Discografia comentada: Morrissey
por Marcelo Costa
Entre 1982 e 1987, Steven Patrick Morrissey esteve à frente dos Smiths, um grupo que lançou quatro elogiados álbuns de estúdio, 20 singles, um disco ao vivo e quatro coletâneas (“Hatful of Hollow”, uma delas, é considerada por muitos um disco de carreira do quarteto de Manchester) sacudindo o cenário musical com letras cínicas, entrevistas provocadoras e arpejos byrdianos de guitarra em um período que Michael Jackson, Madonna e Bruce Springsteen caminhavam como reis sobre a Terra.
Dos oito álbuns lançados enquanto a banda existia, cinco bateram na posição 2 da parada britânica, e apenas “Meat is Murder” alcançou o topo, em fevereiro de 1985, mas isso não dá conta do tamanho do barulho causado pela dupla Morrissey/Marr em uma Inglaterra que enfrentava a recessão conduzida pelo punho de aço de Margareth Thatcher, Primeira Ministra que Morrissey sonhava ser coberta de cacetadas em sua cama (apesar de ele dizer em “Bigmouth Strikes Again” que só estava “brincando”).
Desgastados, os Smiths acabaram em 1987. Johnny Marr, afundado em alcoolismo e sofrendo de stress, pediu as contas, outro guitarrista chegou a ser convocado, gravou algumas coisas, mas o trio não se adaptou à nova formação e o grupo encerrou suas atividades. Morrissey passou cinco anos nos Smiths, e segue 24 anos em carreira solo, mas alguns de seus álbuns passaram completamente desapercebidos pelo público (colabora o fato do cantor ter se envolvido em uma pendenga com o selo Mercury, que lhe impediu de gravar durante 7 anos).
Como sobreviver a uma grande banda? Robert Plant lançou alguns grandes discos (como “Raising Sand”, em parceria com Alison Krauss), mas o Led Zeppelin o assombrará eternamente. O mesmo pode ser dito sobre personas tão dispares quanto Mick Jagger, Paul McCartney, Brian Wilson, Bob Mould, Frank Black, Ian McCulloch, Thom Yorke e Eddie Vedder (e muitos outros), gente que até lançou grandes álbuns na carreira solo (“Wandering Spirit” e “Band On The Run”, por exemplo), mas que seguem a sombra de suas grandes bandas.
Morrissey frequenta este grupo seleto. Ele já lançou nove álbuns solo, dois discos ao vivo, uma dezena de compilações (algumas que, inclusive, se confundem com seus álbuns oficiais) e mais de 40 singles, mas o que todo mundo sempre quer saber é: ele ainda toca canções dos Smiths em seus shows? Sim, ele toca (entre quatro e seis, dependendo do humor, de clássicos como “Ask”, “There Is a Light That Never Goes Out”, “Still Ill”, “How Soon Is Now?” e “Hand in Glove” a não hits como a sublime “Death of a Disco Dancer” e a definitiva “I Know Is Over”).
Ainda assim se faz necessário lançar luz sobre uma obra solo recheada de pérolas e confusão: ao longo dos anos, EMI e RCA reeditaram seus álbuns da primeira fase (entre 1988 e 1998) com capas diferentes das originais e trackings lists modificados, isso sem contar as dezenas de coletâneas que preenchem estantes de lojas de CDs, e que pouco se diferenciam uma das outras. O que segue abaixo é uma tentativa de organizar o caos de uma discografia de um artista que sobreviveu ao próprio mito e que, sim, produziu momentos brilhantes.
