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Ungoliant, o 'buraco negro' da Terra Média

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Muito interessante esta análise do Akira de que Ungoliant era um ser de cinco dimensões, principalmente se levarmos em conta de que o interior de seu corpo era a porta de entrada para uma dimensão de, ao mesmo tempo, existência e inexistência (até porque, até onde eu sei, o tempo não existe nos buracos negros, tal a força gravitacional que há neles) ou seja, o que quer que engolisse, estaria perdido para sempre.

Penso que se ela fosse caçada e morta, seus aniquiladores teriam apenas o seu couro já que imagino que ela era oca, talvez antiluz em quantidade considerável deixasse o cadáver de Ungoliant quando de sua morte, mas, ao contrário de Carcharoth, não haveria entranhas onde vasculhar pelo que ela havia devorado.

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Aqui cabe mencionar que a adição de dimensões extras dentro dos círculos do mundo poderia ampliar os lugares e oportunidades de esconderijos e de interações entre os elementos desse mesmo mundo.

Por exemplo, não se sabe ao certo o número total de dimensões em que a luz das árvores e das Silmarils brilhava. Seguindo a lógica da nutrição do mundo com essa luz podemos arriscar que mesmo criaturas dos palácios de Mandos poderiam ver a luz sem ter diferença e que talvez ela brilhasse em bem mais que 3 dimensões do espaço. (Um farolete de luz espiritual que não produz sombra versus luz física é uma oposição semelhante a guerra espiritual versus guerra física).

Especula-se no Silma que ela veio de fora e esse lugar pode ser interpretado como um lugar e momento extra escondido dentro dos círculos, vindo a habitar posteriormente uma morada pouco interessante para os Valar. A saber, do ponto de vista dos Poderes, uma morada em um lugar pouco interessante (pouco notado e sem chamar a atenção ao sul de Aman) pode significar muito. Qual seria o reflexo de uma morada pouco notável nas leis físicas de uma região como aquela? Afinal era dito que os elfos costumavam se aventurar um pouco mais longe para caçar dentro desse continente dos Valar.

Cinco dimensões também podem não referir necessariamente a espaço dentro de outro espaço. Se o cenário for um espaço dentro de dois tempos (o tempo do mundo englobado por um tempo maior) ela penetraria vinda de uma linha temporal descartada pelos poderes.
 
Falando de Ungoliant, mas sem falar de Ungoliant (maldito paradoxo)
Estou sem os livros aqui; alguém sabe o tamanho de Laracna?
Está mais ou menos certo o tamanho proposto no filme ou nos livros tem alguma coisa diferente?
Fiquei com essa curiosidade agora

Tá bem certinho sim. O lance adicional que os filmes deixaram de fora é que as teias de Shelob tinham propriedades de neutralização de vontade e absorção de luz similares aos de Mamãe Ungwë. E os rascunhos do SdA publicados em HoME 6 a 9 davam conta que o covil de Laracna era envolto por uma barreira temporal similar à que fora entretecida ao redor de Lothlórien.

A respeito da glutonice , fome e "luxúria" de Ungoliant e Shelob vale a pena transcrever aqui alguns ítens a respeito de como é que Tolkien conceitualizava essas coisas e o modo com que elas estavam imbricadas.



Essa é a raiz do amor em todas as formas. A possibilidade de alcançar abundância ilimitada é a tentação do ser humano. que é um eu e possui um mundo. O nome clássico para esse desejo é concupiscentia, "concupiscência" - o desejo ilimitado de atrair a realidade toda para o próprio eu. Este desejo refere-se a todos os aspectos da relação que o ser humano estabelece consigo mesmo e com seu mundo. Refere-se tanto à fome física como ao sexo, tanto ao conhecimento como ao poder, tanto à riqueza material como aos valores espirituais. Mas esse sentido todo-abrangente da concupiscência frequentemente foi reduzido a um sentido muito especial, a saber, ao desejo do prazer sexual. Inclusive teólogos como Agostinho e Lutero, que consideravam o pecado espiritual como básico, tenderam a identificar concupiscência com desejo sexual.


Compare com esse parágrafo nesse artigo:

However, the word lust actually appears in LotR and Tolkien's other works. In the instances when lust does appear in print, it deviates from the expected sexual association--uncontrolled sexual passion, rape, infidelity, promiscuity, or sexual perversion. Instead, Tolkien's interpretation of lust is a bit like, but by no means synonymous with, greed or strong desire. It echoes an older, Middle-English meaning. Per the OED, the earliest literary references from the years 888 and 900 employ lust to signify pleasure or desire. Not until approximately 1000 was lust equated with sensuous or sexual desires and often linked to sin. In his own works, Tolkien seldom alludes to the older meaning alone nor does he use greed and lust interchangeably. Distinctly and separately he refers to the strong desire to possess things, especially concrete, material objects, as greed. But, just as the interpretation of lust is inadequate if confined to sexual parameters, so, too, an interpretation of lust as desire, even strong desire, is also insufficient. When lust is introduced, it suggests a peculiarly Tolkienien bent and intent. "Lust" implies that not only is there a tremendously strong desire for some thing, but, regardless of whatever is desired, abstract as often as concrete, the level of desire surpasses the limitation of strong, careens over the edge of ultimate, and soars to the heights of above all else. In other words, it is inordinate, overwhelming, overmastering in nature.(...)

On the two occasions in LotR when Tolkien applies the word lust in association with Shelob's gluttony, it carries no sexual implication. True, the monster spider has previously slain and presumably eaten her own offspring, the culmination of the sexual procreation cycle, but the act of cannibalizing her own descendants and mate is the primary focus. Having eaten her own family members, for some time she has delighted in feasting on the prisoners that Sauron sends her way. Although she prefers Elves and Men as the main course, if the food supply is scarce she will accept less tasty fare, even nasty Orcs. By applying his modifier lust, Tolkien emphasizes that none of this food quenches Shelob's insatiable appetite. Her gluttony is magnified. Her appetite knows no bounds; she is obsessed with food; she has been mastered by the desire to consume other living beings. She has savored every type of meat available, yet "she lusted for sweeter meat" (IV.9.708). Tolkien clearly differentiates Shelob's lust from Gollum's: "Her lust was not his lust" (707); instead, Gollum's lust accommodates Shelob's lust. To alleviate his own overwhelming desire to regain the Ring, Gollum offers to satiate Shelob's extreme desire for a new and tasty menu delight--Frodo, the Ring-bearer and ultimate entree.

Isso também como uma forma de preparar as portas pra uma outra comparação que não foi feita nesse tópico: Ungoliant com Lilith.

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Individually, all of these elements make Ungoliant a wickedly sweet villain, someone who can give us the epic heebie-jeebies. But taken together, they remind me of someone else: the Biblical demon mother Lilith. Now, Lilith has quite a modern history of her own and it is important to remember Tolkien is writing in the 1940s and 50s, long before Anne Rice and Mark Rein-dot-Hagen. Tolkien’s Lilith is the Judaic first wife of Adam, whose refusal to be on the bottom became a morality tale meant to instruct women on their proper place in society (that place being: on the bottom). Cast out by God, Lilith became the mother of a vast brood of monsters, a dweller in darkness who – by the Middle Ages – was bride to the fallen angel Sammael, a devourer of children, and queen over her life-draining vampiric minions, the succubi, lilim and lilitu. Ungoliant serves all these roles, just translated through the Middle-earth lens. Morgoth is both her Adam and her Sammael – the man she leaves, and the man she partners with, finally jumping him in a perverted intercourse complete with web-bondage and whips (albeit whips of flame). Lilith’s monstrous brood become Ungoliant’s unnumbered spawn, and Lilith’s night-dwelling habits (she was called “the screech owl”) manifest in Ungoliant’s ever-present darkness, her need to dwell in shadow while simultaneously hating and hungering for light. And in both Lilith and Ungoliant we have that overpowering lust, that unstoppable corrupting sexual fervour.

A Lilith judaica-cristã é derivada de um demônio sumério-babilônico e, na etimologia popular, ao traduzir o significado original do acadiano, o termo original hebraico foi, inacuradamente, considerado como sendo cognato de "layil", "noite" e se Tolkien, uma vez, comprovadamente, a considerou uma personificação da "Noite Primordial", isso passa a ser especialmente significativo.

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A Lilith judaica era considerada a primeira mulher de Adão, que, depois de se auto-exilar do Paraíso Terrestre devido ao fato de não desejar servir os caprichos sexuais de Adão à maneira dele ("Papai e Mamãe" só no menu quando ela queria era "montar a cela"), acabou encontrando com Samael (o protótipo do Lúcifer cristão junto com o Satã bíblico propriamente dito, o Promotor Público do Céu no Livro de Jó) e fazendo com ele uma vasta prole de seres medonhos que, desde então, assombram os sonhos dos mortais, os Lilim, súcubos e íncubos.

Entao Ungoliant e Lilith são ambas:

a) Conectadas com a noite na qual são predadoras.
b)Geratrizes de proles amaldiçoadas extremamente numerosas que assombram os mortais.
c)Insurrectas contra a vontade de Deus.
d) Cooptadas e transformadas em consortes/aliadas de Demônios (Melkor e Samael( que, talvez, não tão coindentemente assim, também tem o nome obscuro de Malkira) que as aliciam depois da fuga da autoridade exercida por seus adversários/perseguidores "angelicais".

Não é pra menos que no filme de fantasia dos anos oitenta, a Lenda, de Ridley Scott, a heroína, Lily é transformada numa versão dark de si própria pela influência do vilão, Escuridão.

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Neil Gaiman e Jill Thompson magistralmente sumarizam a lore midráshica sobre Lilith e as outras mulheres de Adão-reparem nas sutilezas: a progressiva diminuição de estatura entre as três e, também, na correspondência sutil: donzela(segunda Sem Nome) mãe(Lilith) e velha (Eva)

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Anexos

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Nestes rascunhos Shelob era bem mais "sobrenatural" do que a da versão oficial, até onde eu sei. No "SDA", ela é "apenas" um animal muito inteligente e muito poderoso (imortal?).

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Shelob seria uma Ungoliant 2? 8-O Pq realmente, na versão final ela acabou bastante, digamos, "diminuída", pois se Ungoliant conseguiu aprisionar o então mais poderoso dos Valar (mesmo após sugar toda a luz das Árvores) como Laracna seria derrotada por um hobbit?

Tá certo, ela estava "invicta" até então, mas então a espada que Sam usava (era Ferroada não era?) teria um poder superior, digamos, como a espada que Merry carregava? (conforme foi discutido no tópico sobre o destino de Éowyn)?

-q. Fiquei meio confusa agora.
 
Shelob seria uma Ungoliant 2? 8-O Pq realmente, na versão final ela acabou bastante, digamos, "diminuída", pois se Ungoliant conseguiu aprisionar o então mais poderoso dos Valar (mesmo após sugar toda a luz das Árvores) como Laracna seria derrotada por um hobbit?

Tá certo, ela estava "invicta" até então, mas então a espada que Sam usava (era Ferroada não era?) teria um poder superior, digamos, como a espada que Merry carregava? (conforme foi discutido no tópico sobre o destino de Éowyn)?

-q. Fiquei meio confusa agora.


A espada que Samwise usou contra Laracna, que era a mesma lâmina dada pro Frodo pelo Bilbo e usada no Hobbit (Sting, Ferroada no Brasil e Ferrão em Portugal), era uma espada curta élfica gondolindriana, como Glamdring e Orcrist, Lindoriel e, presumivelmente, era MUITO MAIS poderosa do que o artefato numenoriano tardio que Merry usou contra o Senhor dos Nazgûl, refletindo a diferença de perícia mágica entre os Noldor e os numenorianos no exílio.

Não foi um "hobbit" que venceu Laracna. Verdade seja dita, a luz do Silmaril de Eärendil contida no frasco de Galadriel ("vingança" pela Destruição das árvores) a afastava e aturdia e ELA MESMA se empalou no aço do Ferrão ao tentar esmagar o Samwise.

Enfurecida com o malogro de suas tentativas anteriores, ela não fez uso de estratégia e sutileza/manha pra "cansar" o hobbit como deveria ter feito, subestimou a tenacidade da presa e, louca de raiva, quis esmagá-lo sem levar em conta a hipótese de que ele pudesse ter a presença de espírito pra suster a espada numa posição (errr)... "ereta" em relação ao seu abdome descendente, cheio de horror e excrescência lovecraftianas (coincidência ou não, a Laracna se "ferra" (pegou, pegou?:sacou::sacou::P) JUSTAMENTE por tentar ficar "por cima" e prensar o macho debaixo dela, precisamente " a "trangressão" de Lilith ao não se submeter a Adão em posição "subalterna").

