A sobrevivência da espécie (dos escritores) e da cultura é uma boa causa
Minha vocação nasceu com a idéia de que o trabalho literário é uma
responsabilidade que não se limita ao lado artístico: ela está ligada à preocupação moral
e à ação cívica. Até o presente, esses fatores animaram tudo o que escrevi e, por isso,
vão fazendo de mim, nesta época da realidade virtual, um dinossauro que usa calças e
gravata, rodeado de computadores.
[...] Em nossa época se escrevem e publicam muitos livros, mas ninguém à minha
volta - ou quase ninguém, para não discriminar os pobres dinossauros - acredita mais
que a literatura sirva de grande coisa, a não ser para evitar que as pessoas se
aborreçam muito no ônibus ou no metrô, e para que, adaptada para o cinema e a
televisão, a ficção literária - se for sobre marcianos, horror, vampirismo ou crimes
sadomasoquistas, melhor - se torne televisiva ou cinematográfica.
Para sobreviver a literatura tornou-se light - é um erro traduzir essa noção por
“leve”, porque, na verdade, ela significa "irresponsável" e, muitas vezes, idiota.
[...] Se o objetivo é apenas o de entreter e fazer com que os seres humanos passem
momentos agradáveis, perdidos na irrealidade, emancipados da sordidez cotidiana, do
inferno doméstico ou da angústia econômica, em descontraída indolência intelectual,
as ficções da literatura não podem competir com as oferecidas pelas telas, seja de
cinema ou de TV. As ilusões forjadas com a palavra exigem a participação ativa do
leitor, um esforço de imaginação, e, às vezes - quando se trata de literatura moderna -,
complicadas operações de memória, associação e criação, algo de que as imagens do
cinema e da televisão dispensam os espectadores. E, por isso, os espectadores se
tornam cada vez mais preguiçosos, mais alérgicos a um entretenimento que requeira
esforço intelectual.
Digo isso sem a menor intenção beligerante contra os meios audiovisuais, e a
partir de minha condição confessa de apreciador de cinema - vejo dois ou três filmes
por semana - que também desfruta com prazer um bom programa de TV (essa
raridade). Mas, justamente por isso, com o conhecimento de causa necessário para
afirmar que nenhum dos filmes que vi, e me divertiram tanto, me ajudou a compreender
o labirinto da psicologia humana como os romances de Dostoïevski - ou os mecanismos
da vida social como os livros de Tolstoi e de Balzac, ou os abismos e os pontos altos
que podem coexistir no ser humano, como me ensinaram as sagas literárias de um
Thomas Mann, um Faulkner, um Kafka, um Joyce ou um Proust.
As ficções apresentadas nas telas são intensas por seu imediatismo e efêmeras
por seus resultados. Prendem-nos e nos desencarceram quase de imediato - das ficções
literárias nos tornamos prisioneiros pela vida toda. Dizer que os livros daqueles
escritores entretêm seria injuriá-los, porque, embora seja impossível não ler tais livros
em estado de transe, o importante de sua boa literatura é sempre posterior à leitura -
um efeito deflagrado na memória e no tempo. Ao menos é o que acontece comigo,
porque, sem elas, para o bem ou para o mal, eu não seria como sou, não acreditaria no
que acredito nem teria as dúvidas e as certezas que me fazem viver.
(Mario Vargas Llosa, in: O Estado de S. Paulo, 1996)
Esse texto caiu num simulado que eu fiz ontem, achei excelente.
Comprei semana passada um livro do Mario (Travessuras da Menina Má) e só em dar uma olhada já gostei muito. O que eu queria discutir é já um pouco clichê por aqui, esse amor demasiado das pessoas pela televisão em detrimento dos livros.
Lembro de já ter lido um texto do Verissimo que dizia algo no sentido de que se colocassem a escolha uma tv e um livro para uma criança, ele não teria dúvidas de que a criança correria para o livro, colocaria no chão, subiria em cima para alcançar o controle remoto e enfim ficaria com a tv.