Viva Hate, 1988
Seis meses após o fim dos Smiths, Morrissey estreava solo com um álbum que rivalizava em qualidade com seus melhores momentos ao lado da ex-banda. Produzido por Stephen Street (que assina todas as canções em parceria com o cantor além de tocar guitarra e baixo), arranjado por Vini Reilly, do Durutti Column (que toca guitarra e teclados) e contando ainda com um sexteto de cordas, “Viva Hate” alcançou o número 1 da parada britânica e o 48 da Billboard (melhor posição do que qualquer disco dos Smiths – futuramente ele alcançara o número 11) embalado por dois hits pungentes: “Suedehead” e “Everyday Is Like Sunday”. Da abertura noisy e forte de “Alsatian Cousin” passando pela derrocada de um ator infantil em “Little Man, What Now?” a canções que fariam parte do sexto disco dos Smiths como a crítica “Bengali in Platforms” (“Ele quer adotar sua cultura, e ser seu amigo para sempre”), “Viva Hate” deixa a raiva escorrer pelo canto da boca enquanto se apoia em cordas (“Angel, Angel, Down We Go Together”), namora os Smiths (“The Ordinary Boys”, “Dial-A-Cliché”) e o barulho (“I Don’t Mind If You Forget Me”). “Margaret on the Guillotine”, em que Morrissey sonhava o dia em que a Primeira Ministra iria morrer, causou polêmica. “Viva Hate” foi relançando em 1997 com nova capa e oito faixas bônus, entre elas as excelentes “Let the Right One Slip In” (“Deixe os velhos sonhos morrerem / Deixe as pessoas erradas irem embora”, canta Morrissey sobre uma base potente de guitarras) e “Pashernate Love” (as duas produzidas por Mick Ronson), uma boa parceria com Andy Rourke, ex-baixista dos Smiths (“Girl Least Likely To”) e a primeira canção de Morrissey com Boz Boorer, “I’d Love To” (produzida por Steve Lillywhite), que seguirá como seu braço direito até os dias atuais.
Nota: 10
Bona Drag, 1990
Afeito aos singles, Morrissey não se preocupou em lançar um sucessor para “Viva Hate” apressadamente, mas foi liberando vários compactos, todos eles reunidos nesta coletânea, que carece de unidade e serviu como um balde de água fria para aqueles que acreditavam em uma colaboração mais extensa entre o cantor e Vini Reily. Há de pequenas obras primas como “November Spawned a Monster” até bobagens como “Ouija Board, Ouija Board”. Durante um bom tempo (até o começo dos anos 2000) serviu para que os fãs do cantor (principalmente os de fora do Reino Unido) tivessem acesso a canções como “The Last of the Famous International Playboys”, “Hairdresser on Fire” e “Piccadilly Palare” e bons lados b como “Will Never Marry” e “Yes, I am Blind” (outra parceria com Rourke), mas perdeu sentido com o lançamento do box triplo “HMV/Parlophone Singles ‘88-’95” (2009), que reúne todos os singles lançados por Morrissey no período (“Bona Drag” inteiro e mais 48 músicas). A EMI não perdeu tempo: relançou o álbum em edição remasterizada com seis sobras inéditas de sessões entre 1987 e 1990. “Happy Lovers at Last United” coloca o bardo na função de cupido (“Estou orgulhoso de ter feito algo bom desta vez”). “Lifeguard On Duty” traz o cinismo habitual: “Sempre fui tão gentil… com doentes e parcialmente cegos”. “Please Help the Cause Against Loneliness” foi escrita para Sandie Shaw (que amou e a gravou em 1988), e surge numa versão demo deliciosamente smithiana. “The Bed Took Fire” é rascunho de “At Amber” e “Oh Phoney” aparece numa versão mais bacana que a contida no bootleg “Revelation”. E ainda tem “Suedehead” e “Everyday Is Like a Sunday”…
Nota: 6
Kill Uncle, 1991
