[size=large]Mudaram os Critérios do Oscar?[/size]
O filme “O Curioso Caso de Benjamin Button” abre uma discussão sobre a valorização do cinema de autor pela Academia
[size=xx-small]Por André Nigri[/size]
[align=justify]A festa de entrega do Oscar, no próximo dia 22, terá glamour no tapete vermelho e uma discussão nos bastidores: afinal, mudaram os critérios da premiação? Existe uma percepção geral segundo a qual a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood costuma privilegiar superproduções — os chamados "filmes de Oscar" —, deixando em segundo plano o cinema mais autoral. Logo depois do anúncio dos indicados, no fim do mês passado, um dos mais respeitados críticos de cinema dos Estados Unidos, Richard Brody, abriu um debate que repercutiu na imprensa do mundo inteiro. Segundo ele, essa tendência pode estar mudando. Seu principal argumento é que os cinco cineastas indicados a melhor diretor são exatamente os diretores dos cinco candidatos a melhor filme, uma combinação rara de acontecer. Para Brody, isso pode significar que Hollywood está privilegiando cada vez mais a autoria nos filmes. O crítico, que assina um blog na revista The New Yorker, fala como autoridade no assunto. Ele é um estudioso do cinema francês dos anos 60, época em que ficou definido o conceito de filme autoral, e biógrafo de um cineasta que se identifica com a tendência mais do que qualquer outro: o suíço Jean-Luc Godard.
O filme que concorre ao maior número de estatuetas, O Curioso Caso de Benjamin Button — 13 no total —, seria o exemplo mais eloquente. A produção, estrelada por Brad Pitt, tem como diretor David Fincher, um dos mais idiossincráticos cineastas americanos da atualidade. Fazem parte de sua filmografia dramas densamente psicológicos como Clube da Luta (1999), policiais intrincados como Seven (1995) e reconstituições de época sofisticadas como Zodíaco (2007). O Curioso Caso de Benjamin Button é a adaptação de um conto de um dos maiores romancistas americanos, Francis Scott Fitzgerald, o autor que melhor retratou a euforia dos Estados Unidos no período que antecedeu a Grande Depressão. O conto se presta a um filme autoral até porque não tem nada de realista: narra a história de um homem que nasce velho e cujo corpo vai rejuvenescendo ao longo da vida, ao passo que, paralelamente, sua mente amadurece.
Para entender essa possível mudança no Oscar, é preciso refletir um pouco sobre a questão da autoria no cinema e sobre a própria gênese da premiação. O cinema americano nos anos 30 e 40 era considerado uma forma de arte predominantemente coletiva, em que se mesclavam os talentos de produtores, roteiristas, atores e diretores, sem a predominância de nenhum deles. Foi nessa fase que o Oscar foi criado. A premiação surgiu há 80 anos, quando a indústria cinematográfica baseada em Los Angeles se consolidava como uma das mais rentáveis da América e suas produções se espalhavam pelo mundo, rendendo milhões de dólares para os cofres dos estúdios. A própria divisão em categorias privilegiava esse caráter de arte coletiva, e os premiados dos primeiros 30 anos de Oscar refletiam esse pensamento. É a era de E o Vento Levou... (1939), que ganhou oito Oscar das 13 indicações a que concorreu, e do épico bíblico Ben-Hur (1959), que faturou 11 vitórias em 12 indicações. Frise-se que autoria não tem nada a ver com qualidade. Numa cultura que tem a meritocracia entre seus pilares, o Oscar nunca se impressionou com superproduções que eram apenas superproduções — a qualidade artística sempre esteve em primeiro plano. O caso exemplar é Cleópatra, de 1963, o filme mais caro já feito até aquela ocasião nos Estados Unidos. Mesmo com a superestrela Elizabeth Taylor no papel principal, foi um fracasso de público — e rendeu poucas estatuetas na festa do Oscar, todas em categorias de menor importância.
