Largo Cavafundo
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[Largo Cavafundo][Vaeklan, as novas terras]
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Uma visita ao pôr-do-Sol
Maedhur, filho de Maèzil, era um Rei muito apegado às tradições de seu povo, gostava de fazer festas e de se juntar com os amigos e família, e sabia governar seu povo com desempenho e muito amor.
Foi no ano em que ele fez cento e trinta e quatro anos (sendo quarenta deles no poder), que nasceu seu filho, para o qual a Rainha deu o nome Famïgèll, o mesmo nome de seu pai, o antigo governante.
A criança cresceu muito feliz, vivendo no grande Palácio Branco, na cidade conhecida como Glanúk-ë, o centro político daquele pequeno reino. Seus cabelos loiros como os da mãe desciam lisos e brilhantes até a altura do queixo. Seus olhos eram profundos e castanhos, como os do pai, e a face lembrava a de um jovem élfico, pois sua família era a que mais tinha deste sangue nas veias, entre todos os Paladi.
Se você já ouviu falar de Elfos, sabe sobre sua beleza e sabedoria. Se conhece os Homens, sabe que estes são fortes e rebeldes. Muitas outras raças existem cujos indivíduos são capazes de decidir suas próprias vidas, e por isso são chamadas "livres". Mas um destes povos chama a atenção. São chamados rudemente, na língua dos Homens, de Deé Nûn, "os sem-raça". Para eles próprios, são os Paladi, "os mestiços".
São filhos de uniões entre as diversas raças pensantes, especialmente Homens e Elfos, o que criou suas características básicas: pele clara, músculos fortes, olhos azul-acinzentados, estatura alta, cabelos lisos e compridos e mente rebelde.
Outras raças traziam para cada família características únicas e às vezes peculiares: barbas longas e embaraçadas de Anões; ou narizes tortos, pequenos e achatados, provenientes de Ogros. Raças antigas e já extintas deixaram neste povo seu sangue, mas suas heranças poucas vezes eram percebidas ou identificadas, embora sem dúvidas estivessem presentes.
Esta mistura contribuiu para que os Paladi tivessem um tempo de vida consideravelmente longo, de trezentos até quatrocentos anos (quando não eram atingidos por doença, já que lá a guerra não chegava), sendo que um palad de cem anos teria o corpo de um humano de pouco mais de sessenta anos.
Nos dias em que os acontecimentos desta história se passaram, os Paladi moravam escondidos do olhar das outras raças, no sudeste do continente ocidental, Eley Bravi ("grande ilha", provavelmente no idioma dos antigos elfos das Terras Ermas), em cidades em torno do Grande Rio Nòü, "o água-longa", e seus afluentes. As principais cidades do reino eram Varisté, Hav ge Dan - uma ilha no rio Throä-csi, - aquele que o mar devora - e Glanúk-ë.
Num fim de tarde, no final do ano de 3916 da contagem dos Paladi, chegou ao palácio uma velha. Ela acertava o mármore do portão com uma bengala, pedindo para entrar, e ao não receber resposta alguma começou a dizer palavras de bruxaria, amaldiçoando todos que nele estavam. Suas vestes, escuras, estavam rasgadas, e seus longos cabelos brancos estavam embaraçados e sujos. Ao lado dela uma figura alta vestida de cinza estava de pé, sem falar nada ou se mexer. Era um homem, também muito velho, com cabelos e barba lisos e brancos, compridíssimos, chegando até a cintura. Se apoiava numa bengala rusticamente esculpida em madeira escura, porém não parecia precisar dela, pois, embora velho, tinha o corpo forte e sadio.
Diante dos dois, as portas se abriram, e guardas vestindo uniformes azuis agarraram brutamente a senhora pelo braço e ordenaram que falasse seu nome e o do senhor ao seu lado.
- Não se lembram de mim? - ela respondeu, num tom de voz agressivo, enquanto o velho ficava calado - Esquecem-se rapidamente de um rosto, até mesmo de alguém importante. Pois sou a mãe da mulher que governa seu povo, e antes dela eu lhes dava ordens, já que era a Rainha deste reino. Deixem-me entrar e preparem em um quarto um banho e uma cama para mim, pois sou Karëi, a viúva de Famïgèll, o primeiro! Porém não sei de quem falam, pois aqui eu estou só.
Então os guardas perceberam que realmente não havia mais ninguém no grande pátio branco. O velho sumira sem deixar rastro, e os guardas, confusos, o tomaram por miragem, ou por algum mendigo que apenas passava e parou para assistir tão raro acontecimento.
