Fingolfin
Feitiço de Áquila
Bola com Roberto, bola na rede: Vasco faz 5 a 2
Renato Maurício Prado - O Globo
Roberto conduz a bola durante o histórico jogo contra o Corinthians - Foto: Arquivo O Globo RIO, 04 de maio de 1980
- Seis oportunidades, cinco gols. Foi realmente demais para o Corinthians. Demais para a recém-formada ''Fla-Fiel''. Demais até para a própria torcida do Vasco. Foi Roberto Dinamite voltando ao Maracanã com fome de gols e vontade de provar o valor de seu futebol, há pouco tempo desprezado e até ironizado pelos espanhóis do Barcelona. Foi ele a razão da esmagadora vitória do Vasco por 5 a 2 sobre o Corinthians.
- Antes do jogo falei por telefone com Juan Gaspar, vice-presidente do Barcelona, que está em Buenos Aires comprando Maradona. Convidei-o para assistir à reentre de Roberto no Maracanã e ele me disse: "Não quero ouvir falar mais do Dinamite. E eu lhe respondi: "Pois fique certo que você ainda vai ouvir falar muito do nosso Roberto Dinamite".
As palavras eufóricas do vice-presidente de futebol do Vasco, Antônio Soares Calçada, acabaram assumindo ares proféticos após o jogo. Um jogo que mostrou de volta ao nosso futebol um Roberto mais oportunista e goleador do que nunca, e numa forma capaz até de ameaçar Sócrates e Reinaldo na seleção brasileira.
De nada adiantaram a euforia e a animação da "Fla-Fiel" (união das torcidas do Flamengo e do Corinthians), que chegou a ensaiar um carnaval após a abertura do placar pelo Corinthians, aos 11 minutos do primeiro tempo. É verdade que até ali a impressão era a de que a equipe paulista poderia vencer o Vasco. Mas a verdade é que Roberto ainda não tinha começado a jogar.
O atacante é entrevistado pelo repórter Fausto Silva após a partida - Foto: Arquivo O Globo
Ele começou exatamente no minuto seguinte. Aproveitando um passe de Dudu, encheu o pé e levantou pela primeira vez a imensa torcida do Vasco. Era o reencontro do artilheiro, do ídolo, do craque aguardado com ansiedade, com uma torcida que nunca o esquecera, e vibrara e torcera por seus gols, até nos tempos ruins do Barcelona.
Daí em diante, acabaram por completo os esquemas táticos armados pelos técnicos Jorge Vieira e Orlando Fantoni. O jogo, a partir deste gol, teve um só personagem: Roberto Dinamite.
Sempre bem colocado e fugindo inteligentemente à dura marcação adversária. Roberto passou a ser sempre a grande alternativa para os companheiros. Bola nos pés dos jogadores do Vasco; bola para Roberto, que ele resolve.
E resolveu mesmo. Bola para Roberto, bola no fundo das redes de Jairo. A seqüência repetiu-se aos 27, 37 e 39 minutos do primeiro tempo. E nem mesmo o segundo gol do Corinthians - de pênalti - foi capaz de abalar o Vasco.
No segundo tempo, após um pequeno período de intranqüilidade, quando o Corinthians pressionou tentando encostar no placar, o Vasco liquidou a partida no momento em que resolveu partir novamente para o ataque.
Bola com o time do Vasco, bola para Roberto, bola no fundo das redes de Jairo mais uma vez: 5 a 2, e um verdadeiro carnaval nas arquibancadas, a esta altura já completamente dominadas pelos vascaínos. A "Fla-Fiel" já havia saído há muito tempo. Não havia como torcer contra Roberto Dinamite.
***********************************
Eu, Vô Lourenço e Dinamite: Há 25 anos...
Lédio Carmona - Especial para O Globo Online
Faz parte da natureza do ser humano. Ele é capaz de lembrar com muito mais riqueza de detalhes de algo que aconteceu em sua infância ou na adolescência do que, por exemplo, de alguma coisa às portas dos 40 anos. Aqueles meses de 1980 estão vivíssimos na minha memória. Abril. O Campeonato Brasileiro era disputado no primeiro semestre. Há 25 anos, eu morava em Niterói, estudava no Instituto Gay Lussac e tinha uma rotina quase impenetrável. Colégio pela manhã, resenha ou pelada com os amigos à tarde e, às 18 horas, me mandava para casa. Lá, meu falecido avô Lourenço me esperava. O rádio já estava ligado. O programa? No Mundo da Bola, com o Apolinho Washington Rodrigues, na Rádio Nacional.
