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Nada de novo no front (Erich Maria Remarque)

Meia Palavra

Usuário
Considerar a guerra um marco em que se passariam a usar “antes” e “depois” para situar eventos no tempo não pode ser considerado uma superestimação das mudanças que ela propiciou? Esse é mais ou menos o questionamento que René Remond faz no capítulo referente a Primeira Guerra Mundial do livro O Século XX: de 1914 aos nossos dias. Contudo, essa não é a obra sobre a qual quero me deter por alguns momentos, mas sim a obra Nada de novo no front, do alemão Erich Maria Remarque.

A obra, publicada em 1929, e adaptada já em 1930 para as telonas pelas mãos de Lewis Milestone; embora não se pretenda um libelo, como o autor faz questão de escrever antes mesmo de iniciar sua narrativa; “(…) procura mostrar o que foi uma geração de homens que, mesmo tendo escapado às granadas, foram destruídos pela guerra.”

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Muito interessante a resenha, Lucas. O livro é bastante famoso, mas até hoje não sabia exatamente do que tratava.

Na atualidade é comum que as pessoas apontem os absurdos e a estupidez das guerras (mesmo que isso não seja suficiente para impedí-las), mas em 1929 deve ter tido um grande impacto. Como você bem disse, ainda valia muito, então, a visão romântica... O próprio Remarque, imagino, deve ter sido taxado de covarde, pusilânime e daí para pior...

Mas por que ele demorou quase 10 anos para publicar o livro? Sabe alguma coisa sobre isso?
 
[align=justify]Pois é, quando olhei a data da publicação esse intermezzo me incomodou um pouco, visto que não tenho dados biográficos que pudessem apontar para alguma coisa esclarecedora nesse sentido. Vale lembrar que ele chegou a publicar três obras nesse período: Die Traumbude, Gam e Station at the horizon, em 1920, 24 e 28, respectivamente. (Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Erich_Maria_Remarque) embora a temática da guerra aparece muito mais subjacentemente do que explicitamente como aparece em Nada de novo no front, ao que parece. Não posso afirmar com propriedade, visto que não as li, nem conheço mais profundamente a obra de Remarque e nem ao menos sei se tais obras possuem tradução para o português.
Posso talvez conjeturar que a própria situação do país logo após a derrota em uma guerra e um número altíssimo de mortos, sem contar a indenização trilionária, devida após as decisões do Tratado de Versalhes; possam ter contribuído para que as obras de Remarque não encontrassem condições e meios de serem publicadas. Outro fato que pode porventura ter ocorrido é que falar sobre essas chagas podia ser difícil em um primeiro momento, talvez carecessem de uma cicatrização mais amadurecida para que pudessem ser contadas com a crueza com que são relatados nas obras dele.
Lembrando: são só conjeturas, nada mais.[/align]
 
Bom artigo. Coincidentemente acabei há pouco tempo Adeus às Armas do Hemingway, livro com certo teor auto-biográfico que se passa durante a primeira guerra. Apesar da obra não se fixar completamente na guerra em si, as batalhas acabam se tornando um pano de fundo constante na trama e dá pra se apreender muito bem parte dos horrores que ocorreram na I GM. Isso acabou atiçando a curiosidade.

Não tinha ouvido falar deste livro, mas agora pretende lê-lo em breve...
 
[align=justify]Cabe lembrar aqui ainda que tem duas adaptações para a obra (pelo menos de que tenho notícia):

1. Uma de 1930, de direção de Lewis Milestone, com o mesmo título do livro e que concorreu a Oscar;
2. Outra de 1979, de direção de Delbert Mann, com o título Adeus a Inocência.[/align]
 
Lucas, pena que só vi a resenha depois de ter finalizado o livro nesse feriado. Ficou muito boa! :sim:
A posição do autor quanto ao heroísmo na guerra ficou muito bem posta naquela passagem em que Paul Baumer volta e é tido como herói por aqueles que não presenciaram diretamente os horrores da guerra. Há inclusive um excelente documentário sobre o livro que passou no Discovery Civilization/Great Books (não sei se está na internet). Agora, que Remarque nega sua proposição inicial no decorrer do livro, isso não tenho dúvidas. Afinal, se o livro não é um libelo contra a guerra, o que seria um ?
 
