Nossa Luciano vc é uma das pessoas que geralmente paro para ler as resenhas, junto com o Lucas e o Palazzos.
Obrigado! A recíproca é verdadeira, você é uma das pessoas cujos comentários eu mais gosto, queira concordemos ou não.
Mas me irrita a maneira como vcs todos fazem quando alguém tem uma opinião contrária.
Eu não contrariei a posição dele por conta 'de a equipe' ter feito isso, e acredito que eles também não curtiram ou sei lá o que meus comentários por causa disso. Nós trabalhamos juntos, meio que já conhecemos a opinião um do outro a respeito de certas coisas e, se tudo rola tão tranquilo, é porque muitas dessas opiniões batem. Mas eu estou pronto a discordar da equipe, a qualquer momento.
O Marcio iniciou uma discussão simplesmente para dizer que não gosta desse monte de bobagem que a mídia nos faz engolir diariamente, que prefere o bom e velho rock. Só isso. Então aparece um monte de gente defendendo o politicamente correto de que ele está elitizando e não olha o funk e o sertanejo como expressões válidas.
E a posição dele de ser contra midiático não é de todo ruim. Meu problema é justo com o modo como esse discurso se apresenta.
Ora, vc mais do que todos da equipe me parece a pessoa menos indicada para defender essa democratização, afinal uma de suas últimas resenhas era do popularíssimo Roland Barthes,coisa que o povão encontra nas bancas de jornal a preços populares e que a rede globo tem adaptado repetidas vezes em horário nobre...
Assim como eu leio Barthes, eu não escuto funk. Eu também prefiro Imre Kertész e Wislawa Szymborska a Paulo Coelhe e Daniele Steel. Não espere me ver elogiando A Guerra dos Tronos ou Harry Potter.
A minha defesa não*é por gosto, é por postura.
Não adianta ficar discutindo esse tipo de coisa: estou chamando a atenção para um paralelo que tenho certeza que VC conhece. Levi-Strauss afirma que mesmo quando não somos religiosos o pensamento religioso existe em nós. Por quê? Porque nossa formação de milhares de anos foi assim, não adianta querer cortar como se fosse um pé gangrenado. Estou dizendo, o conceito de arte só existe porque todos nós hierarquizamos na vida para poder dizer "isso é belo e me agrada" ou "isso não me agrada, logo é ruim". É subjetivo, claro que é. Por isso não vejo problema que alguém afirme preferir rock porque é melhor...
Concordo plenamente. O problema com a hierarquização é quando ela se torna motivo de pré-julgamentos: quem gosta de funk ou de sertanejo universitário, o faz por pensar menos; quem gosta de rock gosta porque é mais inteligente.
E desde o início venho incomodando com esse tipo de lembrete. Normatividade sempre vai existir e o politicamente correto é a pior delas hoje em dia, que pode levar a coisas muito graves, me parece. Lembro de uma discussão que tive com quase toda a equipe justamente por lembrar esse pequeno fato: eu gosto de Proust porque ele é melhor do que Danielle Steel. Se alguém não concorda,sinto muito é só minha opinião, não a verdade absoluta do politicamente correto que nos faz parar de dizer coisas assim. O mundo está cada dia mais chato e como defensor da alteridade vc deveria se preocupar com isso.
Bem, tenho sérios problemas com a definição de politicamente correto - e com todas as diversas normatividades diferentes que se associam ao termo.
E não venha me dizer que é válido defender o direito de expressão universal. Esse funk proibidão é absurdo e não deveria existir porque isso que vira música ruim são pessoas que sofrem e morrem diariamente. É um estereótipo do que é a pobreza e muito me espanta que as pessoas estejam em um estado tão letárgico que não percebam que estão sofrendo outro deboche dos poderosos. A Alemanha transformou o nazismo em crime, é uma forma de expressão que todos reconhecem como negativa e prejudicial. O funk proibidão é uma apologia da violência contra as mulheres, contra os policiais e contra qualquer um que não seja da galera deles, é uma violência também e nunca vou aprovar esse tipo de coisa. Eu adoro música brasileira, adoro Jorge Ben Jor, principalmente o do começo. Adoro Tim Maia, do começo também. Roberto Carlos quando cantava, adivinhe? funk. Não venha me dizer que não gosto de certas coisas porque estou operando com a normatividade das elites.
Eu não disse que você opera com qualquer espécie de normatividade das elites. E não discordo que o funk carregue muitos estereótipos negativos e tudo mais. Mas a ideia, pra mim, é que eu não posso simplesmente descartá-lo: não gosto, não concordo com muita coisa, mas não sei o que é viver naquele meio, não sei (e, provavelmente, nunca vou saber) sobre a precariedade das vidas que se perdem ou se perpetuam lá. Não me sinto no direito de dizer que é 'decadente' ou 'inferior'. Que as minhas manifestações culturais são melhores porque eu li Barthes.
E essa violência e tudo mais... Eu podia começar com todo um blábláblá sobre as condições sociais e econômicas. Mas acho que você já conhece esse tipo de discurso. E sabe, também, que é bem mais complexo do que isso.
Talvez se trocássemos de lugar vc se surpreenderia com o quanto esse tipo de música tocando até às 6 da manhã na porta da sua casa e uma série de gente perigosa te ameaçando pode ser desagradável. Então não, esse tipo de música não deveria e não precisa existir. E eu escolho coisas melhores no meu caminho, sem agredir ou ofender ninguém...
Enfim, quanto a isso não tenho o que dizer. Do mesmo modo que não posso estar na pele dessas pessoas, não posso estar na sua. Mesmo que eu estivesse no seu lugar, teria relações diferentes com essas coisas - e não posso nem imaginar como seriam.
De qualquer modo, não quero mudar a cabeça de ninguém para que deixe de gostar de algo ou que comece a gostar de outras coisas. Não quero mudar os gostos de ninguém, minha única intenção é 'desconstrutiva' e 'reflexiva': será que existe tanta diferença assim entre o rock e essas músicas 'inferiores'? E o lembrete de que superioridade ou inferioridade são sempre pontos de vista. De novo algo que, por tudo que já discutimos até hoje, eu acredito que você entenda também.