Segundo álbum solo de Morrissey, “Kill Uncle” explicita a paixão do cantor pelo rockabilly e pelo rock and roll dos anos 50, mas é um disco de transição em sua carreira. Ele havia rompido a parceria com Stephen Street (que o acompanhara desde “Strangeways, Here We Come”, o último disco dos Smiths) e Vini Reilly, e ainda não tinha encontrado seus futuros parceiros. O baterista Andrew Parisi, que gravou “Viva Hate”, segue o acompanhando, e Morrissey assina quase todas as canções em parceria com o guitarrista Mark E. Nevin (da banda escocesa Fairground Attraction), mas a produção dividida entre Clive Langer e Alan Winstanley não consegue dar consistência ao álbum (com uso excessivo de teclados), o que de certa forma explica a frieza com que o disco foi recebido. A imprensa inglesa chegou a cogitar o fim da carreira do cantor. Ainda assim, “Kill Uncle” guarda um belo single, “Sing Your Life”, conduzido por bateria, baixo, teclados e Morrissey intimando: “Cante sua vida: qualquer idiota consegue pensar em palavras que rimam”. Há ainda bons momentos em “Our Frank”, “Found Found Found” e nas três climáticas faixas de encerramento: “The Harsh Truth of the Camera Eye” (“Eu não quero ser julgado, eu quero ser amado”), “(I’m) The End of the Family Line” (“Nossa árvore genealógica atingiu o declínio”) e “There’s A Place In Hell For Me And My Friends” (“Há um lugar no inferno reservado para mim e meus amigos / E se alguma vez eu quiser apenas chorar / eu vou chorar / porque eu posso”), mas Morrissey podia mais. Só precisava encontrar as pessoas certas…
Nota: 5
Your Arsenal, 1992
É aqui que efetivamente começa a carreira solo de Morrissey, e três pessoas merecem crédito: os guitarristas Alain Whyte e Boz Boorer, egressos da cena rockabilly britânica, e o produtor Mick Ronson, guitarrista que acompanhou David Bowie entre 1970 e 1973 (e gravou os álbuns “The Man Who Sold the World”, 1970; “Hunky Dory”, 1971; “The Rise and Fall of Ziggy Stardust and Spiders from Mars”, 1972; “Aladdin Sane” e “Pin Ups”, 1973). Alain Whyte assina oito das dez canções do disco (as outras duas ainda são frutos/sobras da parceria do cantor com Mark E. Nevin) e Mick Ronson coloca as guitarras no talo já na abertura porrada com a cínica “You’re Gonna Need Someone on Your Side” (“Alguém me contou que você desperdiçou oito das suas nove vidas / Você vai precisar de alguém ao seu lado / E aqui estou eu / Bom, você não precisa parecer tão agradecido”) e as guitarras permanecem apitando em “Glamorous Glue”, que crava “Londres está morta”. “We’ll Let You Know” começa baladinha e cresce até as guitarras voltarem a apitar e causou alvoroço por soar uma defesa dos hooligans britânicos assim como “The National Front Disco” também fez barulho por contar a história de David, um jovem que se afastou dos amigos e da família para se juntar à Frente Nacional, uma organização de extrema-direita que só aceita brancos e prega “Uma Inglaterra para ingleses” (o refrão da música). A coisa toda suaviza na batidinha sixtie de “Certain People I Know” (“Eu confio nas opiniões de certas pessoas que eu conheço / Elas olham para o perigo e caem na gargalhada”) e no primeiro single do álbum, a auto-explicativa “We Hate It When Our Friends Become Successful”. A divertida “You’re the One for Me, Fatty” (uma piada com Chas Smash, vocalista do Madness) também foi single e “I Know It’s Gonna Happen Someday” foi regravada por David Bowie no álbum “Black Tie White Noise”. Um baita disco de rock and roll.