É claro que o escândalo feito pela mulher foi ouvido e assistido por todos no palácio, e chegou aos ouvidos do jovem Famïgèll, que na época tinha quatorze anos. Isso fez sua curiosidade ser despertada, pois ele nunca vira a avó, e todos no reino diziam (ou pelo menos pensavam) que ela era uma bruxa, mulheres de pouca ou nenhuma boa fama naquelas regiões.
Este boato era com certeza uma verdade, e isso não era negado pela própria mulher. Esta tinha a pele enrugada, era baixa, gorda e tinha os olhos do mesmo tom de verde dos da Rainha, que se assemelhava a ela em muitas coisas mais, em quase tudo, na verdade, porém nunca no comportamento altivo e egoísta, já que a mãe do jovem príncipe era dócil e gentil. Mas a senhora não era uma palad, mas pertencia à raça dos Homens que viviam à Oeste daquele Reino. Tinha cento e vinte anos e tinha uma grande sabedoria, embora dificilmente sabia usá-la.
O fato é que o jovem saiu de seu quarto e desceu as escadas até o andar em que ficavam os quartos de hóspedes. Escondido, entrou no aposento onde estava a velha, mas não a encontrou em lugar algum.
O quarto estava escuro, pois já começara a noite. Só era iluminado por uma vela azul. Além da cama, do criado-mudo, e da cômoda; só havia a sacola negra da mulher, no chão. Tomado pela curiosidade, o príncipe caminhou silenciosamente até o tapete vermelho, ajoelhou-se no centro, alcançou a bolsa e, com cuidado, abriu-a.
De dentro da bolsa saíram morcegos negros, voando, e ratos correndo para todos os cantos, subindo pelas pernas do garoto e entrando em suas mangas e saindo pela abertura das roupas no pescoço. Um morcego bateu a asa na vela, que caiu e se apagou, deixando o quarto como breu. No escuro, sentir os ratos correndo pela pele gelou a espinha do jovem mais do que qualquer coisa. Os barulhos das asas dos morcegos voando ao lado de sua cabeça ecoavam, e meia dúzia destes animais pareciam dezenas.
O quarto, totalmente fechado, ficava cada vez mais quente, e Famïgèll estava ficando cansado, por estar se contorcendo rapidamente para tentar expulsar os animais. Lágrimas escorriam pelo seu rosto, mas ele não ousava fazer barulhos, temendo que a velha o descobrisse ali. Porém um rato especialmente grande chegou à nuca do garoto, e o mordeu com toda a força, até que o garoto gritou tão alto que o palácio inteiro ouviu, e seu eco atemorizou a todos.
Em menos de meio minuto a velha escancarou a porta e livrou-se dos morcegos e ratos apenas usando palavras, faladas em línguas desconhecidas pelo jovem e por todos os outros que foram até o quarto, inclusive a Rainha.
Mas o rato que mordia o jovem ela não conseguiu tirar, ou não quis, e sangue sujou o chão de pedra. Então um criado pegou o roedor e com uma pequena adaga o matou rapidamente.
À mesa de jantar, naquele dia, todos estavam em silêncio. O Rei não sabia o que pensar, pois não presenciara a cena, mas sempre temera a mulher. A Rainha culpava a mãe, por carregar aqueles animais para dentro da casa. A velha estava, como sempre, brava, até que com razão, porque o garoto havia mexido em seus pertences, e o garoto ainda gemia de dor, apoiando a mão no curativo feito na nuca.
A noite seguiu assim, todos constrangidos ou bravos uns com os outros. Mas foi depois que o jovem foi deitar-se que ocorreu o que gerou toda a confusão que esta história conta.
Ora, se você nunca viu uma bruxa velha brava, nem queira ver, pois elas podem ser terríveis como a noite, e vingativas também. E, perto da sexta hora depois do pôr-do-Sol, ela se sentou ao lado do Rei, e começou a falar-lhe coisas, colocar idéias em sua cabeça, idéias de ódio e maldição, e idéias contra seu filho.
Ah, se aquela mulher sabia fazer algo bem era falar. E demoraram apenas algumas horas para transformar amor em ódio, ou medo talvez, e para convencer um Rei de que seu próprio filho representava um horrível futuro para ele, e de que o melhor seria matá-lo.
A magia daquela velha ficou morando na mente daquele homem que, apesar de poderoso, era supersticioso, e não deixava azar algum aproximar-se dele.
