Fúria da cidade
ㅤㅤ ㅤㅤ ㅤㅤ
Chegou a hora!
Dando início as listas, abrindo os trabalhos, começaremos com esse timaço de divas que a Melian escalou, todas elas muito intensas, cada uma no seu estilo e personalidade. Se eu fosse fazer a minha só de cantoras, teríamos muito em comum. Sem mais delongas, confiram elas...
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS: comecemos pelo fim. Por último, e não menos importante, a numeração não indica ordem de preferência, é só uma tentativa de organizar os textos. Em terceiro lugar: deve ter alguma coisa importante que não me lembrei de falar. Na verdade, falei, mas só quem está descaralhado das ideias, por causa do isolamento social, é que consegue ler. Em segundo lugar: O Aécio. Em primeiro lugar: embora a lista tenha sido elaborada a partir do mote de “Cinco Cantoras Favoritas”, as artistas escolhidas para figurarem aqui não são, necessariamente, cantoras cujas canções eu ouço com muita frequência. Elas foram escolhidas por serem aquelas que eu posso passar o tempo que for sem ouvir que, quando voltar a escutar o som de suas vozes, vou me emocionar.
1. NINA SIMONE (1933 – 2003)
Sem a Nina Simone, eu não teria terminado de escrever a minha dissertação de Mestrado. Sua voz de veludo era a trilha sonora que me confortava e me impulsionava. Sem conhecer “You've Got To Learn”, eu não teria feito um dos poemas mais bonitos que já fiz. (Geralmente, acho meus poemas ruins, mas o que foi inspirado na canção supracitada, eu adoro). Eu não sei bem o que tem na voz da Nina Simone, mas é impossível não se deixar contagiar por toda aquela energia, toda aquela potência, e, claro, toda aquela consciência social. Nina Simone foi mulher em tempo integral, e isso lhe custou muita coisa. Foi pianista, cantora, compositora e ativista pelos direitos civis (quem não conhece o hino “Mississippi Goddam”?). Não se costuma alardear outra coisa, porque já é visto como uma “função natural” para quem nasce com útero, mas Nina Simone também foi esposa, dona de casa e mãe. Na rua, artista; em casa, punida por ser o mulherão da porra que era. Foi vítima de violência doméstica.
Embora seja, frequentemente, citada pela contribuição que deu ao Jazz, a artista transitou por outros campos, como: Música Clássica (que constituiu a sua formação inicial), Blues, R&B, Gospel (o que fica muito evidente no estilo de cantar da rainha, né?), entre outros. A voz de Nina Simone cantou sobre as injustiças sociais, sobre os amores e sobre os desamores, e, amanhã, continuará a cantar, porque ela ainda não terminou de dizer tudo o que tem para dizer. Ouçam-na.
2. ELIS REGINA (1945 – 1982)
Só aquela interpretação dolorosa da Elis Regina para “Atrás da porta” já garantiria o lugar da cantora nesta lista. Ainda hoje, acho que se colocarmos um punhado de pessoas num auditório, com um telão exibindo aquele vídeo, teremos uma catarse coletiva. Mas a Elis vai muito além disso. Qualquer canção da MPB poderia passar pelo antes e depois de ser interpretada por Elis. Os compositores se sentiam lisonjeados ao verem suas canções interpretadas por aquela voz que, com toda a certeza do mundo, era única. Peguemos, como exemplo, “Travessia”, que é do gigante Milton Nascimento: excepcional compositor, multi-instrumentista e intérprete. Mas é inegável que a interpretação definitiva de “Travessia” é a da Elis. Já chorei, por diversas vezes, ao ouvir estes versos na voz da cantora gaúcha:
Vou seguindo pela vida, me esquecendo de você
Eu não quero mais a morte, tenho muito que viver
Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer
Já não sonho, hoje faço
Com meu braço o meu viver.
