Brunno Zenni
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100 mil chineses ganham em média US$ 11 ao dia para jogar games por 12 horas seguidas, acumulando ouro virtual comprado com dinheiro real por ocidentais. Saiba como funciona esse comércio — e o que o Banco Mundial acha disso
O meu avatar de elfo, de pele cinza e cabeleira branca, encontra Honand, um sacerdote gordo, careca e barbudo, em uma pousada da pacata aldeia de Dolanaar. Conversamos em inglês, e rapidamente ele repassa minha encomenda: 1.500 moedas de ouro, pelas quais paguei US$ 8, com cartão de crédito. O regulamento proíbe, mas não é difícil comprar ouro virtual no World of Warcraft (WoW) — com seus 12 milhões de usuários, é o jogo online mais popular do mundo. Ele é mais ou menos como um Second Life, só que povoado por elfos, anões, orcs e outros seres mágicos. Nesse mundo fantástico, moedas de ouro são usadas para comprar armas, armaduras, montarias. Quem pode, paga para obtê-las sem esforço — ou seja, sem perder horas acumulando pontos neste reino virtual. Parece um comércio irrelevante entre esforçados e preguiçosos, mas agora virou assunto para o Banco Mundial.
A organização, que ajuda países na luta contra a miséria e determina a linha da pobreza no globo, publicou em abril um relatório de 58 páginas sobre a labuta dos guerreiros que coletam ouro virtual. De acordo com o documento, mais de 100 mil chineses pobres e sem escolaridade ganham a vida como jogadores profissionais de games online. Esse trabalho, chamado em inglês de gold farming (cultivo de ouro), não é tão divertido quanto um aficionado por jogos eletrônicos poderia imaginar. Os garimpeiros digitais passam mais de 12 horas por dia matando monstros que reaparecem no mesmo lugar, entre outras tarefas tediosas, para coletar dinheiro de mentira e vendê-lo por dólares de verdade a outros jogadores, em sua maioria de ricos países ocidentais. Basicamente, eles fazem o serviço sujo para que seus clientes possam se dedicar apenas à parte mais legal do jogo.
Segundo o relatório do infoDev, programa do Banco Mundial com foco em inovações tecnológicas, o mercado de serviços terceirizados em jogos online movimentou US$ 3 bilhões em 2009. O gold farming é responsável por 75% desse valor. O resto está distribuído em serviços como o power leveling, quando um jogador paga para outro usar seu personagem, aumentar o nível dele num jogo e devolver mais tarde. "Um em cada quatro usuários gastam seu dinheiro em negócios desse tipo", afirma Vili Lehdonvirta, especialista em economia virtual da Universidade Aalto, na Finlândia, e autor do documento do infoDev. Estima-se que 121 milhões de pessoas estejam cadastradas atualmente nesses games. Só a companhia que criou o WoW, a americana Blizzard, movimentou US$ 1 bilhão em 2009 com o título, de acordo com um ranking da revista Forbes.
Insira uma moeda
Os primeiros negócios de games na rede começaram em 1997, com o jogo Ultima Online. Naquela época, surgiram vendedores solitários que criavam personagens poderosos e os vendiam no site americano de leilões eBay. "Em 2000, a China começou a entrar no negócio e expulsou os jogadores ‘profissionais’ ocidentais", diz Jared Psigoda, de 25 anos, um americano que se mudou para Beijing e entrou no negócio de escritórios de coleta de moedas virtuais. Apesar da pouca idade, Psigoda é um pioneiro da indústria. Aos 13 anos, vendeu um avatar por US$ 400 e logo percebeu que o ramo podia ser bastante lucrativo.
Internet, mão de obra e máquinas baratas são os fatores que contribuíram para que a China liderasse esse mercado. Sem contar que os chineses adoram games. "Lá, mesmo sendo pobres, jovens são alfabetizados e têm acesso barato à rede em cybercafés", diz Ge Jin, americano descendente de chineses que dirigiu o documentário Gold Farmers (2006) sobre o assunto.
O ganho dos coletores de ouro virtual chineses vai de US$ 0,6 a US$ 1,2 por hora — chega a ser menor que o salário mínimo da capital Beijing (US$ 1 a hora). O valor é baixo o suficiente para desencorajar a concorrência em outras partes do mundo. Temendo fiscalização (a legislação do país restringe a troca de moeda virtual por dinheiro desde 2009), várias gold farms foram criadas perto das fazendas de verdade, na zona rural. Em muitas delas, os trabalhadores dormem em alojamentos e ganham refeições. Para aguentar as longas jornadas de 12 horas, é comum as empresas permitirem que os funcionários fumem e consumam bebidas alcoólicas durante o expediente.
Claro, há as exceções que pagam salários acima da média, fornecem acomodações limpas e exigem uma quantidade de horas razoável. Ainda assim, as consequências podem ser pesadas. Ao fazer o documentário, Ge Jin disse que conheceu jovens que perderam a habilidade de se adaptar a outros trabalhos por causa da obsessão pelos games. O vício é tão forte que eles continuam jogando depois que termina o turno. "Seria bom se as companhias protegessem seus funcionários e os ensinassem a desenvolver habilidades de comunicação. Eles precisam ter uma vida quando não estão na frente do computador."
