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Autor da Semana Lima Barreto

Cantona

Tudo é História
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Afonso Henriques de LIMA BARRETO
(13.05.1881 - 01.11.1922)

Afonso Henriques de Lima Barreto deu o berro primordial na cidade do Rio de Janeiro, numa quente sexta-feira de 13 de maio de 1881, sete anos antes da canetada da Lei Áurea; oito, da Proclamação da República.

Queremos dizer, com isso, que o filho do tipógrafo João Henriques de Lima Barreto com a professora pública Amália Augusta Barreto, que nasceu "sem dinheiro, mulato e livre", à rua Ipiranga, n.18, viveu tempos importantes da História do nosso país. E, destoando de seus pares - e ao contrário da burguesia que pretendia moldar os acontecimentos nacionais ora como frutos da sua clarividência e força moral, quando os desdobramentos se revelavam em avanços, ora culpando a mistura racial e a indolência que daí advém pela precariedade, atraso e miséria, quando o país engasgava e adiava a consolidação de seu grande destino - ao contrário, dizíamos, dos anseios de nossa classe dominante, Lima Barreto levou para suas páginas em contos, crônicas, diários e romances, o retrato e o ângulo de visão dos menos favorecidos, dos negros e pobres dos subúrbios; dos camponeses abandonados à própria sorte, enquanto o latifúndio prosperava. Assim, ler a obra barretiana é entrar em contato com um pedaço da nossa História silenciado por poderes e sutilezas. E é conhecer um homem obcecado pela arte, pela literatura e por sua capacidade de transformação. "Queimei meu navios, deixei tudo por estas coisas de letras", disse. E o fez por acreditar que a Arte "trabalha pela união da espécie; assim trabalhando, concorre, portanto, para o seu acréscimo de inteligência e de felicidade"; por ter a certeza de que a Literatura "reforça nosso natural sentimento de solidariedade com os nossos semelhantes, explicando-lhes os defeitos, realçando-lhes as qualidades e zombando dos fúteis motivos que nos separam um dos outros".

Mas antes de empunhar a pena contra as desigualdades sociais - muito influenciado pelos romancistas russos -, de denunciar o uso da literatura como "sorriso da sociedade", criando um faz de conta de linguagem rebuscada, cujo grande exponente e alvo predileto foi Coelho Neto, o menino teve que crescer, virar homem. E o fez num ambiente acolhedor, na medida do possível: apesar de pobres, os pais cercaram o pequeno Lima de carinho, o instruíram. A vida, mesmo escassa, se mostrou boa para quem ainda descobria o mundo. Nesse clima de fantasia, presenciou a Lei Áurea e registrou nas primeiras memórias seu clima festivo, posteriormente confrontado com a criticidade de suas letras:

" Eu tinha então sete anos e o cativeiro não me impressionava. Não lhe imaginava o horror; não conhecia a sua injustiça. Eu me recordo, nunca conheci uma pessoa escrava. Criado no Rio de Janeiro, na cidade onde já os escravos rareavam, faltava-me o conhecimento direto da vexatória instituição, para lhe sentir bem os aspectos hediondos.”


Neto de ex-escravos (avó materna), vivendo num país que aboliu a escravidão ao mesmo tempo em que conservou seus senhores, e onde a cor da pele, o gênero e a condição social condicionaram - e condicionam - existências, o racismo lhe foi uma obsessão nos anos vindouros e por toda vida e obra. Sem ironias e floreios, mas de forma crua, expondo, apontando, acusando, Lima Barreto foi a voz contrária à toda “inocência ensaiada” abolicionista que teve na canetada da Princesa Isabel a resolução pura, simples e cristã para o negro. Gritando, denunciou as justificativas científicas para superioridade de brancos, o eugenismo, o racismo velado e a “democracia racial” que se fazia vender pela elite daqueles tempos de transição e Primeira República. Atirou contra a intelectualidade que bebia da máxima da expansão imperialista: o fardo do homem branco é levar a civilização aos povos atrasados. De acordo com a antropóloga Lilia M. Schwarcz, o autor de Isaías Caminha se assumiu como escritor negro, nestas terras onde a mestiçagem significava atraso, onde havia todo tipo de “jogo social no sentido de camuflar e não evidenciar a cor”. Do alto de sua acidez, respondeu que “o fardo do homem branco é surrar os negros a fim de trabalharem para ele”.

Sua obsessão, no entanto, não se restringiu ao racismo. Foi ao cerne em todas as nossas misérias sociais. Não poupou a República que se fez para poucos, que já em 16 de novembro de 1889 havia traído a população, como a ex-escrava Maria Theresa de Jesus:

" E a vida passou a correr como sempre, até que um dia Manuel Leocádio entrou no nosso rancho que ficava no sopé do morro e me disse que o nosso Imperador tinha sido embarcado num vapor para fora do Brasil; quem mandava agora era a República. Como eu não soubesse o que era República, ele me explicou, dizendo, daí em diante, todos nós éramos iguais, tanto branco como preto. Que preto podia até sê o dono do governo! Acabando de escutar aquilo, eu disse cá comigo: "esse crioulo está ficando louco". Mas não estava não. Era tudo verdade. Nem preciso dizer que houve fandango no Jabaquara".

