Morrissey aparece nu em foto e lança seu melhor disco desde 1994
[size=x-small]BRUNO YUTAKA SAITO[/size]
Morrissey peladão? Nem em pesadelo os fãs do cantor inglês, célebre nos anos 80 pela imagem de assexuado e tímido, poderiam imaginar que ele apareceria assim, só com um disquinho a lhe cobrir as partes íntimas, no encarte de seu mais recente single, "I'm Throwing My Arms Around Paris".
Estaria Morrissey, 50 anos em 22 de maio, ficando gagá? A julgar pelo novo álbum, "Years of Refusal" (Anos de recusa), talvez as expressões mais corretas sejam "perdendo a vergonha" ou "redescobrindo a inconsequência juvenil". Com rocks vigorosos, este é seu melhor disco desde "Vauxhall and I" (94), e seu mais pesado desde "Your Arsenal" (92).
A foto pode parecer irônica ou de mau gosto, mas o fato é que Morrissey apenas está realizando no plano físico aquilo que faz desde os tempos do The Smiths. Ou seja, como se fosse uma versão chique, cool e refinada do brega Wando, ele se desnuda ao falar de amor e sentimentos escancaradamente.
Nas letras de "Years of Refusal", Morrissey está vulnerável. Depois do bom, mas tedioso "Ringleader of the Tormentors" (06), em que finalmente mostrava ser feito de carne e osso e celebrava o ato sexual, o novo trabalho traz um letrista de volta à depressão, abordando temas como a solidão, a velhice e a morte. Ainda que a temática possa soar como um regresso ao passado, na realidade é isso que seus fãs esperam: a melhor música chata, lamuriante, do planeta.
Revisão
Morrissey vive um momento de revisão da vida. Desmentiu os boatos sobre a volta do Smiths, disse que pretende escrever uma autobiografia para corrigir dados supostamente incorretos sobre sua vida divulgados pela mídia e já ameaça se aposentar, para terminar a carreira com "dignidade". O disco se inscreve nesse contexto.
Na balada "You Were Good in Your Time" (Você foi bom na sua época), há uma cruel autorreferência, que não nega o tempo que passa. O verso "Você me fez sentir menos solitário" pode ser interpretado como elogio feito por um antigo fã do Smiths. "It's Not Your Birthday Anymore" é daquelas que dão nó na garganta: "Não é mais seu aniversário/ não há mais a necessidade de ser bom com você/.../Todos os presentes que te deram/ não se comparam com o amor que/ estou te dando aqui/ agora no chão".
A novidade, desta vez, é que a sonoridade tem vida própria, independentemente das letras.
"When Last I Spoke to Carol" e "One Day Goodbye Will Be Farewell", por exemplo, trazem um inusitado acento mariachi, com trompetes e violão flamenco --talvez reflexo do fato de que o cantor tem um enorme fã-clube no México.
Em faixas como "Black Cloud", "All You Need Is Me" e "I'm Throwing My Arms Around Paris" é fácil perceber a mão do produtor Jerry Finn, célebre por moldar a sonoridade punk pop de bandas como Blink 182 ou Green Day, e que já trabalhara com o cantor em "You Are the Quarry" (04).
A música de abertura, "Something Is Squeezing My Skull", fornece a chave de entendimento do álbum e da carreira de Morrissey. Ao cantar sobre drogas lícitas e "Não há amor na vida moderna/ Estou indo muito bem/ É até um milagre que eu tenha chegado tão longe", ele tenta reposicionar seu romantismo trágico dos anos 80 no contexto atual. E com humor e ceticismo, já que não há espaço para ingenuidade na música pop de hoje.
"Years of Refusal"
Artista: Morrissey
Gravadora: Decca/Polydor
Quanto: R$ 45, em média
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