Impaciente, Vô Lourenço ficava irritado com os comerciais. Queria as manchetes. Apolinho chamou os setoristas...Eraldo Leite cobria o Vasco e falava em sua apresentação sobre uma crise que envolvia as novas estrelas do Vasco: Pintinho, Jorge Mendonça e Paulo César Lima. Passou o Botafogo, o Fluminense...Chegou o Flamengo. E Washington Rodrigues anunciou o repórter que fazia a cobertura rubro-negra com o seu bordão.
- E nem o sol cobre melhor o Flamengo do que Zildo Dantas...
Desdenhei. Não esperava nada demais. Era uma terça-feira. E veio a bomba do Zildo.
- Dirigentes do Flamengo estão indo para Barcelona contratar Roberto Dinamite.
Gelei. Meu avô soltou um palavrão e acendeu mais um cigarro, vício que menos de um ano depois o mataria. Não era possível. O nosso maior ídolo estava próximo de vestir a camisa do Flamengo. Jogaria ao lado de Zico. Minha Vó Odete, viva até hoje (95 anos) ouviu os lamentos exasperados e veio se sentar. O apelido dela é Bob. Claro, por causa de Roberto. Inocente, ajudou a sua maneira: começou a torcer o vestido. Até hoje ela costuma dizer que esse ritual traz sorte. Meu pai, Carmona, chegou do trabalho. Ignorou.
- O Flamengo não tem dinheiro para tirar o Roberto de Barcelona. Vão se preocupar com outra coisa - tentou dar uma controlada na pressão do Vô Lourenço e, provavelmente, na minha, pois anos depois me tornei hipertenso.
Mas o Flamengo tinha dinheiro. E mandou realmente um dirigente para Barcelona. Eurico Miranda, em seu primeiro ano com cartola do Vasco, avisou.
- Vamos fazer de tudo para isso não acontecer. Se o Roberto voltar para o Brasil, é para jogar no Vasco - prometeu.
Na volta ao Brasil, Roberto foi agarrado por torcedores vascaínos que lotaram o saguão do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro - Foto: Arquivo O Globo
Virou uma novela. Aquela tradição de ouvir o ''No mundo da Bola'', do Apolinho, transformou-se num inferno diário. Roia as unhas. Vô Lourenço fumava um atrás do outro. Quem aparecesse na varanda da casa entre 18 e 19 horas era convidado a ficar em silêncio. Roberto vai para o Flamengo. Roberto volta para o Vasco. Roberto fica no Barcelona. Roberto vai vestir hoje a camisa rubro-negra. Foram pelo menos 15 dias de desespero. Até que o coração do Dinamite explodiu e ele optou por voltar para São Januário. Tímido, ergui os braços e beijei a careca do meu avô. Ele esfregou as duas mãos, seu sinal mais claro de felicidade. Agora era esperar pelo retorno do Bob.
Tinha apenas 15 anos. Marcaram a reestréia num domingo, no Maracanã, contra o Corinthians, de Sócrates. O jogo seria às 18 horas. Às 16h, o Flamengo jogaria contra o Bangu, também pelo Brasileirão. Começou meu segundo drama. Como ir para o Maraca? Meu avô, com 69 anos, não se arriscaria. Meu pai, acomodado, não topou. Procura daqui, procura dali, descobri que um amigo do bairro iria com o pai. Entrei no carro. Pedi a meu pai e meu avô que ouvissem pelo rádio. Quando voltasse, contaria tudo e veríamos juntos o tape da TVE, com narração de José Cunha, comentários de Sérgio Noronha e reportagens de José Luís Furtado.
Roberto é abraçado ao marcar um dos gols do Vasco. Foram quatro somente no primeiro tempo - Foto: Arquivo O Globo
Ás 15 horas, estávamos no Maracanã. Lotado com quase 110 mil torcedores, fora os penetras. Sentei na arquibancada ao lado direito da tribuna de honra do Maracanã, local que acabou se tornando meu point no estádio. Na preliminar, o Flamengo venceu o Bangu por 3 a 0, três gols de Tita. Havia muito vascaíno. Mas também muitos rubro-negros. Vitória garantida, começaram a provocar.