Eu acho portentosa a união entre a premissa de uma mulher byroniana e a de uma mulher emancipada, nos versos listados acima. (Sim, eu tô tomando a voz da intérprete como a voz que fala na canção, e ninguém pode me julgar. Talvez, o Milton Nascimento possa, mas ele não faria isso). Ademais, ninguém consegue igualar a intensidade e a qualidade que a Elis entregava em cada performance. Ninguém consegue, sem parecer caricato, se aproximar do jeito da Elis de interpretar (Nem mesmo a Maria Rita, que é uma ótima intérprete). Ninguém pode ser a Elis, que, como intérprete, era muitas. Sem condição no talento dessa mulher. Ela esteve entre nós por pouco tempo, mas a sua voz estará no mundo para sempre. Ainda bem.
3. ADELE (1988)
Por que “Someone Like You” se tornou o Hino Internacional da Sofrência? Talvez porque, no fundo, a gente volte para aquilo que nos fere. A coisa toda vai muito além do princípio do prazer. (Perdoe-me pelo trocadilho, Freud), porque há uma espécie de gozo no sofrimento. Talvez porque a gente precise, desesperadamente, sentir aquele gozo advindo da dor que o amor já nos causou. Um coração partido pode te render Grammy nas seis categorias a que você concorre. Não, não pode, porque você não é a Adele, e o coração partido, aqui, é só o fio com que ela tece canções maravilhosas.
A meu ver, ficcionalizar a dor é o jeito mais honesto de senti-la. Dor não sentida é ferida em putrefação. Nessa perspectiva, acho importante mencionar a potência de “Turning Tables”, que fala sobre uma situação pesada, de um jeito carregado de poesia. Trata-se de uma história que, embora contada de um jeito peculiar, tem um fio condutor que, se puxado, nos levará a conhecer inúmeras histórias silenciadas. Eu sou apaixonada pela dor que pulsa disto aqui, ó: I can’t give you the heart you think you gave me.
Acho que a Adele sabe ficcionalizar a dor, e as alegrias, de maneira magnânima. Suas letras têm uma profundidade que beiram o absurdo. Mesmo que o ouvinte não tenha passado pelas situações descritas pelas canções interpretadas pela cantora, sente uma certa cumplicidade, sente aquilo ecoar em algum ponto da sua vida, da sua pele, da sua existência. Um dia, quero escrever um dedinho do que essa mulher escreve. Sim, eu sou muito tiete da Adele, e, de todas as cantoras aqui listadas, ela é aquela cujas canções ouço todos os dias. Não há um único dia em que eu não ouça, pelo menos, uma musiquinha da Adele. E, geralmente, escolho ouvir “You and Only”, porque o “rugido” da Adele em I dare you to let me be your, your one and only e So come on and give me the chance é uma coisa tão intensa que poderia ser traduzido em: “Eu estou te dando a porra do meu coração. Pegue-o, logo, porque já está sendo difícil admitir o quanto que eu quero você”. As canções da Adele são, para mim, como orações diárias.
4. JANIS JOPLIN (1943 – 1970)
Janis Joplin, rainha do Rock. Janis Joplin, rainha do Blues. Janis Joplin: a inesquecível, visceral e crua voz que eternizou “Piece of my heart”. A voz que faz com que todos fiquemos arrepiados com os vocais insanos e catárticos de “Cry Baby”. Janis teve uma vida e uma carreira meteóricas, mas a sua influência ecoa em todas as cantoras que vieram depois. Aliás, não apenas os vocais femininos como também os masculinos foram influenciados pelo “estilo Janis de cantar”. Robert Plant é um exemplo disso. Janis é aquela figura em que pensamos, imediatamente, quando queremos sinalizar o que significa ser uma cantora confiante com sua musicalidade; e uma mulher sexualmente exuberante. Isso numa época em que o sexismo não era velado, muito pelo contrário, era escancarado e, não raro, aplaudido. E, além disso, ela era abertamente bissexual, num período em que a manifestação duma sexualidade não padrão era ilegal. Janis era inconformada, e o foi até a sua precoce morte.
