• Caro Visitante, por que não gastar alguns segundos e criar uma Conta no Fórum Valinor? Desta forma, além de não ver este aviso novamente, poderá participar de nossa comunidade, inserir suas opiniões e sugestões, fazendo parte deste que é um maiores Fóruns de Discussão do Brasil! Aproveite e cadastre-se já!

Tolkien acreditava em seu mundo?

eu quis dizer que a criação de Arda e de seus mitos não foi um processo puramente intelectual como prova disso é o Tom Bombadill
Não foi um processo inteiramente intelectual, pois é impossível um livro de ficção puramente intelectual. Mas daí a dizer que ele "acreditava" nela é extrapolar demais.

sempre pensei que Tolkien acreditava que seu trabalho seria levado a sério pelos acadêmicos que perceberiam a complexidade que sua obra é

mas creio que seria impossivel Tolkien defender sua obra sem acreditar nela
Tolkien não achava que os acadêmicos veriam bem sua obra. Não como um trabalho acadêmico (como obra de ficção talvez).
ele via,eu acho,Arda como uma reconstrução mitológica da Europa
Exato, da Inglaterra, pra ser mais preciso.

Tolkien não acreditava em Arda como uma realidade alternativa mas sim como um trabalho acadêmico e em algumas partes pessoal,com o intuito de divulgar a mitologia e reconstruir a mitologia europeia
Tolkien não via Arda como um trabalho acadêmico, mas puramente pessoal! Ele escrevia trabalhos acadêmicos sim, mas não com Arda. Ele nunca escreveu nada relacionado a Arda para publicação, mas para puramente se satisfazer pessoalmente. O trabalho dele era tão pessoal que ele disse enquanto escrevia o SdA que mesmo se o livro fosse recusado, continuaria a escrevê-lo apenas para se satisfazer.
 
Alguém referiu aí atrás que a escrita é uma forma de escapismo.
Em parte, tem razão.
Mas, escrever não é só uma forma de aliviar o stress ou "sair por momentos" desse mundo em que vivemos.

Eu vou ter um livro que vai sai aqui em Portugal em Setembro e quando me perguntam porque escrevo literatura fantástica, eu respondo que é algo superior a mim, pois sinto enorme vontade de criar.

Talvez se tenha passado o mesmo com Tolkien.
A sua enorme imaginação e reconhecida inteligência, geraram nele uma criatividade tal, que, para "poder respirar", necessitava de criar, recriar, apurar, meditar sobre Arda e a Terra Média. Nele, a sua preocupação base era por certo a interligação de todos os dados e a necessidade de tudo se conjugar num plano perfeito. Nada podia contradizer-se. Nada podia falhar na harmonia da sua visão.

Ele acreditava no ideal do BEM do seu mundo. E acreditava no amor.
Não é à toa que a sua lápide (e da sua esposa) tem a menção a Beren e Luthien.
É evidente que ele sabia bem quel a sua realidade.

Mas soube ausentar-se dela nos seus pensamentos.
Imagino-o passeando pelos campos absorvido pela sua criatividade e esquecido de que era um mero ser humano e mortal.
 
Essa pergunta deveria ser: Os escritores de fantasia acreditam em seu mundo? Acho que não, talvez nas suas fantasias haja um reflexo do nosso mundo não uma "nostalgia" dos seus mundos fantásticos, talvez seja escapismo como disse ruims, mas não creio (posso estar enganado) que sintam algo mais que admiração não.
 
Segundo seu próprio biógrafo oficial, Humphrey Carpenter, parece que Tolkien acreditava sim que sua mitologia espelhava algum tipo de "verdade transcendental" cujos vestígios se encontram nas mitologias pagãs que lhe serviram de base , combinadas com o cristianismo. Ele achava que todas as mitologias inventadas pelo ser humano (inclusive a dele) continham porções de "verdade" que não pode ser apreendida por qualquer sistema de crença no mundo mortal.

