Resolvi criar este tópico para discutir um aspecto jurídico interessante, apesar de, aparentemente, não demonstrar muita importância. Este argumento foi levantado no tópico sobre Viagens Espaciais. Vejamos:
Inicialmente, gostaria de partir do pressuposto de que todos aceitamos o Direito como uma ciência, sem adentrarmos na eterna polêmica de que Ciências Humanas realmente são ciências ou não... e eu julgo que o assunto pode, ao menos, despertar a curiosidade de algumas pessoas neste clube.
É o seguinte:
Nos modelos de sistemas jurídicos existentes no mundo, principalmente nos do mundo dito "ocidental", as pessoas se vinculam a um Estado, que lhes determina uma nacionalidade. A questão sobre a pessoa ser terrestre ou não foge da alçada do Direito pelos padrões atuais, pois provavelmente só começaremos a nos preocupar com isso quando houver colônias em Marte ou mesmo em estações espaciais, mas num nível bastante similar ao que hoje temos.
Dessa forma, existem dois critérios básicos de determinação da nacionalidade de uma pessoa. As duas teorias são conhecidas por expressões em latim. Para melhor explicar cito o Prof. Celso D. de Albuquerque Melo (Curso de Direito Internacional Público, II vol. 13ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001):
Resumindo, temos:
1) Jus sanguinis:
É o sistema utilizado em grande parte da Europa (como vemos nas razões históricas mencionadas). A nacionalidade da pessoa é determinada pela nacionalidade dos pais, pela filiação. Ou seja, se os pais da pessoa são italianos, onde quer que ela venha a nascer, para a Itália ele será reconhecido como cidadão italiano originário.
2) Jus soli:
É o sistema utilizado pela maior parte dos Estados no continente americano. A nacionalidade do indivíduo é determinada pelo local de seu nascimento, independentemente da nacionalidade de seus pais. Ou seja, se uma pessoa nasce na Argentina, independentemente de filiação, será considerado por aquele Estado como cidadão argentino originário.
Sobre a nacionalidade originária, podemos acompanhar o pensamento do mesmo autor:
Sobre os comentários feitos, seria bom adicionar ainda as seguintes hipóteses:
As embarcações e aeronaves estão sujeitas a registro próprio em órgãos competentes, de forma que elas devem possuir uma "bandeira", que significa a ligação ao Estado no qual as mesmas estão inscritas. Isto faz com que, grosso modo, embarcações e aeronaves possuam uma "nacionalidade". Dessa forma, podem ser consideradas como extensão do território nacional do Estado ao qual se vinculam quando estão em águas ou espaço aéreo internacionais. Dessa forma, o nascimento numa hipótese dessas sujeita o indivíduo à nacionalidade do Estado a que pertence o meio de transporte. Inclusive as pessoas que exercem o comando sobre as mesmas (capitão ou outra figura que o valha, mesmo em embarcações e aeronaves civis) possuem, de acordo com a legislação brasileira, "poderes especiais", como o poder de polícia extraordinário (pode prender algum baderneiro a bordo para entregar à autoridade competente no local de destino ou de partida), pode celebrar casamento, celebrar testamento entre outros.
Quanto à questão da nacionalidade adquirida, não irei me aprofundar por motivo de prolixidade, sendo interessante somente informar que este tipo de nacionalidade pode ser adquirido, dependendo do sistema jurídico de cada Estado, por benefício de lei (como é o da adoção internacional e também de alguma situação em que o indivíduo precisa declarar sua vontade de possuir a nacionalidade, como no caso de dupla cidadania em virtude do choque dos sistemas "jus sanguinis" e "jus soli"), pelo casamento com indivíduo de nacionalidade diversa, no caso de mutações territoriais (cessão ou anexação de territórios de um Estado por outro), no caso do "jus laboris" (exercer função pública em Estado estrangeiro ou qualquer atividade profissional que exija nacionalidade daquele Estado), pela naturalização, entre outros.