O garoto Lima, evidente, nada pensou sobre a Proclamação. Foi o homem, imerso no contexto de miséria e opressão, tão próximo a realidade de Maria Theresa, quem questionou o modelo republicano. Com Policarpo Quaresma, denunciou uma instituição que se prometeu igualitária, mas que antecipou Orwell: "todos os bichos são iguais, mas alguns bichos são mais iguais que os outros".

Nunca é demais dizer, embora o Laurentino Gomes reduza tudo a um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado, que a República foi proclamada e fundada sobre o alicerce de um projeto modernizador. Desde as estruturas políticas, passando pelas sociais e alcançando as econômicas, as coisas se pensaram e planejaram com o principal intuito de inserir o Brasil no cenário mundial como um país civilizado e robusto. Tudo conseguido com afluxo de capital, mão de obra e tecnologia estrangeira. Esse era o consenso entre positivistas e liberais - duas correntes que dominaram a cena na pré e pós Proclamação. E esse movimento modernizador, entreguista e segregacionista - com todos os adereços civilizatórios, urbanísticos, educacionais e o cacete a quatro - foi levado a cabo e a pulso firme por presidentes, governadores e prefeitos.

Um exemplo pronto dessa mentalidade, foi a reforma da cidade do Rio de Janeiro, por Pereira Passos, que num processo de aburguesamento da capital, expulsou as populações de baixa renda para os subúrbios e as vacinou na marra, resultando na Revolta da Vacina. Os jornais aplaudiram ambas as iniciativas. Realmente a cidade se embelezava, mas a que custo? Poucos nadaram contra, divergiram das opiniões gerais. Dentre eles, Lima Barreto, que se colocou, desde o primeiro momento, ao lado do povo. A reforma, imposta de cima à baixo, maquiava e condenava os subúrbios cada vez mais à própria sorte; sobre as vacinas, combatia o paliativo vendido como solução definitiva: pra se libertar das epidemias, é necessário se libertar primeiro da pobreza.

Por conta destas posições, e foram muitas - quando aproveitamos o momento para deixar algumas:

- I Guerra Mundial (1914-1918) - sua posição, influenciado pelos anarquistas, é da defesa da paz. Escreve artigos criticando o militarismo alemão, advogando pela neutralidade do Brasil e vendo o perigo, no caso de participação, de uma submissão ainda maior aos Estados Unidos. Nos artigos deixa transparecer, também, seu sentimento anti estadunidense, criticando a perseguição aos negros norte-americanos e sua sanha imperialista;
- Revolução Russa de 1917 - ainda influenciado por ideias anarquistas, acompanha com interesse os desdobramentos da revolução soviética. Voltando para a realidade brasileira, empunha bandeiras socialistas em que defende a abolição das relações capitalistas na agricultura e a divisão do latifúndio em pequenas propriedades em benefício dos que neles trabalham;
- Greve Geral de 1918, RJ - Doente e recolhido ao Hospital Central do Exército, escreve para o jornal ABC um artigo de solidariedade aos grevistas. "A teimosia dos burgueses só fará adiar a convulsão que será então pior, e eles se lembrem, quando mandam cavilosamente atribuir propósitos iníquos aos seus inimigos, pelos jornais responsáveis; lembrem-se que, se dominam até hoje a sociedade, é à custa de muito sangue da nobreza que escorreu da guilhotina em 93, na praça da Grève, em Paris. Atirem a primeira pedra..."


Por conta, dizíamos, destas posições, nunca foi visto com bons olhos. Acusavam-no de pouco criativo, pois seus personagens eram desdobramentos de si mesmo, seja Isaías, seja Policarpo, seja Clara dos Anjos. Literatura panfletária, diziam. Apontavam-no os erros de português. De sua parte, se defendia como podia. Rebatia em contos e crônicas, além dos romances. Dizia dos erros serem propositais, pois o pré-modernista já trazia para seus textos a oralidade. Aos que o acusavam de militante, concordava. Literatura é militância, é política. O panfletário era com intuito de desqualificar a escrita que esnobava os floreios da linguagem e a vida artificial dos salões para apontar as gentes do subúrbio.

Lima viu o pai enlouquecer, entregou-se à bebida, também teve surtos neurológicos, viveu na pindaíba e veio a falecer em 1 de novembro de 1922, no Rio de Janeiro, à Rua Major Mascarenhas, n. 26, às 17 horas, por causa de gripe torácica e colapso cardíaco. Em 3 de novembro, faleceu o pai do escritor.

Bibliografia completa e biografia com outros detalhes, aqui.

Alguns contos, aqui.