Criada em uma família que morava numa cidade conservadora, por um pai apreciador de Bach e, ateu enrustido (quem poderá julgá-lo, né?), ela era curiosa, indisciplinada, intelectual, com talento para artes visuais e... vítima de um pesado bullying, do qual nunca chegou a se recuperar. Quem pode dizer que essa rejeição não teve influência em sua opção por usar drogas para se anestesiar de uma existência com a qual ela não conseguia se conectar, a qual não conseguia pertencer? Pearl, álbum que saiu após a morte da cantora, não por acaso já foi chamado de “grito póstumo sobre falta de afeto”. O fato é que a impressionante e dolorosa voz de Janis, em 2021, causa o mesmo impacto que causou na década de 60: uma mistura de espanto com admiração, e a certeza de que se trata de uma voz imortal.
5. CLARA NUNES (1942 – 1983)
Clara Nunes foi morar no infinito e virar constelação, e é a cantora do meu coração. Com ela, eu aprendi a ouvir Dalva de Oliveira, que foi uma de suas inspirações e, mais do que isso, aprendi a ouvir as muitas vozes culturais fundantes do Brasil. Ninguém cantou e encantou o Brasil como a Clara. E, mesmo que tenha recaído no exotismo contextual, seu trabalho foi importante para que pudéssemos conhecer os meandros de uma nação forjada pela exploração e pela escravidão. Ao cantar o Brasil, Clara também cantou os países africanos que foram colonizados por Portugal e, mais do que isso, foi mais precisa do que muitos livros de História do Brasil jamais serão.
Eu só ouço Clara Nunes quando estou feliz. Essa é a regra, porque é só começar a tocar qualquer canção da Clara que eu, imediatamente, me levanto e começo a dançar pela casa. Não raro, cumpro o ritual com um copo de café na mão. Isso serve tanto para as canções felizes quanto para as melancólicas. “Canto das Três Raças” é uma das canções brasileiras mais lindas, poéticas, tristes e sublimes que eu tive a oportunidade de conhecer. É uma aula de História cantada. “A Deusa dos Orixás” é a canção que eu não consigo ouvir sem ficar toda arrepiada. Eu não professo religião, não mais, mas tenho uma coisa inexplicável com Iansã. Esse orixá me fascina. Em “Tristeza pé no chão”, a voz da Clara consegue ser a ponte entre o Carnaval e o desacerto amoroso de um jeito suave. E o que dizer de “Guerreira”? Não preciso dizer nada, porque a canção já o diz: Eu sambo pela noite inteira, até amanhã de manhã. Sou a mineira guerreira, filha de Ogum com Iansã.
MENÇÕES HONROSAS:
Foi bem ruim não colocar a Amy Winehouse na lista, porque ela é uma artista que bebeu da fonte de diversas cantoras e de diversos estilos para criar o seu estilo. Única. Quando usava o last.fm, teve uma época em que ele apontou o fato de que eu tinha ouvido “Tears Dry On Their Own” 146 vezes.
Maria Bethânia é outra cantora que, a depender da época, eu ouço, muito. Lembro de ter ficado obcecada por Maricotinha — ao vivo, álbum duplo dela, por bastante tempo. E, sempre que ela se dispõe a fazer a costura entre a música e a literatura sai trem bão demais da conta.
O fato de eu já ter botado a Gal Costa em um poema me exime do erro crasso de ela não estar na lista? Ela também tem aquela magia de tomar para si as canções que interpreta, né? “Como dois e dois”, “Não identificado”, “Força estranha”, “Mal secreto”, “Vaca profana” e por aí vai.
A Cássia Eller é uma das maiores intérpretes que este país já viu. Meu Deus do céu, como essa mulher transitava entre os diferentes estilos musicais, e o fazia com maestria! Cazuza que me perdoe, mas a interpretação definitiva de “Todo o amor que houver nessa vida” é da Cássia Eller.