A velha foi embora, um mês se passou, e o Inverno acabou junto com o ano antes que ele conseguisse pensar no que fazer. Por fim ele avisou a mulher que no final do mês seguinte Famïgèll haveria de ser morto secretamente.
E, que desgraça, aquele mês de primavera, um dos mais vivos e cheios de cor que aquele reino já teve, passou triste e cinzento para a Rainha. E proibida ela foi de falar com o filho ou com ninguém, e um jovem foi chamado ao palácio para executar o trabalho.
Ele levaria o príncipe até um lago distante para que eles nadassem, e lá ele o afogaria e o deixaria na água, que era funda o suficiente para a terra lá em baixo não ser vista.
Mas a Rainha, por não agüentar a dor que seu coração sentia, um dia falou com seu filho, e avisou-lhe sobre o que aconteceria. Porém o tempo que havia antes do terrível dia era curto, não mais de uma semana.
No dia seguinte, uma criada foi acordar o jovem, que ainda estava na cama depois de passada a segunda hora desde o nascer do Sol. Mas a cama estava arrumada, e em lugar nenhum do aposento estava o garoto. E no castelo inteiro não se via sinal algum de sua passagem, e nem nas redondezas.
Então o Rei acordou da confusão de sua mente, e livre da magia ele estava. Odiava-se por ter ouvido aquela mulher horrível, e chorava por seu filho. E junto com ele chorou a rainha, e todos no palácio logo choravam, e a cidade inteira e o Reino todo lamentaram. Buscas foram feitas durante todo o fim da Primavera, e depois no Verão, mas nunca mais o Rei teve notícias de seu filho, e sua vida dali em diante foi amarga e sem sentido.
O que aconteceu na noite anterior é confuso, e o próprio garoto demorou para lembrar. Tudo o que o jovem pôde fazer foi esperar o Sol se pôr, e correr escondido e cego, na escuridão que havia na cidade naquela noite sem Lua.
Sem poder ver nada, o garoto correu com toda a velocidade que tinha, entrou no bosque ao lado do castelo, e após ter percorrido cerca de uma milha e meia, ele parou e se deitou exausto, já fora dos limites de Glanúk-ë (embora ele não sabia disso).
E seu corpo dormiu, e curou-se do cansaço, mas os pensamentos do príncipe acordados ficaram, mas estavam confusos e tinham perguntas sem resposta.
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Uma visita ao pôr-do-Sol
Maedhur, filho de Maèzil, era um Rei muito apegado às tradições de seu povo, gostava de fazer festas e de se juntar com os amigos e família, e sabia governar seu povo com desempenho e muito amor.
Foi no ano em que ele fez cento e trinta e quatro anos (sendo quarenta deles no poder), que nasceu seu filho, para o qual a Rainha deu o nome Famïgèll, o mesmo nome de seu pai, o antigo governante.
A criança cresceu muito feliz, vivendo no grande Palácio Branco, na cidade conhecida como Glanúk-ë, o centro político daquele pequeno reino. Seus cabelos loiros como os da mãe desciam lisos e brilhantes até a altura do queixo. Seus olhos eram profundos e castanhos, como os do pai, e a face lembrava a de um jovem élfico, pois sua família era a que mais tinha deste sangue nas veias, entre todos os Paladi.
Se você já ouviu falar de Elfos, sabe sobre sua beleza e sabedoria. Se conhece os Homens, sabe que estes são fortes e rebeldes. Muitas outras raças existem cujos indivíduos são capazes de decidir suas próprias vidas, e por isso são chamadas "livres". Mas um destes povos chama a atenção. São chamados rudemente, na língua dos Homens, de Deé Nûn, "os sem-raça". Para eles próprios, são os Paladi, "os mestiços".
São filhos de uniões entre as diversas raças pensantes, especialmente Homens e Elfos, o que criou suas características básicas: pele clara, músculos fortes, olhos azul-acinzentados, estatura alta, cabelos lisos e compridos e mente rebelde.
Outras raças traziam para cada família características únicas e às vezes peculiares: barbas longas e embaraçadas de Anões; ou narizes tortos, pequenos e achatados, provenientes de Ogros. Raças antigas e já extintas deixaram neste povo seu sangue, mas suas heranças poucas vezes eram percebidas ou identificadas, embora sem dúvidas estivessem presentes.
Esta mistura contribuiu para que os Paladi tivessem um tempo de vida consideravelmente longo, de trezentos até quatrocentos anos (quando não eram atingidos por doença, já que lá a guerra não chegava), sendo que um palad de cem anos teria o corpo de um humano de pouco mais de sessenta anos.
