P
Paganus
Visitante
I
As baías desapareciam sob um sol que se espalhava em incêndios vastos pelo horizonte enquanto se incendiava de calor e de amor, em alcovas úmidas e mercados apertados, uma vida que desaparecia com o peso das máquinas atrozes que consumiam sonhos e atrapalhavam a sesta. O Sr. Adelmo Rivalento acordava com a camisa regata grudada no corpanzil de barril, suando em bicas por baixo do corpo enorme de sua mulher; mais à direita, no casebre mais próximo, Adalva e Marceles se afogavam em um lodo ininterrupto de amor sofrido na rede de pecado enquanto as sombras mal escondiam os cachorros que não se desgrudavam de brincadeiras criadas na época do Éden. O vilarejo assomava conforme se descia da linha aérea dos anjos famintos e se descortinava uma paisagem feia e escandalosamente quente de casais fortuitos que lutavam contra o sufocamento de todo ar no mergulho em peitos abertos, coxas grossas tremulentas, quadris apavorados e uma febre que durava já fazia uma estação.
A aldeia sofria de um terrível flagelo, nascido na confluência do Amor e da Penúria. Dizia a lenda que nesse promontório de desgraceiras bucaneiras, nessa ilha esquecida por Deus e o mundo, intocada pelo cristianismo, vivendo um paganismo colossal e primevo, aqui vivera Afrodite nascida dos testículos imensos e portentosos de seu pai, Uranos. Aqui nessa malfadada ilha ela fizera sua morada, aqui ela sustentara amores incestuosos com a Terra local, sua própria Mãe, engendrando a nefanda terra do Chipre e aqui nessa ilha, nessa terra, um lugar, uma ilha minúscula, uma península agarrada á ilha maior por não mais que um promontório traiçoeiro cercado por um mar de desastre e florestas intransponíveis, havia um povo que sofria da maldição do Eterno Verão. Morriam de um calor intenso, tão intenso que sentiam seus ventres arderem não menos que seus pés sob a areia escaldante, tinham alucinações durante o dia, desidratavam-se e só conseguiam se recuperar minimamente do desespero quando buscavam o calor inferior uns dos outros, se matavam de amor aleatoriamente e chafurdavam em uma culpa letárgica pela noite de vapores lentos e poucas chuvas, estremecendo o mundo de Deus com sua infâmia.
Era o escorbuto. Doença atroz, causada pela falta de vitamina C e que apresentava sintomas terríveis de maior suscetibilidade a um calor que desarranjava os intestinos e os sentidos, confundia as noções morais já atrofiadas e tornava os dias e noites da aldeia impossíveis, inimagináveis.
Era nesse estado deplorável de moralidade continuamente violada, de chupadas anônimas na noite, uma situação onde as redes e camas não tinham dono, bem como as casas e toda organização social e política não passavam de um sonho distante que a figura de nosso heroi civilizador assoma.