Dando início as listas, abrindo os trabalhos, começaremos com esse timaço de divas que a Melian escalou, todas elas muito intensas, cada uma no seu estilo e personalidade. Se eu fosse fazer a minha só de cantoras, teríamos muito em comum. Sem mais delongas, confiram elas...
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS: comecemos pelo fim. Por último, e não menos importante, a numeração não indica ordem de preferência, é só uma tentativa de organizar os textos. Em terceiro lugar: deve ter alguma coisa importante que não me lembrei de falar. Na verdade, falei, mas só quem está descaralhado das ideias, por causa do isolamento social, é que consegue ler. Em segundo lugar: O Aécio. Em primeiro lugar: embora a lista tenha sido elaborada a partir do mote de “Cinco Cantoras Favoritas”, as artistas escolhidas para figurarem aqui não são, necessariamente, cantoras cujas canções eu ouço com muita frequência. Elas foram escolhidas por serem aquelas que eu posso passar o tempo que for sem ouvir que, quando voltar a escutar o som de suas vozes, vou me emocionar.
1. NINA SIMONE (1933 – 2003)

Sem a Nina Simone, eu não teria terminado de escrever a minha dissertação de Mestrado. Sua voz de veludo era a trilha sonora que me confortava e me impulsionava. Sem conhecer “You've Got To Learn”, eu não teria feito um dos poemas mais bonitos que já fiz. (Geralmente, acho meus poemas ruins, mas o que foi inspirado na canção supracitada, eu adoro). Eu não sei bem o que tem na voz da Nina Simone, mas é impossível não se deixar contagiar por toda aquela energia, toda aquela potência, e, claro, toda aquela consciência social. Nina Simone foi mulher em tempo integral, e isso lhe custou muita coisa. Foi pianista, cantora, compositora e ativista pelos direitos civis (quem não conhece o hino “Mississippi Goddam”?). Não se costuma alardear outra coisa, porque já é visto como uma “função natural” para quem nasce com útero, mas Nina Simone também foi esposa, dona de casa e mãe. Na rua, artista; em casa, punida por ser o mulherão da porra que era. Foi vítima de violência doméstica.
Embora seja, frequentemente, citada pela contribuição que deu ao Jazz, a artista transitou por outros campos, como: Música Clássica (que constituiu a sua formação inicial), Blues, R&B, Gospel (o que fica muito evidente no estilo de cantar da rainha, né?), entre outros. A voz de Nina Simone cantou sobre as injustiças sociais, sobre os amores e sobre os desamores, e, amanhã, continuará a cantar, porque ela ainda não terminou de dizer tudo o que tem para dizer. Ouçam-na.
2. ELIS REGINA (1945 – 1982)

Só aquela interpretação dolorosa da Elis Regina para “Atrás da porta” já garantiria o lugar da cantora nesta lista. Ainda hoje, acho que se colocarmos um punhado de pessoas num auditório, com um telão exibindo aquele vídeo, teremos uma catarse coletiva. Mas a Elis vai muito além disso. Qualquer canção da MPB poderia passar pelo antes e depois de ser interpretada por Elis. Os compositores se sentiam lisonjeados ao verem suas canções interpretadas por aquela voz que, com toda a certeza do mundo, era única. Peguemos, como exemplo, “Travessia”, que é do gigante Milton Nascimento: excepcional compositor, multi-instrumentista e intérprete. Mas é inegável que a interpretação definitiva de “Travessia” é a da Elis. Já chorei, por diversas vezes, ao ouvir estes versos na voz da cantora gaúcha:
Vou seguindo pela vida, me esquecendo de você
Eu não quero mais a morte, tenho muito que viver
Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer
Já não sonho, hoje faço
Com meu braço o meu viver.
