A questão é a seguinte (ótimo tópico!!!)
Tolkien mesmo via em suas obras muitos defeitos, até mais (muito mais) do que nós, como fãs, vemos. Mas talvez o charme todo, o magnetismo da obra, em muito se deve a uma narrativa que foi escrita e pensada daquela forma extremamente válida, de acordo com uma época conflituosa para Tolkien e para o mundo. Creio que muita coisa nas obras de Tolkien nos dá vazão a mais de uma interpretação e, melhor, com o tempo, de acordo com o acúmulo de experiências que vamos tendo, nossa opinião sobre o que antes eram defeitos, mudam; e aquilo que um dia para nós foi o que Tolkien escreveu de melhor, talvez não nos satisfaça da mesma forma. Vejo que o enfoque principal para um escritor desse gênero, é passar a mensagem de forma eficaz, e isso independe de uma construção extremamente precisa e perfeita, no sentido da coesão ou de conveniências que se adéqüem àquilo que, subjetivamente, achamos que fosse melhor numa obra.
Uma coisa que podemos notar é que as obras de Tolkien têm muitas “falhas” (nunca devemos deixar de lembrar que não há consenso na hora de apontar qualidades e defeitos) pq, para alguns, talvez fosse melhor cortar as enrolações contidas nos detalhes, em passagens longas que por vezes não são importantes para uns (para outros são) , ou mesmo, criar personagens que se adéqüem a uma perspectiva muito subjetiva nossa, o que, de certa forma, seria um meio de questionar a validade de uma mente como a de Tolkien, que é muito mais imaginativa do que a de qualquer um de nós, queiramos ou não. Muito daquilo que consideramos “defeitos”, talvez sejam , ao contrário, as principais virtudes de uma história que se queira verossímil, complexa, longa mas nunca chata e clicherizada. Perfeição narrativa, neste caso, envolvendo personagens mais bem desenvolvidos e dentro de contextos igualmente mais desenvolvidos, não me parece atraente, pelo contrário, se todos os “defeitos” na obra de Tolkien sumissem, as obras na realidade nunca teriam existido. É uma coisa lógica...as obras são do jeito que são...com ou sem falhas, e imaginá-las de outro jeito é chegar e dizer que nós temos uma visão que contesta exatamente aquilo que não nos agrada. E não dá pra contestar algo que conquistou milhões em todo o mundo e que nos legou três obras cinematográficas que conquistaram outros milhões, os quais passaram a tomar conhecimento dos livros, amando-os pelo que são.
Seria uma evidência de que o charme da coisa está na forma com que Tolkien escreveu. Talvez às vezes não gostamos de certas nuances nos livros por uma questão vivencial...é uma questão de amadurecimento. A cada dia que passa, gosto e admiro mais as obras de Tolkien, porque passo a entender as dificuldades em escrever uma obra da dimensão da que Tolkien escreveu. Eu imagino ele mesmo insatisfeito com o que escreveu e isso tudo é a graça da coisa.... imaginem Tolkien não achando defeitos em suas obras e igualmente os fãs não achando: não seria algo bizarro e impensável? Creio que nenhum fã considera suas obras como perfeitas...só os que não querem enxergar e são alienados e que fazem questão de só verem qualidades, limitando o senso crítico necessário para se fazer uma análise mais construtiva e ENTENDER o ponto-de-vista de Tolkien. O fato de muitos trechos nos parecerem chatos, enfim, algo que nos faz por vezes questionar os motivos de Tolkien na elaboração de tal personagem ou situação, nada mais é do que a comprovação de que vivemos numa outra época, que não está habituada ao modo “nobre” da escrita do professor.
Às vezes encontramos certas palavras nas obras dele que hoje nos soam difíceis e que “atrapalham” o entendimento ou mesmo nos deixam insatisfeitos ou cansados. Mas isso, na verdade, é uma desculpa que a gente arranja por estarmos acostumados com livretos estúpidos, de conteúdos fáceis, que não nos convida à imaginação e entendimento de algo maior. Se a obra de Tolkien não fosse simplesmente a melhor do gênero, teríamos de nos contentar com o quê? O gênero nem teria relevância sem Tolkien, e devemos ser gratos a ele por vivermos numa época como essa, em que conhecemos um lugar chamado Arda, cuja natureza e realidade nos salta aos olhos com uma gama de riquezas e uma profundidade psicológica devastadora. A obra nos mostra um mundo realmente verdadeiro, seja em termos de valores, seja em termos de credibilidade do contexto em que os personagens se inserem.
Alguns leitores talvez não se sentem preparados quando entram em contato com um livro complexo e singular. Sem contar que, para uma pessoa, determinados trechos são ruins, monótonos ou sem coerência, mas para outras pessoas esses mesmos trechos podem significar muito. Não vou pegar exemplos, mas existem vários personagens e capítulos que alguns gostam e outros não. Em todos os livros de todos os autores do mundo encontramos a influência do subjetivismo na crítica de quem os lê. É inevitável. Acho que, uma coisa a ser ressaltada, é que a perfeição está bem próxima do clichê! Seja na criação de um herói, seja na elaboração do desenrolar de um acontecimento qualquer.
Portanto, as obras de Tolkien são perfeitas por terem sido escritas e elaboradas do modo como foram, sem preocupação em deixar tudo explicado, coerente e próximo de uma realidade racional e fria como a do nosso mundo real, cuja percepção é distorcida e que, muitas vezes, não entende um mundo maior e melhor como aquele que Tolkien concebeu. Muitas vezes nem entendemos o porquê de tal personagem ser assim ou da ênfase descritiva e às vezes técnica demais sobre uma paisagem. Talvez seja uma questão de uma época e de valores atuais que diferem daqueles que Tolkien tinha. Para mim (e para todos nós fãs) as obras são perfeitas pq as amamos do jeito que são, do modo como foram imaginadas, por uma mente riquíssima e inigualável.
Hoje em dia estamos acostumados com Best Sellers pastelões, com obras artificiais que apelam para todo tipo de clichês, em narrativas que se valem apenas de palavras de efeito, que transmitem idéias óbvias ou tramas pseudo-complexas, mas que, no fundo, carecem de uma idiossincrasia distinta como as obras dos grandes mestres, incluindo Tolkien. O charme das obras do nosso mestre está tbm nos defeitos, se assim podemos classificar subjetivamente, no entanto, esses mesmos defeitos (ex: excessivo detalhismo no SDA e mau desenvolvimento de personagens no Silmarillion, em prol da complexidade subentendida da história) fariam muitos livros virarem verdadeiras obras-primas. O que vale na obra de Tolkien é a sinceridade de contar uma história ÚNICA, independentemente das narrativas não serem bem desenvolvidas ou explicadas....o sentido de tudo o que Tolkien escreve está no insight que a imaginação de cada um é capaz de ter, ou não.