When he wrote The Silmarillion Tolkien believed that in one sense he was writing the truth. He did not suppose that precisely such peoples as he described, 'elves', 'dwarves', and malevolent 'orcs', had walked the earth and done the deeds that he recorded. But he did feel, or hope, that his stories were in some sense an embodiment of a profound truth.Time and again he expressed his distaste for that form of literature. 'I dislike allegory wherever I smell it,' he once said, and similar phrases echo through his letters to readers of his books. So in what sense did he suppose The Silmarillion to be 'true'?

Something of the answer can be found in his essay On Fairy-Stories
and in his story Leaf by Niggle, both of which suggest that a man may be given by God the gift of recording 'a sudden glimpse of the
underlying reality or truth'. Certainly while writing The Silmarillion
Tolkien believed that he was doing more than inventing a story. He wrote of the tales that make up the book: They arose in my mind as "given" things, and as they came, separately, so too the links grew. An absorbing, though continually interrupted labour (especially, even apart from the necessities of life, since the mind would wing to the other pole and spread itself on the linguistics): yet always I had the sense of recording what was already "there", somewhere: not of "inventing".'

He had shown the original Earendel lines to G.B. Smith, who had said that he liked them but asked what they were really about. Tolkien had replied: 'I don't know. I'll try to find out.' Not try to invent: try to find out. He did not see himself as an inventor of story but as a discoverer of legend. And this was really due to his private languages.

It is impossible in a few sentences to give an adequate account of how Tolkien used his elvish languages to make names for the characters andplaces in his stories. But briefly, what happened was this. When working to plan he would form all these names with great care, first deciding on the meaning, and then developing its form first in one language and subsequently in the other; the form finally used was most frequently that in Sindarin. However, in practice he was often more arbitrary. It seems strange in view of his deep love of careful invention, yet often in the heat of writing he would construct a name that sounded appropriate to the character without paying more than cursory attention to itslinguistic origins. Later he dismissed many of the names made in this way as 'meaningless', and he subjected others to a severe philological scrutiny in an attempt to discover how they could have reached their strange and apparently inexplicable form. This, too, is an aspect of his imagination that must be grasped by anyone trying to understand how he worked. As the years went by he came more and more to regard his own invented languages and stories as 'real' languages and historical chronicles that needed to be elucidated. In other words, when in this mood he did not say of an apparent contradiction in the narrative or an unsatisfactory name: 'This is not as I wish it to be; I must change it.' Instead he would approach the problem with the attitude: 'What does this mean? I must find out.'

This was not because he had lost his wits or his sense of proportion. In part it was an intellectual game of Patience1 (he was very fond of Patience cards), and in part it grew from his belief in the ultimate truth of his mythology. Yet at other times he would consider making drastic changes in some radical aspect of the whole structure of the story, just as any other author would do. These were of course contradictory attitudes; but here as in so many areas of his personality Tolkien was a man of antitheses.

Ele parece que tinha problemas com a natureza intrínseca da Terra da Irlanda, por causa de motivos e noções que ele racionalizava através de seu próprio mito inventado,dizendo ou sugerindo que ela era meio que "amaldiçoada" ou corrompida devido a razões que parecem, pra nós, estranhamente supersticiosas e que esse mal só era contido pela fé católica dos habitantes da Irlanda do Sul , dando a entender que o norte , a Irlanda britânica protestante ulsteriana era ainda mais corrupta. O que, é claro, lembra a corrupção da terra de Beleriand pelo Elemento Morgoth e sua destruição na Guerra da Ira.


Exato, da Inglaterra, pra ser mais preciso.

Até sobre isso se tem dúvida hoje em dia apesar de se põr em questão as palavras ditas pelo próprio autor. Já foi mostrado, mais de uma vez, que intepretar ao pé da letra coisas ditas por Tolkien com finalidades patrióticas é bem conduzível a erros. E ele puxava sardinha pra lata da Inglaterra enquanto fazia coisas diferentes por debaixo dos panos.

