Olá a todos,
Nem bem passamos um dia em meio à ocupação e já nos deparamos com uma enxurrada de informações sobre o processo político que se dá. Já fizemos duas entrevistas com participantes e estamos procurando por pessoas que estão desde o início para obter seus depoimentos.
A primeira impressão, que logo se confirmou, é que o movimento foi e é largamente tocado por 'independentes', ou seja, pessoas sem vínculos com grupos partidários em geral, apesar de haver apoio de alguns partidos e participação de coletivos que não têm atuação expressiva no Rio; essa idéia de independente, no entanto, não é algo muito definido. Dessas pessoas, a maioria participando ativamente da organização do movimento, muitas estão só começando a participar do movimento estudantil, pois não se sentiam atraídos, ou representados pelas suas instâncias formais. Por sinal, nas infindas charges dispostas nas paredes são muitas as ironias com militantes e com o DCE da própria USP, haja vista que a entidade nunca apoiou a ocupação e agora se mantém em silêncio (uma das assembléias da ocupação, inclusive, proibiu o DCE de se manifestar sobre o assunto sem entrar em contato com o pessoal daqui).
A estrutura formada, numa primeira vista, nos é muito familiar. Deparando com as dificuldades de organização de uma ocupação que durasse, as pessoas se dividiram em comissões com base em trabalhos específicos, tais como de Cultura, Comunicação, Finanças, Limpeza, Alimentação, Segurança e Negociação. Esta última é composta de forma que todos os seus participantes tenham necessariamente se envolvido em debates nos Grupos de Discussão, tais como Decretos (do Serra, que limitariam a autonomia das universidades públicas paulistas), Estatuinte (que discute a possibilidade de rever o estatuto da própria USP).
Muitas outras atividades têm sido organizadas tanto na ocupação, quanto nas unidades que aderiram à greve, como aulas abertas, palestras, debates, exibição de filmes, etc. A grande maioria delas têm obtido êxito, tanto no que se refere ao comparecimento (uma aula aberta, na Letras, contou com uma platéia de cerca de 500 pessoas!), quanto à própria forma de organização (uma das palestras, inclusive, foi proferida por um estudante).
Ainda não conhecemos toda a estrutura de funcionamento da ocupação, mas percebemos que não há uma autoridade central instituída, ou melhor, um coletivo menor, algo como uma diretoria; as comissões parecem ter muita autonomia para a realização de seus trabalhos, ou seguindo decisões gerais tomadas em plenárias. Eles estão tentando organizar uma espécie de reunião inter-comissões, ou seja, parece mesmo que essa nova estrutura se faz a partir das necessidades da base da organização. Aliás, uma das preocupações do pessoal 'independente' é justamente como se organizarão depois de finda a ocupação, pensando em tornar mais massivo e presente o movimento estudantil, e não apensas nas suas assembléias de curso e gerais.
Hoje ocorreu aqui o III Encontro Estadual das Universisades Públicas Paulistas, que lotou o espaço da ocupação, e em certo momento contou com sete reuniões paralelas (a maior delas contando com mais de setenta pessoas) e neste momento está se finalizando, com uma plenária conjunta das universidades com fins, dentre outras coisas, de formar um comando de greve unificado, bem como de defender a bandeira das eleições diretas para as reitorias (aprovada por consenso).
Uma questão que parece estranha a muitos é o fato do governo do estado ainda não ter cortado luz, água nem internet (os telefones foram cortados há mais de uma semana), mas a avaliação que nos pareceu mais contundente é de que o Serra busca o esgotamento da movimentação. O pessoal daqui avalia que o tal Decreto Declaratório, uma peça jurídica no mínimo estranha, não muda a situação dos decretos anteriores e, no fundo, a coisa se mantém. De toda forma, a pauta dos estudantes inclui 18 pontos, que ainda queremos analisar com mais precisão.
Abaixo, segue uma “Pauta de reivindicações atualizada”:
"Compreendendemos a falta de clareza, o descontentamento em relação às reivindicações e a precipitação na formulação dos pontos pautados, portanto apresentamos uma reorganização do documento já veiculado, na tentativa de promover discussões e reflexões mais precisas e construtivas acerca das nossas atuais necessidades e exigências. No processo de manutenção deste documento encontramos certas colocações incoerentes que nos impeliram a alterar, até mesmo, o número de pautas apresentadas. No entanto, atentamos que não houve modificações quanto ao sentido das exigências.
Pauta de Reivindicações dos Estudantes que ocupam a Reitoria da USP:
1. Aumento de verbas para a Educação Pública, os quais foram aprovados pela Assembléia Legislativa e, posteriormente, vetados pelo Governo do Estado de São Paulo (gestão Alckmin/ Lembo e mantida pelo Governo Serra). Que a LDO ( Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2007 reponha os aumentos vetados pelo Executivo.