Minha vocação nasceu com a idéia de que o trabalho literário é uma
responsabilidade que não se limita ao lado artístico: ela está ligada à preocupação moral
e à ação cívica. Até o presente, esses fatores animaram tudo o que escrevi e, por isso,
vão fazendo de mim, nesta época da realidade virtual, um dinossauro que usa calças e
gravata, rodeado de computadores.
[...] Em nossa época se escrevem e publicam muitos livros, mas ninguém à minha
volta - ou quase ninguém, para não discriminar os pobres dinossauros - acredita mais
que a literatura sirva de grande coisa, a não ser para evitar que as pessoas se
aborreçam muito no ônibus ou no metrô, e para que, adaptada para o cinema e a
televisão, a ficção literária - se for sobre marcianos, horror, vampirismo ou crimes
sadomasoquistas, melhor - se torne televisiva ou cinematográfica.
Para sobreviver a literatura tornou-se light - é um erro traduzir essa noção por
“leve”, porque, na verdade, ela significa "irresponsável" e, muitas vezes, idiota.
[...] Se o objetivo é apenas o de entreter e fazer com que os seres humanos passem
momentos agradáveis, perdidos na irrealidade, emancipados da sordidez cotidiana, do
inferno doméstico ou da angústia econômica, em descontraída indolência intelectual,
as ficções da literatura não podem competir com as oferecidas pelas telas, seja de
cinema ou de TV. As ilusões forjadas com a palavra exigem a participação ativa do
leitor, um esforço de imaginação, e, às vezes - quando se trata de literatura moderna -,
complicadas operações de memória, associação e criação, algo de que as imagens do
cinema e da televisão dispensam os espectadores. E, por isso, os espectadores se
tornam cada vez mais preguiçosos, mais alérgicos a um entretenimento que requeira
esforço intelectual.
Digo isso sem a menor intenção beligerante contra os meios audiovisuais, e a
partir de minha condição confessa de apreciador de cinema - vejo dois ou três filmes
por semana - que também desfruta com prazer um bom programa de TV (essa
raridade). Mas, justamente por isso, com o conhecimento de causa necessário para
afirmar que nenhum dos filmes que vi, e me divertiram tanto, me ajudou a compreender
o labirinto da psicologia humana como os romances de Dostoïevski - ou os mecanismos
da vida social como os livros de Tolstoi e de Balzac, ou os abismos e os pontos altos
que podem coexistir no ser humano, como me ensinaram as sagas literárias de um
Thomas Mann, um Faulkner, um Kafka, um Joyce ou um Proust.
As ficções apresentadas nas telas são intensas por seu imediatismo e efêmeras
por seus resultados. Prendem-nos e nos desencarceram quase de imediato - das ficções
literárias nos tornamos prisioneiros pela vida toda. Dizer que os livros daqueles
escritores entretêm seria injuriá-los, porque, embora seja impossível não ler tais livros
em estado de transe, o importante de sua boa literatura é sempre posterior à leitura -
um efeito deflagrado na memória e no tempo. Ao menos é o que acontece comigo,
porque, sem elas, para o bem ou para o mal, eu não seria como sou, não acreditaria no
que acredito nem teria as dúvidas e as certezas que me fazem viver.
(Mario Vargas Llosa, in: O Estado de S. Paulo, 1996)
Esse texto caiu num simulado que eu fiz ontem, achei excelente.
Comprei semana passada um livro do Mario (Travessuras da Menina Má) e só em dar uma olhada já gostei muito. O que eu queria discutir é já um pouco clichê por aqui, esse amor demasiado das pessoas pela televisão em detrimento dos livros.
Lembro de já ter lido um texto do Verissimo que dizia algo no sentido de que se colocassem a escolha uma tv e um livro para uma criança, ele não teria dúvidas de que a criança correria para o livro, colocaria no chão, subiria em cima para alcançar o controle remoto e enfim ficaria com a tv.