Senhor juiz,
Senhores jurados,
Estamos aqui para defender Túrin, filho de Húrin Thalion, o Inabalável e Morwen, chamada de Eledhwen, “brilho élfico”. Vamos falar, por breve que seja, da história mais triste da Terra-Média, a História dos Filhos de Húrin, uma balada composta por um Homem, mas recitada também pelos Eldar, pois o destino dos filhos de Húrin Thalion se misturou aos dos elfos.
Não se pode julgar Túrin sem saber quem ele foi. Ele foi Neithan ao sair de Doriath após ser emboscado, e Gorthol, o “Elmo do Terror” em Dor-Cúarthol, pois, ao lado de Beleg, fez nascer esperança entre os homens quando ela estava perdida; foi Agarwaen, o Sujo de Sangue, em Nargothrond, após curar-se da loucura de sua tristeza; em Nargothrond, reino de Oredreth, ele foi Mormegil, o Espada Preta, de cujo nome fugiam os orcs, e cuja habilidade conteve Morgoth de toda região a leste do Sirion; foi também Turambar, Senhor do Destino entre os Homens de Brethil.
Os nomes de Túrin são a sua história, em que não há detalhes. Para ser julgada, deve ser lida por completo. Seria pedir demais que a acusação apontasse os méritos do réu, mas não é demais que ela diga os fatos por inteiro. Muito do que se imputa a Túrin teve fatos omitidos convenientemente, e mesmo falseados; a omissão se mistura com a mentira, e coloca em dúvida a boa-intenção da acusação: é julgar Túrin pelos seus atos, ou apenas o prazer de vencer um debate?
Túrin será julgado pelo que fez, mas de acordo com o que houve realmente naqueles dias.
1ª acusação: morte de Saeros.
A lenda do filho de Húrin chegou até nós sem meias palavras. Túrin foi emboscado por Saeros e Túrin o dominou em combate, mesmo após ataque covarde. Por que a acusação omitiu esse fato? Túrin afugentou e pôs a correr nu o elfo que tentou tirar-lhe a vida; mas Saeros não morreu pela espada de Túrin. A acusação é falsa.
2ª acusação: formação de quadrilha, mortes e crimes contra a propriedade
A defesa deve, neste ponto, chamar a atenção para uma estratégia da acusação: não narra os eventos dos quais o réu é acusado com os devidos detalhes, sem individualizar a conduta que lhe imputa. Diz de forma pejorativa que ele “tocou o terror”, sem mencionar a desolação das terras do oeste após a Nirnaeth Arnoediad, a quinta das grandes batalhas de Beleriand. Desolada após a derrota dos Noldor, toda a terra passou a ser habitada por grupos pequenos de esfomeados e pessoas sem casa – é o que diz a lenda dos Dias Antigos. Ela não fala que homens desesperados em sua miséria atacavam por prazer, mas para desfazer sua miséria.
3ª acusação: tortura
A acusação recai sobre Túrin, embora o ato seja de terceiros. Mesmo um líder não tem controle sobre o que fazem os comandados na sua ausência. Beleg foi capturado, e tudo o que estava ao alcance de Túrin foi feito, logo que retornou: libertá-lo.
Túrin é acusado de tortura sem ter torturado, é acusado de tortura sem estar presente. Se estivesse presente, seria acusado da mesma forma. Como é possível? Túrin é acusado de ter deixado homens livres sozinhos e de ter desfeito o que fizeram.
4ª acusação: genocídio
Genocídio é o extermínio de uma raça, é o crime motivado pelo ódio a uma raça. Para que haja tal crime, é necessária a motivação específica de que haja o ódio específico a uma raça ou grupo étnico. E Túrin jamais fez isso, jamais perseguiu uma raça específica que não a dos orcs. A acusação simplesmente não faz sentido.
