Vou começar o tópico falando do artista que mais conheço, e vocês podem completar com outros casos que saibam.
Chico Buarque tem várias intertextualidades em sua Obra. A começar pelo que é mais presente em seus trabalhos: Carlos Drummond de Andrade.
Quadrilha (Drummond)
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história
Em 1975, Chico Buarque e Paulo Pontes fizeram uma peça de teatro chamada "Gota d'água". Uma das músicas, que mais tarde seria gravada pro disco da Bibi Ferreira, chamava-se "Flor da Idade" e claramente trazia um diálogo com Drummond em um trecho.
Flor da idade (trecho) (Chico Buarque)
Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava Paulo
Que amava Juca que amava Dora que amava Carlos que amava Dora
Que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava
Carlos amava Dora que amava Pedro que amava tanto que amava
a filha que amava Carlos que amava Dora que amava toda a quadrilha
user rmboemer
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Mais cedo, em 1968, Chico Buarque fez uma letra para Tom Jobim chamada "Sabiá". A música foi feita para o III Festival Internacional da Canção promovido pela Rede Globo, e, injustamente, sofreu uma vaia terrível ao vencer o festival. A intertextualidade dessa vez se dá com Gonçalves Dias. Vejam:
Canção do Exílio (Gonçalves Dias)
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar –sozinho, à noite–
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
O povo brasileiro, em plena Ditadura Militar, torcia para uma letra com uma crítica extremamente mais direta, chamada "Pra não dizer que não falei das flores", de Geraldo Vandré. O que o povo não entendeu é que "Sabiá" também trazia uma crítica ao exílio.
Sabiá (Chico Buarque e Tom Jobim)
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra
De um palmeira
Que já não há
Colher a flor
Que já não dá
E algum amor Talvez possa espantar
As noites que eu não queira
E anunciar o dia
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Como fiz estradas
De me perder
Fiz de tudo e nada
De te esquecer
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
E é pra ficar
Sei que o amor existe
Não sou mais triste
E a nova vida já vai chegar
E a solidão vai se acabar
E a solidão vai se acabar
user Tauil
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Mais tarde, em 78, Drummond volta a aparecer na introdução de uma música de Chico, dessa vez com seu anjo torto.
Poema de sete faces (Drummond)
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
A música "Até o fim" foi feita para o disco de 1978, popularmente conhecido como "Samambaia", quando a Ditadura começava a liberar músicas que antigamente haviam sido censuradas.
Até o fim (Chico Buarque)
Quando nasci veio um anjo safado
O chato do querubim
E decretou que eu estava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim
user nanata
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Em 1969, retornando do auto-exílio da Itália, Chico teve sua primeira filha com a atriz Marieta Severo, a Silvia. Aqui Frederico Garcia Lorca aparece rapidamente.
Romance sonâmbulo (F. Garcia Lorca)
Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar
e o cavalo na montanha.
Com a sombra pela cintura
ela sonha na varanda,
verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Verde que te quero verde.
Por sob a lua gitana,
as coisas estão mirando-a
e ela não pode mirá-las.
[...]
Declarado torcedor do Fluminense, Chico ganhou de presente do compositor Ciro Monteiro uma camiseta do Flamengo para a filhinha. Chico respondeu em forma de música:
Ilmo. Sr. Ciro Monteiro (Chico Buarque)
Amigo velho
Amei o teu conselho
Amei o teu vermelho
Que é de tanto ardor
Mas quis o verde
Que te quero verde
É bom pra quem vai ter
De ser bom sofredor
[...]
user fadochico
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Também em 1969, Chico chama mais uma vez nosso Drummond.
No meio do caminho (Drummond)
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
[...]
A canção da vez foi gravada pelo MPB-4 aqui no Brasil e pelo Chico lá na Itália.
Cara a cara (Chico Buarque)
Tira a pedra do caminho
Serve mais um vinho
Bota vento no moinho
Bota pra correr
[...]
user fadochico
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Por último, acho que vale a pena destacar uma passagem de João Guimarães Rosa na obra de Chico. A música "Assentamento" cheira a Rosa, absolutamente. Prefiro que vocês ouçam ao invés de eu escrever o que cada passagem remete em Guimarães, porque ela é crivada de intertextualidade.
Assentamento (Chico Buarque)
Quando eu morrer, que me enterrem na
beira do chapadão
-- contente com minha terra
cansado de tanta guerra
crescido de coração
Zanza daqui
Zanza pra acolá
Fim de feira, periferia afora
A cidade não mora mais em mim
Francisco, Serafim
Vamos embora
Ver o capim
Ver o baobá
Vamos ver a campina quando flora
A piracema, rios contravim
Binho, Bel, Bia, Quim
Vamos embora
Quando eu morrer
Cansado de guerra
Morro de bem
Com a minha terra:
Cana, caqui
Inhame, abóbora
Onde só vento se semeava outrora
Amplidão, nação, sertão sem fim
Ó Manuel, Miguilim
Vamos embora
É, na minha opinião, uma das mais bonitas do Cancioneiro Buarqueano, talvez por eu gostar tanto assim do Guimarães Rosa.
user fabonadio
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Ufa, depois dessa, chega de Chico! [size=xx-small](ou não)[/size]
Chico Buarque tem várias intertextualidades em sua Obra. A começar pelo que é mais presente em seus trabalhos: Carlos Drummond de Andrade.