Exemplo: o nome da Aerin, a mulher de Hithlum, parente de Húrin e por afinidade de Morwen( que era um nome galês e celta também) do Children of Húrin é um empréstimo "fonético" direto de um nome de mulher na Irlanda que significa o nome da deusa que simboliza e batiza a própria Irlanda, chamada Eirinn ou Eire. O nome do algoz dela, o marido easterling abrutalhado, Brodda, que significa "espicaçar" ( alusão fálica conotando estupro)em nórdico é o típico pirata viking/anglo-saxão escravizando a mulher celta e, entretanto, no dia claro, Tolkien só se pintava como um partidário do pró-anglosaxonismo dos seus compatriotas ingleses.

Meio estranho que Tolkien, aparentemente, tenha dado uma alfinetada linguística no que se presume que era feito pra glorificar os anglo-saxões, dar uma "mitologia pra Inglaterra", né ? Sempre achei que Tolkien iria ser meio contraditório consigo próprio se aprovasse, irrestritamente, a conduta de piratas pagãos escravocratas porque , na verdade é isso mesmo que os anglo-saxões eram, enquanto os celtas invadidos por eles já tinham se convertido ao catolicismo de Roma ( que também, claro, não era contrária à escravatura, mas aí são outros quinhentos...).

Também meio estranho que Sauron seja, em muitos pontos, um análogo do lado "mau" do deus anglo-saxônico e nórdico principal, o Odin/Wotan, que tinha o nome "Olho de Fogo", enquanto o deus diabólico dos celtas, vilão dos mitos, que também vinha como invasor do norte, de Lochlann*, Balor do Olho Diabólico, era um pirata vindo do mar inclusive com o arquetípico detalhe de ter só um olho "funcional", como Odin , e que queimava seus inimigos à distância com o poder do olho que emitia um raio vermelho. Será que os dois, Balor e Odin ( chamado Baleyg, Olho de Fogo) não lembram alguém não?

*( identificado com a Escandinávia ou com a Escócia mas similar, também, a Lothlann,que, sendo uma variante real do nome era, no Legendarium de Tolkien, "coincidentemente" o nome de uma região próxima à "Terra da Sombra" do norte (Angband), criada por Morgoth, de onde vinham os saqueadores e flageladores dos reinos élficos de Beleriand.


E agora tem essa de que os pedaços remanescentes de Beleriand depois das Montanhas Azuis teriam que fazer parte da geografia da Irlanda.

Muito pano pra manga ainda vai sair disso daí.

Se Eriador e o Shire são mesmo a Inglaterra, pelo mesmo raciocínio geográfico, Beleriand teria que conter partes da Irlanda que seria Beleriand emergida do mar ocidental. E foi em Beleriand que a parte principal da mitologia do Tolkien acontece em termos de grandiosidade. O Senhor dos Anéis e as Segunda e Terceira Eras são, praticamente, danos colaterais da história dos Silmarils. Então, no meu entendimento, é meio questionável dizer que a mitologia de Tolkien é uma "história mítica da Inglaterra", isso pode ter sido o objetivo original mas o que ele acabou fazendo foi bem diferente no fim das contas.

Algumas correspondências como a Lochlann e Lothlann do norte dos respectivos mapas sugerem isso mesmo.

beleriand%2Be%2Beriador.jpg


mapslain.gif


Abaixo mapas sobrepostos da Terra-Média na Terceira Era e da Europa contemporânea , no fundo em sombra cinza bem levinho.Reparem na correspondência, Eriador/Shire/Inglaterra e Lindon/Portos Cinzentos com a Irlanda, a área remanescente de Beleriand.