Nota: 9,5
Vauxhall and I, 1994
A perda de Mick Ronson (morto aos 46 anos em 1993 devido a um câncer) e de dois amigos próximos dá o tom fúnebre para aquele que Morrissey (e vários fãs) considera(m) seu melhor disco solo. Alain Whyte e Boz Boorer dividem quase que igualmente as parcerias com o cantor, que convocou para a produção um dos homens responsáveis pela sonoridade do U2, Steve Lillywhite (ele produziu os três primeiros discos do grupo: “Boy”, “October” e “War”). Não é estranho, então, notar aqui e ali os dedilhados característicos de The Edge, que batem ponto na belíssima “Now My Heart Is Full” e na potente “Spring-Heeled Jim”, as duas primeiras faixas do disco. “Billy Budd” poderia ser uma canção dos Smiths (apesar da guitarra encharcada de fuzz no canal direito) e é a única faixa que remete diretamente a “Your Arsenal”. As outras oito faixas são baladas ora calmas e intensas como “Hold on to Your Friends”, que pede para não se perder tempo brigando com as pessoas que se ama, ora aceleradas e suaves como as duas grandes canções do disco: “Why Don’t You Find Out for Yourself” (em que Morrissey pede: “Não desenterre meus erros / Eu sei exatamente quais são eles”) e seu maior hit solo, “The More You Ignore Me, the Closer I Get”, que levou o álbum ao Top 20 da Billboard. A suave “I Am Hated for Loving” soa uma carta de intenções (“Eu ainda não pertenço a ninguém - Eu sou meu”) enquanto o falsete sussurrado de “Lifeguard Sleeping, Girl Drowning” impressiona. Duas canções singelas – “Used to Be a Sweet Boy” e “The Lazy Sunbathers” – fazem a transição do álbum para o final, com uma guitarra com som de motoserra atravessando a melodia de “Speedway”, que encerra “Vauxhall and I” de forma bastante intensa: “No meu próprio jeito doentio / Eu sempre fui verdadeiro com você”.
Nota: 9,5
Southpaw Grammar, 1995
Um ano após lançar seu álbum mais vendido, Morrissey muda de direção completamente e lança um disco noise com duas das nove faixas ultrapassando os dez minutos de duração – e nenhuma balada! O tour-de-force do disco anterior foi mantido: Alain Whyte e Boz Boorer nas guitarras potentes e Steve Lillywhite na produção. A cruelíssima “The Teachers Are Afraid of the Pupils”, com 11 minutos e 20 segundos, abre o álbum misturando a 5ª Sinfonia de Shostakovich com microfonia em alto volume. A tempestade é tão forte que “Reader Meet Author”, uma das grandes canções do álbum, até parece suave, apesar da corpulência das guitarras, que voltam a comandar o barulho em “The Boy Racer”. Não espere calmaria. “Você briga com a mão direita / E acaricia com a mão esquerda / Todo mundo que eu conheço está cheio de você”, canta Morrissey em “The Operation”. “Este é você em um dia ruim”, define em “Do Your Best and Don’t Worry”. “Há algo que você deveria saber: a garota dos seus sonhos está aqui completamente sozinha”, provoca em “Southpaw”, que fecha o álbum após 10 minutos intensos. “Southpaw Grammar” foi relançando em 2009 com tracking list modificado, outra capa e quatro canções a mais, entre elas “Fantastic Bird”, sobra das sessões de “Your Arsenal”, “You Should Have Been Nice to Me”, única balada do período (e que balada), e o b-side grandioso “Nobody Loves Us”. Um álbum corajoso.