Nos dias em que os acontecimentos desta história se passaram, os Paladi moravam escondidos do olhar das outras raças, no sudeste do continente ocidental, Eley Bravi ("grande ilha", provavelmente no idioma dos antigos elfos das Terras Ermas), em cidades em torno do Grande Rio Nòü, "o água-longa", e seus afluentes. As principais cidades do reino eram Varisté, Hav ge Dan - uma ilha no rio Throä-csi, - aquele que o mar devora - e Glanúk-ë.
Num fim de tarde, no final do ano de 3916 da contagem dos Paladi, chegou ao palácio uma velha. Ela acertava o mármore do portão com uma bengala, pedindo para entrar, e ao não receber resposta alguma começou a dizer palavras de bruxaria, amaldiçoando todos que nele estavam. Suas vestes, escuras, estavam rasgadas, e seus longos cabelos brancos estavam embaraçados e sujos. Ao lado dela uma figura alta vestida de cinza estava de pé, sem falar nada ou se mexer. Era um homem, também muito velho, com cabelos e barba lisos e brancos, compridíssimos, chegando até a cintura. Se apoiava numa bengala rusticamente esculpida em madeira escura, porém não parecia precisar dela, pois, embora velho, tinha o corpo forte e sadio.
Diante dos dois, as portas se abriram, e guardas vestindo uniformes azuis agarraram brutamente a senhora pelo braço e ordenaram que falasse seu nome e o do senhor ao seu lado.
- Não se lembram de mim? - ela respondeu, num tom de voz agressivo, enquanto o velho ficava calado - Esquecem-se rapidamente de um rosto, até mesmo de alguém importante. Pois sou a mãe da mulher que governa seu povo, e antes dela eu lhes dava ordens, já que era a Rainha deste reino. Deixem-me entrar e preparem em um quarto um banho e uma cama para mim, pois sou Karëi, a viúva de Famïgèll, o primeiro! Porém não sei de quem falam, pois aqui eu estou só.
Então os guardas perceberam que realmente não havia mais ninguém no grande pátio branco. O velho sumira sem deixar rastro, e os guardas, confusos, o tomaram por miragem, ou por algum mendigo que apenas passava e parou para assistir tão raro acontecimento.
É claro que o escândalo feito pela mulher foi ouvido e assistido por todos no palácio, e chegou aos ouvidos do jovem Famïgèll, que na época tinha quatorze anos. Isso fez sua curiosidade ser despertada, pois ele nunca vira a avó, e todos no reino diziam (ou pelo menos pensavam) que ela era uma bruxa, mulheres de pouca ou nenhuma boa fama naquelas regiões.
Este boato era com certeza uma verdade, e isso não era negado pela própria mulher. Esta tinha a pele enrugada, era baixa, gorda e tinha os olhos do mesmo tom de verde dos da Rainha, que se assemelhava a ela em muitas coisas mais, em quase tudo, na verdade, porém nunca no comportamento altivo e egoísta, já que a mãe do jovem príncipe era dócil e gentil. Mas a senhora não era uma palad, mas pertencia à raça dos Homens que viviam à Oeste daquele Reino. Tinha cento e vinte anos e tinha uma grande sabedoria, embora dificilmente sabia usá-la.
O fato é que o jovem saiu de seu quarto e desceu as escadas até o andar em que ficavam os quartos de hóspedes. Escondido, entrou no aposento onde estava a velha, mas não a encontrou em lugar algum.
O quarto estava escuro, pois já começara a noite. Só era iluminado por uma vela azul. Além da cama, do criado-mudo, e da cômoda; só havia a sacola negra da mulher, no chão. Tomado pela curiosidade, o príncipe caminhou silenciosamente até o tapete vermelho, ajoelhou-se no centro, alcançou a bolsa e, com cuidado, abriu-a.
De dentro da bolsa saíram morcegos negros, voando, e ratos correndo para todos os cantos, subindo pelas pernas do garoto e entrando em suas mangas e saindo pela abertura das roupas no pescoço. Um morcego bateu a asa na vela, que caiu e se apagou, deixando o quarto como breu. No escuro, sentir os ratos correndo pela pele gelou a espinha do jovem mais do que qualquer coisa. Os barulhos das asas dos morcegos voando ao lado de sua cabeça ecoavam, e meia dúzia destes animais pareciam dezenas.