- Corinthians...Corinthians...Corinthians...
Vaias do lado vascaíno. Antes de o time entrar em campo, com Roberto à frente, uma faixa gigantesca surgiu atrás do da direita. " Roberto, muito obrigado por voltar para casa. Nós te amamos" . Aplausos. Os apupos rubro-negros já eram ignorados. Time em campo. Roberto saudou seu povo em todas as direções que pôde.
- Roberto....Roberto...Roberto...
Na hora do cara e coroa, Sócrates abraçou o Dinamite. Mais aplausos. Tudo era uma festa. Dava para ver os repórteres de rádio no campo. Os da Nacional de uniforme azul. Os da Globo, de amarelo. Pai e vô estavam bem informados, pensei. Começou. Aos 11 minutos, Caçapava fez 1 a 0 para o Corinthians. Um balaço que fez Mazaropi se encolher. Silêncio. Menos do lado rubro-negro, que festejava a desgraça alheia. Dois minutos depois, começaria uma catarse.
Aos 13 minutos, Roberto empatou. Aos 27, fez 2 a 1. Aos 37m, 3 a 1. Aos 39, 4 a 1. Eu não tinha mais voz. Chorava e gritava. Nunca abracei tanta gente que não conhecia. Na verdade, freqüento o Maracanã há 31 anos e jamais vi tanta gente chorar de alegria. Aos 42 minutos, ainda no primeiro tempo. Doutor Sócrates descontou para o Corinthians. Olhei para o lado esquerdo. Mais da metade dos rubro-negros rumara para casa. O Maraca era só nosso.
No segundo tempo, Roberto acertou um chutaço de fora da área aos 27 minutos e fez seu quinto gol no gigante Jairo. Foi o placar final: 5 a 2, cinco gols de Roberto. No fim da partida, nós, vascaínos, comemorávamos aquele momento como se fosse um título. Roberto foi até a geral e jogou a camisa para a massa. Depois, deu uma volta olímpica.
Missão cumprida. No fim do show, Roberto reverenciou os torcedores entregando-lhes a camisa usada na goleada - Arquivo O Globo -
Eu estava encantado. Chutei seis vezes a gol e fiz cinco gols - lembra Roberto, hoje com 52 anos e com os cabelos totalmente alvos.
Volta para casa. Queria contar aquilo para o meu Vô Lourenço e para meu pai, Seu Carmona. Depois de uma hora de engarrafamento, cruzamos a ponte e chegamos em casa. No portão da casa rosa dos meus avôs, todos me aguardavam. Pai, Vó, Vô, mãe, primos, tias...Vô Lourenço me abraçou.
- Torci muito o vestido - disse Vó Odete.
Meu pai, tão tímido quanto o filho, só mexeu nos meus cabelos, enquanto minha mãe, Lucy, olhava com ternura e aliviada para o filho. Eu estava de volta. Ela sempre achava (creio que até hoje) que um dia eu irei e não voltarei do Maracanã. Antes de entrar, olhei de novo para o velho Lourenço. Nas suas mãos, o rádio preto, Phillips. O jogo acabara há duas horas, mas ele ainda segurava, firme, aquele objeto que serviu como elo entre ele o neto naquela tarde de domingo.. Neste quatro de maio, se completam 25 anos daquele dia. Bodas de prata da volta de Roberto e dos seus cinco gols. Saudades de ser criança. Saudades do Vô Lourenço...Saudades do Roberto...Saudades da inocência...
Vasco 5 x 2 Corinthians
Data: 04/05/1980
Local: Maracanã
Público: 107.474 pagantes
Árbitro: Carlos Sérgio Rosa Martins, auxiliado por Luis Valdir Lourux e Zeno Escobar Barbosa
Gols: Caçapava, aos 11, Roberto, aos 13, 27, 37 e 39, Sócrates, aos 42 minutos do primeiro tempo; Roberto, aos 27 minutos do segundo tempo.
Vasco: Mazaropi, Paulinho Pereira, Juan (Ivan), Léo e Paulo César; Pintinho, Guina e Dudu; Wilsinho (João Luís), Roberto e Catinha. Técnico: Orlando Fantoni.
Corinthians: Jairo, Zé Maria, Mauro, Amaral e Wladimir; Caçapava (Djalma), Basílio e Sócrates; Piter, Geraldão (Toninho) e Wilsinho. Técnico: Jorge Vieira.