Também existe uma hipótese em que o indivíduo, por uma combinação de fatores acidentais, venha a carecer de uma nacionalidade. Ou seja, não seja vinculado a qualquer Estado, e isto é chamado apatridia. O esforço internacional visa eliminar esta problemática, até mesmo porque um dos direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem é o de nacionalidade, o qual não poderá ser renunciado por ser um direito fundamental e intrínseco à pessoa humana, como o próprio direito à vida. Em seu art. XV encontramos os seguintes princípios:
O apátrida é o indivíduo que não tem nacionalidade, seja porque nunca tiveram nacionalidade, seja porque a perderam. Como situação hipotética, podemos sugerir o seguinte caso: o indivíduo nascido em um Estado A, que adota o "jus sanguinis", sendo filho de indivíduos cuja nacionalidade os liga a um Estado "B", que adota o "jus soli". Para o Estado A, o indivíduo seria nacional do Estado B, e vice-versa. E nenhum dos Estados reconheceria o indivíduo como cidadão e sua nacionalidade, conseqüentemente não concedendo a ele a mesma. O indivíduo, por uma estranha confusão de leis no espaço, passa a não ter nacionalidade. Ele é apátrida. Na situação inversa ele possuiria polipatridia, e poderia reclamar pelas duas nacionalidades sem qualquer problema, a não ser que um dos Estados preveja, em sua legislação interna, que o indivíduo somente poderá ter uma outra nacionalidade se abrir mão daquela concedida por ele.
Sim, mas qual a relevância disso tudo para a questão sobre o nascimento fora da Terra?
Muito simples. Este não é um problema com o qual precisamos lidar atualmente. No Ordenamento Jurídico, é o que chamamos de "lacuna axiológica do Direito" - é a falta de previsão normativa por mera inexistência do fato jurídico ou de sua previsibilidade. Como exemplo, podemos citar que a problemática em torno da biotecnologia (engenharia genética, clonagem etc.) não era previsto pelas legislações do século XIX porque este problema simplesmente não fazia parte sequer das possibilidades daquele período.
No entanto, quando a humanidade alcançar um nível de desenvolvimento tal em que tenhamos colônias em estações espaciais artificiais ou em Marte, por exemplo, a discussão será relevante, e todos os argumentos históricos e jurídicos já mencionados serão levados em conta.
Dessa forma, uma pessoa que nasce fora da Terra teria as seguintes formas de resolver o impasse quanto à sua origem:
a) se nascida em uma espaçonave:
Da mesma forma como as embarcações, supõe-se que as espaçonaves do futuro sejam devidamente registradas e inscritas em um órgão apropriado, que determinará a sua "bandeira" e, conseqüentemente, o Estado ao qual se vincula. Dependendo do critério de atribuição de nacionalidade que este Estado utilize, a pessoa que venha a nascer a bordo desta nave e que se encontra além da órbita da Terra (o que seria, na minha opinião, a fronteira para o espaço aéreo nacional, ou seja, o espaço aéreo de um Estado seria considerado do ponto imediatamente acima do solo até a altura em que a força gravitacional da Terra não mais venha a interferir nos corpos) teria a nacionalidade dos seus pais por força da filiação ("jus sanguinis") ou do Estado ao qual se vincula o veículo ("jus soli").
b) se nascida em uma colônia espacial fixa e artificial:
Neste caso, há de se determinar qual tenha sido o Estado responsável pela sua construção e regular manutenção para se determinar a nacionalidade de quem lá venha a nascer, no caso deste Estado ser partidário da utilização do critério do "jus soli". Se for uma estação espacial internacional, ou seja, construída com a soma dos esforços comuns de diferentes Estados e com característica de supranacionalidade (como a união Européia, por exemplo), então obrigatoriamente se terá a utilização do "jus sanguinis". É interessante que se cogite também a possibilidade de existência de postos avançados ou mesmo embaixadas/consulados num empreendimento desta natureza, o que asseguraria a determinação da nacionalidade dos indivíduos que lá nascessem.
c) se nascida em uma colônia espacial em outro planeta:
Em tese não iria ser diferente da hipótese anterior. No entanto, é possível que num futuro não tão distante, quando a colonização de outros planetas seja uma realidade presente, a organização política da Terra possa ser bastante diferente, possivelmente com a ONU sendo o atual embrião de um governo global ao qual todos os Estados estariam legalmente subordinados.
