Cecília
Acordei de manhã e fui até a janela. Durante algum tempo observei as árvores e as pessoas. O tempo estava frio, porém ensolarado. Nunca tinha entendido tal fenômeno, até aquele dia.
No meu quarto havia uma penteadeira. Não era como a de um camarim, mas possuía um grande espelho. Sentei frente ao meu reflexo e o encarei, como o de costume. Resolvi escrever uma carta:
Querida Helena,
Se eu te contasse agora o que estou fazendo, provavelmente você riria. Curiosa? Estou encarando o meu reflexo e olhando para a janela. Você sabe muito bem que esse é meu ritual matinal, mas hoje há uma diferença.
Eu nunca consegui entender como algo pode ser frio e quente, bonito e feio, inteligente e ignorante ao mesmo tempo. Hoje, pela primeira vez, consigo enxergar a resposta para essa questão que sempre me atormentou. Não posso apresentar teses sobre o assunto, muito menos me fazer de psicóloga platônica juvenil.
A única coisa que posso fazer é contar sobre a minha experiência. Quando olho para a rua vejo as pessoas: felizes, amantes, imorais, sozinhas... Vejo uma diversidade delas. Eu odeio as pessoas, acho que elas são estúpidas e redundantes, mas eu as invejo. Enxergo em sua essência antiquada a felicidade que não tenho.
Eu sinto frio no momento, mas lá fora há um sol tão brilhante que me cega. Não vejo no espelho o meu próprio reflexo, mas o de uma pessoa fria e cruel. Ao mesmo tempo, percebo um brilho nos meus olhos. Um brilho apaixonado e esperançoso. Sou uma rosa vermelha, que possuí toda a elegância e perversão de uma mulher, porém sou um botão de rosa branca, inocente e ingênuo. Simbolizo a morte, como os ossos. Sou viva, como uma borboleta.
Oh, Helena! Se você soubesse... Esta mulher perigosa e fatal que eu me tornei, não passa de uma criança insegura precisando de amor. Eu sinto tanta dor em meu coração e, ao mesmo tempo, uma embriaguez como a dos bêbedos de vinho. Estou apaixonada, minha amiga. E eu nem o conheço direito. Como pode a raposa experiente deixar-se prender por um jovem cordeiro?
Eu o ataquei, mas fui atacada. Eu liguei hoje cedo para o Pedro, adivinha onde ele estava? Foi visitar a doce Alice. Eu me sinto como a amante apaixonada que perde o seu homem para a linda donzela. Uma Marilyn, princesa da sensualidade, que perde o seu posto para uma Diana. Talvez eu não seja o tipo de moça para se casar.
É uma injúria, é uma infâmia. Odeio o Pedro, mas o amo tanto. Abomino-o, mas necessito-o. Estou confusa, amiga.
Beijos,
Ceci