Anica
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Bom, vou colocar em lançamentos porque acabou de sair uma edição de aniversário do livro O Gene Egoísta, do Richard Dawkins. Como eu acho que o Cisnão lida muito melhor com palavras do que eu ( :traça: ), vou colocar aqui o artigo dele para o G1 sobre o lançamento do livro:
Fonte: G1
As pessoas que já abriram um livro do zoólogo e divulgador de ciência Richard Dawkins se dividem em duas categorias: as que o adoram e as que adoram odiá-lo. A indiferença simplesmente não é uma opção diante da retórica apaixonada, da ironia e da lógica cortante do pesquisador da Universidade de Oxford (Reino Unido). Essas qualidades se somam ao entusiasmo da juventude no primeiro e mais famoso livro do autor, “O Gene Egoísta”. Originalmente publicada em 1976, a obra acaba de ganhar nova edição no Brasil. Sinal dos tempos: a capa é inspirada na do atual best-seller de Dawkins, "Deus, um Delírio".
Não faltam caricaturas para definir a argumentação do livro (coisas como “a galinha é só um truque dos ovos para produzir ainda mais ovos” ou “somos todos robôs biológicos construídos e controlados por nossos genes egoístas”). Verdade seja dita, Dawkins até usa a metáfora dos robôs, mas o que ele realmente quer dizer é mais sutil, e bem mais difícil de contradizer: nós, seres vivos individuais, vamos todos morrer um dia, mas nossos genes estão muito próximos da imortalidade.
Na prática, a principal conseqüência desse fato é uma mudança importante na visão que temos sobre a evolução da vida. Dawkins se refere a um elemento inescapável da reprodução sexuada, da qual dependem seres tão diversos quanto pessoas, cogumelos e ipês-amarelos: ela literalmente quebra nosso DNA em pedacinhos.
Ao produzirmos óvulos ou espermatozóides, dividimos o conjunto de nosso material genético em duas metades. Só uma delas terá a sorte de se unir a outra célula sexual – a qual carrega, por sua vez, metade do genoma de nosso(a) parceiro(a) – e produzir um novo bebê. Entre humanos, esse bebê terá necessariamente metade de nosso material genético; seus filhos, um quarto dele; seus netos, um oitavo; e assim por diante.
O resultado, no fim das incontáveis gerações necessárias para que uma espécie evolua, é que só pequenas unidades do genoma (os chamados genes), as quais dificilmente são quebradas em pedaços pela produção de células sexuais, são estáveis ao longo do tempo evolutivo. Os indivíduos duram só uma geração, mas os genes são quase eternos.
Egoísmo altruísta
É nesse sentido muito especial que os genes podem ser chamados de “egoístas” (levando em conta, obviamente, o fato de que pedaços de moléculas orgânicas como eles não têm mente nem intenções próprias, como Dawkins não cansa de ressaltar para o leitor desavisado). Eles só chegaram até nós graças à capacidade de conduzir a replicação de cópias de si mesmos de geração para geração. E são mestres nisso – do contrário, não teriam chegado até nós depois de bilhões de anos.
O resultado disso é que, feito as abelhas de uma colméia, os genes que compõem o DNA de um indivíduo tendem a trabalhar juntos para assegurar que cópias deles atravessem a barreira da morte e alcancem a geração seguinte, ocupando um novo corpo. A mera transitoriedade desse corpo significa que os genes em questão podem assegurar sua sobrevivência induzindo seus portadores a agir de forma não muito condizente com os interesses de cada indivíduo. São, portanto, egoístas.
O virtuosismo de Dawkins, que se apóia em sólidos modelos matemáticos de biólogos como Bill Hamilton e Bob Trivers, é explicar o altruísmo dos seres vivos, e não só o egoísmo deles, com base nesse princípio. Cuidar de filhos e parentes (incluindo membros do mesmo bando, muitas vezes aparentados com o indivíduo) é, em grande parte, uma forma de cuidar dos próprios genes, que são compartilhados em medida cada vez maior dependendo da proximidade de parentesco.
Já entre indivíduos não-aparentados, membros de espécies de vida longa e inteligência relativamente elevada (o que lhes permite se recordar dos outros indivíduos que encontram), o altruísmo pode emergir como uma ferramenta de reciprocidade, na qual a cooperação é recompensada por benefícios para os genes de ambos os animais envolvidos.
Este breve resumo não faz justiça à variedade de temas tratados no livro. A afirmação de Dawkins de que o gene é a única verdadeira unidade da evolução e da seleção natural ainda é debatida e questionada, mas sua clareza de pensamento e linguagem permitiu um salto quântico para a biologia evolutiva.
E, ao contrário do que dizem seus críticos, “O Gene Egoísta” é perfeitamente capaz de lidar com nuances e probabilidades, sem cair em descrições absolutistas e exageradas. Sim, cada gene é uma unidade egoísta, mas num organismo vivo todos têm de trabalhar em conjunto o tempo, ressalta Dawkins. E, se eles influenciam estatisticamente todos os aspectos da vida, a rebelião contra eles é sempre possível, como mostram os seres humanos todas as vezes que usam uma camisinha. Podemos ser robôs construídos por genes egoístas, mas somos robôs com um grau nada desprezível de livre-arbítrio.
“O Gene Egoísta”
Richard Dawkins
Companhia das Letras
540 págs.
R$ 55
Fonte: G1