Nota: 7
Maladjusted, 1997
Uma constante: Morrissey parece sempre andar em círculos alternando momentos de sujeira com melodia. Aqui, uma nova mudança de direção: saem as guitarras explosivas de “Southpaw Grammar”, volta o rock melodioso e melancólico que alcançou seu ápice em “Vauxhall and I”. A raivosa faixa título abre o álbum com guitarras enfurecidas ambientadas de forma distante na mixagem por Lillywhite. “Alma Matters”, com dedilhados e belos riffs, acabou sendo o primeiro single e a grande canção do disco, que ainda destaca as baladaças “Trouble Loves Me” (“Ah, por favor, me complete / Por outro lado, me mate / A encrenca me ama / A encrenca precisa de mim”) e “Wide to Receive” (“Eu nunca me senti tão sozinho como me sinto agora”), além do acerto de contas “Sorrow Will Come in the End”, em que de forma discursiva e sobre uma base de cordas, Morrissey conta a sua versão do processo que Mike Joyce, dos Smiths, o impingiu em 1997 devido a royalties dos tempos da ex-banda – o baterista ganhou cerca de 1 milhão de libras do cantor, que abre a letra falando em “roubo legalizado”, e ameaça: “Não feche os olhos: eu vou te pegar”. A ótima “Satan Rejected My Soul” fechava o álbum, que também foi relançado com nova capa e novo tracking list em 2009: duas faixas do lançamento original ficaram de fora (”Papa Jack” e o terceiro single do disco, “Roy’s Keen”) enquanto seis b-sides engordaram a nova edição, entre elas “Lost” (“Todo mundo está perdido… e finge que não está”), “Heir Apparent” (“Eu me sinto mal em minha velha cidade”) e “The Edges Are No Longer Parallel” (“Meu único erro é ter esperança”).
Nota: 7,5
You Are the Quarry, 2004
Uma volta triunfal após sete anos de silêncio. Produzido por Jerry Finn, que deixou o som de bateria mais metálico, “You Are The Quarry” acumula um punhado de baladas cortantes (“I Have Forgiven Jesus”, “I’m Not Sorry”, “Let Me Kiss You”) com melodias apaixonadas pelos fifties e letras indo das lamentações típicas do cantor até seus famosos ataques de cinismo. Há espaço para bons rocks como “How Could Anybody Possibly Know How I Feel” e “First Of Gang To Die”. Morrissey, então morando em Los Angeles, sacaneia os Estados Unidos pré-Obama logo na abertura do disco ao dizer que “a América é a terra dos livres e das oportunidades, mas o presidente não pode ser negro, mulher ou gay” (“América In Not The World”). Já “Irish Blood, English Heart”, amparada por guitarradas no refrão, versa sobre os conflitos raciais e religiosos entre Inglaterra e Irlanda enquanto “The World Is Full of Crashing Bores” tornou-se um dos grandes momentos de seus shows, sempre precedida por uma provocação. “You Are The Quarry” bateu na 11ª posição da Billboard vendendo 1 milhão de cópias (provavelmente mais do que todos os discos dos Smiths juntos) e, para comemorar o feito, Morrissey reeditou o álbum acrescentando nove b-sides ao tracking list original: há a rendição as guitarras na dobradinha “Don’t Make Fun of Daddy’s Voice” e “It’s Hard To Walk Tall When You’re Small” e mais baladas (“Friday Mourning”, “The Never Played Symphonies” e “My Life Is a Succession of People Saying Goodbye”). Em “I Am Two People”, com o violão conduzindo a melodia, ele define: “Eu sou duas pessoas / Uma você conhece, mas não gosta / A outra você não conhece, e nem quer conhecer/ Eu tenho duas caras / Uma das quais você conhece / A outra, pelo seu bem, eu nunca vou mostrar”.