Renato Maurício Prado - O Globo
Roberto conduz a bola durante o histórico jogo contra o Corinthians - Foto: Arquivo O Globo RIO, 04 de maio de 1980
- Seis oportunidades, cinco gols. Foi realmente demais para o Corinthians. Demais para a recém-formada ''Fla-Fiel''. Demais até para a própria torcida do Vasco. Foi Roberto Dinamite voltando ao Maracanã com fome de gols e vontade de provar o valor de seu futebol, há pouco tempo desprezado e até ironizado pelos espanhóis do Barcelona. Foi ele a razão da esmagadora vitória do Vasco por 5 a 2 sobre o Corinthians.
- Antes do jogo falei por telefone com Juan Gaspar, vice-presidente do Barcelona, que está em Buenos Aires comprando Maradona. Convidei-o para assistir à reentre de Roberto no Maracanã e ele me disse: "Não quero ouvir falar mais do Dinamite. E eu lhe respondi: "Pois fique certo que você ainda vai ouvir falar muito do nosso Roberto Dinamite".
As palavras eufóricas do vice-presidente de futebol do Vasco, Antônio Soares Calçada, acabaram assumindo ares proféticos após o jogo. Um jogo que mostrou de volta ao nosso futebol um Roberto mais oportunista e goleador do que nunca, e numa forma capaz até de ameaçar Sócrates e Reinaldo na seleção brasileira.
De nada adiantaram a euforia e a animação da "Fla-Fiel" (união das torcidas do Flamengo e do Corinthians), que chegou a ensaiar um carnaval após a abertura do placar pelo Corinthians, aos 11 minutos do primeiro tempo. É verdade que até ali a impressão era a de que a equipe paulista poderia vencer o Vasco. Mas a verdade é que Roberto ainda não tinha começado a jogar.
O atacante é entrevistado pelo repórter Fausto Silva após a partida - Foto: Arquivo O Globo
Ele começou exatamente no minuto seguinte. Aproveitando um passe de Dudu, encheu o pé e levantou pela primeira vez a imensa torcida do Vasco. Era o reencontro do artilheiro, do ídolo, do craque aguardado com ansiedade, com uma torcida que nunca o esquecera, e vibrara e torcera por seus gols, até nos tempos ruins do Barcelona.
Daí em diante, acabaram por completo os esquemas táticos armados pelos técnicos Jorge Vieira e Orlando Fantoni. O jogo, a partir deste gol, teve um só personagem: Roberto Dinamite.
Sempre bem colocado e fugindo inteligentemente à dura marcação adversária. Roberto passou a ser sempre a grande alternativa para os companheiros. Bola nos pés dos jogadores do Vasco; bola para Roberto, que ele resolve.
E resolveu mesmo. Bola para Roberto, bola no fundo das redes de Jairo. A seqüência repetiu-se aos 27, 37 e 39 minutos do primeiro tempo. E nem mesmo o segundo gol do Corinthians - de pênalti - foi capaz de abalar o Vasco.
No segundo tempo, após um pequeno período de intranqüilidade, quando o Corinthians pressionou tentando encostar no placar, o Vasco liquidou a partida no momento em que resolveu partir novamente para o ataque.
Bola com o time do Vasco, bola para Roberto, bola no fundo das redes de Jairo mais uma vez: 5 a 2, e um verdadeiro carnaval nas arquibancadas, a esta altura já completamente dominadas pelos vascaínos. A "Fla-Fiel" já havia saído há muito tempo. Não havia como torcer contra Roberto Dinamite.
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Eu, Vô Lourenço e Dinamite: Há 25 anos...
Lédio Carmona - Especial para O Globo Online
Faz parte da natureza do ser humano. Ele é capaz de lembrar com muito mais riqueza de detalhes de algo que aconteceu em sua infância ou na adolescência do que, por exemplo, de alguma coisa às portas dos 40 anos. Aqueles meses de 1980 estão vivíssimos na minha memória. Abril. O Campeonato Brasileiro era disputado no primeiro semestre. Há 25 anos, eu morava em Niterói, estudava no Instituto Gay Lussac e tinha uma rotina quase impenetrável. Colégio pela manhã, resenha ou pelada com os amigos à tarde e, às 18 horas, me mandava para casa. Lá, meu falecido avô Lourenço me esperava. O rádio já estava ligado. O programa? No Mundo da Bola, com o Apolinho Washington Rodrigues, na Rádio Nacional.
