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O simbolismo metafísico da cruz - René Guénon

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Paganus

Visitante
Do livro 'O simbolismo da Cruz'
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A maioria das doutrinas tradicionais simboliza a realização do ''Homem Universal'' por um signo que é por todas as partes o mesmo, porque, como dizíamos no começo, é daqueles que se vinculam diretamente à tradição primordial: é o signo da cruz, que representa muito claramente a maneira em que esta realização é alcançada pela comunhão perfeita da totalidade dos estados do ser, harmônica e conformemente hierarquizados, na expansão integral nos sentidos da ''amplitude'' e da ''exaltação'' [1]. Como efeito, esta dupla expansão do ser pode ser considerada como efetuando-se, por um lado, horizontalmente, quer dizer, em certo nível ou grau de existência determinado, e por outro lado, verticalmente, quer dizer, na superposição hierarquizada de todos os graus. Assim, o sentido horizontal representa a ''amplitude'' ou a extensão integral da individualidade tomada como base da realização, extensão que consiste no desenvolvimento indefinido de um conjunto de possiblidades submetidas a algumas condições especiais de manifestação; deve se entender bem que, no caso do ser humano, esta extensão não está limitada de nenhum modo à parte corporal da individualidade, mas que compreende todas as modalidades desta individualidade, posto que o estado corporal não é propriamente mais do que uma delas. O sentido vertical representa a hierarquia, também indefinida e com maior razão ainda, dos estados múltiplos, cada um dos quais, considerado do mesmo modo em sua integralidade, é um destes conjuntos de possibilidades, que se referem a outros tantos ''mundos'' ou graus, e que estão compreendidos na sintese total do ''Homem Universal'' [2].

Nesta representação crucial, a expansão horizontal corresponde pois ao número indefinido das modalidades possíveis de um mesmo estado de ser considerado integralmente, e a superposição vertical à série indefinida dos estados do ser total. Não é necessário dizer, além do mais, que o estado cujo desenvolvimento é figurado pela linha horizontal pode ser um estado qualquer; de fato será o estado em que se encontra atualmente, quanto à sua manifestação, o ser que realiza o ''Homem Universal'', estado que é para ele o ponto de partida e o suporte ou base desta realização. Todo estado, qualquer que seja, pode proporcionar a um ser tal base, assim como se verá mais claramente depois; se consideramos mais particularmente a este respeito o estado humano, é porque este, sendo o nosso, nos concerne mais diretamente, de sorte que o caso que vamos tratar sobretudo é o dos seres que partem deste estado para efetuar a realização; mas deve se entender bem que, desde o ponto metafísico puro, este caso não constitui de nenhum modo um privilégio.

Se deve compreender desde já que a totalização efetiva do ser, ao estar para além de toda condição, é a mesma coisa que a doutrina hindú chama de ''Liberação'' (Moksha), ou o que o esoterismo islâmico chama de ''Identidade Suprema'' [3]. Além do mais, nesta última forma tradicional, se ensina que o ''Homem Universal'', enquanto representado pelo conjunto ''Adão-Eva'', tem o número de Allah, o que é com efeito uma expressão da ''Identidade Suprema'' [4].

A propósito disto, é mister fazer uma precisão de extrema importância, já que se poderia objetar que a designação de ''Adão-Eva'', ainda que seja certamente suscetível de transposição, não se aplica, em seu sentido próprio, mais que ao estado humano primordial; é que, se a ''Identidade Suprema'' não está realizada efetivamente mais que na totalização dos estados múltiplos, se pode dizer que de certo modo já está realizada virtualmente no ''estado edênico'', na integração do estado humano levado ao seu centro original, centro que, além do mais, como se verá, é o ponto de comunicação direta com os demais estados [5].Por outro lado, se poderia dizer também que a integração do estado humano, ou de qualquer outro estado, representa, em sua ordem e em seu grau, a totalização mesma do ser; e isto se traduzirá muito claramente no simbolismo geométrico que vamos expor. Se é assim, é porque se pode encontrar em todas as coisas, concretamente no homem individual, e inclusive mais particularmente ainda no homem corporal, a correspondência e como que a figuração do ''Homem Universal'', posto que cada uma das partes do Universo, se trate ou de um mundo ou de um ser particular, é, por todas as partes e sempre, análoga ao todo. Assim, um filósofo como Leibnitz teve razão, certamente, ao admitir que toda ''substância individual'' (com as reservas que fizemos mais atrás sobre o valor desta expressão) deve conter em si mesma uma representação integral do Universo, o que é uma aplicação correta da analogia do ''macrocosmos'' e do ''microcosmo'' [6]; mas, ao limitar-se à consideração da ''substância individual'' e ao querer fazer dela o ser mesmo, um ser completo e inclusive fechado, sem nenhuma comunicação real com nada que o ultrapasse, foi impedido de passar do sentido da ''amplitude'' para o da ''exaltação'', e assim privou a sua teoria de todo alcance metafísico verdadeiro [7]. Nossa intenção não é de nenhum modo entrar aqui no estudo das concepções filosóficas, quaisquer que possam ser, como tampouco no de outra coisa que dependa igualmente do domínio ''profano''; mas esta precisão se apresentava naturalmente a nós, como uma aplicação quase que imediata do que acabamos de dizer sobre os dois sentidos segundo os quais se efetua a expansão do ser total.