Nota: 9
Ringleader of the Tormentors, 2006
Nova mudança, desta vez de cidade: cansado de George Bush, Morrissey trocou Los Angeles por Roma em busca de felicidade, amor e luxuria. E Tony Visconti, produtor e colaborador de longa data de David Bowie, que conseguiu dar ao álbum uma sonoridade suntuosa. Com pegada oriental, guitarras pesadas e bateria marcial, “I Will See You In Far Off Places” abre o álbum falando disfarçadamente sobre morte e explicitamente sobre as bombas que os EUA podem jogar sobre todos nós enquanto o cantor abre mão do papel de messias: “Ninguém sabe nada sobre a vida humana: de onde viemos, para onde vamos. Por que eu iria saber?”. A roqueira “You Have Kill Me” cita “entidades” italianas como os diretores Pier Paolo Pasolini, Luchino Visconti e a atriz Anna Magnani enquanto “The Youngest Was the Most Loved” traz um coro de crianças no refrão apoiando Morrissey em uma história típica do filhinho mimado que se transforma em assassino. Em “In The Future When All’s Well”, amparado novamente por guitarras, Morrissey conta que “todos os dias joga um jogo chamado tristeza”. Na bonita “To Me You Are A Work Of Art”, ele crava: “Eu vivo a vida. Sinto a dor para cantar esta canção”, e conclui cinicamente: “Para mim, você é um trabalho de arte. Eu te daria o meu coração, se eu tivesse um”. Duas grandes canções se destacam: a baladaça matadora “Dear God, Please Help Me”, que conta com um delicado arranjo de cordas de Ennio Morricone e a frase “Estou cansado de fazer as coisas certas”; e o épico “Life Is A Pigsty”, com breaks conduzidos por violão e linda climatização. É um disco bonito com base na ironia e na melodia (próximo a “Vauxhall and I” e “Maladjusted).
Nota: 8
Years of Refusal, 2009
Primeiro álbum de Morrissey desde 1992 sem a presença do guitarrista Alain Whyte, que pediu as contas, mas deixou cinco canções (e foi trabalhar com Chris Brown, Rihanna e Black Eyed Peas), “Years of Refusal” traz de volta o produtor Jerry Finn, mas o álbum segue uma linha diferente de “You Are the Quarry”, com guitarras sujas e altas batendo ponto desde a primeira faixa, “Something Is Squeezing My Skull”, em que o cantor diz não ter “esperança na vida moderna”. O guitarrista Jesse Tobias, um dos responsáveis pelo peso do disco anterior, foi efetivado e contribuiu com duas porradas, “I’m OK by Myself” (“Isso pode surpreender você, mas acho que eu estou bem comigo mesmo”) e “Sorry Doesn’t Help” (“Desculpas não vão nos salvar / Desculpas não vão trazer minha adolescência de volta”) enquanto Jeff Beck coloca uma tonelada de peso no riffzinho básico da ótima “Black Cloud”. Os três grandes momentos do álbum: a baladaça de ótimo riff “I’m Throwing My Arms Around Paris” (“Só pedra e aço aceitam o seu amor”) o rock conduzido por uma linha suja de baixo “All You Need Is Me” (“Você me pergunta o que serei quando eu crescer e me tornar um homem: Hum… nada”) e a excelente “That’s How People Grow Up”, de letra direta e refrão potente, uma das melhores canções de toda carreira solo do cantor: “Eu estava desperdiçando meu tempo tentando me apaixonar / A decepção veio até mim / Me chutou, me encheu de hematomas e me feriu / Mas é assim que as pessoas crescem”. Repetiu o exito do cantor com “You Are the Quarry” alcançando novamente a 11ª posição na Billboard.
Nota: 7,5
Discos ao vivo
Centenas de bootlegs de shows do Morrissey circulam pela internet, mas oficialmente o cantor lançou apenas dois álbuns oficiais e dois discos bônus ao vivo. O primeiro, “Beethoven Was Deaf”, flagra a passagem da tour barulhenta de “Your Arsenal” por Paris e Londres, em dezembro de 1992, em que até “Suedehead” ganhou corpo e sujeira. O segundo, mais comportado, é “Live at Earls Court”, e traz Morrissey cantando em dezembro de 2004, para 17 mil pessoas, clássicos dos Smiths (“How Soon Is Now?”, “Bigmouth Strikes Again”, “There Is a Light That Never Goes Out”, “Last Night I Dreamt That Somebody Loved Me” e “Shoplifters of the World Unite”), da carreira solo (”November Spawned a Monster”, “The More You Ignore Me, the Closer I Get”), b-sides (”Friday Mourning”, “Don’t Make Fun of Daddy’s Voice”) e até um cover de Patti Smith, “Redondo Beach”. Bonus da edição especial do album “Greatest Hits” (2008), “Live at the Hollywood Bowl” traz nove canções registradas no mítico palco de Los Angeles, entre elas “That’s How People Grow Up”, “Irish Blood, English Heart” e “First of the Gang to Die” enquanto a edição especial de “Swords”, compilação de b-sides dos anos 2000 de Morrissey, trazia como bônus o álbum “Live in Warsaw 2009”, com oito faixas, entre elas “I’m Throwing My Arms Around Paris” e “You Just Haven’t Earned It Yet, Baby” (dos Smiths).