O meu avatar de elfo, de pele cinza e cabeleira branca, encontra Honand, um sacerdote gordo, careca e barbudo, em uma pousada da pacata aldeia de Dolanaar. Conversamos em inglês, e rapidamente ele repassa minha encomenda: 1.500 moedas de ouro, pelas quais paguei US$ 8, com cartão de crédito. O regulamento proíbe, mas não é difícil comprar ouro virtual no World of Warcraft (WoW) — com seus 12 milhões de usuários, é o jogo online mais popular do mundo. Ele é mais ou menos como um Second Life, só que povoado por elfos, anões, orcs e outros seres mágicos. Nesse mundo fantástico, moedas de ouro são usadas para comprar armas, armaduras, montarias. Quem pode, paga para obtê-las sem esforço — ou seja, sem perder horas acumulando pontos neste reino virtual. Parece um comércio irrelevante entre esforçados e preguiçosos, mas agora virou assunto para o Banco Mundial.
A organização, que ajuda países na luta contra a miséria e determina a linha da pobreza no globo, publicou em abril um relatório de 58 páginas sobre a labuta dos guerreiros que coletam ouro virtual. De acordo com o documento, mais de 100 mil chineses pobres e sem escolaridade ganham a vida como jogadores profissionais de games online. Esse trabalho, chamado em inglês de gold farming (cultivo de ouro), não é tão divertido quanto um aficionado por jogos eletrônicos poderia imaginar. Os garimpeiros digitais passam mais de 12 horas por dia matando monstros que reaparecem no mesmo lugar, entre outras tarefas tediosas, para coletar dinheiro de mentira e vendê-lo por dólares de verdade a outros jogadores, em sua maioria de ricos países ocidentais. Basicamente, eles fazem o serviço sujo para que seus clientes possam se dedicar apenas à parte mais legal do jogo.
Segundo o relatório do infoDev, programa do Banco Mundial com foco em inovações tecnológicas, o mercado de serviços terceirizados em jogos online movimentou US$ 3 bilhões em 2009. O gold farming é responsável por 75% desse valor. O resto está distribuído em serviços como o power leveling, quando um jogador paga para outro usar seu personagem, aumentar o nível dele num jogo e devolver mais tarde. "Um em cada quatro usuários gastam seu dinheiro em negócios desse tipo", afirma Vili Lehdonvirta, especialista em economia virtual da Universidade Aalto, na Finlândia, e autor do documento do infoDev. Estima-se que 121 milhões de pessoas estejam cadastradas atualmente nesses games. Só a companhia que criou o WoW, a americana Blizzard, movimentou US$ 1 bilhão em 2009 com o título, de acordo com um ranking da revista Forbes.
Insira uma moeda
Os primeiros negócios de games na rede começaram em 1997, com o jogo Ultima Online. Naquela época, surgiram vendedores solitários que criavam personagens poderosos e os vendiam no site americano de leilões eBay. "Em 2000, a China começou a entrar no negócio e expulsou os jogadores ‘profissionais’ ocidentais", diz Jared Psigoda, de 25 anos, um americano que se mudou para Beijing e entrou no negócio de escritórios de coleta de moedas virtuais. Apesar da pouca idade, Psigoda é um pioneiro da indústria. Aos 13 anos, vendeu um avatar por US$ 400 e logo percebeu que o ramo podia ser bastante lucrativo.
Internet, mão de obra e máquinas baratas são os fatores que contribuíram para que a China liderasse esse mercado. Sem contar que os chineses adoram games. "Lá, mesmo sendo pobres, jovens são alfabetizados e têm acesso barato à rede em cybercafés", diz Ge Jin, americano descendente de chineses que dirigiu o documentário Gold Farmers (2006) sobre o assunto.
O ganho dos coletores de ouro virtual chineses vai de US$ 0,6 a US$ 1,2 por hora — chega a ser menor que o salário mínimo da capital Beijing (US$ 1 a hora). O valor é baixo o suficiente para desencorajar a concorrência em outras partes do mundo. Temendo fiscalização (a legislação do país restringe a troca de moeda virtual por dinheiro desde 2009), várias gold farms foram criadas perto das fazendas de verdade, na zona rural. Em muitas delas, os trabalhadores dormem em alojamentos e ganham refeições. Para aguentar as longas jornadas de 12 horas, é comum as empresas permitirem que os funcionários fumem e consumam bebidas alcoólicas durante o expediente.
Claro, há as exceções que pagam salários acima da média, fornecem acomodações limpas e exigem uma quantidade de horas razoável. Ainda assim, as consequências podem ser pesadas. Ao fazer o documentário, Ge Jin disse que conheceu jovens que perderam a habilidade de se adaptar a outros trabalhos por causa da obsessão pelos games. O vício é tão forte que eles continuam jogando depois que termina o turno. "Seria bom se as companhias protegessem seus funcionários e os ensinassem a desenvolver habilidades de comunicação. Eles precisam ter uma vida quando não estão na frente do computador."