Tem uma grande diferença entre ter sido outsmarted ( vencida na esperteza ou intelecto) pra outpowered (subjugada por força superior). Samwise nunca a teria derrotado se ela não estivesse tão mal-acostumada a enfrentar inimigos menos determinados ou mais fáceis de amedrontar para além de qualquer capacidade de resistência durante centenas de anos.

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A ilustração aí em cima peca por botar o abdome da besta como uma coisa capaz de "se dobrar" ou (errr...) "invaginar", sendo que era mais o caso de se "quebrar", ou rachar igual ao exoesqueleto de um besouro ou barata.Tolkien deixou claro que a barriga de Shelob NÃO ERA "mole", macia ou desprotegida como o ventre dos dragões e que nem a força de um Túrin Turambar daria conta de impulsionar uma espada de forma tal que violasse a armadura quitinosa que jazia debaixo dela.

Essa outra cena aí embaixo ilustrando a confrontação de Kull, o rei atlante, com uma aranha gigante nadadeira num lago mal-assombrado, mostra algo bem mais parecido com o que Tolkien descrevera: o exoesqueleto "rachando" diante do choque com a espada do rei bárbaro.

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Sua cabeça surgiu violentamente à luz, que se apagava
rapidamente, e nesse mesmo instante uma grande forma
avançou espumando em sua direção: era uma estranha
aranha d'água, porém maior que um porco, e seus olhos frios
brilhavam com uma mirada infernal. Kull se manteve na
superfície com movimentos dos pés e de uma mão, e levantou
sua espada quando a aranha se precipitava sobre ele.
A lâmina partiu o corpo em dois, e o monstro afundou em
silêncio.
Um leve som o fez se virar a tempo de ver que outra,
ainda maior que a primeira, já estava quase sobre ele. O
monstro estendeu, sobre os braços e ombros do rei, pegajosos
fios de teia-de-aranha, que significariam a ruína para
qualquer um que não fosse um gigante como o rei. Mas Kull
cortou as duras correntes como se fossem cordas, segurou
uma pata daquela coisa que se erguia sobre ele e atravessou
o monstro uma vez após outra, até que o notou debilitado,
o soltou e o animal flutuou, se afastando e avermelhando as
águas a seu redor.
- Por Valka! — murmurou o rei — Parece que vou ficar
sem nada pra fazer. E, no entanto, é fácil demais matar estas
coisas. Como superaram Brule, que só se vê superado por
mim em combate em todos os Sete Impérios?

A história original, que é interessante porque contém vários outros análogos a empréstimos mitopéicos do Tolkien pode ser lida em português nesse comic.

Diferente de outras histórias que incluiam Kull publicadas durante os anos 30( todas encontráveis no Gutenberg da Austrália como The Shadow Kingdom ( o protótipo possível de A Nova Sombra) e Kings of the Night ( que contém uma cena análoga à resistência heróica de Húrin e Huor no desfiladeiro de Serech no Silmarillion) essa só foi publicada bem depois da morte de Howard, já na década de 60 e, então, não pode ter sido lida por Tolkien a tempo de ter influenciado o Senhor dos Anéis.