Também há de se considerar a hipótese de que as colônias venham a ser independentes, emancipadas de suas "metrópoles" (assim como aconteceu com as colônias européias em todo o mundo), formando novos governos independentes e, por isso mesmo, novos Estados, sem qualquer vínculo de subordinação ou parceria com Estados nacionais da Terra.
Aqui sim seria a primeira hipótese de se estudar uma "nacionalidade terrena", ligando o indivíduo em último plano ao seu planeta de origem. E nesta hipótese, as regras seriam as mesmas da nacionalidade já apontadas, guardadas as devidas particularidades.
Acho que o assunto já está por demais estudado. Espero ter sido claro na abordagem do mesmo e tirado dúvidas, ainda que surgidas por brincadeira.
yávië disse:Sobre colocar embriões e tal..tipo, primeiro elas teriam que ser educadas e tal..e o mais importante elas não teriam tido a mínima escolha do q eu fazer com suas vidas..e isso eh inaceitável...eu sempre pensava nessa possibilidade qdo criança..de levar casais de astronautas...e ficariam se reproduzindo,mas chegaria um momento que todos seriam parentes...daí como faz??Como será que é classificado alguém que nasce fora da terra??nussa..viajei..
Inicialmente, gostaria de partir do pressuposto de que todos aceitamos o Direito como uma ciência, sem adentrarmos na eterna polêmica de que Ciências Humanas realmente são ciências ou não... e eu julgo que o assunto pode, ao menos, despertar a curiosidade de algumas pessoas neste clube.
É o seguinte:
Nos modelos de sistemas jurídicos existentes no mundo, principalmente nos do mundo dito "ocidental", as pessoas se vinculam a um Estado, que lhes determina uma nacionalidade. A questão sobre a pessoa ser terrestre ou não foge da alçada do Direito pelos padrões atuais, pois provavelmente só começaremos a nos preocupar com isso quando houver colônias em Marte ou mesmo em estações espaciais, mas num nível bastante similar ao que hoje temos.
Dessa forma, existem dois critérios básicos de determinação da nacionalidade de uma pessoa. As duas teorias são conhecidas por expressões em latim. Para melhor explicar cito o Prof. Celso D. de Albuquerque Melo (Curso de Direito Internacional Público, II vol. 13ª. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001):
Celso D. de Albuquerque Melo (ob.cit disse:334. Na Antiguidade Oriental e Clássica o critério atributivo de nacionalidade era o "jus sanguinis", isto é, a nacionalidade era dada em virtude da filiação. Nestes períodos da História, a família era a verdadeira base de toda a organização social. O Estado, em Roma, e na Grécia, era o prolongamento da família. Deste modo, o indivíduo pertencia primeiro à família e depois ao Estado.
No Egito, em Israel, na Assíria e na Índia (Código de Manu), o "jus sanguinis" era o sistema atributivo da nacionalidade. Na Grécia, o indivíduo, para poder naturalizar-se, deveria primeiro ingressar em uma família do Estado cuja nacionalidade ele pretendia adquirir. Em Roma, o indivíduo só era considerado romano se o pai fosse romano. O "jus sanguinis" ter-se-ia espalhado pelo resto da Europa através das conquistas de Roma.
No período medieval vai predominar outro sistema atributivo de nacionalidade, o "jus soli": o indivíduo é nacional do Estado onde nasceu. Esta predominância tem as suas raízes na organização econômica e social do feudalismo medieval. A terra era considerada a maior riqueza e símbolo do poder. Diversas normas e institutos ("jus albinagi", "jus naufragi", etc.) surgiram desta posição em relação à terra. A nacionalidade apenas acompanhou a orientação geral.