Impaciente, Vô Lourenço ficava irritado com os comerciais. Queria as manchetes. Apolinho chamou os setoristas...Eraldo Leite cobria o Vasco e falava em sua apresentação sobre uma crise que envolvia as novas estrelas do Vasco: Pintinho, Jorge Mendonça e Paulo César Lima. Passou o Botafogo, o Fluminense...Chegou o Flamengo. E Washington Rodrigues anunciou o repórter que fazia a cobertura rubro-negra com o seu bordão.
- E nem o sol cobre melhor o Flamengo do que Zildo Dantas...
Desdenhei. Não esperava nada demais. Era uma terça-feira. E veio a bomba do Zildo.
- Dirigentes do Flamengo estão indo para Barcelona contratar Roberto Dinamite.
Gelei. Meu avô soltou um palavrão e acendeu mais um cigarro, vício que menos de um ano depois o mataria. Não era possível. O nosso maior ídolo estava próximo de vestir a camisa do Flamengo. Jogaria ao lado de Zico. Minha Vó Odete, viva até hoje (95 anos) ouviu os lamentos exasperados e veio se sentar. O apelido dela é Bob. Claro, por causa de Roberto. Inocente, ajudou a sua maneira: começou a torcer o vestido. Até hoje ela costuma dizer que esse ritual traz sorte. Meu pai, Carmona, chegou do trabalho. Ignorou.
- O Flamengo não tem dinheiro para tirar o Roberto de Barcelona. Vão se preocupar com outra coisa - tentou dar uma controlada na pressão do Vô Lourenço e, provavelmente, na minha, pois anos depois me tornei hipertenso.
Mas o Flamengo tinha dinheiro. E mandou realmente um dirigente para Barcelona. Eurico Miranda, em seu primeiro ano com cartola do Vasco, avisou.
- Vamos fazer de tudo para isso não acontecer. Se o Roberto voltar para o Brasil, é para jogar no Vasco - prometeu.
Na volta ao Brasil, Roberto foi agarrado por torcedores vascaínos que lotaram o saguão do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro - Foto: Arquivo O Globo
Virou uma novela. Aquela tradição de ouvir o ''No mundo da Bola'', do Apolinho, transformou-se num inferno diário. Roia as unhas. Vô Lourenço fumava um atrás do outro. Quem aparecesse na varanda da casa entre 18 e 19 horas era convidado a ficar em silêncio. Roberto vai para o Flamengo. Roberto volta para o Vasco. Roberto fica no Barcelona. Roberto vai vestir hoje a camisa rubro-negra. Foram pelo menos 15 dias de desespero. Até que o coração do Dinamite explodiu e ele optou por voltar para São Januário. Tímido, ergui os braços e beijei a careca do meu avô. Ele esfregou as duas mãos, seu sinal mais claro de felicidade. Agora era esperar pelo retorno do Bob.
Tinha apenas 15 anos. Marcaram a reestréia num domingo, no Maracanã, contra o Corinthians, de Sócrates. O jogo seria às 18 horas. Às 16h, o Flamengo jogaria contra o Bangu, também pelo Brasileirão. Começou meu segundo drama. Como ir para o Maraca? Meu avô, com 69 anos, não se arriscaria. Meu pai, acomodado, não topou. Procura daqui, procura dali, descobri que um amigo do bairro iria com o pai. Entrei no carro. Pedi a meu pai e meu avô que ouvissem pelo rádio. Quando voltasse, contaria tudo e veríamos juntos o tape da TVE, com narração de José Cunha, comentários de Sérgio Noronha e reportagens de José Luís Furtado.
Roberto é abraçado ao marcar um dos gols do Vasco. Foram quatro somente no primeiro tempo - Foto: Arquivo O Globo
Ás 15 horas, estávamos no Maracanã. Lotado com quase 110 mil torcedores, fora os penetras. Sentei na arquibancada ao lado direito da tribuna de honra do Maracanã, local que acabou se tornando meu point no estádio. Na preliminar, o Flamengo venceu o Bangu por 3 a 0, três gols de Tita. Havia muito vascaíno. Mas também muitos rubro-negros. Vitória garantida, começaram a provocar.
- Corinthians...Corinthians...Corinthians...