A Gata de Delcardes-Chamada em inglês também de A Gata e a Caveira
Na companhia de Tu, conselheiro-chefe do trono, o rei Kull compareceu
para ver a gata falante de Delcardes, pois ainda que um gato
possa olhar para um rei, não é dado a todos os reis ver uma gata como
a de Delcardes. Assim, Kull se esqueceu das ameaças do necromante
Thulsa Doom, e foi ver Delcardes.
Kull se mostrava cético, e Tu era cauteloso e se mostrava desconfiado
sem saber o porquê, mas anos de contra-conspirações e intrigas lhe
haviam azedado o pensamento. Jurava obstinadamente que uma gata
falante não era mais que uma fraude e um engano, e afirmava que, se
algo assim realmente existia, isso seria um insulto direto aos deuses,
pois estes haviam ordenado que só o homem tivesse o poder da palavra.
Mas Kull sabia que, nos tempos antigos, os animais haviam conversado
com os homens, pois ouvira contar as lendas, transmitidas de geração
em geração por seus antepassados bárbaros. Assim, embora cético,
tinha a mente aberta às crenças.
Delcardes ajudou a aumentar esta convicção. A dama estava estendida
com uma sutil naturalidade sobre seu divã de seda, como um
grande e belo felino, e olhou Kull por baixo de cílios longos e curvados,
que proporcionavam um encanto inimaginável a seus olhos estreitos,
atrativamente rasgados.
Tinha lábios cheios e vermelhos, habitualmente curvados, como
agora, num suave sorriso enigmático. Sua vestimenta de seda, e seus ornamentos
de ouro e pedras preciosas pouco escondiam de sua gloriosa
figura.
Mas a Kull não interessavam as mulheres. Governava a Valúsia, é
certo, mas à parte disso continuava sendo um atlante e um selvagem
aos olhos de seus súditos. A guerra e a conquista atraíam toda a sua
atenção, junto com o trabalho de manter os pés firmemente assentados
sobre o sempre cambaleante trono de um império antigo, e o de aprender
os costumes e a forma de pensar do povo que governava.
Para Kull, Delcardes era uma figura misteriosa, como
uma rainha atraente, mas cercada por uma auréola de
sabedoria antiga e de magia feminina.
Para Tu, por sua vez, não era mais que uma mulher e,
conseqüentemente, fundamento latente de intriga e perigo.
Para Ka-nu, o embaixador picto e conselheiro mais íntimo
de Kull, ela era como uma menina ávida, mas Ka-nu
não estava presente quando Kull veio ver a gata falante.
A gata estava sobre uma almofada de seda, num
pequeno divã apropriado, e observou o rei com olhos inexploráveis.
Se chamava Saremes, e dispunha de um escravo,
posto atrás dela, disposto a satisfazer seus menores desejos:
se tratava de um homem alto e magro, que mantinha oculta
a parte inferior de seu rosto sob um tênue véu que lhe caía
até o peito.
- Rei Kull. — disse Delcardes — Devo pedir-lhe um favor
antes que Saremes comece a falar, já que então deverei
permanecer em silêncio.
- Pode falar. — disse Kull.
A mulher sorriu ansiosamente e entrelaçou as mãos.
- Peço-lhe que me permita casar com Kulra Thoom, da
Zarfhaana. Tu interveio antes que Kull pudesse falar.
- Milorde, este assunto já foi longamente discutido. Eu já
imaginava que havia algum propósito oculto ao lhe pedirem
esta visita. Esta mulher tem sangue real nas veias, e vai
de contra os costumes da Valúsia permitir que as mulheres
de sangue real se casem com estrangeiros de classe inferior.
- Mas o rei pode ditar outra coisa, se assim o deseja. —
replicou Delcardes.
- Milorde — disse Tu, movendo as mãos como alguém
que se encontra nos últimos estágios da irritação nervosa
—, se lhe permitir casar-se desse modo, isso provavelmente
será motivo de guerra, rebelião e discórdia durante os próximos
cem anos.
Pareceu disposto a se lançar num discurso sobre classe
social, genealogia e história, mas Kull lhe interrompeu, com
sua breve reserva de paciência já esgotada.
- Por Valka e Hotath! Por acaso sou uma anciã ou um
sacerdote, para ser importunado com tais assuntos? Se conserte
e não mais me importune com questões matrimoniais.
Por Valka! Na Atlântida, os homens e as mulheres se casam
com quem querem, e com mais ninguém.
Delcardes fez cara feia para Tu, que se encolheu; logo,
ela sorriu encantadoramente e se voltou para o divã, com
um movimento ágil.
- Fale com Saremes, antes que ela sinta ciúmes de mim.
Kull olhou a gata com desconcerto. Ela tinha uma pelagem
longa, sedosa e cinza, e olhos rasgados e misteriosos.
- Ela parece bem jovem, Kull, mas na verdade é muito
velha. — disse Delcardes — É uma das gatas da velha raça,
que viviam até os mil anos. Pergunte sua idade, Kull.
- Qual a sua idade, Saremes? — perguntou Kull, distraído.
- A Valúsia ainda era jovem, quando eu já era velha. —
respondeu a gata, com voz clara, ainda que curiosamente
timbrada.
Kull se sobressaltou violentamente.
- Por Valka e Hotath! — exclamou — Ela fala!
Delcardes pôs-se a rir suavemente, alegre, mas a expressão
da gata não se alterou.
- Falo, penso, sei e sou. — acrescentou a gata — Fui aliada
de rainhas e conselheira de reis, desde muito antes que
as praias brancas da Atlântida conhecessem seus pés, rei da
Valúsia. Vi os antepassados valusianos cavalgarem para os
extremos mais orientais, para esmagarem aqueles da velha
raça, e já estava aqui quando os da velha raça surgiram dos
oceanos, há tantas eras que a mente humana se atordoa ao
tentar medi-las. Sou mais velha que Thulsa Doom, a quem
poucos homens viram. Vi surgirem impérios e reinos se desmoronarem,
vi reis cavalgarem seus corcéis e saírem de suas
guaridas. Fui uma divindade em minha época, e estranhos
foram os neófitos que se inclinaram diante de mim, e terríveis
os ritos praticados em minha honra. Fui respeitada por
seres louvados de minha própria classe, seres tão estranhos
quanto suas façanhas.
- Você consegue ler as estrelas e predizer o futuro? —
perguntou Kull, cuja mente de bárbaro lançou-se de imediato
sobre idéias materiais e práticas.
- De fato, os livros do passado e do futuro estão abertos
diante de mim, e digo ao homem o que é bom que ele saiba.
- Neste caso — disse Kull —, diga-me onde está
guardada a caixa secreta que Kanu me enviou ontem e que
já não encontro.
- Tu a guardaste no fundo da bainha de sua adaga, e a
esqueceu de imediato. — respondeu a gata.
Kull se sobressaltou, puxou a faca e sacudiu a bainha, da
qual caiu uma delgada tira de pergaminho.
- Por Valka e Hotath! — exclamou — Saremes, você é a
maga dos gatos! Veja isto, Tu!
Mas Tu mantinha os lábios apertados, formando uma
linha de expressão desaprovadora, e olhou tenebrosamente
para Delcardes. Ela lhe devolveu o olhar sem vacilar, e o
conselheiro, irritado, virou-se para Kull.
- Reflita, milorde! Isto não passa de algum tipo de farsa
ridícula.
- Tu, ninguém me viu guardar esta carta aqui, pois até eu
mesmo havia esquecido.
- Milorde, qualquer espião poderia...
- Espião? Não seja mais estúpido do que já é, Tu. Por
acaso, acredita que uma gata possa enviar espiões para que
vejam onde escondo uma carta?
Tu suspirou. À medida que envelhecia, lhe era cada vez
mais difícil conter as manifestações de exasperação diante
dos reis.
- Pense, milorde, nos humanos que podem haver atrás
da gata.
- Milorde Tu — interveio Delcardes com um tom de
suave censura —, suas palavras me envergonham e ofendem
Saremes.
Kull se sentiu vagamente aborrecido com Tu.
- A gata, pelo menos, fala. — ele disse a Tu — Isso, você
não pode negar.
- Tem que haver algum truque. — sustentou obstinadamente
Tu — O homem fala; os animais não o conseguem.
- As coisas não são assim. — disse Kull, convencido da
realidade da gata falante, ávido para demonstrar que tinha
razão — Um leão falou com Kambra, e os pássaros falavam
com os anciãos da tribo da montanha do mar, dizendo-lhes
onde a caça se escondia. Ninguém nega que os animais possam
conversar entre si. Mais de uma noite, me deslizei pelos
sopés das montanhas cobertas por bosques, ou saí pelas
pradarias cobertas de capim, e ouvi os tigres rugirem uns
aos outros, sob a luz das estrelas. Se é assim, por que alguns
animais não poderiam aprender a falar com o homem?
Houve um tempo em que eu quase conseguia entender os
rugidos dos tigres. O tigre é meu totem, e é tabu para mim,
como não seria em caso de auto-defesa. — acrescentou, sem
dar-lhe importância.
Tu se sentiu constrangido. Que este chefe selvagem
falasse de totem e tabu, estava tudo bem, mas lhe irritava
muito ouvir tais observações dos lábios do rei da Valúsia.
- Milorde, uma gata não é um tigre. — ele disse.
- É bem verdade. — admitiu Kull — E esta é muito mais
sábia que todos os tigres.
- Isso não é mais que a verdade. — disse Saremes, serenamente
— Senhor conselheiro, acreditaria se ela lhe dissesse
o que ocorre, neste momento, no tesouro real?
- Não! — exclamou Tu — Pelo que descobri, espiões astutos
são capazes de ficarem a par de qualquer coisa.
- Nenhum homem pode se convencer, se não quiser.
— disse Saremes, imperturbável, citando um velho ditado
valusiano — E, no entanto, senhor Tu, deve saber que foi
descoberto um excedente de vinte peças de ouro, e que
neste exato momento um mensageiro cruza apressadamente
as ruas, para lhes comunicar. Ah, creio que está
chegando. — acrescentou, quando passos soaram no
corredor externo.
Um delgado cortesão, vestido com as alegres roupas da
tesouraria real, entrou na moradia, se inclinou profundamente
e pediu permissão para falar. Uma vez que Kull a
concedeu, o homem disse:
- Poderoso rei e senhor Tu, acabamos de encontrar um
excedente de vinte peças de ouro no tesouro real.
Delcardes pôs-se a rir e aplaudiu, encantada. Tu, por sua
vez, se limitou a perguntar:
- Quando descobriram isso?
- Há apenas meia hora. — foi a resposta.
- Quantos sabiam disso?
- Ninguém, meu senhor. Só eu e o tesoureiro real
sabíamos, até o instante em que lhes comuniquei.
- Isto nós veremos! — exclamou Tu, que dispensou o
homem num gesto áspero — Vá. Me ocuparei mais tarde
com este assunto.
- Delcardes — disse Kull —, esta gata é sua; é verdade?
- Milorde, ninguém é dono de Saremes. — respondeu a
mulher — Ela é minha convidada. É sua própria dona, como
foi durante mil anos.
- Eu gostaria de tê-la no palácio. — disse Kull.
- Saremes — disse Delcardes com deferência —, o rei
gostaria que você fosse sua convidada.
- Irei com o rei da Valúsia — disse a gata com dignidade
—, e permanecerei no palácio real até o momento em que
eu queira ir a qualquer outra parte, pois sou uma grande
viajante, rei Kull, e às vezes me agrada sair pelo mundo e
percorrer as ruas das cidades, situadas nos mesmos lugares
onde há muito tempo eu vagava pelos bosques, e visitar
as areias dos desertos onde, também há muito tempo, se
ergueram ruas imperiais.
Desse modo, Saremes, a gata falante, chegou ao palácio
real da Valúsia, acompanhada por seu escravo. Lhe foi dada
uma câmara espaçosa, coberta com primorosos leitos e almofadões
de seda. Diariamente, colocavam diante dela as
melhores refeições da mesa real, e todo o pessoal do serviço
do rei lhe rendia homenagem, exceto Tu, que grunhia ao
ver uma gata exaltada desse modo, mesmo que ela pudesse
falar. Saremes o tratava com um divertido menosprezo, mas
recebia Kull com um nível de dignificada igualdade.
Comparecia freqüentemente ao salão do trono, transportada
por seu escravo numa almofada de seda, pois este
sempre a acompanhava para onde fosse.
Em outras ocasiões, era o próprio Kull quem comparecia
à sua câmara, e ambos conversavam até o amanhecer, e foram
muitas as histórias que a gata lhe contou, e muito antiga
a sabedoria que ela lhe transmitiu. Kull a escutava com
interesse e atenção, pois evidentemente esta gata era muito
mais sábia que a maioria de seus conselheiros, e tinha mais
sabedoria antiga que todos eles juntos. Suas palavras eram
sentenciosas e oraculares, mas ela se negava a emitir profecias
sobre os assuntos menores que se manifestavam na
vida cotidiana do palácio ou do reino, exceto pelo fato de
que ela lhe advertiu que se protegesse de Thulsa Doom, que
havia enviado uma ameaça contra Kull.
- Pois eu, que vivi muito mais anos que os minutos que
vocês viveram — disse —, sei que o homem se sente melhor
em saber as coisas que ainda irão acontecer, pois o que há de
ser, será, e o homem não pode impedi-lo nem acelerá-lo. É
melhor caminhar na escuridão, quando o caminho tem que
passar diante de um leão e não há outra via.
- Então — disse Kull —, se o que tem de acontecer
termina acontecendo, algo que duvido, e se um homem a
quem falam as coisas que hão de passar tem seu braço enfraquecido
ou fortalecido por isto, quer dizer que isso também
estava predestinado?
- Se ele estava predestinado ao que lhe disserem, sim. —
respondeu Saremes, aumentando a perplexidade e a dúvida
de Kull — No entanto, nem todos os caminhos da vida se estabelecem
previamente, pois um homem pode fazer isto ou
aquilo, e nem sequer os deuses sabem o que passa na mente
de um homem.
- Nesse caso, nem tudo está predestinado se o homem
pode seguir mais de um caminho. — refletiu Kull, duvidando
— Como se pode então profetizar os acontecimentos?
- A vida tem muitos caminhos, Kull. — respondeu
Saremes — Eu me encontro nas encruzilhadas do mundo, e
sei o que há em cada um dos caminhos. Entretanto, nem os
deuses sabem que caminho tomará o homem: se o da direita
ou o da esquerda, uma vez que tenha chegado à encruzilhada
que os divide. E uma vez que tenha começado a percorrer
um deles, já não pode refazer seus passos.
- Então, em nome de Valka, por que não me indica os
perigos ou as vantagens de seguir um caminho ou outro,
quando chega a hora de escolher? — perguntou Kull.
- Porque até mesmo os poderes de alguém como eu têm
também seus limites. — respondeu a gata —, e não podemos
impedir o funcionamento da alquimia dos deuses.
Não podemos retirar completamente o véu que cobre os
olhos dos humanos, a não ser que os deuses tirem nosso
poder e que causemos dano ao homem. Assim, a esperança
acende sua lâmpada ao longo do caminho que o homem
segue, mesmo que esse caminho seja o pior de todos. —
Ao ver que Kull tinha dificuldade para compreender suas
palavras, prosseguiu: — Como vê, milorde, nossos poderes
também têm que estar sujeitos a limites, pois de outro
modo, seríamos poderosos demais e ameaçaríamos os
próprios deuses. Assim, um conjuro místico foi lançado
sobre nós, e embora possamos abrir os livros do passado,
não podemos oferecer mais que fugazes visões do futuro,
através da bruma que o vela.
De alguma forma, pareceu a Kull que a argumentação de
Saremes era bastante inconsistente e ilógica, e que cheirava
a bruxaria e farsa, mas ao ver que os olhos frios e oblíquos
da gata miravam-no sem piscar, não se sentiu inclinado a
fazer objeção alguma, ainda que isso lhe ocorresse.
- E agora — disse a gata —, afastarei o véu, ainda que
seja só por um instante, porque é pelo seu próprio bem...