Eu acho portentosa a união entre a premissa de uma mulher byroniana e a de uma mulher emancipada, nos versos listados acima. (Sim, eu tô tomando a voz da intérprete como a voz que fala na canção, e ninguém pode me julgar. Talvez, o Milton Nascimento possa, mas ele não faria isso). Ademais, ninguém consegue igualar a intensidade e a qualidade que a Elis entregava em cada performance. Ninguém consegue, sem parecer caricato, se aproximar do jeito da Elis de interpretar (Nem mesmo a Maria Rita, que é uma ótima intérprete). Ninguém pode ser a Elis, que, como intérprete, era muitas. Sem condição no talento dessa mulher. Ela esteve entre nós por pouco tempo, mas a sua voz estará no mundo para sempre. Ainda bem.
3. ADELE (1988)

Por que “Someone Like You” se tornou o Hino Internacional da Sofrência? Talvez porque, no fundo, a gente volte para aquilo que nos fere. A coisa toda vai muito além do princípio do prazer. (Perdoe-me pelo trocadilho, Freud), porque há uma espécie de gozo no sofrimento. Talvez porque a gente precise, desesperadamente, sentir aquele gozo advindo da dor que o amor já nos causou. Um coração partido pode te render Grammy nas seis categorias a que você concorre. Não, não pode, porque você não é a Adele, e o coração partido, aqui, é só o fio com que ela tece canções maravilhosas.
A meu ver, ficcionalizar a dor é o jeito mais honesto de senti-la. Dor não sentida é ferida em putrefação. Nessa perspectiva, acho importante mencionar a potência de “Turning Tables”, que fala sobre uma situação pesada, de um jeito carregado de poesia. Trata-se de uma história que, embora contada de um jeito peculiar, tem um fio condutor que, se puxado, nos levará a conhecer inúmeras histórias silenciadas. Eu sou apaixonada pela dor que pulsa disto aqui, ó: I can’t give you the heart you think you gave me.
Acho que a Adele sabe ficcionalizar a dor, e as alegrias, de maneira magnânima. Suas letras têm uma profundidade que beiram o absurdo. Mesmo que o ouvinte não tenha passado pelas situações descritas pelas canções interpretadas pela cantora, sente uma certa cumplicidade, sente aquilo ecoar em algum ponto da sua vida, da sua pele, da sua existência. Um dia, quero escrever um dedinho do que essa mulher escreve. Sim, eu sou muito tiete da Adele, e, de todas as cantoras aqui listadas, ela é aquela cujas canções ouço todos os dias. Não há um único dia em que eu não ouça, pelo menos, uma musiquinha da Adele. E, geralmente, escolho ouvir “You and Only”, porque o “rugido” da Adele em I dare you to let me be your, your one and only e So come on and give me the chance é uma coisa tão intensa que poderia ser traduzido em: “Eu estou te dando a porra do meu coração. Pegue-o, logo, porque já está sendo difícil admitir o quanto que eu quero você”. As canções da Adele são, para mim, como orações diárias.
4. JANIS JOPLIN (1943 – 1970)

Janis Joplin, rainha do Rock. Janis Joplin, rainha do Blues. Janis Joplin: a inesquecível, visceral e crua voz que eternizou “Piece of my heart”. A voz que faz com que todos fiquemos arrepiados com os vocais insanos e catárticos de “Cry Baby”. Janis teve uma vida e uma carreira meteóricas, mas a sua influência ecoa em todas as cantoras que vieram depois. Aliás, não apenas os vocais femininos como também os masculinos foram influenciados pelo “estilo Janis de cantar”. Robert Plant é um exemplo disso. Janis é aquela figura em que pensamos, imediatamente, quando queremos sinalizar o que significa ser uma cantora confiante com sua musicalidade; e uma mulher sexualmente exuberante. Isso numa época em que o sexismo não era velado, muito pelo contrário, era escancarado e, não raro, aplaudido. E, além disso, ela era abertamente bissexual, num período em que a manifestação duma sexualidade não padrão era ilegal. Janis era inconformada, e o foi até a sua precoce morte.