Para voltarmos ao simbolismo da cruz, devemos observar todavia que esta, ademais do significado metafísico e principial de que temos falado exclusivamente aqui, tem diversos outros sentidos mais ou menos secundários e contingentes; e isso deve ser normalmente assim, em concordância com o que dissemos, de uma maneira geral, da pluralidade dos sentidos incluídos em todo símbolo. Antes de desenvolver a representação geométrica do ser e de seus estados múltiplos, tal como se encerra sinteticamente no signo da cruz, e de penetrar no detalhe deste simbolismo, bastante complexo quando se o quer levar tão longe quanto possível, falaremos um pouco destes outros sentidos, já que, ainda que as considerações a que se referem não constituam o objeto próprio da presente exposição, estão, porém, ligados de uma certa maneira, e às vezes inclusive de modo mais próximo do que se estaria tentado a crer, sempre em razão desta lei de correspondência que assinalamos desde o começo como o fundamento de todo o simbolismo.

[1] Estes termos são tomados à linguagem do esoterismo islâmico, que é particularmente preciso sobre este pontol. -- No mundo ocidental, o símbolo da ''Rosacruz'' teve exatamente o mesmo sentido, antes que a incompreensão moderna desse lugar a toda sorte de interpretações bizarras ou insignificantes; o significado da rosa será explicado mais adiante.

[2] ''Quando o homem, no 'grau universal', se exalta até o sublime, quando surgem neles os demais graus (estados não humanos) em perfeita expansão, ele é o ''Homem Universal''. Tanto a exaltação quanto a amplitude alcançaram sua plenitude no Profeta (que assim é idêntico ao ''Homem Universal'').'' (Epístola sobre a Manifestacção do Profeta, pelo Sheikh Mohammed ibn Fadlallah El-Hindi). — Isto permite compreender esta palavra que foi pronunciado, faz uns vinte anos, por um personagem que ocupava então no Islã, inclusive sob um ponto de vista exotério, uma função muito elevada: ''Se os cristãos tem o signo da cruz, os muçulmanos tem sua doutrina''. Acrescentaremos que, na ordem esotérica, a relação do ''Homem Universal'' com o Verbo de um lado, e com o Profeta por outrol, não deixa subsistir, quanto ao fundo mesmo da doutrina, nenhuma divergência real entre o cristianismo e o Islã, entendidos ambos em seu verdadeiro significado. -- Parece que a concepção do Vohu-Mana, nos antigos persas, correspondeu também a do ''Homem Universal''.

[3] Sobre este ponto, ver os últimos capítulos de El Hombre y su devenir según el Vêdânta.

[4] Este número, que é 66, se dá pela soma dos valores numéricos das letras que formam os nomes Adam wa Hawâ. Segundo o Gênesis hebraico, o homem ''criado macho e fêmea'', quer dizer, em um estado andrógino, é '' a imagem de Deus''; e, segundo a tradição islâmica, Allah ordenou aos anjos que adorassem o homem (Qorân, II, 34; XVII, 61; XVIII, 50). O estado adrógino original é o estado humano completo, em que os complementares, em vez de se oporem, se equilibram perfeitamente; teremos que voltar a este ponto depois. Aqui acrescentaremos somente que, na tradição hindú, uma expressão deste estado se encontra contida simbolicamente na palavra Hamsa, em que os dois pólos complementares do ser estão, ademais, postos em correspondência com as duas fases da respiração, que representam as [duas fases] da manifestação universal.

[5] Os dois estados que indicamos aqui na realização da ''Identidade Suprema'' correspondem à distinção que já fizemos em outro lugar entre o que podemos chamar de ''imortalidade efetiva'' e a ''imortalidade virtual'' (ver El Hombre y su devenir según el Vêdânta, XVIII).

[6] Já tivemos a ocasião de assinalar que Leibnitz, diferente nisso de todos os demais filósofos modernos, recebeu alguns dados tradicionais, embora bastante elementares e incompletos, e que, a julgar pelo uso que fez deles, não pare ter-lhes compreendido perfeitamente.

[7] Outro defeito capital da concepção de Leibnitz, defeito que, além de tudo, está quiçá ligado mais ou menos estreitamente a este, é a introdução do ponto de vista moral em considerações de ordem universal, onde elas não tem nada o que fazer, através ''princípio do melhor'', princípio do qual este filósofo pretende retirar a ''razão suficiente'' de toda existência. Acrescentaremos todavia a este respeito que a distinção do possível e do real, tal como Leibnitz quis estabelecê-la, não poderia ter nenhum valor metafísico, já que tudo o que é possível é por isso mesmo real segundo seu modo próprio.
 
Nessa parte que fala da hierarquia e da cruz como símbolo da morte do corpo, ou da transcendência do mundo terreno para o mundo do além eu tinha visto um conceito particular dentro do livro de Urântia sobre seres ascendentes e descendentes.