Quadrilha (Drummond)
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história
Em 1975, Chico Buarque e Paulo Pontes fizeram uma peça de teatro chamada "Gota d'água". Uma das músicas, que mais tarde seria gravada pro disco da Bibi Ferreira, chamava-se "Flor da Idade" e claramente trazia um diálogo com Drummond em um trecho.
Flor da idade (trecho) (Chico Buarque)
Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava Paulo
Que amava Juca que amava Dora que amava Carlos que amava Dora
Que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava
Carlos amava Dora que amava Pedro que amava tanto que amava
a filha que amava Carlos que amava Dora que amava toda a quadrilha
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Mais cedo, em 1968, Chico Buarque fez uma letra para Tom Jobim chamada "Sabiá". A música foi feita para o III Festival Internacional da Canção promovido pela Rede Globo, e, injustamente, sofreu uma vaia terrível ao vencer o festival. A intertextualidade dessa vez se dá com Gonçalves Dias. Vejam:
Canção do Exílio (Gonçalves Dias)
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar –sozinho, à noite–
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
O povo brasileiro, em plena Ditadura Militar, torcia para uma letra com uma crítica extremamente mais direta, chamada "Pra não dizer que não falei das flores", de Geraldo Vandré. O que o povo não entendeu é que "Sabiá" também trazia uma crítica ao exílio.
Sabiá (Chico Buarque e Tom Jobim)
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Para o meu lugar
Foi lá e é ainda lá
Que eu hei de ouvir cantar
Uma sabiá
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra
De um palmeira
Que já não há
Colher a flor
Que já não dá
E algum amor Talvez possa espantar
As noites que eu não queira
E anunciar o dia
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
Não vai ser em vão
Que fiz tantos planos
De me enganar
Como fiz enganos
De me encontrar
Como fiz estradas
De me perder
Fiz de tudo e nada
De te esquecer
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
E é pra ficar
Sei que o amor existe
Não sou mais triste
E a nova vida já vai chegar
E a solidão vai se acabar
E a solidão vai se acabar
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Mais tarde, em 78, Drummond volta a aparecer na introdução de uma música de Chico, dessa vez com seu anjo torto.
Poema de sete faces (Drummond)
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
A música "Até o fim" foi feita para o disco de 1978, popularmente conhecido como "Samambaia", quando a Ditadura começava a liberar músicas que antigamente haviam sido censuradas.
Até o fim (Chico Buarque)
Quando nasci veio um anjo safado
O chato do querubim
E decretou que eu estava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim
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Em 1969, retornando do auto-exílio da Itália, Chico teve sua primeira filha com a atriz Marieta Severo, a Silvia. Aqui Frederico Garcia Lorca aparece rapidamente.
Romance sonâmbulo (F. Garcia Lorca)
Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar
e o cavalo na montanha.
Com a sombra pela cintura
ela sonha na varanda,
verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Verde que te quero verde.
Por sob a lua gitana,
as coisas estão mirando-a
e ela não pode mirá-las.
[...]
Declarado torcedor do Fluminense, Chico ganhou de presente do compositor Ciro Monteiro uma camiseta do Flamengo para a filhinha. Chico respondeu em forma de música:
Ilmo. Sr. Ciro Monteiro (Chico Buarque)
Amigo velho
Amei o teu conselho
Amei o teu vermelho
Que é de tanto ardor
Mas quis o verde
Que te quero verde
É bom pra quem vai ter
De ser bom sofredor
[...]
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Também em 1969, Chico chama mais uma vez nosso Drummond.
No meio do caminho (Drummond)
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
[...]
A canção da vez foi gravada pelo MPB-4 aqui no Brasil e pelo Chico lá na Itália.
Cara a cara (Chico Buarque)
Tira a pedra do caminho
Serve mais um vinho
Bota vento no moinho
Bota pra correr
[...]
_
Por último, acho que vale a pena destacar uma passagem de João Guimarães Rosa na obra de Chico. A música "Assentamento" cheira a Rosa, absolutamente. Prefiro que vocês ouçam ao invés de eu escrever o que cada passagem remete em Guimarães, porque ela é crivada de intertextualidade.
Assentamento (Chico Buarque)
Quando eu morrer, que me enterrem na
beira do chapadão
-- contente com minha terra
cansado de tanta guerra
crescido de coração
Zanza daqui
Zanza pra acolá
Fim de feira, periferia afora
A cidade não mora mais em mim
Francisco, Serafim
Vamos embora
Ver o capim
Ver o baobá
Vamos ver a campina quando flora
A piracema, rios contravim
Binho, Bel, Bia, Quim
Vamos embora
Quando eu morrer
Cansado de guerra
Morro de bem
Com a minha terra:
Cana, caqui
Inhame, abóbora
Onde só vento se semeava outrora
Amplidão, nação, sertão sem fim
Ó Manuel, Miguilim
Vamos embora
É, na minha opinião, uma das mais bonitas do Cancioneiro Buarqueano, talvez por eu gostar tanto assim do Guimarães Rosa.
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Ufa, depois dessa, chega de Chico! [size=xx-small](ou não)[/size]
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