m-e_euro-jpg.24030


google-middle-earth-corrected-big-jpg.24029

Aí embaixo tem um mapa de como era a Europa há vinte mil anos atrás

LGM.jpg
 

Anexos

  • google-middle-earth-corrected-big.jpg
    google-middle-earth-corrected-big.jpg
    187 KB · Visualizações: 2.888
  • M-e_Euro.jpg
    M-e_Euro.jpg
    88,1 KB · Visualizações: 7.761
Última edição:
Até sobre isso se tem dúvida hoje em dia apesar de se põr em questão as palavras ditas pelo próprio. Já foi mostrado mais de uma vez que intepretar ao pé da letra coisas ditas por Tolkien com finalidades patrióticas é bem conduzível a erros. E ele puxava sardinha pra lata da Inglaterra enquanto fazia coisas diferentes por debaixo dos panos
Ilmerinen, pelo que eu sempre entendi, e entendo até hoje, embora a história não se passe na Inglaterra, ele sempre criou Arda como se fosse uma mitologia em que os antigos ingleses acreditavam. Havia sim nomes, referências a outros lugares (como em qualquer mitologia), mas ele era primordialmente uma mitologia para os ingleses, que explica a origem e evolução da Inglaterra. A participação da Inglaterra diminuiu ao longo do tempo (é so compara o Silmarillion publicado com o Lost Tales), mas a intenção permaneceu.

De qualquer modo, minha argumentação continua válida apesar desse detalhe.
 
Ilmarinen, pelo que eu sempre entendi, e entendo até hoje, embora a história não se passe na Inglaterra, ele sempre criou Arda como se fosse uma mitologia em que os antigos ingleses acreditavam. Havia sim nomes, referências a outros lugares (como em qualquer mitologia), mas ela era primordialmente uma mitologia para os ingleses, que explica a origem e evolução da Inglaterra. A participação da Inglaterra diminuiu ao longo do tempo (é so compara o Silmarillion publicado com o Lost Tales), mas a intenção permaneceu.

De qualquer modo, minha argumentação continua válida apesar desse detalhe.

Aí é que está Célio: a interpretação literal do que Tolkien considerava "Inglaterra" ou "ingleses" é que está sendo totalmente questionada hoje em dia (uma coisa que os próprios ingleses radicais estão demorando pra aceitar mas o estão fazendo com muita relutância) A questão é que os "antigos ingleses" aí, no fim das contas, podia não significar tanto só ou principalmente os antigos ingleses "anglo-saxões" mas, sim, numa escala igual ou até maior, os antigos ingleses pré-anglo-saxões que eram celtas, os habitantes originais do local quando o cristianismo se propagou pra lá.

Quando Tolkien começou a dizer que iria fazer uma mitologia para a Inglaterra e que essa mitologia tinha que ser a que era a crença dos anglo-saxões isso foi depois que passou a ser politicamente correto, na Inglaterra, repudiar a mitologia celta, que era a mitologia "britânica" por excelência até então, por questões religiosas e políticas mas que não tinham nada a ver com verdade histórica ou mitológica.

Foi a mitologia céltica que foi usada pra glorificar a Rainha Elizabeth I no The Faerie Queene de Spenser trezentos anos antes, que é a base pra lenda do rei Arthur e é a que foi referida por Shakespeare.Ela é, historicamente, a mitologia autêntica dos ingleses, isso só passou a ser encoberto e negado a partir do século passado),

Tanto é que ele teve que fazer seus personagens cronistas anglo-saxões, Aelfwine e Eriol, sendo praticantes de uma modalidade de cruzada mítica céltica e não anglo-saxã, a Imrama, a jornada para o Ocidente Paradisíaco. Tolkien, depois de abandonar a história desses dois cronistas ficcionais, homenageou o gênero criando um poema para o mais famoso viajante de Imrama, , o irlandês e não inglês, São Brandão, o Imram ( Jornada) incluído em HoME IX.

Como é que a mitologia do Tolkien iria ser feita exclusivamente de verdade, e não só nas declarações de Tolkien , teoricamente pra refletir a crença dos antigos ingleses anglo-saxões, sendo que a mitologia, num monte de elementos principais, espelhava a mitologia dos celtas e não a dos saxões?Onde indivíduos "sagrados" vinham do Ocidente Paradisíaco além do Mar pra duelar contra uma Força do Mal proveniente do "Norte" e que depois são suplantados pelos homens mortais,emigrados do leste, e voltam pra um Ocidente distante e/ou para um Otherworld além do alcance humano? E acontece que os vestígios escritos da mitologia celta não são encontrados na Inglaterra mas , sim, obtidos de material localizado no país de Gales e, principalmente, na Irlanda.