Um vídeo, abaixo:


E finalizo com Sevcenko:

“Durante todo esse mergulho vertiginoso na sombra da miséria, da insegurança, da abominação social, Lima Barreto deixou seus colegas da boemia e academia pelos companheiros de bar ou de desfortuna. Pôde encarar a ciência não como cientista, mas com paciente. Ver o centro da cidade embelezar-se durante suas idas e vindas para o subúrbio. Encarou o crescimento da concorrência da perspectiva do derrotado. Percebeu a vitória do arrivismo como quem perde uma situação duramente alcançada. Assistiu ao crescimento do preconceito social e racial como um discriminado. Sentiu a repressão e o isolamento dos insociáveis como vitima. Nasceu dessa situação geral a inspiração de sua doutrina humanitária de construção de uma solidariedade autêntica entre os homens, que pusesse fim a toda forma de discriminação, competição e conflito, e a todos reconhecesse a dignidade mínima do sofrimento e da imensa dor de serem humanos.”

Bibliografia utilizada:

Lima Barreto: Prosa Seleta, Editora Nova Aguilar.

A edição tem inúmeros prefácios e artigos sobre Lima Barreto e seus romances. Foram utilizadas: Nota Editorial, por Eliane Vasconcellos; Lima Barreto, por José Veríssimo; Lima Barreto, por Tristão de Ataíde; e Lima Barreto: pingente, por João Antônio.

Lima Barreto: o rebelde imprescindível, de Luiz Ricardo Leitão.

Coleção Rebeldes Brasileiros, publicado pela revista Caros Amigos, verbete Lima Barreto, por Maria Salete Magnoni e Alexandre Blaitt.

Literatura como missão, Nicolau Sevcenko.

História da Vida Privada no Brasil, edição 3, organizada por Nicolau Sevcenko.

Lima Barreto: termômetro nervoso de uma frágil República, introdução de Contos Completos: Lima Barreto, por Lilia M. Schwarcz.
 
Última edição:
Ótimo tópico, Clô Cantona.
Principalmente por mostrar que Lima Barreto era o escritor da maioria dos problemas brasileiros, o racismo é o principal mas não o único.

Só fiquei sem saber de quem é a citação final, quem é "Sevcenko"? =/
 
E assim ele mata minha esperança de começar a chama-lo de Clô :no:

Eu só jogo pra ganhar, meu bem. :dance:

Ótimo tópico, Clô Cantona.
Principalmente por mostrar que Lima Barreto era o escritor da maioria dos problemas brasileiros, o racismo é o principal mas não o único.

Só fiquei sem saber de quem é a citação final, quem é "Sevcenko"? =/

Clara, Nicolau Sevcenko é um historiador. Dentre muitas coisas, escreveu Literatura como missão, onde, através de Euclides da Cunha e Lima Barreto, dá um panorama da Primeira República.

Eu botei um monte de citação e não dei a bibliografia. Vou corrigir.
 
Última edição:
Preciso ler Lima Barreto em 2014. Fui deixando a curiosidade crescer até o nível dela ficar insuportável. E é assim que eu gosto. Lima Barreto é um autor essencial, e isso eu falo sem nem ter lido direito...

Sinto muita vontade de ler o Diário do Hospício e o Cemitério dos Vivos. Do tipo de livro que você namora. Olha a capa, olha o título, olha pras fotos do autor...

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Moderna República: o ano de 1922, por Lilia Schwarz. Li recentemente alguns artigos falando de literatura moderna brasileira contra literatura modernista. Não no sentido de rixa ou gangorrinha literária; no sentido de que a modernidade veio à nossa literatura muito antes da semana de 22, ora essa, bastando que se veja nomes como o próprio Lima Barreto, ou um Machado de Assis, um Raul Pompeia, um Cruz e Sousa, um Sousândrade, um Sapateiro Silva, um Qorpo-Santo.

Aí você lê a biografia do Lima Barreto. Vê a foto. Esse olhar... Entendiado? Enfadado? Descrente? Esse olhar de Raul Pompéia se suicidando em pleno Natal? Esse olhar de um homem diagnosticado com alcoolismo que será tratado com ópio, a mesma droga que devastou MAIS AINDA durante a Primeira Grande Guerra?

Não dá pra passar por 2014, ano de Copa, ano de vai-dar-tudo-certo, e não passar por Lima Barreto.

Indico outros textos que muito me agradam sobre a obra do Barreto:

 
Há uma boa biografia de Lima Barreto, escrita em 1952, escrita por Francisco de Assis Barbosa (Editora Itatiaia). Essa biografia foi celebrada e consagrada por críticos do gabarito de Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre e Antonio Candido e também por escritores como José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e Manuel Bandeira.

Segundo Tristão de Ataíde essa obra foi destacada como a melhor biografia de um escritor brasileiro já publicada em nossa língua. Foi escrita com um cuidado, uma objetividade, uma paciência, uma elegância de estilo, um critério de relação documental e acima de tudo com um amor, sem desvario, que realmente fazem dessa biografia qualquer coisa à altura do biografado.

Tenho essa biografia e, realmente, é muito boa.
 

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