Eu gosto do Gollum. Falando sério.
Tudo bem, é fácil odiá-lo se formos observar seus atos superficialmente. Mas pô... coloquem na missão de um psicólogo avaliar seu comportamento, tendo ele acesso à história e a todas as passagens do personagem que o SdA conta. Suponho que o resultado seria diferente: Gollum é merecedor de compaixão e até carinho.
Primeiramente: ele já possuía, desde ainda hobbit "imaculado", uma personalidade incomum. Gostava de montanhas e do escuro, se isolava, não tinha muitos amigos, não era amado como seu primo Déagol. Isso são inferências. Seu caráter já tinha tendências a algo que o colocasse como ser importante, algo que lhe desse alegria, respeito, talvez - algo precioso.
Surge a oportunidade de possuir um bonito anel. Claro, ele não matou o primo por isso, mas pela força de dominação que a jóia possuía, e que facilmente o dominou, uma vez possibilitada pela própria personalidade de Sméagol. O livro deixa claro que esse homicídio aterrorizou-o pelo resto da vida, de remorsos e ódio do Anel - principalmente depois que foi expulso pela matriarca da família e deixado ao relento, em posse apenas de seu precioso.
Por 200 anos, se não me engano, Gollum viveu sozinho sob as montanhas, comendo peixes cegos e orcs, sem alguém para conversar, amar, ser amado; pelo contrário, odiado por homens e orcs, sem qualquer diversão que não seu Anel, que com o passar dos anos o consumia. Imaginem o que deve ser isso. A aparição de um hobbit perdido em sua caverna, propondo-lhes Adivinhas, o qual não jogava desde seus tempos felizes, deve ter-lhe parecido até mesmo um momento de alegria, nostalgia. Mas foi dali que veio uma nova etapa de sua vida, que duraria até o fim dela, nas chamas onde seu único objeto/objetivo de vida foi criado.
Lembrem-se de algumas passagens, como a dele admirando Frodo e Sam em Cirith Ungol, que para mim é a mais bonita de ADT:
"Gollum olhou para eles. Uma expressão estranha passou por seu rosto magro e faminto. Apagou-se o brilho de seus olhos, que ficaram opacos e cinzentos, velhos e cansados. Um espasmo de dor pareceu contorcer seu corpo, e ele se virou, olhando para trás na direção da passagem, balançando a cabeça, como se empenhado em alguma discussão interior. Depois voltou, e lentamente, estendendo uma mão trêmula, com todo o cuidado tocou o joelho de Frodo - mas o toque foi quase uma carícia. Por um momento fugaz, se os que dormiam pudessem tê-lo visto, pensariam que estavam observando um velho hobbit cansado, encolhido pelos anos que o tinham carregado para longe de seu tempo, para longe dos amigos e parentes, e dos campos e riachos da juventude, um ser velho e faminto merecedor de compaixão."
As Duas Torres, pág. 333
Prestem bem atenção a esse trecho. Gollum, que tinha praticamente acabado de selar a morte dos dois hobbits, ao voltar, sofre uma guerra interior, em que combatem sua bondade e o mal que surgiu em virtude da longa posse e do roubo do Anel e dos longos anos de ódio e falta de carinho e compaixão.
Acho que de forma alguma Gollum deve ser odiado por quem ele realmente era.