Vaias do lado vascaíno. Antes de o time entrar em campo, com Roberto à frente, uma faixa gigantesca surgiu atrás do da direita. " Roberto, muito obrigado por voltar para casa. Nós te amamos" . Aplausos. Os apupos rubro-negros já eram ignorados. Time em campo. Roberto saudou seu povo em todas as direções que pôde.
- Roberto....Roberto...Roberto...
Na hora do cara e coroa, Sócrates abraçou o Dinamite. Mais aplausos. Tudo era uma festa. Dava para ver os repórteres de rádio no campo. Os da Nacional de uniforme azul. Os da Globo, de amarelo. Pai e vô estavam bem informados, pensei. Começou. Aos 11 minutos, Caçapava fez 1 a 0 para o Corinthians. Um balaço que fez Mazaropi se encolher. Silêncio. Menos do lado rubro-negro, que festejava a desgraça alheia. Dois minutos depois, começaria uma catarse.
Aos 13 minutos, Roberto empatou. Aos 27, fez 2 a 1. Aos 37m, 3 a 1. Aos 39, 4 a 1. Eu não tinha mais voz. Chorava e gritava. Nunca abracei tanta gente que não conhecia. Na verdade, freqüento o Maracanã há 31 anos e jamais vi tanta gente chorar de alegria. Aos 42 minutos, ainda no primeiro tempo. Doutor Sócrates descontou para o Corinthians. Olhei para o lado esquerdo. Mais da metade dos rubro-negros rumara para casa. O Maraca era só nosso.
No segundo tempo, Roberto acertou um chutaço de fora da área aos 27 minutos e fez seu quinto gol no gigante Jairo. Foi o placar final: 5 a 2, cinco gols de Roberto. No fim da partida, nós, vascaínos, comemorávamos aquele momento como se fosse um título. Roberto foi até a geral e jogou a camisa para a massa. Depois, deu uma volta olímpica.
Missão cumprida. No fim do show, Roberto reverenciou os torcedores entregando-lhes a camisa usada na goleada - Arquivo O Globo -
Eu estava encantado. Chutei seis vezes a gol e fiz cinco gols - lembra Roberto, hoje com 52 anos e com os cabelos totalmente alvos.
Volta para casa. Queria contar aquilo para o meu Vô Lourenço e para meu pai, Seu Carmona. Depois de uma hora de engarrafamento, cruzamos a ponte e chegamos em casa. No portão da casa rosa dos meus avôs, todos me aguardavam. Pai, Vó, Vô, mãe, primos, tias...Vô Lourenço me abraçou.
- Torci muito o vestido - disse Vó Odete.
Meu pai, tão tímido quanto o filho, só mexeu nos meus cabelos, enquanto minha mãe, Lucy, olhava com ternura e aliviada para o filho. Eu estava de volta. Ela sempre achava (creio que até hoje) que um dia eu irei e não voltarei do Maracanã. Antes de entrar, olhei de novo para o velho Lourenço. Nas suas mãos, o rádio preto, Phillips. O jogo acabara há duas horas, mas ele ainda segurava, firme, aquele objeto que serviu como elo entre ele o neto naquela tarde de domingo.. Neste quatro de maio, se completam 25 anos daquele dia. Bodas de prata da volta de Roberto e dos seus cinco gols. Saudades de ser criança. Saudades do Vô Lourenço...Saudades do Roberto...Saudades da inocência...
Vasco 5 x 2 Corinthians
Data: 04/05/1980
Local: Maracanã
Público: 107.474 pagantes
Árbitro: Carlos Sérgio Rosa Martins, auxiliado por Luis Valdir Lourux e Zeno Escobar Barbosa
Gols: Caçapava, aos 11, Roberto, aos 13, 27, 37 e 39, Sócrates, aos 42 minutos do primeiro tempo; Roberto, aos 27 minutos do segundo tempo.
Vasco: Mazaropi, Paulinho Pereira, Juan (Ivan), Léo e Paulo César; Pintinho, Guina e Dudu; Wilsinho (João Luís), Roberto e Catinha. Técnico: Orlando Fantoni.
Corinthians: Jairo, Zé Maria, Mauro, Amaral e Wladimir; Caçapava (Djalma), Basílio e Sócrates; Piter, Geraldão (Toninho) e Wilsinho. Técnico: Jorge Vieira.