Terminei de ler esse livro faz uma semana. Me faz lembrar de que minha mente infantil, poluída pelos filmes americanos, acreditava que os alemães eram inimigos. Por terem iniciado a Primeira e a Segunda Guerra Mundiais, provavelmente estariam maquinando uma Terceira. Coisa de vilão que nunca desiste. Felizmente, para os alemães, os soviéticos tomaram o posto dos alemães.

De toda forma, a Primeira Guerra Mundial não é pop. Dificilmente se acha um filme sobre ela. Falta de judeus. Faltou um Hitler pra demonizá-la. Recentemente assisti um filme do Kubrick, Glória Feita de Sangue. Apesar de retratar o lado dos Aliados, foi baseado nas cenas das trincheiras que imaginei o cenário de Nada de Novo no Front. As guerras ficaram muito mais feias depois que inventaram as armas de fogo. Os combates corpo-a-corpo permitiam aos guerreiros pelo menos ver quem estavam matando. Depois, com as armas de fogo primitivas, com o longo tempo de carregamento, a vantagem era apenas contra combatentes sem elas. Massacres. Depois que ambos os lados começarama usá-las... bucha de canhão. Batalhões inteiros se enfrentavam, as fileiras atiravam, as fileiras caíam, outra fileira aparecia, e ganhava quem tinha mais soldados. Uma questão aritmética. Foi o advento da metralhadora que mudou as coisas. Inventou as trincheiras. Que resultou em armas químicas e no tanque de guerra. E há o problema humano. As armas de fogo são cada vez mais letais e mutilantes. A medicina também é mais avançada, o que talvez seja ruim, pois os sobrevivente subvivem mais, ou são obrigados a voltar para o front apesar de feridos.

O livro aborda muito a questão do nacionalismo e da juventude destruída pela guerra. Os militares de carreira tinham patente, tinham família pra voltar. Essa era a profissão deles. O soldados no front não. Isso até me lembra uma passagem de 300, em que os espartanos questionam aos atenienses quantos soldados eles tinham, e viram que aquele exército era composto de gente de outras profissões. No caso da Alemanha pré-guerra, eram apenas jovens recrutas que mal tinham saído da escola, onde foram doutrinados. Foram pra guerra para não serem chamados de covardes. A guerra combina muito bem com a mortalidade. As novas gerações que nunca presenciaram os horrores da guerra caem na proposta de glória que a guerra oferece. A expectativa de vitória. Mas quem sobrevive a guerra se torna um herói esquecido por quem nunca provou tanta brutalidade. E os mártires, a maioria não se torna nem mesmo nome de rua.

E é claro, do outro lado da linha, do lado inimigo, tudo se passa da mesma maneira. São jovens soldados lutando por desavenças que eles mesmos não criaram. Mas quando eles estão no campo de batalha, é matar ou morrer. A cena do soldado frances morto num combate corpo-a-corpo, levando horas pra morrer, companheiro de buraco de granada, é o que faz o protagonista pensar nos soldados inimigos como humanos. Eles também tem família, recebem cartas, tem fotos dos filhos na carteira, faziam outra coisa a não ser matar antes da guerra. A parte em que os soldados se encontram com as francesas na vila ocupada também mostra que os povos não eram exatamente inimigos. Mas quem não tem o que comer, dificilmente se pode dar o luxo de desdenhar a comida do inimigo. Os prisioneiros russos... uma lástima. Às vezes penso se a Primeira Guerra foi mais humana que a Segunda, até qual ponto foi a lavagem cerebral que os nazi-facistas fizeram.

O primeiro livro sobre a Primeira Guerra que eu li foi Adeus as Armas, provavelmente. A diferença é que Hemingway amava a guerra. Fico pensando se o sucesso de Hemingway foi em parte devido a essa posição, que agradava as potencias bélicas. Com certeza, Nada de Novo no Front e O Lobo da Estepe não eram interessantes aos senhores da guerra. Ainda assim, gosto do estilo do Hemingway, esse amante de touradas e pescarias.
 