2. Revogação de todos os decretos impostos neste ano pelo Governador José Serra acerca da Educação no Estado (como os de nº. 51.460, 51.461, 51.471, 51.636, 51.660), os quais representam um forte retrocesso para a universidade pública na medida em que atacam explicitamente sua autonomia.Tais determinações agridem não só em relação à gestão financeira, mas também no que concerne a sua função máxima: o ensino e a pesquisa autônomos, livres de interesses mercadológicos e meramente instrumentais. Institucionalizam a separação do tripé ensino, pesquisa e extensão, dividindo ainda mais a articulação no interior da educação pública, priorizando cursos e pesquisas de cunho operacional, ou seja, orientadas explicitamente por uma lógica mercantil. Separam a Fapesp e o Centro Paula Souza (Fatecs e Etes) das Universidades, antes submetidas à Secretaria de Ciência e Tecnologia, agora seccionadas em Secretaria do Ensino Superior e Secretaria do Desenvolvimento. Por fim, suspendem a contratação autônoma de funcionários e professores, abrindo espaço para o acirramento do processo de terceirização e precarização do trabalho.
3. A democratização da Universidade: o Conselho Universitário aberto à participação de estudantes, funcionários e professores, com direito à voz e voto. Além da discussão de eleições diretas para Reitor.
4. Realização de uma audiência pública com a Reitoria onde sejam discutidos os decretos acima citados e seja expressa publicamente sua posição frente a eles. Tal posição deve ser divulgada em jornais e mídias de grande alcance, posto que tais resoluções referem-se diretamente à sociedade brasileira.
5. Contratação imediata de professores e funcionários, conforme as demandas a serem levantadas pela própria comunidade USP, através de comissões mistas locais (professores, funcionários e estudantes) a cada situação específica. Efetivação imediata daqueles contratados em regimes de trabalho precários e/ou terceirizados.
6. Liberação automática das vagas dos professores que se aposentam ou se desligam da Universidade.
7. Arquivamento do processo de modificação das regras de cancelamento de matrícula dos estudantes da USP, encaminhado pelo Conselho de Graduação para o Conselho Universitário.
8. Contratação de professores para atender às demandas advindas do processo de implementação de novas disciplinas de Licenciatura, regulamentadas pelo MEC em 2001 nos cursos da Universidade, em especial na Faculdade de Letras.
9. Construção de um novo prédio para Letras, FOFITO e das demais faculdades que apresentem necessidades, além da manutenção dos prédios da FFLCH e IME.
10. Formulação, em conjunto com os estudantes, de um projeto a longo prazo para a moradia estudantil em todos os campi da USP, os quais devem definir desde a estrutura física das moradias até a autonomia dos moradores sobre os espaços que utilizam. Nos casos de Ribeirão Preto e São Carlos: solução imediata referente à falta de vagas através da construção de novas moradias, não apenas em formas paliativas como o Auxílio Moradia.
Em relação ao campus Butantã exigimos:
I) A construção imediata de três novos blocos de moradia, totalizando 600 vagas, bem como a reforma dos blocos já existentes. Deverá ser garantida dotação orçamentária anual para política de permanência;
II) Garantia de moradia adequada para todos os estudantes alojados no CEPEUSP e no CRUSP;
III) Linha regular dos ônibus da cidade (SPtrans) circulando dentro da USP aos sábados, domingos e feriados, sem restrição de entrada destes. A não-terceirização dos Circulares da USP e o funcionamento destes ininterruptamente, inclusive aos sábados, domingos e feriados, das 6h às 24h, com intervalo de 30 minutos;
IV) Alimentação aos sábados (jantar) e domingos (almoço e jantar) nos restaurantes universitários;
V) Os moradores não deverão ser expulsos da moradia enquanto possuam vínculo com a universidade;
VI) As colméias do CRUSP terão de ser imediatamente desocupadas, exceto o CINUSP, sendo o controle destas passado aos moradores para a criação de um espaço de vivência e alojamento provisório;
VII) Proibição de atividades esportivas ao redor das moradias estudantis que causem transtorno aos moradores ou que impeçam o deslocamento normal dos mesmos;
11. Os estudantes e funcionários devem ter acesso assegurado aos Planos de Meta de todos os cursos e departamentos da USP.
12. Nenhuma punição - sindicâncias ou demais processos administrativos e repressivos - contra os estudantes em relação à ocupação da Reitoria, a qual se deu devido à ausência do representante legal da Reitoria na audiência pública convocada no anfiteatro da geografia, e pelo impedimento da entrada dos estudantes no prédio em questão para a entrega de sua pauta de reivindicações no dia 03/05/2007.
13. Exigimos a total autonomia dos espaços ocupados e geridos pelos estudantes, ou seja, a liberdade de manifestação política (panfletagem, colagem de cartazes, etc.) e cultural (festas, festivais, etc.).
14. Retirada de todos os processos de sindicância administrativos e judiciais movidos ou em andamento contra os estudantes e funcionários da USP.
15. Lutas por ações afirmativas - mudança radical na concepção de Inclusp para garantir o acesso real de negros e pobres à universidade.
16. Retirada da polícia do interior do campus.
17. Reabertura do campus para todos, 24h por dia, tornando o espaço legitimamente público.
18. Estatuinte"
“Viva o
movimento
em
movimento
vivo.”
“Os espaços foram ocupados, montaram-se as barricadas e o movimento estudantil findou o tempo da inércia.”
“O que queremos, de fato, é que as idéias voltem a ser perigosas.”
Abraços para todos,