Permita que Delcardes se case com Kulra Thoom.
Kull se levantou, com um encolhimento de impaciência
em seus poderosos ombros.
- Não quero ter nada a ver com o casamento de uma
mulher. Que Tu se ocupe disso.
Kull, no entanto, meditou calmamente sobre essa idéia,
e sua determinação sobre o assunto foi se enfraquecendo à
medida que Saremes entretinha habilmente o conselho nas
conversações físicas e morais que iam acontecendo.
Era realmente estranho ver Kull, com o queixo apoiado
sobre seu enorme punho, inclinado para a frente pra beber
nas claras entoações das palavras da gata Saremes, enroscada
sobre uma almofada de seda, ou estendida languidamente
sobre um divã, absorvida em falar sobre temas misteriosos
e fascinantes, com os olhos brilhando-lhe estranhamente,
quase sem mover os lábios — se é que os movia
—, enquanto o escravo Kuthulos ficava em pé atrás dela,
como uma estátua, imóvel e silencioso.
Kull valorizava muito as opiniões da gata, e se mostrava
inclinado a lhe pedir conselhos sobre assuntos do governo,
os quais ela dava cautelosamente, ou não dava. No entanto,
os conselhos que Kull recebia costumavam coincidir com
seus desejos mais íntimos, e ele começou a se perguntar se,
por acaso, aquela gata não seria também capaz de ler as
mentes dos homens.
A presença de Kuthulos lhe irritava, com seu aspecto tão
austero, sua imobilidade e silêncio, mas Saremes não permitia
que nenhum outro a atendesse. Kull tentou penetrar,
com seu olhar, o véu que mascarava as feições do homem;
mas, apesar de ser bastante tênue, não distinguiu nada no
rosto que se escondia atrás dele e, por cortesia a Saremes,
nunca pediu a Kuthulos que o tirasse.
Um dia, Kull compareceu à câmara de Saremes, e a gata
lhe mirou com olhos enigmáticos. O escravo mascarado estava
de pé atrás dela, como uma estátua.
- Kull — disse a gata —, afastarei o véu para ti. Brule, o
lanceiro picto, guerreiro de Ka-nu e seu amigo, acaba de ser
atacado por um monstro horrível, da superfície das águas
do Lago Proibido.
Kull se ergueu de um salto, encolerizado e enfurecido.
- O quê? Brule? Em nome de Valka! O que ele está
fazendo no Lago Proibido?
- Estava nadando em suas águas. Se apresse, porque
ainda pode salvá-lo, mesmo que ele seja arrastado em
direção ao país encantado, que se encontra sob o lago.
Kull se precipitou em direção à porta. Se sentia perplexo,
mas não tanto quanto se sentiria caso o nadador fosse outro,
porque conhecia a implacável irreverência do chefe picto,
um dos mais poderosos aliados da Valúsia.
Começou a gritar, chamando os guardas, mas a voz de
Saremes lhe interrompeu.
- Não, milorde. Será melhor se fores sozinho. Nem sequer
vossas ordens induziriam homem algum a
acompanhá-lo às águas daquele lago cruel; e, segundo a
lenda da Valúsia, a morte espera qualquer um que entre em
suas águas, exceto o rei.
- Está bem, irei só — assentiu Kull —, e assim salvarei
Brule da ira do povo, caso escape das garras dos monstros.
Informe Ka-nu.
Kull rechaçou, com grunhidos sem palavras, as respeitosas
perguntas que lhe fizeram, montou em seu grande corcel
e saiu da Valúsia a toda velocidade. Cavalgava só, pois
havia ordenado que ninguém o seguisse. O que tinha de
fazer, podia fazê-lo sozinho, e não desejava que houvesse alguém
presente quando tirasse Brule, ou o cadáver de Brule,
das profundezas do Lago Proibido. Amaldiçoou a implacável
falta de consideração do picto, e também
amaldiçoou o tabu que pendia sobre o lago, e cuja violação
poderia causar uma rebelião entre os valusianos.
O crepúsculo descia pelas montanhas de Zalgara,
quando Kull parou seu cavalo junto à margem do lago, que
se estendia em meio a um bosque grande e solitário. Com
certeza, não havia nada de proibido em suas águas azuis e
plácidas, com a praia toda branca, e as ilhas diminutas que
se erguiam de seu fundo pareciam pequenas gemas de esmeralda
e jade. Uma débil e trêmula neblina se erguia delas,
o que dava ao ar um alento de irrealidade que se estendia
por toda a área ao redor do lago. Kull escutou com atenção
por um momento, e teve a impressão de que uma música
débil e distante surgia das águas cor-de- safira.
Lançou uma praga impaciente, e se perguntou se, por
acaso, não estaria sendo enfeitiçado. Despiu-se de todas as
roupas e ornamentos, com exceção do cinto, tanga e espada,
e adentrou as trêmulas águas azuis até estas lhe chegarem
à altura das coxas. Logo, sabendo que a profundidade
aumentava rapidamente, ele aspirou profundamente o ar e
mergulhou.
Enquanto descia através do brilho cor-de-safira, teve
tempo para pensar que aquela talvez fosse uma missão estúpida.
Deveria primeiro averiguar, através de Saremes,
onde Brule havia nadado no momento em que fora atacado,
e se seus próprios esforços estavam destinados a resgatar o
guerreiro ou não. No entanto, pensou que talvez a gata não
o dissesse e que, mesmo que ela lhe assegurasse o mais estrondoso
dos fracassos, ele tentaria de qualquer maneira o
que tentava fazer agora. Pelo visto, havia algo de verdadeiro
nas palavras de Saremes, quando ela afirmava que era melhor
não contar aos homens nada sobre o futuro.
Quanto ao lugar onde Brule estava nadando, não faria
diferença, pois o monstro poderia tê-lo arrastado para
qualquer parte. Desse modo, Kull resolveu explorar todo o
leito do lago, até que...
Enquanto refletia acerca de tudo isso, uma sombra passou
velozmente perto dele, como um vago tremor no tremular
de jade e safira do lago. Foi consciente de que outras
sombras também passavam a seu lado, de todos os lugares,
mas não conseguiu distinguir suas formas.
Abaixo dele, começou a vislumbrar o fundo do lago,
que parecia emitir uma estranha radiação. Agora, as sombras
lhe cercavam por completo, tecendo uma rede serpentina
sobre ele; uma rede com cores de mil matizes distintos,
sempre mutáveis. Aqui, as águas adquiriram a cor do
topázio, e aquelas coisas se ondularam e tremeluziram em
seu mágico esplendor. Assim como os tons e sombras das
cores, eram vagas e irreais, opacas e ao mesmo tempo brilhantes.
Após perceber que eles não tinham a intenção de lhe
fazer mal algum, Kull não lhes deu maior atenção e dirigiu
o olhar para o leito do lago, que agora roçou levemente com
os pés. Ele se sobressaltou por um momento, pois poderia
quase jurar que acabava de pisar sobre um ser vivo, já que
percebeu um movimento rítmico sob os pés descalços.
O brilho fraco era evidente adiante, no fundo do lago,
pois podia ver que o leito do lago se estendia por todos os
lados, até desaparecer nas tranqüilas sombras cor-de-safira,
e formava uma superfície sólida que acendia e apagava com
uma inquietante regularidade. Kull se inclinou para olhar
com mais atenção: o solo estava coberto por uma espécie
de substância feito musgo, que brilhava como uma chama
branca. Era como se o leito do lago fosse formado por milhares
de vaga-lumes que abriam e fechavam suas asas em
uníssono. E este musgo parecia palpitar sob seus pés como
algo vivo.
Agora, Kull começava a nadar de novo para a superfície.
Criado entre as montanhas do mar da Atlântida, era quase
como uma criatura marinha. Se sentia tão à vontade entre
as águas quanto qualquer lemuriano, e era capaz de permanecer
sob a superfície da água pelo dobro do tempo de
qualquer nadador comum, mas aquele lago era um tanto
profundo, e ele desejava conservar toda sua fortaleza.
Chegou à superfície, encheu o enorme peito de ar e
voltou a mergulhar. As sombras voltaram a envolvê-lo,
quase perturbando-lhe a visão com seus brilhos fantasmagóricos.
Desta vez, nadou mais rapidamente e, ao chegar
ao fundo, começou a caminhar por ele tão rapidamente
quanto lhe permitia aquela substância pegajosa que envolvia
seus pés, enquanto o musgo flamejante parecia respirar
e acender; aquelas coisas coloridas relampejavam a
seu redor, e umas sombras monstruosas de pesadelo surgiam
por trás de seu ombro para caírem sobre o ardente
fundo.
O musgo estava coberto pelos ossos e caveiras dos homens
que se atreveram a nadar no Lago Proibido. Subitamente,
acompanhando o movimento das águas, uma coisa
avançou contra Kull. A princípio, o rei acreditou que se tratasse
de um polvo gigante, pois o corpo era o de um polvo,
dotado de longos e ondulantes tentáculos; mas, ao atacá-lo,
percebeu que ele tinha as pernas de um homem, e que um
espantoso rosto semi-humano lhe olhava entre os braços retorcidos
e serpentinos do monstro. Kull firmou os pés e, ao
notar que os cruéis tentáculos lhe enroscavam nas pernas,
ele investiu a espada, golpeando com fria exatidão no meio
daquele rosto demoníaco, fazendo a criatura desmoronar e
morrer a seus pés, entre cruéis e silenciosos estremecimentos.
O sangue se espalhou como uma névoa a seu redor e,
com um forte impulso de suas pernas contra o fundo, Kull
subiu novamente à superfície.
Sua cabeça surgiu violentamente à luz, que se apagava
rapidamente, e nesse mesmo instante uma grande forma
avançou espumando em sua direção: era uma estranha
aranha d'água, porém maior que um porco, e seus olhos frios
brilhavam com uma mirada infernal. Kull se manteve na
superfície com movimentos dos pés e de uma mão, e levantou
sua espada quando a aranha se precipitava sobre ele.
A lâmina partiu o corpo em dois, e o monstro afundou em
silêncio.
Um leve som o fez se virar a tempo de ver que outra,
ainda maior que a primeira, já estava quase sobre ele. O
monstro estendeu, sobre os braços e ombros do rei, pegajosos
fios de teia-de-aranha, que significariam a ruína para
qualquer um que não fosse um gigante como o rei. Mas Kull
cortou as duras correntes como se fossem cordas, segurou
uma pata daquela coisa que se erguia sobre ele e atravessou
o monstro uma vez após outra, até que o notou debilitado,
o soltou e o animal flutuou, se afastando e avermelhando as
águas a seu redor.
- Por Valka! — murmurou o rei — Parece que vou ficar
sem nada pra fazer. E, no entanto, é fácil demais matar estas
coisas. Como superaram Brule, que só se vê superado por
mim em combate em todos os Sete Impérios?
Mas Kull não tardaria a descobrir que outros espectros
mais cruéis povoavam os abismos mortais do Lago Proibido.
Mergulhou de novo, e seu olhar só encontrou desta
vez as sombras coloridas e os ossos de homens esquecidos.
Voltou a nadar para a superfície, em busca de ar, e logo
mergulhou pela quarta vez.
Não estava longe de uma das ilhas e, ao descer, se perguntou
que coisas estranhas se esconderiam por trás da
densa folhagem esmeralda que cobria as ilhas. Segundo a
lenda, ali se haviam levantado templos e santuários que não
foram construídos por mãos humanas e, em certas noites, os
seres do lago surgiam das profundezas para realizar ali seus
ritos misteriosos.
A agitação se produziu justo no momento em que seus
pés tocavam o musgo. Vinha de trás, e Kull, avisado por
um instinto primitivo, se virou bem a tempo de ver uma silhueta
grande que se erguia sobre ele; uma forma que não
era nem de homem nem de animal, mas uma estranha e horrível
mistura de ambos. Sentiu, então, dedos gigantescos se
fecharem sobre seu braço e ombro.
Resistiu selvagemente, mas aquela coisa agarrou com
firmeza o braço que segurava a espada, deixando-o impotente,
e suas garras afundaram profundamente no antebraço
esquerdo. Tomado por um impulso vulcânico, se retorceu
para dar meia volta e poder finalmente ver seu atacante.
Aquela coisa parecia com um tubarão monstruoso, mas dotada
de um chifre longo e duro, que se curvava como um
sabre e lhe sobressaía do focinho. Tinha quatro braços, de
forma humana, mas era inumano no tamanho e na força que
havia nas garras em seus dedos.
Com apenas dois braços, o monstro imobilizava Kull,
enquanto com os outros dois lhe inclinava a cabeça para
trás, para quebrar-lhe a nuca. Mas nem um ser tão persistente
quanto este, por mais poderoso que fosse, conseguia
dominar tão facilmente Kull da Atlântida. Uma raiva
selvagem se apoderou dele, e o rei da Valúsia ficou furioso.
Ele firmou os pés sobre o musgo, soltou o braço esquerdo
com uma poderosa contorção e um puxão do ombro,
e, com a velocidade de um felino, tentou passar a espada
da mão direita à esquerda. Ao ver fracassado seu intento,
golpeou o monstro selvagemente com o punho. Mas
a zombeteira matéria cor-de-safira que lhe cercava o enganou
e amorteceu a força de seu golpe. O homem-tubarão fez
o focinho descer, mas, antes que pudesse golpear para cima,
Kull agarrou o chifre com a mão esquerda e o segurou com
firmeza.
A isso, seguiu uma verdadeira prova de poder e resistência.
Kull, incapaz de se mover rapidamente na água,
sabia que sua única esperança consistia em permanecer
próximo ao seu inimigo, para resistir a ele e, desse modo,
contrabalançar a maior rapidez do monstro. Ele se esforçou
desesperadamente para libertar o braço que segurava a espada,
a ponto de o homem-tubarão se ver obrigado a
prendê-lo com as quatro mãos de que dispunha. Kull continuava
segurando firmemente o chifre, sem se atrever a
soltá-lo, para que não o dilacerasse com sua terrível investida
para cima, enquanto o homem-tubarão tampouco se atrevia
a afastar uma só de suas mãos do braço de Kull, que
sustentava a longa espada.
Assim engalfinhados, forcejaram e se retorceram. Mas
Kull não demorou em perceber que estava condenado se
continuassem daquela forma, pois já começava a sofrer os
efeitos da falta de ar. O brilho que ele observou nos olhos
do homem-tubarão lhe indicou que ele também havia percebido
que só precisava segurar Kull desse modo, sob a superfície
da água, até que ele se afogasse.
Era uma situação realmente desesperadora para
qualquer homem. Mas Kull da Atlântida não era um
homem comum. Treinado desde a infância numa escola
dura e sangrenta, dotado de músculos de aço e de um
cérebro impávido, acrescentava a tudo isso a coordenação
de movimentos que distingue o super-lutador, uma valentia
que nunca desanimava e uma ira que, em certas ocasiões,
lhe impulsionava a realizar façanhas sobre-humanas.
Agora, consciente que o fim se aproximava com rapidez
e impulsionado freneticamente por sua própria impotência,
decidiu tomar uma atitude tão desesperada quanto a necessidade
em que se encontrava. Soltou o chifre do monstro,
ao mesmo tempo em que inclinava ao máximo o corpo para
trás, e com a mão livre agarrava o braço mais próximo
daquela coisa.
O homem-tubarão golpeou imediatamente, e o chifre arranhou
uma das coxas de Kull, quando repentinamente (atlante
afortunado!) se enganchou no pesado cinto do rei. Enquanto
o monstro lutava para soltar o chifre, Kull imprimiu
toda a potência aos dedos que seguravam um dos braços
daquela coisa e esmagou uma carne fria e úmida, junto com
ossos inumanos, como se fossem uma fruta madura.
A boca do homem-tubarão se abriu silenciosamente
devido ao tormento que sofria e, com o chifre já livre, voltou