A defesa faz questão de ressaltar o seguinte: é ônus da acusação delimitar precisamente os supostos crimes que imputa, para que não não haja prejuízo ao direito de defesa do acusado. Reiteradamente a acusação narra superficialmente o que entende por delitos, de modo que torna-se realmente complexo elaborar uma defesa coerente. Para que a defesa do acusado possa atuar com justiça, deve a acusação ser feita de forma honesta; a defesa apenas pode apresentar argumentos contra acusações bem delineadas e fundamentadas, o que não tem ocorrido até aqui em muitos momentos. Trata-se de estratégia da acusação, sendo nosso dever, enquanto defensores de Túrin, alertar os julgadores para isso, a intenção de prejudicas a apresentação dos argumentos da defesa.
5ª acusação: a morte de Beleg
Ora, mais uma vez a acusação é convenientemente omissa. Cabe mais uma vez a reflexão: estamos em um julgamento ou apenas em um debate? Busca-se a verdade dos fatos e a justiça ou meramente uma “vitória” no tribunal?
Não seria necessário nem mesmo que fosse feita qualquer exposição quanto a isso, pois é de conhecimento de todos o que houve. Contudo, por prudência, recordamos brevemente: Túrin foi feito prisioneiro por orcs e torturado por dias, quando foi resgatado. Gwindor, única testemunha, jamais o acusou da morte de Beleg.
6ª acusação: a queda de Nargothrond
Não foi Túrin que destruiu Nargothrond, foram Glaurung e os orcs de Angband. Túrin lutava ao lado de Oredreth, o rei. A acusação é a de convencer os elfos a construir uma ponte, e a de isso ser uma imprudência. Julgaremos Túrin por toda a sua história, então deve toda ela ser considerada.
De qual crime Túrin é acusado? O de dar conselhos? Ou Túrin é acusado de ser corajoso? Nada disso é crime.
7ª acusação: a morte de Brodda
Vamos suprir as convenientes omissões da acusação, e também desfazer a mentira.
Os Homens Orientais haviam jurado fidelidade aos Noldor na luta contra Morgoth. Todavia, na maior batalha dos Noldor, não foi Glaurung ou os balrogs que causaram a derrota dos povos livres, mas a traição dos Orientais, na hora de maior necessidade dos elfos e edain. Foi chamada de Batalha das Lágrimas Incontáveis em razão da imensa destruição que causou; quando terminou, quase todos os reinos élficos foram destruídos em Beleriand, e os eldar passaram a viver entre a mata. Aos Orientais como grande recompensa pela traição aos elfos e fidelidade a Melkor Morgoth, foi dada a região de Hithlum, e assim foi destituída a nobre Casa de Hador, da qual Túrin era herdeiro legítimo.
Portanto, os Orientais “inocentes”, segundo a acusação, são os traidores do Oeste, aliados de Morgoth, torturadores de velhos e crianças, cruéis senhores de escravos. De fato, o “inocente” Brodda tomou como esposa uma parenta da sua família, e Túrin foi levado a Doriath para que não fosse feito escravo pelo povo do Leste.
Anos mais tarde, foi graças ao heroísmo do Espada Preta de Nargothrond que Morwen e Nienor puderam fugir do horror dos Orientais.
Desfeita a mentira, a 7ª acusação cai por si própria.
8ª acusação: homicídio premeditado de Brandir
A acusação, novamente, expõe apenas aquilo que lhe convém. Túrin não premeditou o assassinato de Brandir, visto que nem sequer sabia da presença do mesmo no local. Surpreso por ver que todos o haviam seguido pergunta pela esposa sem de nada saber do que havia acontecido, pois estava desacordado.
Ouviu, então, da esposa de Dorlas que Brandir considerava boa notícia que ele estivesse morto e logo depois ouviu de Brandir as palavras ditas pelo dragão que outrora já o havia enganado de forma engenhosa. A que conclusão Túrin poderia chegar, senão de que havia um grande traidor entre o povo de Brethil? Imaginou, como seria natural em tais circunstâncias, que tratava-se de mais um dos servos de Glaurung que o perseguiam.