Sabe quem é que devia ter uma mitologia que, no mundo de Tolkien, devia refletir ao extremo a mitologia dos saxões e escandinavos pagãos num grau muito maior? Os próprios Orcs, que veneravam Melkor, o deus cinzento da Terra Desolada do Norte, já que Odin era um Deus da Guerra e da feitiçaria que, em Wagner, no Anel do Nibelungo, construiu uma lança mágica que concentrava e aumentava o seu poder depois de destruir uma Árvore Sagrada ao usar pedaços dela e escrever runas no cabo ( Anel do Poder e suas letras "gravadas em fogo", anyone?.

Meio suspeito também que Melkor e Ungoliant tenham destruído duas Árvores Sagradas Mágicas com o auxílio de uma Lança mística invocada por Melkor ( que, como você sabe Célio, era uma espada no Book of Lost Tales onde ele concentrou "o seu poder divino" para matar Telperion e Laurelin). Lembrando que Odin/Wotan também cravou uma espada mágica enfeitiçada por ele no tronco de uma árvore na Volsunga Saga e na ópera de Wagner. Coincidências? Duvido.

Isso não é uma opinião minha só não, vc pode conferir em detalhes os argumentos e indícios nesse texto aí: o lance é que cada vez mais se apura a noção de que Tolkien, nesse departamento, falava uma coisa mas fazia outra.

O texto está mais fácil de ser lido aí (não está subdividido em dezesseis partes):

“Mad” Elves and “Elusive Beauty”: Some Celtic Strands of Tolkien’s Mythology

This incorporation of Celtic elements into a mythology that was initially intended to be purely "English" shows that Tolkien's views gradually changed. He eventually came to regard the Celts not as binary opposites to the Anglo-Saxons, but as co-invaders and co-inhabitants of the same island, of the same land about which he felt so passionately.

Entrevista com a autora

O ponto onde eu divirjo da Fimi aí em cima é no seguinte: para mim, Tolkien não mudou de idéia de verdade. Ele sempre pensou isso desde que começou a fazer a mitologia dele ( tanto é que tentou disfarçar a influência quando ela dava muito na vista mudando nomes como Avallon para Avalónnë, Broceliand para Beleriand, Finn para Finwë e Gwendeling para Melian) mas, na década de trinta, quando falou do projeto de criar a mitologia para a Inglaterra, o autor não podia dizer isso por lá: que a tal da mitologia inventada para a Inglaterra era, em grande parte, uma reconstrução da mitologia celta da Irlanda ( a la Elias Lonrot com o Kalevala), que já existia, sob pena de correr o risco de nunca poder publicar a obra, tal como ela tinha sido concebida.

E vale a pena dizer: a própria Fimi disse na entrevista dela que esses elementos estavam na mitologia de Tolkien "desde o começo", na época do Livro dos Contos Perdidos. Para quê Tolkien iria colocar elementos "célticos" se sua idéia do que era pra ser inglês no lugar de "britânico" fosse, de fato, tão bitolada ao ponto de excluir tudo que era celta?

Lógico que uma mitologia inventada reconstruída da mitologia celta irlandesa não pode ser uma "mitologia inglesa" ao pé da letra a não ser que se considere essa noção: seria a mitologia celta da Inglaterra se ela não tivesse sido conquistada pelos anglo-saxões, uma mitologia "nascida" e nativa do solo da Inglaterra seria muito mais uma mitologia variante da celta irlandesa ( já que as duas eram parentes próximas) do que uma mitologia transplantada das regiões teutônicas do continente onde os saxões moravam originalmente.