O quarto, totalmente fechado, ficava cada vez mais quente, e Famïgèll estava ficando cansado, por estar se contorcendo rapidamente para tentar expulsar os animais. Lágrimas escorriam pelo seu rosto, mas ele não ousava fazer barulhos, temendo que a velha o descobrisse ali. Porém um rato especialmente grande chegou à nuca do garoto, e o mordeu com toda a força, até que o garoto gritou tão alto que o palácio inteiro ouviu, e seu eco atemorizou a todos.
Em menos de meio minuto a velha escancarou a porta e livrou-se dos morcegos e ratos apenas usando palavras, faladas em línguas desconhecidas pelo jovem e por todos os outros que foram até o quarto, inclusive a Rainha.
Mas o rato que mordia o jovem ela não conseguiu tirar, ou não quis, e sangue sujou o chão de pedra. Então um criado pegou o roedor e com uma pequena adaga o matou rapidamente.
À mesa de jantar, naquele dia, todos estavam em silêncio. O Rei não sabia o que pensar, pois não presenciara a cena, mas sempre temera a mulher. A Rainha culpava a mãe, por carregar aqueles animais para dentro da casa. A velha estava, como sempre, brava, até que com razão, porque o garoto havia mexido em seus pertences, e o garoto ainda gemia de dor, apoiando a mão no curativo feito na nuca.
A noite seguiu assim, todos constrangidos ou bravos uns com os outros. Mas foi depois que o jovem foi deitar-se que ocorreu o que gerou toda a confusão que esta história conta.
Ora, se você nunca viu uma bruxa velha brava, nem queira ver, pois elas podem ser terríveis como a noite, e vingativas também. E, perto da sexta hora depois do pôr-do-Sol, ela se sentou ao lado do Rei, e começou a falar-lhe coisas, colocar idéias em sua cabeça, idéias de ódio e maldição, e idéias contra seu filho.
Ah, se aquela mulher sabia fazer algo bem era falar. E demoraram apenas algumas horas para transformar amor em ódio, ou medo talvez, e para convencer um Rei de que seu próprio filho representava um horrível futuro para ele, e de que o melhor seria matá-lo.
A magia daquela velha ficou morando na mente daquele homem que, apesar de poderoso, era supersticioso, e não deixava azar algum aproximar-se dele.
A velha foi embora, um mês se passou, e o Inverno acabou junto com o ano antes que ele conseguisse pensar no que fazer. Por fim ele avisou a mulher que no final do mês seguinte Famïgèll haveria de ser morto secretamente.
E, que desgraça, aquele mês de primavera, um dos mais vivos e cheios de cor que aquele reino já teve, passou triste e cinzento para a Rainha. E proibida ela foi de falar com o filho ou com ninguém, e um jovem foi chamado ao palácio para executar o trabalho.
Ele levaria o príncipe até um lago distante para que eles nadassem, e lá ele o afogaria e o deixaria na água, que era funda o suficiente para a terra lá em baixo não ser vista.
Mas a Rainha, por não agüentar a dor que seu coração sentia, um dia falou com seu filho, e avisou-lhe sobre o que aconteceria. Porém o tempo que havia antes do terrível dia era curto, não mais de uma semana.
No dia seguinte, uma criada foi acordar o jovem, que ainda estava na cama depois de passada a segunda hora desde o nascer do Sol. Mas a cama estava arrumada, e em lugar nenhum do aposento estava o garoto. E no castelo inteiro não se via sinal algum de sua passagem, e nem nas redondezas.
Então o Rei acordou da confusão de sua mente, e livre da magia ele estava. Odiava-se por ter ouvido aquela mulher horrível, e chorava por seu filho. E junto com ele chorou a rainha, e todos no palácio logo choravam, e a cidade inteira e o Reino todo lamentaram. Buscas foram feitas durante todo o fim da Primavera, e depois no Verão, mas nunca mais o Rei teve notícias de seu filho, e sua vida dali em diante foi amarga e sem sentido.
O que aconteceu na noite anterior é confuso, e o próprio garoto demorou para lembrar. Tudo o que o jovem pôde fazer foi esperar o Sol se pôr, e correr escondido e cego, na escuridão que havia na cidade naquela noite sem Lua.
Sem poder ver nada, o garoto correu com toda a velocidade que tinha, entrou no bosque ao lado do castelo, e após ter percorrido cerca de uma milha e meia, ele parou e se deitou exausto, já fora dos limites de Glanúk-ë (embora ele não sabia disso).
E seu corpo dormiu, e curou-se do cansaço, mas os pensamentos do príncipe acordados ficaram, mas estavam confusos e tinham perguntas sem resposta.
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