidor. Assim, além do ressarcimento, a empresa foi condenada a pagar R$ 1,5 mil em honorários advocatícios, além das custas do processo.
A maior parte das matérias sonega a fonte primária, mas é algo fácil de encontrar. O texto completo da sentença merece uma reprodução (grifos meus):
Autos n° 082.11.000694-3
Ação: Procedimento do Juizado Especial Cível/Juizado Especial Cível
Autor: A.C.
Réu: Komlog Importação Ltda.
Vistos, etc.
Trata-se de ação que dispensa a produção de outras provas, razão pela qual conheço diretamente do pedido.
A preliminar de complexidade da causa pela necessidade de perícia deve ser afastada, porquanto a matéria é singela e dispensa qualquer outra providência instrutória, como dito.
Gira a lide em torno de um acidente que vitimou uma lagartixa, que inadvertidamente entrou no compartimento do motor de um aparelho de ar condicionado tipo split e que causou a sua morte, infelizmente irrelevante neste mundo de homens, e a queima do motor do equipamento, que foi reparado pelo autor ao custo de R$ 664,00 (fl. 21), depois que a ré recusou-se a dar a cobertura de garantia.
É, portanto, indiscutido nos autos que a culpa foi da lagartixa, afinal, sempre se há de encontrar um culpado e no caso destes autos, até fotografado foi o cadáver mutilado do réptil que enfiou-se onde não devia (fl. 62), mas afinal, como ia ele saber se não havia barreira ou proteção que o fizesse refletir com seu pequeno cérebro se não seria melhor procurar refúgio em outra toca- Eis aqui o cerne da questão, pois afinal uma lagartixa tem todo o direito de circular pelas paredes externas das casas à cata de mosquitos e outros pequenos insetos que constituem sua dieta alimentar. Todo mundo sabe disso e certamente também os engenheiros que projetam esses motores, que sabidamente se instalam do lado de fora da residência, área que legitimamente pertence às lagartixas. Neste particular, tem toda a razão o autor, se a ré não se preocupou em lacrar o motor externo do split, agiu com evidente culpa, pois era só o que faltava exigir que o autor ficasse caçando lagartixas pelas paredes de fora ao invés de se refrescar no interior de sua casa.
Por outro lado, falar o autor em dano moral é um exagero, somente se foi pela morte da lagartixa, do que certamente não se trata. Houve um debate acerca da questão e das condições da garantia, que não previam os danos causados por esses matadores de mosquitos. Além disso, o autor reparou o equipamento, tanto que pretende o ressarcimento do valor pago, no que tem razão. E é só. Além disso, é terreno de locupletamento ilícito à custa de outrem.
Diante do exposto, julgo parcialmente procedente a ação, para condenar a ré a ressarcir o autor da quantia de R$ 664,00 (seiscentos e sessenta e quatro reais), a ser acrescida de juros de mora de 1% desde a citação e correção monetária pelo INPC, desde o desembolso (fl. 62).
Sem custas e sem honorários.
P. R. I.
Florianópolis (SC), 22 de fevereiro de 2012.
Helio David Vieira Figueira dos Santos
Juiz de Direito