Quem primeiro percebeu que o cinema americano estava deixando de ser uma arte coletiva para se tornar autoral foram os críticos franceses da revista Cahiers du Cinéma, nos anos 60. Eles descobriram em vários diretores americanos autênticos autores, que encontravam voz própria em meio a intrincados processos industriais. O exemplo mais eloquente desse novo olhar veio do crítico e depois cineasta François Truffaut, que, como bem lembrou Brody num artigo publicado por BRAVO!, aprendeu a fazer cinema com Alfred Hitchcock. O maior diretor francês de todos os tempos era tão fascinado pela obra do inglês que trabalhava em Hollywood que fez uma longa entrevista com ele, posteriormente publicada em livro — e assim Hitchcock/Truffaut pode ser lido como o caderno de um aluno anotando as lições do mestre.
Influenciada ou não pelos críticos franceses que depois se tornariam diretores famosos — Jean-Luc Godard e Claude Chabrol trabalhavam para a revista, além do próprio Truffaut —, a Academia despertou para o cinema de autor na década seguinte. Foi nos anos 70 que a criatividade vulcânica de Francis Ford Coppola, um dos diretores mais autorais do cinema americano no século passado, foi premiada duas vezes: O Poderoso Chefão (1973) e O Poderoso Chefão 2 (1975). Até Woody Allen se beneficiou da onda, levando seu único Oscar de melhor filme, em 1978, por Noivo Neurótico, Noiva Nervosa — desprezando um prêmio identificado com o "cinemão", o mais alternativo dos cineastas dos anos 70 preferiu ficar tocando clarinete num bar em Nova York a ir a Hollywood receber a estatueta. Em alguns casos, a Academia demorou para perceber o talento autoral, mas se redimiu depois. Desde seu primeiro longa, O Encurralado (1971), Steven Spielberg era um diretor totalmente fora da curva e se firmou como autor de originalidade exuberante em duas obras-primas do cinema, Tubarão (1975) e E. T. — O Extraterrestre (1982). Spielberg era tão avançado para os cânones do cinema que só foi reconhecido pela Academia em 1993, com a premiação de A Lista de Schindler. Outro cineasta de pegada autoral, Clint Eastwood só levaria o Oscar de melhor filme já veterano, em 1992, por Os Imperdoáveis, uma homenagem aos grandes westerns de John Ford e Sergio Leone.
Nas últimas décadas, a Academia vem alternando entre valorizar filmes de matriz coletiva e produções mais autorais. No primeiro e emblemático caso, está Titanic (1998), com 14 indicações e 11 estatuetas, entre elas a de melhor filme; no segundo caso, a premiação de melhor filme, no ano passado, para Onde os Fracos não Têm Vez, dos autoralíssimos irmãos Joel e Ethan Coen. Nessa alternância entre autoral e coletivo, O Curioso Caso de Benjamin Button é, com o perdão do trocadilho, um caso curioso. É inegável que David Fincher é um autor, como diz o crítico Richard Brody, mas, pelo orçamento e pelas características, esse é o filme mais "de Oscar" que ele já fez. Entre outras razões, pelo fato de que o roteirista Eric Roth, também indicado, é o mesmo de Forrest Gump, premiado como melhor filme em 1995. Em O Curioso Caso de Benjamin Button, Roth repetiu várias fórmulas que haviam encantado a Academia em 1995, criando diálogos parecidos para as cenas de amor entre casais de gerações diferentes, por exemplo. Fica difícil afirmar, assim, que as 13 indicações de O Curioso Caso de Benjamin Button seriam um reconhecimento à criatividade de David Fincher. O que se pode dizer com certeza é que, numa política que alterna filme "de Oscar" e cinema autoral, Benjamin Button se beneficiou do fato de ser, de certa forma, as duas coisas ao mesmo tempo.
O Filme
O Curioso Caso de Benjamin Button, de David Fincher. Com Brad Pitt e Cate Blanchett. Em cartaz nos cinemas.
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Fonte:
Bravo!