Coletâneas
São tantas, e com pequenas mudanças de tracking list (que geralmente acrescenta um b-side raro), que se confundem: “World of Morrissey” (1995), “Suedehead: The Best of Morrissey” (1997), “My Early Burglary Years” (1998) e “The Best of Morrissey” (2001) além dos dois boxes “The CD Singles ‘88–91′” e “The CD Singles ‘91–95′” são todos dispensáveis hoje em dia. O melhor a fazer: ignorar todas elas e concentrar-se no box triplo (vendido pelo preço de um CD) “The HMV/Parlophone Singles ‘88–’95”, com todos os singles e b-sides que Morrissey gravou entre 1988 e 1995. São 62 músicas, entre elas “That’s Entertainment” (cover do Jam), duas versões de “Moonriver” (famosa com Audrey Hepburn no filme “Bonequinha de Luxo”), um registro ao vivo de “Cosmic Dancer”, do T-Rex, e três versões de “Interlude”, belo dueto com Siouxsie. Os recentes “Greatest Hits” (2008) e “Very Best of Morrissey” (2011) não trazem nada de novo (com exceção da edição especial do primeiro, que traz de extra o álbum “Live at the Hollywood Bowl”). O que vale mesmo encarar é “Swords” (2009), que trata de material raro mais novo, pós-retorno com “You Are The Quarry” (2004), e destaca grandes canções relegadas a b-sides como “Because Of My Poor Education”, “Shame Is the Name” (com Chrissie Hynde nos backing vocals) e “Don’t Make Fun Of Daddy’s Voice” além de uma versão ao vivo de “Drive-In Saturday”, de David Bowie.
DVD
Lançado em VHS em 1990 e relançado em DVD em 2004, “Hulmerist” compila em 46 minutos os sete primeiros clipes do cantor (entre eles, “Everyday Is Like Sunday”, “Suedehead” e “Sister I’m a Poet”) intercalados com imagens de um show no Wolverhampton Civic Hall, em 1988. “The Malady Lingers On” (lançado em 1992 e relançado em 2004) é a continuação de “Hulmerist”, com mais oito vídeos. Mais interessante é “Live in Dallas”, registro de 16 músicas de um show em 1991 que termina de forma clássica: dezenas de fãs invadem o palco, rasgam a camisa do cantor, que sai de cena antes da canção terminar. Foi lançado em DVD na gringa (e LD no Japão). Outro item interessante é “Introducing Morrissey” (1996), que registra um show do cantor em Londres, 1995, com “The More You Ignore Me, the Closer I Get”, “You’re the One for Me, Fatty”, a cover de “Moon River”, e mais 13 faixas. Só saiu em VHS na época e permanece inédito em DVD. Em 2000 foi lançado “¡Oye Esteban!”, coleção de 19 clipes da carreira do cantor, que preguiçosamente deixou de fora “Sister I’m a Poet” e “Ouija Board, Ouija Board”, de “Hulmerist” e “Certain People I Know”, de “The Malady Lingers On”. Mais atual, “Who Put the M in Manchester?” flagra Morrissey ao vivo num show de 2004. Nos extras, mais cinco canções de outro show em Manchester e os clipes do álbum “You are The Quarry“.
Link retirado do site Scream & Yell