Criada em uma família que morava numa cidade conservadora, por um pai apreciador de Bach e, ateu enrustido (quem poderá julgá-lo, né?), ela era curiosa, indisciplinada, intelectual, com talento para artes visuais e... vítima de um pesado bullying, do qual nunca chegou a se recuperar. Quem pode dizer que essa rejeição não teve influência em sua opção por usar drogas para se anestesiar de uma existência com a qual ela não conseguia se conectar, a qual não conseguia pertencer? Pearl, álbum que saiu após a morte da cantora, não por acaso já foi chamado de “grito póstumo sobre falta de afeto”. O fato é que a impressionante e dolorosa voz de Janis, em 2021, causa o mesmo impacto que causou na década de 60: uma mistura de espanto com admiração, e a certeza de que se trata de uma voz imortal.
5. CLARA NUNES (1942 – 1983)

Clara Nunes foi morar no infinito e virar constelação, e é a cantora do meu coração. Com ela, eu aprendi a ouvir Dalva de Oliveira, que foi uma de suas inspirações e, mais do que isso, aprendi a ouvir as muitas vozes culturais fundantes do Brasil. Ninguém cantou e encantou o Brasil como a Clara. E, mesmo que tenha recaído no exotismo contextual, seu trabalho foi importante para que pudéssemos conhecer os meandros de uma nação forjada pela exploração e pela escravidão. Ao cantar o Brasil, Clara também cantou os países africanos que foram colonizados por Portugal e, mais do que isso, foi mais precisa do que muitos livros de História do Brasil jamais serão.
Eu só ouço Clara Nunes quando estou feliz. Essa é a regra, porque é só começar a tocar qualquer canção da Clara que eu, imediatamente, me levanto e começo a dançar pela casa. Não raro, cumpro o ritual com um copo de café na mão. Isso serve tanto para as canções felizes quanto para as melancólicas. “Canto das Três Raças” é uma das canções brasileiras mais lindas, poéticas, tristes e sublimes que eu tive a oportunidade de conhecer. É uma aula de História cantada. “A Deusa dos Orixás” é a canção que eu não consigo ouvir sem ficar toda arrepiada. Eu não professo religião, não mais, mas tenho uma coisa inexplicável com Iansã. Esse orixá me fascina. Em “Tristeza pé no chão”, a voz da Clara consegue ser a ponte entre o Carnaval e o desacerto amoroso de um jeito suave. E o que dizer de “Guerreira”? Não preciso dizer nada, porque a canção já o diz: Eu sambo pela noite inteira, até amanhã de manhã. Sou a mineira guerreira, filha de Ogum com Iansã.
MENÇÕES HONROSAS:
Foi bem ruim não colocar a Amy Winehouse na lista, porque ela é uma artista que bebeu da fonte de diversas cantoras e de diversos estilos para criar o seu estilo. Única. Quando usava o last.fm, teve uma época em que ele apontou o fato de que eu tinha ouvido “Tears Dry On Their Own” 146 vezes.
Maria Bethânia é outra cantora que, a depender da época, eu ouço, muito. Lembro de ter ficado obcecada por Maricotinha — ao vivo, álbum duplo dela, por bastante tempo. E, sempre que ela se dispõe a fazer a costura entre a música e a literatura sai trem bão demais da conta.
O fato de eu já ter botado a Gal Costa em um poema me exime do erro crasso de ela não estar na lista? Ela também tem aquela magia de tomar para si as canções que interpreta, né? “Como dois e dois”, “Não identificado”, “Força estranha”, “Mal secreto”, “Vaca profana” e por aí vai.
A Cássia Eller é uma das maiores intérpretes que este país já viu. Meu Deus do céu, como essa mulher transitava entre os diferentes estilos musicais, e o fazia com maestria! Cazuza que me perdoe, mas a interpretação definitiva de “Todo o amor que houver nessa vida” é da Cássia Eller.
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