No sentido de leis que damos para a palavra "estatuto" o homem estava obrigado pela lei de Eru que previa a distribuição da habitação (Hroa) para os espíritos dos homens enquanto vivessem no mundo. Estes corpos físicos dos filhos eram confeccionados usando a matéria criada pelos Valar em obediência a Eru. O corpo é uma estrutura física emprestada temporariamente aos homens porque eles são apenas visitantes neste mundo. Quando eles morrem fica a cargo de Eru resolver a questão da necessidade de outros corpos (dessa vez verdadeiros) para onde quer que eles partam e que seja a terra original deles para além do mundo. (Finrod menciona um tipo de saudade que os homens sentem de um lugar que reconheciam como sendo sua verdadeira casa, um lar familiar no além mundo)
Por causa de Melkor houve um desgoverno nas leis dos elementos para os corpos dos filhos de Eru (aqui entra o assunto do estatuto). E tudo que antes obedecia a lei única se fragmenta, após o ataque de Melkor em todos os reinos dos Valar passa a vigorar um estado de disputa de leis entre os Valar, a lei de Melkor contra a lei de Eru. O homem integral passou a ser o homem dividido em que o corpo refletia a divisão e inclusive cessa de funcionar porque era uma disputa colossal. Dentro de cada corpo lutavam Manwë contra Melkor (que queria governar o mundo e aplicar suas próprias leis nele).
Nesse sentido, sim, os corpos e elementos do mundo antes funcionavam sob a lei de Manwë e depois adquirem cada vez mais um status de terra assolada, "fora da lei". O corpo ganha estatuto de desgoverno e a alma se transforma em refugiada de guerra.
De de acordo com o Silmarillion, o corpo do homem sofreu algum tipo de decaimento físico num paralelo que lembra a passagem de Adão e Eva quando a maldade entra no paraíso e o homem foi expulso. Enquanto na bíblia os homens conheceram a morte, no mundo de Tolkien, eles passaram a morrer cedo. Numa comparação com os altos Numenorianos os homens médios de Rohan, por exemplo, gozavam vidas longas porque viviam em uma terra pouco maculada e abençoada pelos Poderes (restauração parcial do corpo físico do mundo e do homem). Do ponto de vista do cristianismo do autor essa parte ressoa com a vida de erro causada pelo pecado original no mundo (o pecado acelera a morte dos homens).
Cabe dizer que no universo de Tolkien, a cada embate entre os Poderes, diminui o estado original da parte física do mundo e não apenas os homens mas de forma generalizada, os corpos dos povos livres, animais, plantas e terras se tornaram piores ou uma sombra do que foram um dia. Se os elfos já eram brilhantes na decadência os filhos mais velhos de Eru a princípio deveriam ter se tornado divinamente fantásticos (sem Melkor) e os homens, mesmo morrendo, ainda seriam mais incríveis do que os homens que vemos em Númenor.
Um dos pontos cruciais do decaimento do mundo foi durante a destruição das luminárias (Ormal e Illuin) que causou tantos danos que até o autor deixa de colocar limite para recuperação ao afirmar que os Poderes nunca conseguiram curar nem controlar completamente a escala de devastação gerada por Melkor. De modo que muita coisa que entrou em desgoverno permanece sem lei até o fim dos tempos.
Por causa das batalhas entre os Poderes os seres vivos foram piorados em variedade e em qualidade de atributos. A vida e a morte passaram a caminhar juntas em todos os lugares (apesar de a vida ser independente) e o brilho original de tudo, mesmo em Aman, nunca foi restaurado na totalidade. A expulsão de Melkor tem muito a ver com a piedade que os Poderes sentiram do mundo e de suas obras que foram destruídas.
Tem uma passagem muito interessante em que Frodo entra em Lórien para falar com Galadriel. E ele observa que tudo dentro do reino dos elfos havia sido protegido como nos dias antigos (da primeira era) que as folhas nas plantas eram não apenas lindos e nítidos, mas sem um tipo de mácula que lá fora sugava a vitalidade e valor das coisas, como se a forma das coisas cumprisse a medida mais bela possível, na exata proporção, sem doença.
Quer dizer, se tudo isso era possível numa terra que já havia sofrido, então o começo de cada coisa no mundo havia sido magnífico.
Apesar de tudo, mesmo no diálogo de Finrod (líder élfico) com Andreth (um dos seres humanos mais sábios que já pisaram no mundo) não se descobre a fonte da sombra sobre os homens e finalmente Finrod percebe, de repente, que o poder de Melkor havia sido mais terrível do que os elfos supunham.