Eu não sou Gaviões da Fiel
sáb, 31/03/12
por Yule Bisetto |
categoria Corinthians
| tags briga, Corinthians, Gaviões da Fiel, Mancha Verde, PM
Eu não sou Gaviões da Fiel, nem Pavilhão 9, nem Camisa 12, nem Estopim, nem Fiel Macabra, nem Coringão Chopp.
Não estou cadastrada em nenhuma torcida organizada e tampouco visto seus mantos ou símbolos e canto seus gritos de guerra. Nunca entrei em um ônibus de caravana ou frequentei qualquer sede de qualquer destas entidades que são bastante conhecidas pela torcida do Corinthians.
Opção.
Eu não sou Gaviões da Fiel mas conheço tantos outros que são: gente que eu não gosto, conhecidos, colegas e melhores amigos. Eu não defino ou divido as pessoas por SÃO DE ORGANIZADA, VÃO DE NUMERADA ou NÃO PAGAM INGRESSO PORQUE SÃO DIRETORIA. Eu tenho amigos nos quais não coloco rótulos e de quem eu gosto independentemente da camisa que vestem no dia de jogo – até mesmo aquela coisa com uma cruz roxa no meio!
Eu não sou Gaviões da Fiel e nem estava no meio de nenhuma das brigas que aconteceram no domingo de clássico no Pacaembu.
Mas já vi tantas outras brigas, seja em festas da faculdade – nas melhores do país, dizem por aí – seja dentro de shows internacionais – e caros, vamos combinar! – seja em rodeio no interior, micareta na praia, em plenário do Congresso ou em barzinho aqui no meu bairro, por causa de mulher, acredite.
Brigas existem e, uma vez constatadas, merecem o devido tratamento pelas autoridades responsáveis. A lavratura de um Boletim de Ocorrência, a abertura de um Inquérito Policial, investigações e prisões, se for o caso. Adoção de medidas cautelares, denúncia criminal e processo contra os acusados que, ao final, com sentença transitada em julgado, cumprirão a pena que a Lei lhes atribuir.
Eu já assisti alguns confrontos de torcida organizada, também. Quando eu era mais nova, em meados dos anos noventa, confesso que a situação me assustava muito mais: eram verdadeiras batalhas transmitidas via satélite pela TV, com pancadarias e mortes e agressões e críticas e é tudo bandido.
Se o que ocorreu no domingo fosse novidade para alguém, eu ficaria mais surpresa.
Mas não foi.
Todo mundo sabe que o local é palco de confronto. Todo mundo leu em algum lugar da internet que a briga estava marcada HÁ MESES, em decorrência da morte de algum torcedor em confronto anterior. Todo mundo sabe que essa história de vandalismo é um toma-lá-dá-cá generalizado. E não precisa nem fazer parte de nenhuma torcida para saber disso – eu não sou Gaviões da Fiel, afinal.
Já extinguiram Mancha Verde, não deu em nada.
Já proibiram entrar bandeiras no estádio, só gerou revolta.
Não pode levar sinalizador para a arquibancada, que piada.
Só esqueceram que membros das “facções” organizadas são, também, indivíduos e, como tal, merecem tratamento individual e igual ao tratamento dado aos demais cidadãos brasileiros. Para os bandidos, as punições; para os não-bandidos, a liberdade de ir e vir e de livremente se expressarem.
Se morreram dois ou cinquenta na Avenida Inajar de Souza no domingo, pouco teve a ver com o jogo de futebol que estava marcado para aquela tarde. Se pessoas se enfrentaram e se agrediram, é um fato jurídico e social que deve ser estudado e tratado como tal, independentemente da cor de camisa que se estava vestindo na ocasião.
Eu posso falar com propriedade de quem conhece um pouco das polícias, dos promotores, dos juízes e dos torcedores: o Estado e o seu “poder de polícia” jamais serão levados a sério enquanto não se portarem seriamente.
Há anos desenvolvem-se trabalhos e mais trabalhos em prol da paz no futebol. Todos eles com a participação ativa de torcedores organizados. Com o mínimo de interesse, qualquer um pode jogar no google e descobrir o que cada um faz e como faz. E, de fato, eu me sinto segura no estádio e nos arredores, onde está a minha torcida. Até de transporte público eu ando no dia de clássico.
Qualquer um sabe que o que aconteceu domingo não foi um encontro de torcidas corriqueiro e casual. Qualquer um sabe que foi um movimento orquestrado por quem queria confusão – e conseguiu. Qualquer um menos quem poderia evitar, que tem uma chamada “inteligência” especializada nesse tipo de coisa. Menos os senhores que requereram à Federação Paulista de Futebol a proibição da entrada da torcida no estádio e que, aposto, pouco sabem sobre torcidas organizadas – nada mais do clichê que se vê na mídia, eu apostaria.
Uma decisão que me deixa extremamente revoltada – eu, que não sou Gaviões da Fiel.
Nenhum ser humano, em qualquer caso, pode ser condenado sem antes ser ouvido. A brilhante decisão da Federação Paulista de Futebol atingiu não só os milhares de associados da agremiação punida, mas todos os outros que participam da festa Corinthiana na arquibancada. E todas as outras organizadas, incluindo as dos times rivais, que verificaram que podem ter tolhidas as suas liberdades – inquisitória e injustificadamente.
E, assim, sofrem as equipes profissionais de futebol e os jogadores que contam com o apoio da torcida. E quem sustenta o futebol. E quem transmite. E quem fala sobre ele.
Perde o futebol, perde o Brasil.
Milhões de brasileiros atingidos pela decisão LIMINAR e PUNITIVA de quem não teve competência para prevenir o confronto anunciado e, tampouco, terá para punir trezentas pessoas. Por isso, a punição a quem não tem nada a ver com a história – os milhões.
Eu não sou Gaviões da Fiel, mas nesse momento me sinto lesada como se fosse, com direitos violados como se fossem meus, com vergonha e raiva de uma punição arbitrária, inquisitória, ineficiente e ineficaz. Eu não sou Gaviões da Fiel, mas sei que sem os Gaviões a alegria de torcer não é a mesma. Nem a empolgação da arquibancada, nem o brio do time em campo.
Todos que perdemos.
Eu não sou Gaviões da Fiel, mas sou Fiel como eles e fica aqui meu protesto contra uma punição desproporcional e totalmete inconstitucional, que viola os mais básicos dos direitos e liberdades dos seres humanos, uma condenação sem processo, um atestado de ineficiência da máquina estatal na apuração de crimes.
Uma vergonha para o estado de São Paulo e para o futebol paulista, infelizmente.