E, espiritual e conceitualmente, a mitologia do Silmarillion espelha muito mais a noção de ser uma homenagem disfarçada pra Irlanda e sua dura batalha e "longa derrota" contra a tirania do "Norte" e o papel fundamental que ela teve na cristianização do ocidente pagão e na preservação do legado cultural da Antiguidade , propagação de influência espiritual e intelectual, do que a de ser um verdadeiro elogio pra Inglaterra e sua noção de espalhar "ordem e progresso" através de expansionismo imperialista, onde povos eram oprimidos em nome de um "Deus Único"(como Morgoth era), inclusive os irlandeses católicos com cuja causa Tolkien, obviamente, simpatizava dado o seu ódio pela igreja anglicana, comentado pelo Carpenter na sua biografia.

Tolkien had a deep resentment of the Church of England which he sometimes extended to its buildings, declaring that his appreciation of their beauty was marred by his sadness that they had been (he considered) perverted from their rightful Catholicism.

Talvez não tenha sido coincidência que Tolkien colocou essa ideologia imperialista na cabeça de Sauron, usando argumentos remanescentes, inclusive, da crítica praticamente genocida que Edmund Spenser (o mesmo que usou mitologia céltica pra glorificar Elizabeth I e que escreveu seu poema morando na Irlanda) fez aos católicos irlandeses pra justificar os interesses da Coroa Britânica no país séculos antes.

In the early 1590s, Spenser wrote a prose pamphlet titled, A View of the Present State of Ireland. This piece remained in manuscript until its publication and print in the mid-seventeenth century. It is probable that it was kept out of print during the author's lifetime because of its inflammatory content. The pamphlet argued that Ireland would never be totally 'pacified' by the English until its indigenous language and customs had been destroyed, if necessary by violence. Spenser recommended scorched earth tactics, such as he had seen used in the Desmond Rebellions, to create famine. Although it has been highly regarded as a polemical piece of prose and valued as a historical source on 16th century Ireland, the View is seen today as genocidal in intent.

Tática de terra arrasada, scorched earth: parece que foi isso mesmo que Tolkien disse que Sauron havia usado em Eregion. Aliás acho meio interessante essa assonância quase aliterativa, reparem: Aerin, Eirinn, Eriador, Eregion, Ereinion-Gil Galad, Eryn Galen ( Mirkwood)....Suspeitíssimo.

Further British use of scorched earth policies in war was seen during the 16th century in Ireland, where it was used by English commanders such as Walter Devereux and Richard Bingham. Its most infamous use was by Humphrey Gilbert during the wars against the native Irish in Munster in the 1560s and 1570s, actions which earned the praise of the poet Edmund Spenser in his A View of the Present State of Ireland in 1596.[citation needed]
The Desmond Rebellions are a famous case in Ireland. Much of the entire province of Munster was laid waste. The poet Edmund Spenser left an account of it:
“In those late wars in Munster; for notwithstanding that the same was a most rich and plentiful country, full of corn and cattle, that you would have thought they could have been able to stand long, yet ere one year and a half they were brought to such wretchedness, as that any stony heart would have rued the same. Out of every corner of the wood and glens they came creeping forth upon their hands, for their legs could not bear them; they looked Anatomies [of] death, they spoke like ghosts, crying out of their graves; they did eat of the carrions, happy where they could find them, yea, and one another soon after, in so much as the very carcasses they spared not to scrape out of their graves; and if they found a plot of water-cresses or shamrocks, there they flocked as to a feast for the time, yet not able long to continue therewithal; that in a short space there were none almost left, and a most populous and plentiful country suddenly left void of man or beast
.

an-gorta-mor-jpg.42423


An gorta Mór ( A Grande Fome em gaélico, lembrando a fonética de Morgoth e Gorthaur

Huuummm ( é comum eu sair pensando "em voz alta" enquanto eu redijo e edito posts)

Olhem só, carta 143:

I think that in fact the Entwives had disappeared for good, being destroyed with their gardens in the War of the Last Alliance (Second Age 3429-3441) when Sauron pursued a scorched earth policy and burned their land against the advance of the Allies down the Anduin (vol. II p. 79 refers to it2). They survived only in the 'agriculture' transmitted to Men (and Hobbits).