A Revolução Francesa, reagindo contra tudo que fosse remanescente do feudalismo, abandonou o "jus soli" e fez ressurgir o "jus sanguinis", que é consagrado no Código de Napoleão.
A independência dos Estados Unidos da América faz com que o "jus soli" seja novamente adotado. Os países do Novo Mundo, sendo regiões de imigração, têm interesse em tornar os estrangeiros membros da comunidade nacional o mais rápido possível. Daí a adoção do "jus soli". Por outro lado, se este sistema não fosse o adotado, haveria no nosso continente grandes quistos sociais que estariam sujeitos à proteção diplomática dos seus Estados nacionais.
A Europa, ao contrário, sendo zona de emigração, teve interesse em manter o "jus sanguinis", uma vez que deste modo ela mantém um certo controle sobre os que tenham emigrado e seus descendentes.
Resumindo, temos:
1) Jus sanguinis:
É o sistema utilizado em grande parte da Europa (como vemos nas razões históricas mencionadas). A nacionalidade da pessoa é determinada pela nacionalidade dos pais, pela filiação. Ou seja, se os pais da pessoa são italianos, onde quer que ela venha a nascer, para a Itália ele será reconhecido como cidadão italiano originário.
2) Jus soli:
É o sistema utilizado pela maior parte dos Estados no continente americano. A nacionalidade do indivíduo é determinada pelo local de seu nascimento, independentemente da nacionalidade de seus pais. Ou seja, se uma pessoa nasce na Argentina, independentemente de filiação, será considerado por aquele Estado como cidadão argentino originário.
Sobre a nacionalidade originária, podemos acompanhar o pensamento do mesmo autor:
Celso D. de Albuquerque Melo (ob.cit disse:335. A nacionalidade pode ser: originária e adquirida.
A nacionalidade originária é aquela que o indivíduo tem em virtude do nascimento. Existem três sistemas legislativos atributivos de nacionalidade originária: "jus soli", "jus sanguinis" e o sistema misto.
A "jus soli" é o sistema que dá ao indivíduo a nacionalidade do Estado em cujo território tenha nascido. É um sistema adotado na Argentina, Austrália, etc.
O "jus sanguinis" é o sistema que dá ao indivíduo a nacionalidade dos seus pais, independentemente do local em que tenha nascido. A denominação deste sistema não é correta, uma vez que não é o sangue que dá a nacionalidade, mas a filiação. Niboyet propôs que fosse denominado direito de filiação. É o sistema adotado na Arábia Saudita, Áustria, Bélgica, etc.
O sistema misto combina os dois sistemas enunciados acima. É o adotado na Colômbia, EUA, etc.
Na verdade, o que se pode concluir é que praticamente nenhum Estado adota o "jus soli" ou o "jus sanguinis" de modo exclusivo. Todos abrem exceções ao sistema que adotam como regra geral.
O Brasil adota o "jus soli" tradicionalmente, mas atualmente são tantas as exceções em favor do "jus sanguinis" que se pode dizer que adotamos o sistema misto. A legislação nacional (art. 145 da Constituição de 1969 e a Lei n.º 818, de 18-9-1949) estabelece que são brasileiros os nascidos no Brasil. Entretanto, nós abrimos algumas exceções ao "jus sanguinis": a) os filhos de brasileiro ou brasileira, nascidos no estrangeiro se os pais estiverem a serviço do Brasil; b) quando não o estão e vêm residir no Brasil antes de atingir a maioridade; ou ainda os nascidos no estrangeiro de pai ou mãe brasileiro e registrados em "repartição brasileira competente no Exterior"; c) não são brasileiros os que nascem no Brasil de pais estrangeiros que aqui estejam a serviço de seu país. Como se pode observar, o Brasil adota o sistema misto.
A Constituição de 1988 mantém, no seu art. 12, os mesmos princípios.