[align=justify]Duas partes foram extremamente chocantes para mim (aliás, todas o são, mas essas duas em especial ficaram gravados a ferro e fogo na minha memória):

1. quando um recruta, um novatão, pelo menos no que tange a estar no front sofrendo bombardeios constantes; sai correndo, ensandecido, completamente pirado, com sua capacidade de raciocínio lógico abalroada pelas bombas que caíam sobre o bunker onde eles estavam. Aquele colapso nervoso de estar com a vida por um fio, num inferno constante das trincheiras é realmente arrepiante;

2. quando o Baumer volta para casa e não consegue encontrar a razão pela qual estava arriscando constantemente sua vida no front, não há nada ali que possa justificar o fato de ele ter passado uma horrível estada nas trincheiras. Ele está completamente perdido, quando ele volta para a Alemanha ele não consegue emprego, ele não tem rumo nem ofício, pois seu primeiro ofício foi ser soldado, foi matar, ele nunca chegou a direcionar sua vida e seus esforços antes disso. Essas passagens são de uma angústia enlouquecedora.[/align]
 
Ficar louco nas trincheiras era normal. O problema era quando não se podia nocautear o louco. Mas bárbaro que isso foram os anos finais da guerra, quando se mandavam recrutas para o front sem treinamento básico. Pior que um soldado enlouquecendo e cagando nas calças é um batalhão inteiro indo pra guerra sem saber se defender, sabendo apenas cair. Pra mim, foi mais chocante quando os recrutas viram que as nuvens de gás tinham se dissipado mais acima e retiraram as máscaras, mas esqueceram que ainda havia gás nas trincheiras. Então morrem, asfixiados. Azulados. Por falta de informação. Como é que esses generais tiveram a coragem pra mandá-los pra guerra?

Baumer volta pra casa e se depara com uma população que acha que os soldados estão em condições melhores do que os civis. Acham que eles se alimentam melhor, se vestem melhor. Esse é o problema do heroísmo de guerra. O que acho interessante é, que apesar de não encontrar justificativa pra guerra, Baumer ainda deseja retornar para o front. Era lá que estavam seus amigos. E ele não sabia fazer outra coisa. Infelizmente, como se vê, ele perde seus amigos um a um. A parte em que ele perde o Kat quando tenta salvá-lo... aquilo é muito triste.
 
[align=justify]Pois é Rodovalho, conforme os soldados com mais treinamento vão sendo mortos e os batalhões dissipados por armas cada vez mais tecnologicamente mortíferas, soldados dispensados, reservistas de toda a sorte vão sendo mandados para o front, sem treinamento algum ou somente com algumas aulas básicas sobre como atirar, como rastejar e assim por diante. Calcule o desespero mútuo: os que chegam não sabem aonde ir e o que fazer, estão mais preocupados em manterem-se vivos e sãos do que em tentar organizarem-se para alguma operação efetiva; enquanto os que estão lá no front percebem que as esperanças de vitória ou de que a guerra chegue a um termo são quase infundadas, e que o país que supostamente representam (embora eu imagine que esse patriotismo se desgasta de tal forma pelo instinto de sobrevivência que ele talvez seja bem menos influente do que se pense) está em frangalhos, sem exército e sem ter o que fazer, mandando todo o tipo de homens que encontram.

Quando Baumer e os demais voltam para casa, são imputados com culpa e recebidos com um certo rancor, tanto por conta dos motivos que tu apontaste, como também em virtude de uma certa culpabilidade de derrota que é a eles delegada, como se a Alemanha tivesse perdido a guerra pela falta de espírito guerreiro e de esforço da parte deles. Então eles são duplamente atormentados: ao mesmo tempo em que estavam com os nervos e espíritos em frangalhos, ainda tinham que aguentar a opinião pública e o senso comum que os acusava de serem os grandes responsáveis pela guerra.