Também não sou só eu que pensa assim não: na citadíssima e prestigiosa enciclopédia de Hammond e Scull, o casal citou essa opinião de uma pesquisadora nos princípios da década de noventa ( onde houve uma curta febre de pesquisa sobre isso nos fanzines tolkienianos).

Marie Barnfield surveyed Celtic influences on the First and Second Ages of Tolkien's mythology in two articles, 'Celtic Influences on the History of the First Age', Mallorn 28 (September 1991), and 'More Celtic Influences: Numenor and the Second Age', Mallorn 29 (August 1992). The first article concludes:
The Silmarillion is rich in Celtic inspiration; indeed it is Celtic at its very core. The topography of its enchanted West, and the greatest of its Other-world treasures, the Two Trees of Valinor and the Silmarils that entrapped their light, have a provenance in the apple-trees of Avalon and Emain Ablach [Palace of the Apple Trees]. If it was from Teutonic myth that Tolkien took the name of the 'Elves', then it was from Irish legend that he drew their soul. From Irish legend too comes the history of their long defeat, the motive of the 'fading'....
There is a sense in which The Silmarillion is the broken stained-glass window of Celtic myth, reassembled with design. And the light that shines through it, the Light of the Blessed realm, is the very same that greeted St. Brendan as he emerged from the hedge of mist upon the shores of the Land of Promise, [pp. 5-6]
In the second article she notes that in attempting to provide an English mythology Tolkien stated that 'through Eriol and his sons the Engle (i.e. the English) have the true traditions of the fairies, of whom the Iras and Wealas (the Irish and Welsh) tell garbled things' (*The Book of Lost Tales, Part Two, p. 290). She comments: 'In one sense this statement reinforces the view that Tolkien's mythology was to be specifically English and not Celtic. Looked at the other way, however, he seems to have been suggesting that he planned to tell the "true" version of stories told in garbled form by the Irish and Welsh - i.e., that the English mythology he is about to invent is to be at base a reconstruction of Celtic myth' (p. 7).

O motivo pra isso não ter sido admitido explicitamente pelo próprio Tolkien, e que, até hoje, pega muito mal para qualquer pessoa britânica ou americana reconhecer, ( assim como vc viu que a Verlyn Flieger, aparentemente, achava que pegava mal admitir o elemento católico em Tolkien em outro tópico) está explicado nesse texto aí:

Tolkien: "desnecessário dizer que não são celtas"
 

Anexos

  • 1977133.pdf
    141,9 KB · Visualizações: 23
  • 1980497.pdf
    76,6 KB · Visualizações: 21
  • Skibbereen_1847_by_James_Mahony.JPG
    Skibbereen_1847_by_James_Mahony.JPG
    136,3 KB · Visualizações: 10
  • an gorta mór.JPG
    an gorta mór.JPG
    81,6 KB · Visualizações: 222
Última edição:
Olha, depende do sentido que você dá à palavra "acreditar". Ele entrar na sua obra é uma coisa, daí a acreditar nela como uma realidade mesmo que em outro "mundo" ou "plano" é um passo muito distante. Ele acreditava nela assim como um pintor acredita na sua pintura: sabe que aquilo é inventado (como o pintor sabe que sua tela é uma paisagem inventada), mas ele também sabia que continha alguns elementos reais (como o pintor que coloca na paisagem inventada uma árvore que viu).


tbm não quis dizer que viajava ao ponto de ver elfos ou falar com orcs... claro que não... mas que ele entrava em seu mundo de uma forma sútil... talvez sentindo o cheiro da grama ao imaginá-la, ou ouvindo o tinir das espadas ao colocá-las nas batalhas, etc...
 
tbm não quis dizer que viajava ao ponto de ver elfos ou falar com orcs... claro que não... mas que ele entrava em seu mundo de uma forma sútil... talvez sentindo o cheiro da grama ao imaginá-la, ou ouvindo o tinir das espadas ao colocá-las nas batalhas, etc...

Nossa, que poético.
 

Valinor 2023

Total arrecadado
R$2.434,79
Termina em:
Back
Topo