Segundo a interpretação de Urântia sobre a bíblia, os seres humanos, que começam a jornada a partir do barro (no caos mais distante da presença divina) usam a própria cruz para atravessar um degrau na direção da luz central. Esses seriam os seres ascendentes. Já os seres descendentes receberiam instruções diretamente do centro divino para a periferia levando a presença do reino espiritual para as áreas a serem desbravadas (tipo os anjos que vão até as habitações dos seres ascendentes ou humanos).
 
Uma interpretação interessante, embora eu creia que a definição de seres 'ascendentes' e/ou 'descendentes' seja erroneamente determinista.
 
Talvez coubesse melhor se os termos discorressem sobre missão ao invés de um sentido espacial (subir e descer).

Por exemplo, poderia ser dito naquele livro que os humanos são mensageiros de um tipo diferente em relação aos angelicais podendo levar uma mensagem com "relógio de tempo/espaço" enquanto seres espirituais sejam mensageiros ou portadores de mensagens que não dependam de tempo e espaço (pelo menos que não dependam de nosso tempo e espaço especificamente).
 
Falando de metafísica pura, como a entendia Guenon, eu diria que 'humanos' e seres 'angelicais' nada mais são que termos genéricos que designam determinados seres individuais, sendo que sua 'humanidade' e 'angelicidade' nada mais são que estados específicos do Ser manifestado. O mesmo se diga de outros fenômenos e seres mais ou menos espirituais, mais ou menos 'materiais', são simplesmente individuações em estados diferentes do Ser.

Transcendendo essas individuações está o Ser manifestado em Sua unicidade, refletido nas diversas modalidades ou estados, por sua vez transcendido absolutamente pelo Imanifestado, sua fonte principial, como de toda manifestação.

Agora o 'caminho' da transmigração, a 'direção' pela qual se ascende ou se descende depende unicamente da participação no Absoluto, através do constante e progressivo 'descondicionamento' do indivíduo da própria individualidade, da condição-estado e, enfim, da própria manifestação, quando se pode mesmo falar em Identidade Suprema (moksha) com o Princípio; ou da sua rejeição e imersão em categorias cada vez mais baixas da manifestação, se aprisionando no véu de maya, no samsara.
 
Teve um livro de um indiano que ele falava de como eles procuraram criar um símbolo concebido para não significar nada e serviria apenas para indicar a base de tudo. Pelo que ele tinha dito a criação do símbolo obedecia a uma série de critérios (a busca da metafísica pura que você comentou).

Quer dizer, uma sinalização para o não descritível. Provavelmente esta fronteira é o que diferencia seres que não experimentaram vida na carne daqueles que venceram a morte. A ironia é que a vida mortal pela fé também é uma área indescritível a não ser que se viva dentro dela a ponto de superá-la um dia (como fazemos). A roda do Karma, segundo os orientais, poderia aprisionar o indivíduo que não a transcendesse. A transcendência dessaa roda seria o cumprimento da(s) missão(ões) que estava falando ali em cima. "Food for thought", afinal o não cumprimento da missão segundo a bíblia também seria capaz de enrolar um anjo na roda do destino...
 
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Apofaticidade.

Quanto mais se transcendem as categorias do Ser, os condicionamentos, mais fluidos e menos materialmente dependentes se tornam os modos pelos quais o espírito se relaciona com a manifestação. Sendo assim, mais imprópria se torna a linguagem e razão humanas para descreverem e muito mais para tentarem explicar essas realidades superiores, sendo mister o uso do apofaticismo, a linguagem que se anula diante do objeto, busca não descrever, mas dizer cada vez mais aquilo que o Objeto NÃO é. Se o relacionamento com o mundo muda junto com a modalidade do Ser, a forma de expressão também mudará, ela se torna cada vez mais consciente de sua fragilidade, porque, sendo uma forma de domínio do objeto, quanto mais este, por sua natureza transcendente, o ultrapassar em 'força' (shakti), mais se reconhecerá como uma forma de expressão característica de um 'reino' inferior, portanto, incompatível.

A linguagem humana pertence à modalidade humana do Ser, condicionada à manifestação corporal e seus múltiplos condicionamentos. Assim é que empalidece dependendo da transformação pela qual o espírito passa, em termos de des-condicionamento.

Dessa forma é que os santos nop Oriente bizantino e eslavo, usando uma analogia no campo da teologia, transformaram a teologia apofática, de mero recurso discursivo para resguardar intelectualmente a transcendência divina e a humildade da condição humana decaída, em verdadeira alma do fazer teológico, espiritual, ascético. Apofaticidade se torna uma disposição íntima, essencial para o progresso na vida espiritual, sem o qual, somos vítimas das ilusões demoníacas, sempre a nos enganar com sucessos mayânicos e nos fazer crescer na soberba quando cremos estarmos crescendo na virtude.

Não há ascese sem apofaticidade, desde o jejum das sextas até à contemplação, iluminação e constante e eterna deificação pela Luz incriada.
 

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