Dês de gurizote ando cruzando e recruzando o Continente e não hai canto destes pagos que eu não conheça.
Fiz muita tropa nos campos da Vacaria
nos de Cima da Serra
nos de Baixo da Serra.
Andei pelo vale do Uruguai
e muita areia comi nesse deserto brabo que vai do Mampituba ao Chuí.
Miles de vezes cortei a Serra Geral
e outros tantos a Coxilha Grande.
Pela zona missioneira e pela Campanha, meu Deus, sou capaz até de andar de olhos tapados.
Tenho conhecido gente de todo o jeito:
estancieiro pequeno e grande
tropeiro e carreteiro
mascate e bolicheiro
doutor formado e curandeiro
polícia e contrabandista
padre e bandido
soldado e paisano
índio vago e juiz de roupa preta.
Também tenho encontrado
mulher de todo o pêlo
morocha, castanha, ruiva
rica, pobre, remediada
gorda, magra, alta, baixa
moça de família, china rampeira
mulher com medo de rato
e fêmea que briga como macho.
Mas fui aprendendo aos pouquinhos
que hai moças e moças
e que é sempre bom a gente atentar
no que diz a língua do povo:
Em São Borja e São Vicente,
Pra casar não se demora
Que as moças lá desses pagos
Cortam a gente de espora!
Lá na terra de Pelotas
As moças vivem fechadas.
De dia fazem biscoito,
De noite bailam caladas.
Ó moço, se eu lê contasse,
Vancê diria que eu minto:
As moças de Livramento
Usam pistola no cinto!
Aprendi também que cada hombre, como o cavalo, tem seu lado de montar.
A questão é a gente descobrir...
Porque hai gaúchos e gaúchos, nem todo o nosso povo é igual.
Os da fronteira são largados, falam sempre meio gritando e com ar de provocação.
Gostam de contar bravatas e de fazer gauchadas
têm mão aberta e coração grande
e assim como se espinham por qualquer coisa e querem logo brigar
em seguida ficam amigos e dão a vida por vossuncê.
Os da zona missioneira são retraídos, falam pouco, não gostam de ostentação.
Dão um boi pra não entrar em briga, mas depois de entrar dão uma boiada pra não sair.
Agora, o que eu acho engraçado é esse povo que vive lá pras bandas do mar, nos campos de Viamão, de Conceição do Arroio e Santo Antônio da Patrulha.
Têm fala cantada que só galego
são gente pacata e meio sovina
mas cumprideira de suas obrigações.
Uma coisa, patrícios, eu lês garanto:
pra meu gosto o verdadeiro Rio Grande fica da margem direita do Jacu, pros lados de São Borja e pra baixo
na direção de Uruguaiana, Santana do Livramento, Dom Pedrito e Bagé
principalmente na campanha, onde sempre terçamos armas com os castelhanos.
Da margem esquerda pro norte e pro mar
tem gringo demais.
Não gosto de alemão.
Falam uma língua do diabo
olham pra gente com um ar de pouco-caso.
Tudo neles é diferente:
as roupas, as danças, as comidas, as casas
até o cheiro.
Quando vejo um homem de pele muito branca
cabelos de barba de milho e olho de bolita de vidro
até me dá nojo.
Se eu fosse governo, mandava essa alemoada embora.
Não é que eu seja mesquinho, somítico ou malevo:
estrangeiro também é filho de Deus.
Mas cada qual deve ficar sossegado na sua terra
com seus parentes e amigos, seus costumes e cacoetes.
Duns anos pra esta parte, tem chegado também muito italiano.
Se empoleiraram na serra, porque a alemoada, que chegou primeiro, pegou os melhores lugares na beira dos rios.
Já andei por essas novas colônias da região serrana.
A fala deles tem música
e é doce como laranja madura
e meio parecida com a nossa.
Gostam de comer passarinho
de fazer e beber vinho
de cantar, de ouvir missa
de padre e de procissão.
Vossuncês são muito moços, não pegaram a Guerra dos Farrapos.
Pois o velho Fandango teve a honra de servir com José Garibaldi, que também era gringo
mas gringo de senhoria.
Sabem o que foi que ele disse na sua língua atrapalhada?
Que com a nossa cavalaria era capaz de conquistar o mundo.
Pois é como eu lês ia dizendo:
do Jacuí pras bandas do mar tem muito estrangeiro.
Na vida do Continente
tudo anda demudado
quase ninguém mais usa chiripá
agora é só bombachas.
Nos fandangos já não dançam tanto
a chimarrita, o tatu e a meia-canha:
o que querem é valsa, xótis, mazurca, polca,
essas bobagens estrangeiradas.
Se há coisa que me dá quizília é ver esses tais postes do telégrafo, quando ando viajando pela campanha.
Se eu fosse governo mandava derrubar tudo.
Onde se viu a gente passar bilhete pra outra pessoa por um arame?
Isso até é uma pouca-vergonha, porque
se quero dar algum recado, justo um chasque, arranjo um próprio ou vou eu mesmo.
Ainda no ano passado eu ia levando uma boiada pro município de Uruguaiana quando pela beira da estrada vi passar um trem.
O diabo da locomotiva vomitava fumaça e fogo, e parecia dizer
já-te-pego... já-te-largo... já-te-pego... já-te-largo...
De repente soltou um apito,
a boiada meio que se assustou e quase houve um estouro.
Fiquei fulo de raiva, tirei a pistola da cinta e traquei bala no trem.
Vossuncês meninos são modernos
falam em metro, quilo e litro.
Eu sou homem mui antigo
do tempo da onça
do palmo craveiro e da bebida em quartilho.
Pois é como estou dizendo
com tanto gringo, tanto estrangeiro
com tanta moda nova
com tanta gente morando em cidade
nossos homens estão ficando mui frouxos.
E se não hai logo uma guerra ou alguma revolução
vai tudo acabar maricas.
Nesse dia a castelhanada cruza a fronteira brincando e toma o Continente a grito.
Mas não há de ser nada, porque como diz o rifão
em qualquer pocinho d'água, Deus pode fazer um peixe.
E venha de lá esse mate, que já estou de goela seca.