Um paralelo interessante dessa situação possa talvez ser Rambo (o primeiro, que tem até livro, por falar nisso) em relação à Guerra do Vietnã: além de ser um deslocado da sociedade norte-americana, ainda é taxado de vagabundo e não goza da melhor recepção quando chega em algum lugar.[/align]
 
E que Rambo e Nada de Novo no Front tem em comum?! War... War never changes.

Só de pensar que muitos alemães ainda pensaram que a Alemanha perdeu a Primeira Guerra Mundial por culpa de políticos civis que aceitaram a capitulação...

Soldado bom é soldado morto. Mas gente boa é gente viva. Inclusive gente inocente enviada ao front. Mas e se os outros soldados tentarem nos matar, onde estarão os nossos para nos defender?! Êita mundo doido esse em que vivemos! Até que alguém tenha uma idéia melhor, vamos continuar nos defendendo atancando. Fogo contra fogo. Às vezes, atancando antes mesmo de sermos atacados.
 
[align=justify]Rodovalho, por acaso você leu Três Camaradas? Vi esse título em alguma lista esses dias e me veio a mente aquela cena, bem no início, em que Baumer e seus colegas estão "se aliviando" em algum lugar perto do front.

Bizarramente a guerra suscitou ao mesmo tempo uma hecatombe imbecil e o florescimento de sentimentos de camaradagem sem igual, como aquele que Baumer sente em relação aos seus colegas de pelotão. Abaixar as calças e defecar na frente de seus colegas é visto como algo totalmente natural, o que evidencia o nível de camaradagem e confiança que tinham uns nos outros.

Três Camaradas deve voltar a essa questão. Já vi esse livro aqui na biblioteca, quero emprestá-lo assim que tiver um tempinho, mas acho legal ver como Remarque consegue mostrar nuances tão diversos a respeito de um evento como a guerra. Longe de legitimá-la, celebrá-la ou vê-la sob qualquer prisma positivo, ele ainda consegue encontrar fragmentos de humanidade em meio a tão desumano evento.

A sinceridade com que ele escreve traz uma verossimilhança absurda, um realismo tocante e que consegue passear por essas dicotomias sem cair em satanizações ou idealizações que pudessem cercear outras interpretações.[/align]
 
Nada de Novo no Front, esse eu achei na Biblioteca Pública de Paragominas. Uma biblioteca sem Grande Sertão Veredas, sem Vinhas da Ira, sem 100 Anos de Solidão, nem 1984. Comprei esses livros e doei pra biblioteca, para compensar os livros piratas que já baixei. Com certeza, lá não vou encontrar Três Camaradas. Pelo menos, lá eu achei a edição completa de Senhor dos Anéis, no meio de uma coleção semi-completa de Sabrina.

Quanto às necessidades fisiológicas em grupo, isso só nos constrange por causa de nossos tempos. O banheiro é uma invenção que só chegou a uma parcela maior da população recentemente. Mesmo antes, nas zonas rurais tínhamos as casinhas. E nas grandes metrópoles? Antes da privada, existiam os penicos debaixo das camas, e acho que não tinha muitas condições para pedir que os presentes se ausentassem. E uma vez vi um documentário sobre o exército romano da antiguidade, e eles construíam enormes banheiros públicos para os soldados, com água corrente. E é claro, sem divisórias. Isso para os romanos, os civilizados. E os exércitos bárbaros daquela época. Acho que os soldados do exército de Genghis Khan nem desciam dos cavalos pra satisfazerem suas necessidades fisiológicas. Mas não precisamos ir tão longe pra nos deparar com esse tipo de intimidade. Imagine as famílias dos tempos atuais mesmo, vivendo em favelas. Os pais não têm dinheiro pra ir pra motel. E existem banheiros femininos em casas noturnas com dois vasos sanitários no mesmo recinto, sem divisórias, pras meninas baterem um papo.

E por mim, a cena mais nojenta de intimidade descrita no livro foi do campo de concentração dos prisioneiros russos. Masturbação em massa. Pra quem poderia morrer no dia seguinte de disenteria ou simplesmente de fome. Mas a visita íntima no hospital acho completamente plausível.
 

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