a golpear selvagemente. Kull evitou o golpe, mas perdeu
o equilíbrio e ambos caíram juntos, meio tragados pela superfície
de jade sobre a qual se moviam. E, enquanto continuavam
forcejando ali, Kull finalmente soltou o braço que
segurava a espada, afastando-o das garras debilitadas do
monstro, e lançou um golpe para cima, rachando o monstro
e abrindo-o em dois.
Toda a luta havia consumido apenas um momento, mas
para Kull pareceram horas, enquanto nadava a toda velocidade
para o alto, lutando contra a tontura que se
apoderava de sua cabeça e contra o grande peso que parecia
querer esmagar-lhe as costelas. Viu debilmente que o fundo
do lago se elevava repentinamente a seu lado, e percebeu
que formava um declive que dava numa ilha. Logo, a água
pareceu ganhar vida a seu redor, e se sentiu açoitado, dos
ombros até os calcanhares, por gigantescos anéis que nem
sequer seus músculos de aço podiam quebrar. Começava a
lhe falhar a consciência, sentia que se esgotava a uma velocidade
terrível, notou em sua cabeça o som de muitas sinetas
e então, repentinamente, se encontrou com a cabeça
por cima da água e seus torturados pulmões absorveram ar
em grandes quantidades. Se agitou, envolvido na escuridão
maior, e só teve tempo de aspirar uma prolongada porção
de ar, antes de se ver arrastado novamente para o fundo.
A luz voltou a brilhar a seu redor, e ele viu novamente
o musgo flamejante palpitando lá à distância, no fundo. Se
vira agarrado por uma grande serpente, que havia lhe envolvido
várias vezes com os anéis de seu corpo sinuoso,
como enormes cabos, e que agora lhe arrastava para um
destino que só Valka podia saber.
Desta vez, Kull não ofereceu resistência, e preferiu conservar
suas forças. Se a serpente não o manteve sob a água
por tempo suficiente para morrer afogado, sem dúvida alguma
lhe daria uma oportunidade de lutar quando a criatura
chegasse a seu esconderijo, ou ao lugar para o qual o
levava. Tal e como se encontrava aprisionado, os membros
de Kull estavam tão presos que não conseguiria nem soltar
um braço, muito menos fugir dela.
A serpente, que avançava rapidamente através das profundezas
azuis, era a maior que Kull jamais vira, pois media
uns sessenta metros cobertos de escamas de cor jade e
dourada, vívidas e maravilhosamente coloridas. Seus olhos,
quando ela se virou para ele, eram de um intenso fogo gelado,
se é que algo assim era concebível. Apesar do risco de
sua situação, a alma fantasiosa de Kull não pôde deixar de
se maravilhar diante daquela cena tão estranha: a grande
forma verde e dourada voando através do ardente topázio
do lago, enquanto as cores das sombras ondulavam languidamente
a seu redor.
O fundo, que parecia uma gema acesa, voltou a se curvar
para cima, como se estivessem se aproximando de uma ilha
ou da margem de um lago, quando repentinamente, uma
grande caverna apareceu diante deles. A serpente deslizou
para dentro, o musgo flamejante desapareceu, e Kull se encontrou
parcialmente sobre a superfície da água, envolto
pela escuridão. Foi transportado deste modo durante o que
pareceu um longo tempo, e logo o monstro voltou a mergulhar.
Saíram novamente à luz, mas uma luz como Kull jamais
tinha visto. Era um brilho luminoso que tremulava crepuscularmente
sobre a superfície das águas, que permaneciam
quietas e escuras. Kull soube então que se encontrava no
reino encantado, sob o fundo do Lago Proibido, pois esta
não era nenhuma radiação terrena, mas uma luz negra, mais
negra que qualquer escuridão, apesar de iluminar aquelas
águas cruéis o suficiente para poder ver o brilho opaco da
águas e seu próprio reflexo escuro nelas. De repente, os anéis
se afrouxaram ao redor de seus membros, e ele se impulsionou
rapidamente em direção a um enorme vulto, que
havia surgido dentre as sombras à sua frente.
Nadou com força e se aproximou do que, em alguma
época, havia sido uma grande cidade. Se elevava mais e
mais, sobre uma grande superfície de pedra negra, até que
seus sombrios capitéis se perdiam na escuridão, acima até
daquela luz profana que, também negra, parecia ter uma
tonalidade diferente. Se tratava de enormes edifícios quadrados,
de construção maciça; de poderosos blocos basálticos
que saíram a seu encontro quando ele surgiu de dentro das
águas pegajosas e começou a subir os degraus talhados na
pedra, como se fossem talhados na rocha viva de um escarpado.
Colunas gigantescas se elevavam entre os edifícios.
Nenhum resplendor de luz terrena aliviava a macabra
visão desta cidade inumana, mas a luz negra brotava de
seus muros e torres para derramar-se sobre as águas, em
vastas ondas palpitantes.
Kull se deu conta de que uma enorme multidão de seres
parecia esperá-lo num amplo espaço que se estendia diante
dele, aberto entre os edifícios que se afastavam para os lados.
Piscou, e fez esforço para acostumar sua vista a esta estranha
iluminação. Os seres ficaram mais próximos, e um
sussurro percorreu suas filas, como o ondular da grama sob
o vento noturno. Eram luminosos e sombreados, reluzentes
contra a negritude de sua cidade, e seus olhos eram fantasmagóricos
e luminosos.
Então, o rei viu um que se destacava dos demais, diante
dele. Parecia mais com um homem, e possuía um rosto
barbudo, altivo e nobre, embora uma testa franzida se estendesse
sobre suas magníficas sobrancelhas.
- Você vem como todos de sua raça. — disse repentinamente
este homem lacustre
- Ensangüentado e segurando uma espada avermelhada.
- Por Valka e Hotath! — exclamou o rei — A maior parte
desse sangue é minha, e foi derramada pelos bichos de seu
maldito lago.
- A morte e a ruína seguem o curso de sua raça. —
disse sombriamente o homem lacustre — Acaso nós não
sabemos? Claro que sim; nós mesmos reinamos no lago
de águas azuis, antes que a humanidade fosse sequer um
sonho dos deuses.
- Ninguém os incomoda.— começou a dizer Kull.
- Porque temem fazê-lo. Nos velhos tempos, os homens
da terra tentaram invadir nosso reino de escuridão. Nós os
matamos e se organizou a guerra entre os filhos dos homens
e o povo dos lagos. Saímos de nosso mundo e espalhamos
o medo entre os da terra, pois sabíamos que eles só
podiam significar a morte para nós, e que eles só se sentem
predispostos a matar. Lançamos conjuros e encantos. Fizemos
seus cérebros arrebentarem e perturbamos suas almas
com nossa magia, até que se viram obrigados a nos pedirem
a paz. A partir de então, os homens da terra impuseram um
tabu sobre este lago, de modo que nenhum homem pode
chegar até aqui, exceto o rei da Valúsia. Isso ocorreu há milhares
de anos e, desde então, nenhum homem chegou ao
país encantado e pôde sair dele, salvo como um cadáver flutuante
sobre as águas tranqüilas do lago superior. Rei da
Valúsia, ou quem quer que você seja, está condenado.
Kull o olhou, desafiante.
- Não vim à procura de seu reino condenado — ele
alfinetou —, mas de Brule, o lanceiro, a quem vocês arrastaram
para cá.
- Está mentindo. — disse o homem lacustre — Nenhum
homem se atreveu a entrar neste lago há mais de cem anos.
Você veio buscar tesouros, ou para saquear e matar, como
todos de sua linhagem sangrenta. E morrerá por isso!
Kull sentiu então os sussurros dos encantos mágicos
que lhe rodeavam, que enchiam o ar e adotavam forma
física, flutuando à trêmula luz como teias de aranha muito
tênues que se agarravam a ele com vagos tentáculos. Mas
ele soltou uma imprecação impaciente, e os afastou para um
lado com um movimento da mão nua, fazendo-os desaparecer.
Porque, segundo a feroz lógica elementar do selvagem,
a magia da decadência não possui força alguma.
- Você é jovem e forte. — disse o rei lacustre — A
podridão da civilização ainda não penetrou em sua alma e
é possível que nossos encantamentos não lhe façam o menor
mal, porque não os entende. Nesse caso, devemos tentar
outras coisas.
Os seres lacustres que lhe cercavam sacaram suas adagas
e lançaram-se sobre ele. O rei pôs-se a rir, apoiou as costas
contra uma coluna e apertou o cabo de sua espada até que
os músculos de seu braço direito se sobressaíram como
grandes saliências.
- Este sim, é um jogo que conheço bem, fantasmas. — ele
disse, com uma nova gargalhada.
Todos pararam de repente.
- Não tente escapar de seu destino — disse o rei do lago
—, pois somos seres imortais e não podemos morrer pelas
mãos de um mortal.
- Agora, é você quem está mentindo — respondeu Kull,
com a astúcia típica do bárbaro —, pois segundo suas próprias
palavras, temia a morte que aqueles de minha raça
poderiam lhes causar. É possível que vocês consigam viver
indefinidamente, mas o aço pode com vocês. Seria bom se
vocês pensassem melhor. Vocês são fracos, delicados e não
estão acostumados a lutar; nem sequer sabem segurar as
armas como devem. Já eu nasci e fui educado para matar.
Podem acabar comigo, posto que são milhares, e eu, um só,
mas seus encantamentos fracassaram comigo e lhes asseguro
que muitos de vocês morrerão antes que eu caia. Vou
dizimá-los em grandes quantidades; então pensem melhor,
homens do lago: valerá a pena me matar, em troca de tantas
vidas suas?
Kull sabia muito bem que todos aqueles seres, capazes
de matar com o aço, podiam morrer pelo aço. Por isso, não
sentia o menor medo. Sua figura, ameaçadora e tenebrosa,
sangrenta e terrível, se erguia sobre todos eles.
- Reflitam. — ele repetiu — É bem melhor me trazerem
Brule, e ambos partiremos em paz. Caso contrário, meu
cadáver se verá rodeado por pilhas de mortos seus, quando
a batalha houver terminado. Além disso, se eu morrer aqui,
haverá pictos e lemurianos que seguirão meu rastro, mesmo
sob as águas do Lago Proibido, até encharcar este país encantado
com o sangue de vocês, ou o que tiverem nas veias.
Eles têm seus próprios tabus, e não recuam nem se deixam
intimidar pelos tabus das raças civilizadas, nem lhes importa
o que possa acontecer à Valúsia, pois só pensariam em
mim, que sou de sangue bárbaro, como eles mesmos.
- O velho mundo continua sua marcha pelo caminho da
ruína e do esquecimento. — disse o rei lacustre com tristeza
— E nós, que fomos todo- poderosos em tempos passados,
temos que suportar agora o desafio de um selvagem arrogante
em nosso próprio reino. Jure que jamais voltará a pisar
no Lago Proibido, que nunca permitirá que outros violem o
tabu, e serás livre.
- Primeiro, traga a meu lado o lanceiro.
- Nenhum homem assim chegou a este lago.
- Não? A gata Saremes me disse...
- Saremes? Sim, nós a conhecemos de velhos tempos,
quando atravessou a nado as águas verdes e viveu durante
uns séculos nas cortes do país encantado; possui a sabedoria
que só o tempo dá, mas eu não sabia que ela falava a linguagem
dos homens da terra. De qualquer modo, esse
homem não está aqui, e lhe juro...
- Não me jure pelos deuses ou demônios. — interrompeu
Kull — Só quero sua palavra de homem.
- Eu a dou para você. — disse o rei lacustre.
E Kull acreditou nele, pois havia naquele rei um porte
majestoso que o fazia sentir-se estranhamente pequeno e
rude.
- E eu, por minha vez — disse Kull —, lhe dou minha palavra,
que nunca quebrei, de que nenhum homem quebrará
o tabu, nem voltará a incomodá-los de modo algum.
- E eu creio em você, pois é um homem terrestre diferente
de todos que conheci até agora. Você é um rei de verdade
e, o que é mais importante, um homem de verdade.
Kull o agradeceu e embainhou a espada. Logo, virou em
direção aos degraus.
- Sabe como chegar ao mundo externo, rei da Valúsia?
- Quanto a isso — respondeu Kull —, suponho que se eu
nadar por tempo suficiente, terminarei encontrando o caminho.
Sei que a serpente me trouxe através das águas, passando
por baixo de uma ilha e possivelmente muitas, e que
nadamos numa caverna durante um longo tempo.
- Você é sincero — disse o rei lacustre —, mas poderia
passar toda a eternidade nadando na escuridão. — Ele ergueu
as mãos, e uma criatura grotesca nadou até o pé dos
degraus: — Este é um corcel cruel — ele acrescentou —, mas
lhe levará a salvo até a própria margem do lago superior.
- Um momento. — disse Kull — Me encontro agora sob
uma ilha, sob a terra firme, ou este território se encontra
realmente sob o fundo do lago?
- Você se encontra no centro do universo, como sempre
esteve. O tempo, o lugar e o espaço não são mais que
ilusões, não têm existência mais que na mente do homem,
que deve estabelecer limites e fronteiras para poder compreender.
Só existe a realidade subjacente, da qual todas as
aparências não são mais que uma manifestação exterior, do
mesmo modo que o lago superior se vê alimentado pelas
águas que surgem deste, que é o verdadeiro lago. Vá agora,
rei, pois você é um homem verdadeiro, ainda que seja apenas
o primeiro de uma maré que se inicia, cheia de selvageria,
que terminará envolvendo o mundo, à medida que este se
encolhe.
Kull prestou uma atenção respeitosa àquelas palavras
que ele pouco compreendeu, embora não tenha deixado
de perceber que eram muito mágicas. Apertou a mão do
rei lacustre, se estremecendo um pouco ao contato de algo
que era carne, mas não humana. Logo, observou mais uma
vez os grandes edifícios negros que se erguiam silenciosos;
contemplou as formas de vaga-lumes, que murmuravam
entre si; estendeu o olhar por sobre a brilhante superfície
das águas, sulcadas por ondas de luz negra, que pareciam
arrastar-se como aranhas, e finalmente voltou-se, desceu as
escadas que conduziam à margem da água, e montou sobre
o corcel lacustre que lhe esperava.
Transcorreram eras cheias de covas escuras e águas que
se precipitavam, do sussurro de monstros gigantescos que
não podia ver; às vezes por cima da superfície e outras por
baixo d'água, o corcel transportava o rei, até que finalmente
apareceu o musgo flamejante, e subiram através do azul da
água agitada. Logo, Kull avançou em direção à terra.
O valoroso cavalo de Kull aguardava impaciente, no local
em que o rei o deixara. A lua começava a se levantar sobre
o lago e Kull não conseguiu disfarçar sua surpresa.
- Por Valka! Faz apenas uma hora que desmontei aqui
mesmo. Acreditei que tivessem transcorrido muitas horas, e
até dias, desde então.
Ele montou e regressou a cavalo para a capital da
Valúsia, sem deixar de pensar que talvez houvesse algum
significado oculto nas observações do rei lacustre sobre a
ilusão do tempo.
Kull se sentia cansado, irritado e perturbado. A viagem
através do lago havia limpado-lhe o sangue, mas o movimento
sobre o cavalo lhe abriu o ferimento na coxa, que
começou a sangrar de novo. Além disso, a perna estava
rígida e lhe irritava um pouco. No entanto, seu principal
pensamento era o fato de que Saremes lhe havia mentido —
fosse por ignorância ou com intenção maliciosa —, algo que
quase lhe custara a vida. Por que razão?
Lançou uma praga, e pensou no que Tu diria. Mas até
uma gata falante poderia se equivocar inocentemente. De