Alguns comentários podem ser formulados. O primeiro é o que nascido de pais estrangeiros em aeronave estrangeira sobrevoando o território brasileiro é brasileiro nato. A mesma hipótese pode ser aplicada ao navio que exerce direito de passagem inocente no mar territorial brasileiro. O que nos parece um exagero, vez que uma criança estrangeira entrando no território brasileiro com um mês de idade será sempre um naturalizado. J. Dolinger aponta um outro caso: o filho de brasileiro registrado em consulado será sempre brasileiro, sem precisar entrar em nenhum momento de sua vida no Brasil.
A nacionalidade prova-se por meio de certidão de nascimento do registro público, onde são registrados os nascimentos, nos termos do art. 12, I, do Código Civil. Entretanto, o registro não atribui a nacionalidade (Oscar Tenório). E a própria prova da nacionalidade brasileira pode ser feita por outra certidão que não seja a de nascimento (ex.: certidão de casamento). A finalidade do registro é apenas a de "dar publicidade do estado civil da pessoa".
Sobre os comentários feitos, seria bom adicionar ainda as seguintes hipóteses:
As embarcações e aeronaves estão sujeitas a registro próprio em órgãos competentes, de forma que elas devem possuir uma "bandeira", que significa a ligação ao Estado no qual as mesmas estão inscritas. Isto faz com que, grosso modo, embarcações e aeronaves possuam uma "nacionalidade". Dessa forma, podem ser consideradas como extensão do território nacional do Estado ao qual se vinculam quando estão em águas ou espaço aéreo internacionais. Dessa forma, o nascimento numa hipótese dessas sujeita o indivíduo à nacionalidade do Estado a que pertence o meio de transporte. Inclusive as pessoas que exercem o comando sobre as mesmas (capitão ou outra figura que o valha, mesmo em embarcações e aeronaves civis) possuem, de acordo com a legislação brasileira, "poderes especiais", como o poder de polícia extraordinário (pode prender algum baderneiro a bordo para entregar à autoridade competente no local de destino ou de partida), pode celebrar casamento, celebrar testamento entre outros.
Quanto à questão da nacionalidade adquirida, não irei me aprofundar por motivo de prolixidade, sendo interessante somente informar que este tipo de nacionalidade pode ser adquirido, dependendo do sistema jurídico de cada Estado, por benefício de lei (como é o da adoção internacional e também de alguma situação em que o indivíduo precisa declarar sua vontade de possuir a nacionalidade, como no caso de dupla cidadania em virtude do choque dos sistemas "jus sanguinis" e "jus soli"), pelo casamento com indivíduo de nacionalidade diversa, no caso de mutações territoriais (cessão ou anexação de territórios de um Estado por outro), no caso do "jus laboris" (exercer função pública em Estado estrangeiro ou qualquer atividade profissional que exija nacionalidade daquele Estado), pela naturalização, entre outros.
Também existe uma hipótese em que o indivíduo, por uma combinação de fatores acidentais, venha a carecer de uma nacionalidade. Ou seja, não seja vinculado a qualquer Estado, e isto é chamado apatridia. O esforço internacional visa eliminar esta problemática, até mesmo porque um dos direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem é o de nacionalidade, o qual não poderá ser renunciado por ser um direito fundamental e intrínseco à pessoa humana, como o próprio direito à vida. Em seu art. XV encontramos os seguintes princípios:
1. Todo homem tem direito a uma nacionalidade. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.
O apátrida é o indivíduo que não tem nacionalidade, seja porque nunca tiveram nacionalidade, seja porque a perderam. Como situação hipotética, podemos sugerir o seguinte caso: o indivíduo nascido em um Estado A, que adota o "jus sanguinis", sendo filho de indivíduos cuja nacionalidade os liga a um Estado "B", que adota o "jus soli". Para o Estado A, o indivíduo seria nacional do Estado B, e vice-versa. E nenhum dos Estados reconheceria o indivíduo como cidadão e sua nacionalidade, conseqüentemente não concedendo a ele a mesma. O indivíduo, por uma estranha confusão de leis no espaço, passa a não ter nacionalidade. Ele é apátrida. Na situação inversa ele possuiria polipatridia, e poderia reclamar pelas duas nacionalidades sem qualquer problema, a não ser que um dos Estados preveja, em sua legislação interna, que o indivíduo somente poderá ter uma outra nacionalidade se abrir mão daquela concedida por ele.
