Nesses casos, esse tipo de estudo não seria reproduzível? Ou científico?
Você até pode utilizar modelos estatísticos como o descrito¹, e encontrar resultados que até sejam válidos. O problema é a dificuldade de extrapolação dos resultados, por diversos fatores, dentre os quais: 1) assimilação do conhecimento por parte dos agentes, o que significa que eles podem usar o conhecimento do passado para alterar a trajetória de um evento semelhante em situações futuras; 2) a economia é um sistema não-ergódico, isto é, não é possível afirmar que o futuro se dará como o passado, a dinâmica do sistema sofre mudanças devido à diversos fatores (tecnologias, instituições, comportamentos irracionais, etc.); 3) as diferenças de contextos frequentemente são muito grandes, o que significa que sempre sobram componentes não explicados para influenciar o fenômeno, dentro os quais alguns que inclusive são de mensuração difícil ou impossível, como as preferências dos indivíduos, seus sistemas de valores, etc.
Esses fatores, no entanto, não impedem que pesquisas encontrem padrões que, ainda que não permitam extrapolação em termos precisos, podem dar uma descrição bastante realista dos principais fatores comuns que estão relacionados com o fenômeno. Por exemplo: você pode encontrar resultados que indiquem que bolhas estão de fato muito associadas à expansões do crédito em níveis muito acima do normal, então você sabe que excesso de crédito pode ser bastante perigoso. Mas então surgem outras questões: o que é um nível de crédito muito acima do normal? Qual é o nível em que isso passa a representar um perigo real? Como é de se esperar, as respostas para tais questões, além de serem de difícil mensuração, podem variar muito em diferentes contextos, tanto no tempo como no espaço.
Além disso, entram os tais outros componentes que não foram considerados no modelo (seja por falta de dados ou por serem variáveis não mensuráveis). Digamos que estejamos analisando bolhas imobiliárias em específico. Além do crédito, naturalmente eu preciso levar em consideração diversos outros fatores da estrutura de oferta e demanda de imóveis: renda e preferências dos consumidores, estrutura da indústria de construção, características locais (tanto da localização em si quanto de leis e regulamentações sobre construção urbana) e até conexões com outros setores da economia. Ainda, existem outros aspectos de âmbito mais macro que também podem estar relacionados com o fenômeno: estabilidade econômica, perspectivas futuras, fluxos migratórios... Enfim, a questão é que sempre há variáveis adicionais que não entram no modelo. À medida que você consegue incluir mais dessas variáveis, seu modelo torna-se mais preciso, mas também mais específico para aquela realidade e contexto, perdendo parte de sua capacidade de generalização.
Talvez parte desse trade-off possa vir a ser reduzido com o uso cada vez maior de modelos de big data. Logicamente que uma quantidade imensa de dados também é inútil se não se desenvolverem métodos adequados para seu tratamento e análise. Mas é uma perspectiva interessante que vem surgindo.
Enfim, eu escrevi isso tudo para dizer que sim, há ciência por trás da aplicação de métodos estatísticos à economia, mas existem inúmeros pontos que demandam muito cuidado na interpretação dos resultados obtidos, assim como existem diversas fragilidades nos próprios métodos. O mundo e a economia são demasiadamente complexos, então a tarefa de encontrar padrões, relações, nexos de causalidade é bastante complicada, e sua extrapolação ainda mais. Sabem aquela história de que o único mapa que pode explicar uma dada região com 100% de fidelidade é equivalente à própria região? Com a economia não é diferente. Usar modelos naturalmente implica em perder algo, e às vezes é o detalhe faltando que pode mudar toda a história, uma vez que sistemas não-ergódicos são muito sensíveis à condições iniciais. Por maior que fosse a quantidade de dados que você dispusesse e por mais robustos que fossem os métodos à sua mão, muito dificilmente você poderia prever um evento como o 11 de Setembro (eventos que o Nassim Taleb chama de Cisnes Negros) e todo seu impacto sobre a sociedade.
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¹: eu inclusive cheguei a utilizar uma ideia semelhante na dissertação, utilizando de um método que cria uma distribuição contrafactual para verificar diferenças entre indivíduos pertencentes à grupos diferentes (no meu caso, o objetivo era verificar a diferença de rendimentos entre trabalhadores formais e informais)