qualquer modo, decidiu não levar suas palavras em conta.
Cruzou silenciosamente as ruas prateadas da antiga cidade,
e os homens que montavam a guarda diante do palácio
ficaram boquiabertos ao verem-no aparecer, mas, prudentemente,
não lhe fizeram perguntas.
Encontrou o palácio alvoroçado. Praguejou e se dirigiu
com o passo irritado à sala do conselho e, de lá, à câmara
da gata Saremes. Ela estava enroscada, imperturbável, sobre
uma almofada; agrupados na câmara, se encontravam Tu e
os principais conselheiros, cada um deles tentando convencer
os demais. O escravo Kuthulos não se via em parte alguma.
Kull se viu saudado por uma explosiva aclamação de
gritos e perguntas, mas ele se dirigiu diretamente à almofada
ocupada por Saremes, e observou-a com o olhar brilhante.
- Saremes — disse o rei —, você mentiu pra mim.
A gata o olhou fixamente, bocejou e não respondeu. Kull
permaneceu diante dela, irritado, e Tu lhe tomou por um
braço.
- Kull, onde esteve, em nome de Valka? De onde vem
este sangue? Kull sacudiu-lhe a mão, irritado.
- Deixe-me. — disse ele — Esta gata me enviou para
cumprir uma missão estúpida... Onde está Brule?
- Kull!
O rei deu meia-volta e viu Brule, que nesse momento
entrava na sala, com suas roupas escassas manchadas de
poeira, como se tivesse cavalgado duramente. Os traços de
bronze do picto continuavam impassíveis, mas em seus olhos
escuros surgiu uma expressão de alívio.
- Em nome dos sete demônios! — exclamou o guerreiro,
mal-humorado demais para esconder a emoção que o embargava
— Meus cavaleiros vasculharam as montanhas e os
bosques. Onde você estava?
- Procurando seu valioso cadáver, nas profundezas do
Lago Proibido. — respondeu Kull, com uma expressão de
alegria ao ver a perturbação refletida no rosto do picto.
- O Lago Proibido! — exclamou Brule, com a liberdade
própria do selvagem — Está com seu juízo perfeito? O que
você ia fazer lá? Ontem, acompanhei Ka-nu até a fronteira
zarfhaana e, ao voltar, soube que Tu havia posto todo o exército
em pé de guerra para procurá-lo. Desde então, meus
homens se espalharam em todas as direções, exceto a do
Lago Proibido, onde nunca nos ocorrera procurá- lo.
- Saremes mentiu pra mim... — o rei começou a dizer.
Mas sua voz se viu abafada por uma explosão de vozes
que lhe repreendiam, e cujo tema principal consistia em
dizer que um rei não devia nunca desaparecer sem
cerimônia alguma, e deixar que o reino cuidasse de si
mesmo.
- Silêncio! — rugiu finalmente Kull, com os braços levantados
e um brilho perigoso no olhar — Por Valka e
Hotath! Acaso sou algum garoto para ter que pedir permissão?
Tu, conte-me o que ocorreu aqui.
Após um silêncio repentino que se fez depois desta explosão
de cólera régia, Tu começou a se explicar.
- Milorde, fomos enganados desde o início. Esta gata não
é mais que um engano e uma fraude perigosa, tal e como eu
havia afirmado.
- E, no entanto...
- Milorde, nunca ouviste falar de homens capazes de disfarçar
suas vozes à distância, fazendo-as aparecer como se
fosse outro que falasse, ou como se soassem palavras pronunciadas
por seres invisíveis?
- Claro! Por Valka! — exclamou Kull repentinamente,
ruborizando-se — Fui um estúpido em tê-lo esquecido. Um
velho bruxo da Lemúria possuía esse dom. No entanto,
quem falava... ?
- Kuthulos! — exclamou Tu — Também fui um estúpido
ao não lembrar de Kuthulos: um escravo, sim, mas o maior
erudito e o homem mais sábio dos Sete Impérios. Escravo
daquela desalmada da Delcardes, que deve estar agora se
retorcendo por causa da tortura.
Kull lhe dirigiu uma penetrante exclamação.
- Sim, milorde. — prosseguiu Tu, severo — Quando
cheguei aqui e descobri que havia partido só, e ninguém
soube me dizer pra onde, suspeitei imediatamente de uma
traição. Me sentei então para refletir. E me lembrei de
Kuthulos, e sua arte de fingir vozes, e como essa gata fingida
estivera dizendo coisas pequenas, sem lhe fazer nenhuma
grande profecia, oferecendo falsos argumentos, com
a intenção de te refrear. Percebi então que Delcardes havia
te enviado esta gata e Kuthulos para enganar-te, para ganhar
a vossa confiança. Mandei buscar Delcardes e submeti-a
a tortura, para que confessasse tudo. Ela havia planejado as
coisas de forma bem astuta. Ah, claro... Saremes devia levar
sempre consigo o escravo Kuthulos, para que ele pudesse
falar com sua voz fingida e induzir estranhas idéias em
vossa mente.
- Então, onde está Kuthulos? — perguntou Kull.
- Havia desaparecido quando cheguei à câmara de
Sameres e...
- Lhe saúdo, Kull! — exclamou então uma voz alegre,
vinda da porta, pela qual entrou na sala uma figura barbuda
feito um duende, acompanhada por uma moça delgada e
aparentemente assustada.
- Ka-nu! Delcardes! Então, terminaram não lhe torturando?
- Oh, milorde! — exclamou a jovem, se ajoelhando diante
dele e abraçando-lhe as pernas — Sou culpada de tê-lo
enganado, milorde, mas não pretendia lhe fazer mal algum.
Eu só desejava me casar com Kulra Thoom!
Kull tomou-a pelos ombros e fê-la se levantar, perplexo,
mas apiedado ao ver o evidente terror e remorso daquela
mulher.
- Kull — disse Ka-nu —, é uma sorte que haja voltado
quando eu o fiz, a tempo de evitar que você e Tu lançassem
o reino ao mar. — Tu emitiu um grunhido sem palavras,
sempre invejoso do embaixador picto, que também era conselheiro
de Kull — Encontrei todo o palácio alvoroçado
quando voltei: os homens andavam de um lado a outro,
tropeçavam uns nos outros sem saberem o que fazer. Enviei
Brule e seus cavaleiros para lhe procurar, e me dirigi à câmara
de torturas... naturalmente, isso foi a primeira coisa
que fiz, posto que Tu havia ficado responsável por tudo...
— O conselheiro-chefe o olhou com uma careta — O
fato é compareci à câmara de torturas — prosseguiu calmamente
Ka-nu —, e os encontrei prestes a torturarem a jovem
Delcardes, que nada fazia senão chorar e contar-lhes tudo
o que tinha para contar, apesar deles não acreditarem nela.
É apenas uma garota inquisitiva, Kull, apesar de toda a sua
beleza. Então, eu a trouxe aqui. Delcardes lhe disse a verdade,
Kull, ao lhe informar que Saremes era sua convidada
e que se tratava de uma gata muito antiga. Isso é certo.
É de fato uma gata da Raça Antiga, mais sábia que outros
gatos; ela vai e vem aonde quiser... mas não é mais do
que isso: uma simples gata. Delcardes tinha, no palácio, espiões
que lhe informaram de detalhes tão pouco importantes,
como o lugar onde você havia guardado uma carta,
na bainha de sua adaga, ou do excedente encontrado no
tesouro... O cortesão que lhe informou isso era exatamente
um desses espiões, e comunicou o fato a ela antes de dizêlo
ao tesoureiro real. Seus espiões eram seus servos mais
leais e próximos; as coisas que lhe contavam não podiam
lhe causar mal algum e, em troca, ajudariam a ela, de quem
todos gostam, porque não tem a intenção de fazer mal a
ninguém. Sua idéia consistia em fazer Kuthulos falar através
da boca de Saremes, e ganhar sua confiança, através
de pequenas profecias e fatos dos quais qualquer um poderia
saber, como adverti-lo contra Thulsa Doom. Logo, através
da constante sugestão da questão, pretendia obter de você a
permissão para que Kulra Thoom se casasse com Delcardes.
Esse era o único desejo da garota.
- E então, Kuthulos se tornou um traidor. — disse Tu.
Nesse momento, se fez um ruído na porta da sala e entraram
uns guardas, arrastando pelos braços uma figura
com um véu no rosto e as mãos amarradas às costas.
- Kuthulos!
- Sim, Kuthulos. — assentiu Ka-nu, embora não parecesse
estar muito tranqüilo, pois seus olhos se moviam inquietos
— Kuthulos, sem dúvida, com o véu sobre o rosto
para esconder assim os movimentos de sua boca e pescoço,
ao falar através de Saremes.
Kull observou a figura silenciosa que se encontrava em
pé diante dele, como uma estátua. Um profundo silêncio
se fez entre o grupo, como se um vento frio houvesse passado
entre eles. Havia uma grande tensão no ambiente. Delcardes
olhou a silenciosa figura e seus olhos se abriram
enormemente, enquanto os guardas explicavam como
haviam capturado o escravo, que tentava escapar do palácio,
deslizando-se por um pequeno e velho corredor.
Voltou a reinar o silêncio, e Kull avançou e estendeu
uma das mãos para arrancar o véu que cobria o rosto oculto.
Através do tecido tênue, Kull sentiu como se dois olhos lhe
atravessassem até a consciência. Sem que ninguém percebesse,
Ka-nu fechou as mãos e transformou-as em punhos,
ficando todo tenso, como se estivesse se preparando para
uma luta terrível.
Logo, quando a mão de Kull quase tocava o véu, um
som repentino quebrou o tenso silêncio... um som produzido
por um homem ao bater no chão com a testa ou com um
cotovelo. O ruído parecia vir de trás de uma parede. Kull
cruzou a sala em duas passadas largas e golpeou uma placa,
atrás da qual vinha o barulho. Uma porta oculta se deslizou
para dentro, deixando à mostra um corredor poeirento, em
cujo chão se encontrava a figura de um homem amarrado e
amordaçado.
Puxaram-no para a sala, colocaram-no de pé e
desamarraram-no.
- Kuthulos! — gritou Delcardes.
Kull olhou-o fixamente. O rosto do homem, agora revelado,
era delgado e de expressão suave, como o que teria
um mestre de filosofia e de moral.
- Sim, meus senhores e minha senhora. — ele disse —
Esse homem, que agora usa meu véu, lançou-se sobre mim
e me escondeu atrás dessa porta secreta, depois de me
golpear e amarrar. Fiquei lá, ouvindo como ele mandava o
rei para o que acreditava ser sua morte certa, sem que eu
pudesse fazer nada para evitá-lo.
- Então, quem é ele?
Todos os olhares se voltaram para a figura com o rosto
ainda coberto pelo véu. Kull avançou em sua direção.
- Tome cuidado, meu senhor! — exclamou o verdadeiro
Kuthulos — Esse homem...
Com um só movimento da mão, Kull arrancou o véu
do homem, e ficou boquiaberto. Delcardes lançou um grito,
seus joelhos cederam e ela caiu ao chão. Os conselheiros recuaram,
pálidos, e os guardas soltaram os braços que seguravam
e se encolheram, horrorizados.
O rosto do homem não era mais que uma caveira limpa
e branca, em cujas órbitas ardia um fogo vivo.
- Thulsa Doom! Era isso o que eu havia imaginado! —
exclamou Ka-nu.
- Sim, Thulsa Doom, estúpidos. — repetiu uma voz cavernosa
— O maior de todos os bruxos e seu eterno inimigo,
Kull da Atlântida. Você ganhou esta partida, mas eu lhe
aviso, haverá outras.
Ele se libertou das amarras que lhe atavam os braços,
com um único e depreciativo gesto, e se dirigiu para a porta,
fazendo as pessoas presentes recuarem.
- Você é um estúpido, sem discernimento algum, Kull.
— ele disse — Do contrário, nunca teria me confundido com
esse outro idiota do Kuthulos, nem mesmo com o véu e as
roupas.
Kull percebeu isso, pois embora os dois tivessem, a
grosso modo, uma silhueta e altura semelhantes, a carne do
bruxo com rosto de caveira era como a de um homem morto
há muito tempo.
O rei havia ficado ali, de pé, não temeroso como os demais,
mas simplesmente atônito diante dos rumos que os
acontecimentos haviam tomado. Logo, quando já se dispunha
a saltar para a frente como um homem que acabara
de despertar de um sonho, Brule se lançou ao ataque com a
silenciosa ferocidade de um tigre, fazendo sua espada curva
faiscar sob a luz. Como se fosse um raio de luz, a lâmina
da espada atravessou as costelas de Thulsa Doom, de modo
que a ponta lhe sobressaiu entre os ombros.
Brule puxou a lâmina rapidamente, recuou e se agachou,
disposto a lançar-se novamente ao ataque caso fosse necessário.
Então, ele parou, atônito. Nenhuma gota de
sangue brotou de um ferimento que seria mortal em
qualquer homem vivo. Aquele ser com rosto de caveira
nada fez senão rir.
- Já faz muito tempo que morri como morrem os homens!
— ele zombou — Não; passarei para outra esfera
quando chegar minha hora, mas não antes. Eu não sangro,
posto que minhas veias estão vazias, e não experimento
mais que um leve frio nesse ferimento, que passará assim
que cicatrizar, como já está fazendo agora mesmo. Para trás,
idiotas, pois vosso amo já está indo embora! Mas voltaremos
a nos ver, e então você gritará, se estremecerá de dor e
morrerá. Eu te saúdo, Kull.
E, enquanto Brule vacilava, amedrontado, e Kull permanecia
imóvel, atônito e indeciso, Thulsa Doom cruzou
a porta e desapareceu diante dos olhares de todos os
presentes.
- Ao menos, você ganhou seu primeiro encontro com
aquele rosto de caveira, como ele mesmo admitiu. — disselhe
Ka-nu, um pouco mais tarde — Na próxima vez, devemos
ser muito mais cautelosos, já que se trata de um
inimigo desencarnado, possuidor de uma magia negra e
ímpia. Ele lhe odeia, posto que não é mais que um acólito da
Grande Serpente, cujo poder você quebrou. Ele tem o dom
de provocar a ilusão e a invisibilidade, algo que só ele possui.
É um ser cruel e terrível.
- Não o temo. — disse Kull — Na próxima vez, estarei
preparado, e minha resposta será um bom golpe de espada,
ainda que ele não possa ser atravessado, coisa que duvido
muito. Brule não lhe acertou nas partes vitais, que até um
morto-vivo deve ter. Isso é tudo. — Se voltou, então, para
Tu e acrescentou: — Parece que as raças civilizadas também
têm seus tabus, uma vez que o lago azul está proibido para
todos, menos para mim.
Tu respondeu com gesto mal-humorado, zangado com
o fato de Kull ter dado permissão à feliz Delcardes para se
casar com quem ela quisesse.
- Milorde, esse não é um tabu pagão, como aqueles ante
os quais se inclinam os de vossa tribo. Aqui se trata de uma
questão de estado, necessária para preservar a paz entre a
Valúsia e os seres lacustres, que são magos.
- Nós, a nosso turno, mantemos os tabus para não ofender
os espíritos invisíveis dos tigres e águias. — disse Kull —
Na verdade, não vejo nenhuma diferença.
- De qualquer forma — acrescentou Tu —, deves tomar
muito cuidado com Thulsa Doom, porque ele desapareceu
para passar a outra dimensão, e enquanto se encontrar lá,
será invisível e inofensivo para nós, mas estou certo de que
voltará.
- Ah, Kull — suspirou o velho Ka-nu —, a minha vida
é muito dura em comparação à sua. Brule e eu nos embriagamos
em Zarfhaana, e eu caí de um lance de escada,
o que me prejudicou as canelas. E, enquanto isso, você não
fazia outra coisa senão ficar na pecaminosa indolência
rodeada de sedas, tão típica dos reis.
Kull o olhou intensamente, sem dizer nada. Finalmente,
se virou, dando-lhe as costas, para desviar sua atenção para
Saremes, que cochilava.
- Não é nenhum animal enfeitiçado, Kull. — disse o
lanceiro — É um animal sábio, mas simplesmente expressa
sua sabedoria com o olhar e, sem dúvida, não fala. Seus olhos,
no entanto, me fascinam por toda a antiguidade que expressam.
De qualquer forma, não é mais que uma gata.
- De qualquer modo, Brule — disse Kull, acariciando a
pelagem sedosa —, continua sendo uma gata muito antiga...
Muito.
 