Sim, mas qual a relevância disso tudo para a questão sobre o nascimento fora da Terra?
Muito simples. Este não é um problema com o qual precisamos lidar atualmente. No Ordenamento Jurídico, é o que chamamos de "lacuna axiológica do Direito" - é a falta de previsão normativa por mera inexistência do fato jurídico ou de sua previsibilidade. Como exemplo, podemos citar que a problemática em torno da biotecnologia (engenharia genética, clonagem etc.) não era previsto pelas legislações do século XIX porque este problema simplesmente não fazia parte sequer das possibilidades daquele período.
No entanto, quando a humanidade alcançar um nível de desenvolvimento tal em que tenhamos colônias em estações espaciais artificiais ou em Marte, por exemplo, a discussão será relevante, e todos os argumentos históricos e jurídicos já mencionados serão levados em conta.
Dessa forma, uma pessoa que nasce fora da Terra teria as seguintes formas de resolver o impasse quanto à sua origem:
a) se nascida em uma espaçonave:
Da mesma forma como as embarcações, supõe-se que as espaçonaves do futuro sejam devidamente registradas e inscritas em um órgão apropriado, que determinará a sua "bandeira" e, conseqüentemente, o Estado ao qual se vincula. Dependendo do critério de atribuição de nacionalidade que este Estado utilize, a pessoa que venha a nascer a bordo desta nave e que se encontra além da órbita da Terra (o que seria, na minha opinião, a fronteira para o espaço aéreo nacional, ou seja, o espaço aéreo de um Estado seria considerado do ponto imediatamente acima do solo até a altura em que a força gravitacional da Terra não mais venha a interferir nos corpos) teria a nacionalidade dos seus pais por força da filiação ("jus sanguinis") ou do Estado ao qual se vincula o veículo ("jus soli").
b) se nascida em uma colônia espacial fixa e artificial:
Neste caso, há de se determinar qual tenha sido o Estado responsável pela sua construção e regular manutenção para se determinar a nacionalidade de quem lá venha a nascer, no caso deste Estado ser partidário da utilização do critério do "jus soli". Se for uma estação espacial internacional, ou seja, construída com a soma dos esforços comuns de diferentes Estados e com característica de supranacionalidade (como a união Européia, por exemplo), então obrigatoriamente se terá a utilização do "jus sanguinis". É interessante que se cogite também a possibilidade de existência de postos avançados ou mesmo embaixadas/consulados num empreendimento desta natureza, o que asseguraria a determinação da nacionalidade dos indivíduos que lá nascessem.
c) se nascida em uma colônia espacial em outro planeta:
Em tese não iria ser diferente da hipótese anterior. No entanto, é possível que num futuro não tão distante, quando a colonização de outros planetas seja uma realidade presente, a organização política da Terra possa ser bastante diferente, possivelmente com a ONU sendo o atual embrião de um governo global ao qual todos os Estados estariam legalmente subordinados.
Também há de se considerar a hipótese de que as colônias venham a ser independentes, emancipadas de suas "metrópoles" (assim como aconteceu com as colônias européias em todo o mundo), formando novos governos independentes e, por isso mesmo, novos Estados, sem qualquer vínculo de subordinação ou parceria com Estados nacionais da Terra.
Aqui sim seria a primeira hipótese de se estudar uma "nacionalidade terrena", ligando o indivíduo em último plano ao seu planeta de origem. E nesta hipótese, as regras seriam as mesmas da nacionalidade já apontadas, guardadas as devidas particularidades.
Acho que o assunto já está por demais estudado. Espero ter sido claro na abordagem do mesmo e tirado dúvidas, ainda que surgidas por brincadeira.