A maçonaria é um exemplo perfeito, talvez o mais perfeito que se possa conceber de pseudo-iniciação, de uma tradição iniciática autenticamente ocidental que se perdeu, foi deturpada de sua intenção original, foi tomada de assalto pelas forças obscuras da contra-iniciação, a anti-Tradição.
Isso não é preconceito contra a maçonaria, é um dado objetivo, visível, claro para quem analisa a maçonaria de suas origens como uma tradição ocidental legitimamente iniciática para os clãs pseudo-iniciáticos e dominados por discursos totalmente anti-metafísicos e profanos, como humanitarismo, democracia, cosmopolitismo e principalmente liberalismo. As grandes revoluções tiveram amplo apoio e influência maçônica, bem como sempre que uma tradição ou país ocidental tradicional foram invadidos por ideias vagamente misticistas e teosofísticas que nada tem a ver com a identidade espiritual daquele povo. E não apenas isso, as doutrinas esotéricas maçônicas sofreram certas modificações visíveis quando se sai do campo metafísico para o físico ou cósmico, tendo sido invadida por discursos estranhos, como os do ocultismo, espiritismo, tradições orientais e ideologias sociais e econômicas profanas transpostas com um verniz misticoide.
Particularmente visível é a ligação que a maçonaria, no seu interior, estabeleceu com a grande burguesia, as maquinações anticlericais anticatólicas a nível nacional e internacional, bem como suas esferas suspeitas de atuação dentro de governos ocidentais, associações aparentemente inócuas, sua guerra invisível contra toda forma tradicional de religiosidade, economia, sociedade, política. Então, não, a maçonaria não é condenada por motivos políticos, mas ela se tornou eminentemente política, como foi e é política uma série de suas bandeiras que pouco ou nada tem a ver com a metafísica pura. Muito do conflito dela com a Roma papal tem a ver com isso, por exemplo, a questão do laicismo avançada pelas revoluções liberais e os centros de influência maçônicos na elaboração e formulação de doutrinas liberais sobre a separação entre Igreja e Estado, o papel da religião na sociedade e outros trabalhos ocultos (muitas vezes ligadas a trabalhos mágicos) envolvendo a desestabilização de governos cristãos para a sua invasão por ideias universalistas, liberais em essência.
E isso tudo casa perfeitamente não com alguma conspiração maçônica mundial (o que é ridículo) mas com uma união entre agendas políticas antitradicionais muito concretas e ideias filosóficas igualmente antitradicionais. Essa união está em uma articulação interna de lideranças esotéricas que perderam o sentido da iniciação, a ela se fecharam e trabalham para o lado Oposto da Tradição, a anti-Tradição, no que esta tem de deturpador da forma iniciática.
Existem alguns pontos básicos, alguns princípios universais a se considerar.
1 - Toda tradição esotérica é o verdadeiro suporte de uma tradição exotérica. Em outras palavras, o esoterismo é a forma e a religião, a matéria. A religião oferece o suporte material à iniciação, sendo não apenas aquele campo dentre outros que pode oferecer um suporte à iniciação (como a metalurgia por exemplo), mas que oferece um conhecimento dianoético, racional, mas que ao mesmo tempo se refere a uma Realidade que transcende não apenas o mundo dos fenômenos como o próprio mundo espiritual imperfeitamente narrado pela religião.
A religião não oferece a iniciação, tanto o segredo iniciático como o conteúdo Infinito desse segredo, a Tradição, é algo que transcende o discurso religioso tanto quanto transcende o discurso científico, mágico, social, econômico, político, filosófico. A religião visa oferecer um terreno, um campo de preparação, de ascese, purificação para selecionar, depurar, entre a multidão informe uma elite espiritual que realizaria metafisicamente o Supra-Ser em si, adquiriria a gnose e se estabeleceria como uma elite simbólica, não-agente.
A religião é para a massa, para a prakrti, indiferenciada, material, informe, que apenas potencialmente possui a Luz incriada dentro de si.
A iniciação é a atualização formal da Luz no Ser mais profundo de uma elite. Assim se fixa uma forma tradicional, assim nasce uma tradição, pela filiação direta dessa elite e sua transmissão (tradere, paradosis, dharma, tao) com um centro iniciático que é a imagem perfeita da Tradição Primordial, com a Hiperbórea.
Desnecessário dizer que quando o aspecto material de uma tradição, sua religião, ignora sua função pedagógica e se assume ares de essencialidade, de autoridade suprema, vemos surtos de clericalismo, de sacerdotalismo e ignorância dos princípios metafísicos. Pode ocorrer então uma alienação do esoterismo e do exoterismo, ocasionado que o primeiro perca a oportunidade de se renovar na seiva fresca da vida interminável que a matéria engendra e que o vitalismo do exoterismo não encontre oportunidades para se realizar, idolatrando seus dogmas relativos como verdades absolutas.
Essa é a gênese da perseguição católica ao esoterismo, principalmente aos Templários e seus sucessores, maçons e rosacruzes, bem como aos legítimos teósofos.
2- A iniciação não é atingida por todos e, portanto, não pode ser conferida a qualquer um nem por qualquer um. Pressupõe uma elite. E uma elite espiritual pressupõe uma elite que não é apenas religiosa, mas também política, social, econômica, mas acima de tudo metafísica, uma elite de homens iniciados que guiam os destinos de uma nação, império ou tradição não pelos seus atos que, na esfera humana individual, são contingentes como quaisquer outros, mas que, em si, são a manifestação do Primeiro Motor Imóvel. Não são parte mais da Roda do Mundo que gira eternamente em torno do Eixo. São o Eixo. A Roda gira ao seu redor enquanto estes permanecem no Eixo, girando a Roda sem por ela serem movidos.
3- Quando existe dissociação entre esoterismo e exoterismo, outras dissociações se seguem. Teologia se separa da filosofia, filosofia da ciência, as ciências se tornam autônomas, as artes se tornam independentes, tudo se desagrega e o que era antes a manifestação individual humana da Tradição, unitária, integrada, se torna um mosaico de fragmentos desconexos, sem vida por não se conectarem a um Princípio que os vivifique e os co-integrem uns aos outros. Essa é a face do mundo moderno em seus diversos processos de dissolução.
4- Como bem observa Carl Schmitt, toda política pressupõe uma teologia política, ou seja, toda política tem um centro de decisão próprio que participa de princípios metafísicos ordenadores. Originalmente, este era a Tradição. Posteriormente, se tornou a religião. Depois, a metafísica racionalista, profana. Logo após, foi a vez da economia (marxismo, liberalismo econômico). Em seguida, a tecnologia. Cada vez mais o mundo ocidental vai recuando seus princípios a elementos mais e mais inferiores, contingentes, sobre o qual sua alma mais e mais condicionada exerça algum domínio de neutralidade. Quanto mais neutro o elemento, mais ele será prevenido para evitar que a dialética da oposição entre ideias contrárias perturbe a unidade da decisão política de distinguir entre amigo e inimigo. Quanto mais um princípio teológico político se dialetiza, mais ele é neutralizado pela política que se despolitiza, se desumaniza.
Agora somem dois mais dois.
Não há nada satânico na maçonaria. O que existe de satânico é o divórcio que se estabeleceu no Ocidente entre esoterismo e exoterismo, iniciação e religião, e os efeitos advindos disso, como a corrupção da maçonaria o atesta.
Um símbolo estritamente tradicional, por exemplo, a régua e o compasso, preservados pela maçonaria comprova a Unidade transcendental das tradições pela sua onipresença no mundo tradicional, na China Antiga, Mesopotâmia, Índia, Egito.