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Assim como seu "devoto" Gollum, Laracna caiu na besteira de subestimar o bom e velho Sam Jardineiro e pagou caro por isto :mrgreen: .

PS: Gosto de pensar que ela nunca se recuperou dos ferimentos sofridos, no combate com Sam, e acabou por devorar a si mesma, igualzinha a sua mom.

.
 
Última edição:
(coincidência ou não, a Laracna se "ferra" (pegou, pegou?) JUSTAMENTE por tentar ficar "por cima" e prensar o macho debaixo dela, precisamente " a "trangressão" de Lilith ao não se submeter a Adão em posição "subalterna").

NOSSAAAAAAAAA!!! 8-O

Então o Melkor pegou a Ungoliant e o Sam pegou a Laracna???

Que suruba aranhesca essa!!! :lol:

Mas sério, se houve mesmo um paralelo nesse aspecto, foi genial! 8-O
 
NOSSAAAAAAAAA!!! 8-O

Então o Melkor pegou a Ungoliant e o Sam pegou a Laracna???

Que suruba aranhesca essa!!! :lol:

Mas sério, se houve mesmo um paralelo nesse aspecto, foi genial! 8-O

E "genial" é uma coisa que nós todos sabemos que Tolkien era... :cheers:

Como disse, junto com coisas como o "abismo" em sânscrito ser "arana" e ser, também, a interpretação pro nome de Tiamat, ser primordial feminino que simboliza o Mar Primevo, na comparação com o supostamente cognato termo semítico "tehom", ter influenciado a criação de uma "aranha" com prerrogativas do "abismo", a coisa pode até ter sido coincidência...mas eu duvido.
 
Última edição:
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Que certos poços de amargura metidas a escritoras, que acusam Tolkien de machismo e misogenia, não leiam os posts mais recentes do Ilmarinen, ou a Internet ficará abarrotada de novos libelos anti-Professor... :mrgreen:

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Última edição:
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Que certos poços de amargura metidas a escritoras, que acusam Tolkien de machismo e misogenia, não leiam os posts mais recentes do Ilmarinen, ou a Internet ficará aborrotada de novos libelos anti-Professor... :mrgreen:

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Bom, mesmo quem pode bater com essa descrição sabe que, quando Tolkien escrevia, o termo "politicamente correto" nem tinha sido inventado...

E acho que nesse quesito ele até que se sai bem melhor do que o C.S.Lewis.

http://www.thefreelibrary.com/Tolkien's+females+and+the+defining+of+power.-a0161502024

http://www.thefreelibrary.com/Finding+woman's+role+in+The+Lord+of+the+Rings.-a0163972502

http://www.academia.edu/363083/Tami...f_Tolkiens_Heroinism_in_The_Lord_of_the_Rings

http://www.norsemyth.org/2013/02/tolkiens-heathen-feminist-part-one.html
 
Última edição:
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É que eu me lembrei (infelizmente) da tal Maureen F. McHugh (:puke:) e sua diatribe anti Tolkien (tomei conhecimento desta triste criatura através de um link que você certa vez postou). Ela é o "poço de amargura metida a escritora" por excelência.

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Última edição:
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Que certos poços de amargura metidas a escritoras, que acusam Tolkien de machismo e misogenia, não leiam os posts mais recentes do Ilmarinen, ou a Internet ficará aborrotada de novos libelos anti-Professor... :mrgreen:

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Mas e a Éowyn? E a Galadriel?? E A LÚTHIEN?? :ahhh:

Elas são "du bem" nas obras e nem por isso são submissas e quietinhas (como a Arwen é, mas deixa pra lá! :mrgreen:)...

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Machista mesmo é o Kurumada, que colocou máscara em (quase) todas as amazonas.

-q
 
Machista mesmo é o Kurumada, que colocou máscara em (quase) todas as amazonas.

-q


Pior mesmo é que ele ainda fez o despautério de deixar uma delas apaixonada no mala sem alça do Cavaleiro de "Prágaso"... :lol:


Consta, porém, que Kurumada queria que o Cavaleiro de Andrômeda fosse uma mulher e não um homem. Combinaria melhor com os peitinhos da armadura.

Masami Kurumada, no entanto, sabia sua Tolkien lore e que "balrog" tinha asas sim... :P

Esquema_lune.jpg


Mais um bom texto analisando o papel feminino nos livros.

http://skemman.is/stream/get/1946/11490/28547/1/BA_essay_-_Elísabet_Stenberg.pdf

E, falando de influencia de Tolkien em cima dos mangás e especialmente de Ungoliant, uma das mais evidentes é a já famosa forma final de Naraku no mangá do Inu Yasha da Rumiko Takahashi. Num capítulo batizado com a menção do fato de que os youkais que formam uma coalescência em volta do novo corpo de Naraku se apresentavam como uma nuvem]( Nuvem de Jyaki) os demônios assim agem devido ao poder de uma joía mágica que é o o macgufffin da saga do Inu Yasha, a Shikon no tama. Graças a ela, o demónio, enfim, assume a forma de seu ícone que já aparecia como tatuagem no seu corpo.

Demônio levado à loucura niilista por algo que se assemelha a ter seu amor despprezado por alguém inatingível destinada a outro: Naraku e Melkor têm muito em comum em suas historias com Kikyou e Varda. O único foco deles passa a ser um trio de ou um exemplar de uma jóia magnífica que concentra os poderes que definem os rumos do mundo. Daí a forma ultimate ligada ao fato de possuir,afinal, a jóia, em ambos os casos, envolve ou aliança com ou a transformação em uma aranha gigante que está cercada por um cúmulo de escuridão sobrenatural, o miasma e a antiluz.

Naraku tem uma outra característica similar com Ungoliant além do miasma e do jyaki que, juntos, compartem as características de tangibilidade, escuridão e corrupção venenosa da Unlight: o fato de "crescer" incorporando a matéria e o poder de outros seres à sua biologia preternatural, gerando um "corpo" que é "maior por dentro do que parece ser por fora" (efeito hipercúbico/oceano de Dirac).
 

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Última edição:
O Lune apesar disso não chega nem aos pés de um Balrog de verdade! :P

Foi só o Kanon chegar tocando o terror q ele amarelou na hora!!

Pronto, virou tópico de Saint Seiya!! :lol:

E o pobrema não é a Shina gostar do Seiya... é a Shina, a Minu, até um pouco da Saori... se bem que Saori e Seiya seriam o casal 20, pois ambos são umas malas!! xD

- - - Updated - - -

ILMA, coloquei essa ideia na minha fic... do Melkor gostando da Varda e se tornando um poço de amargura por causa disso! xD Ele ainda diz: "Não tive esposa (e nisto relembra com rancor da rejeição de Varda - imagine que golpe pra ele, que era na época considerado o ser mais magnífico de Eä!) mas tive um filho que nunca me decepcionou". O filho seria o Sauron - adotado, mas seria. Rs. Assim como, de certa forma, Annael adotou Tuor e Thingol adotou Túrin. Pq os maus não podem, né? :lol:

Até pq o Sauron ressurgindo como o PRÓPRIO Senhor do Escuro após a queda de Morgoth me dá uma impressão de filho sucedendo à herança do pai, mesmo.
 
- - - Updated - - -

ILMA, coloquei essa ideia na minha fic... do Melkor gostando da Varda e se tornando um poço de amargura por causa disso! xD Ele ainda diz: "Não tive esposa (e nisto relembra com rancor da rejeição de Varda - imagine que golpe pra ele, que era na época considerado o ser mais magnífico de Eä!) mas tive um filho que nunca me decepcionou". O filho seria o Sauron - adotado, mas seria. Rs. Assim como, de certa forma, Annael adotou Tuor e Thingol adotou Túrin. Pq os maus não podem, né? :lol:

Bem, Lindoriél, como expliquei lá no ensaio da Ungoliant, sempre me pareceu que o "rejeitava", a expressão usada por Tolkien, traduzia-se em algum tipo de rejeição ou "block" especial.

Piadinha nova sobre isso aí:

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Mas por que as Trevas iriam depender da Luz ? Qual seria a correlação entre essa dependência e a corrupção de Melkor?

A referência que, no meu entendimento, contém a grande pista para esclarecer essa indagação está na Valaquenta na parte que fala de Varda, Elbereth Gilthoniel, a esposa de Manwë.

COM MANWË HABITA VARDA, SENHORA DAS ESTRELAS, QUE CONHECE TODAS AS REGIÕES DE EÄ. A SUA BELEZA É TÃO GRANDE QUE NÃO PODE SER DESCRITA EM PALAVRAS DOS HOMENS OU DOS ELFOS, POIS A LUZ DE ILÚVATAR AINDA VIVE NO SEU ROSTO. NA LUZ ESTÁ O SEU PODER E A SUA VENTURA. DAS PROFUNDEZAS DE EÄ ACUDIU EM SOCORRO DE MANWË, POIS A MELKOR CONHECIA-O ANTES DA COMPOSIÇÃO DA MÚSICA E REPELIA-O E ElE A TEMIA E ODIAVA MAIS DO QUE TODOS OS OUTROS FEITOS POR ERU.


WITH MANWË DWELLS VARDA, LADY OF THE STARS, WHO KNOWS ALL THE REGIONS OF EÄ. TOO GREAT IS HER BEAUTY TO BE DECLARED IN THE WORDS OF MEN OR OF ELVES; FOR THE LIGHT OF ILÚVATAR LIVES STILL IN HER FACE. IN LIGHT IS HER POWER AND HER JOY. OUT OF THE DEEPS OF EÄ SHE CAME TO THE AID OF MANWË; FOR MELKOR SHE KNEW FROM BEFORE THE MAKING OF THE MUSIC AND REJECTED HIM, AND HE HATED HER, AND FEARED HER MORE THAN ALL OTHERS WHOM ERU MADE.

Esse trecho sugere claramente que não era só a soberania sobre o reino de Arda o que Melkor invejava em Manwë. Ao que parece, ele cobiçava, também, Varda, mas foi rejeitado por ela, e como, frequentemente, o amor não correspondido se converte em um ódio proporcionalmente grande, Melkor odiava Varda mais do que todos os seres criados por Ilúvatar.

E, entretanto, qual era a chave desse desejo por Varda? O próprio trecho elucida isso quando diz que a beleza de Varda não pode ser descrita porque “a luz de Ilúvatar ainda vive no seu rosto”. O que Melkor almeja em Varda, o que ele deseja, e ,ao mesmo tempo, odeia, porque não pode ter só para si, é a Luz de Ilúvatar da qual ela é portadora.

Essa relação conturbada entre Melkor e a Luz de Ilúvatar está implícita na sua busca pelo Fogo Secreto ( a causa de suas andanças pelo Vazio) e está totalmente explícita na história tardia em que Tolkien reformulou o Mito do Sol e da Lua, uma versão incluída no Myths Tranformed ( Mitos Transformados ), que faz parte do HOME 10.

Nessa narrativa, Varda foi especialmente agraciada por Ilúvatar com um tipo especial de Luz com a qual ela consagrou o nosso Sol, que seria, nessa concepção, o centro do nosso sistema solar, e este, por sua vez, seria denominado de Arda, o reino regido pelos Valar “terrestres”. Nessa versão, a Terra, o nosso planeta, seria somente a parte sólida, habitável, de Arda, chamada Imbar.
Mas o que acontece é que, uma vez criado o Sol que iluminaria a Terra, Varda designou um espírito maia poderoso como sua guardiã, a versão posterior de Arien, que aqui é chamada de Arië, e deu a ela a Luz mística ( um dos Milagres de Ilúvatar que não constam da Ainulindalë). Melkor que, entretanto, cobiçava toda a luz para si ( “pois as luzes menores se tornam trevas quando estão perante a maior”) e que havia assumido uma forma ofuscantemente luminosa veio em busca de Arië e lhe fez a seguinte proposta:

“EU ESCOLHI A TI, E TU SERÁS MINHA ESPOSA, ASSIM COMO VARDA É PARA MANWË, E JUNTOS NÓS DETEREMOS TODO O ESPLENDOR E SOBERANIA. ENTÃO O GOVERNO DE ARDA SERÁ MEU DE FATO COMO O É DE DIREITO, E TU COMPARTILHARÁS DE MINHA GLÓRIA”

Mas Arië rejeitou Melkor e zombou dele, avisando-o de que havia no Sol uma chama que não lhe seria subserviente, e que, se ele a tocasse, ela o queimaria e o enegreceria, muito embora a potência dele pudesse lograr a sua destruição.

Ignorando o aviso, Melkor replicou , gritando:

“-A DÁDIVA QUE É RECUSADA EU ARREBATO”.E ele “violentou” Arië, “TENTANDO HUMILHA-LÁ E TOMAR OS SEUS PODERES PARA SI”. Depois disso, angustiada e colérica, Arië abandonou Arda e o sol ficou privado da luz de Varda e ficou conspurcado pelo assalto de Melkor.

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Eu sou da convicção que o texto de HoME X praticamente confirma essa leitura quando, ao falar com Arië antes de "estuprá-la", Melkor fez QUESTÃO de mencionar Varda e seu casamento com Manwë num contexto que, pra mim, entregou tudo.

E isso, como já discutido antes aqui no fórum, é uma idéia que parece ter se disseminado no contexto atual de se ler nas entrelinhas do cânon, já que a relação do público leitor com a obra passou a ser mais...criativa.

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Creio que pelo menos um par de exegetas tolkienianos famosos concorda comigo já que "Findegil" é o nick de Wayne Hammond e Christina Scull.

É uma pena que assuntos desse tipo não são mais discutidos entre os estudiosos da obra o que aumenta a falsa noção de que os Senhores das Trevas de Tolkien são maus porque são maus e pronto.

Um análogo muito próximo a Melkor nesse ponto da caracterização e que, também é, ao mesmo tempo, uma contraparte pra Ungoliant, é a deusa Cythonna, criada pelo Walter Simonson( fã confesso de Tolkien, inclusive do Silmarillion e do Book of Lost Tales), na sua graphic novel do Superman, o A Última Deusa de Krypton ( o título em inglês, The Last God of Krypton é propositalmente mais ambíguo no significado, coisa que fica clara pra quem ler a história).

Superman+The+Last+God+of+Krypton+[1999].jpg



Cythonna tentou a todo custo seduzir Rao, o deus da luz e do sol kryptonianos, líder do panteão local, mas, sendo uma personificação do frio congelante e do mal, acabou rejeitada, porque ele viu nela apenas a vontade de gerar uma prole de seres destrutivos com a semente de Rao e a dela combinadas. Daí, ela entrou em guerra contra Rao e o restante dos Deuses da Alvorada, e acabou banida pro limbo, o Vazio eterno, mas não antes dela e sua progênie maligna( já que ela "could bear no children, but birthed roaring monsters of frost and rime" compare com o "Evil is fissiparous but itself barren" do Tolkien) terem maculado toda a vida senciente do planeta com uma crescente dormência e indiferença emocionais, "gélidas"* como ela própria( meio comparado ao efeito do Elemento Morgoth), deficiências que acabaram causando a destruição eventual de Krypton.

*A noção do "Mal ser fissíparo" do Tolkien, nesse contexto, bate, coincidentemente bem, com o fato de que o maior símbolo da decadência moral e emocional dos kryptonianos, nessa continuidade pré New 52 da DC, era o uso espúrio que eles faziam da clonagem pra prolongarem a própria vida às expensas dos duplos genéticos criados pela sua superciência.

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Aí, Rao, pode ser ou tá difícil?

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Someday, some Rao(hé! :lol:), se não for por bem, vai ser por mal"


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Daí a deusa clone da Lady Death se liberta nos escombros do que foi Krypton, tendo o poder dos Deuses da Alvorada finalmente sido quebrado, vem pra Terra atrás do último kryptoniano remanescente(Superman) cuja escapada da destruição ela sentiu e ai... Tcham, tcham, tcham, tchaaam...
 

Anexos

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  • indecent proposal of cold and darkness to the sun god.JPG
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ILMA, coloquei essa ideia na minha fic... do Melkor gostando da Varda e se tornando um poço de amargura por causa disso! xD Ele ainda diz: "Não tive esposa (e nisto relembra com rancor da rejeição de Varda - imagine que golpe pra ele, que era na época considerado o ser mais magnífico de Eä!) mas tive um filho que nunca me decepcionou". O filho seria o Sauron - adotado, mas seria. Rs. Assim como, de certa forma, Annael adotou Tuor e Thingol adotou Túrin. Pq os maus não podem, né? :lol:

De forma incrivelmente sincronizada, acabei de topar com essa picture aí, Lindoriel ,que, coincidentemente, bate UM BOCADO com o seu take. Ela levanta a hipótese de que Sauron fosse filho de Aulë. A relação com Melkor, então, nesse contexto, ganha um elemento paternal além de uma conotação amorosa incestuosa por parte de Mairon/Sauron.

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Adorei o take Vulcano/Trigon para o Aulë.

E mostrando como Ungoliant era mesmo uma "bad trip"...literal.

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E Phobs ataca de novo:

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Mas Arië rejeitou Melkor e zombou dele

Todo mundo rejeitando o Melkinho!! :lol: E a Ungoliant ainda por cima cisma de fazer um BDSM com ele, kkkkkkkk!! Que azar no amor... :P

Por isso ele ficou tão revoltado, rsrsrsrsrs!!

Mas no caso da Arien, ela não era Maia? Um Vala poderia contrair matrimônio com uma Maia?

Bom, se uma Maia (Melian) pôde com um elfo... rssssss!!

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EDIT: na minha última fic Sauron e Melkor são APENAS pai e filho msm... rçrçrçrçrçrç!! Tem umas outras em que eles são amantes... rsrsrsrsrsrs²!

Mas na última fic, Sauron teria saído do serviço de Aulë por ele ter sido muito rígido consigo... já Melkor teria vindo com aquele velho anátema de "Aquele que traz presentes" e ficar comprando o Mairon/Sauron com favores e etc... rssssss!!

E ele embarcou oO
 
Mas na última fic, Sauron teria saído do serviço de Aulë por ele ter sido muito rígido consigo... já Melkor teria vindo com aquele velho anátema de "Aquele que traz presentes" e ficar comprando o Mairon/Sauron com favores e etc... rssssss!!

E ele embarcou oO

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Segundo Tolkien, Mairon achava Melkor mais objetivo e eficiente do que Manwë, por isto mudou de emprego.

Material bem interessante e completo sobre Kali, uma das inspirações para a nossa entidade da escuridão favorita:

http://hinduism.about.com/od/hindugoddesses/a/makali.htm

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