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Literatura contemporânea pautada

Só acho um pouco ingênuo esperar que a literatura realmente mude a realidade, oferecendo respostas. Quando foi que isso aconteceu, efetivamente? A única capacidade que ela tem é de nos despertar para a problemática das coisas. Mas mesmo isso é difícil hoje em dia. É mais fácil para a literatura se prestar a tiranias, pura e simplesmente porque é mais fácil para qualquer coisa e pessoa fazer isso.

Ainda acredito ser Platão, Tucídides e Thoreau não só literatura, mas alta literatura. Se estes livros não contém sementes de mudança, não imagino onde as possa encontrar, ficamos tão fatalistas que nos tornamos impotentes diante de nossos antepassados?

Abraço,
Alex
 
O que gosto de pensar a respeito da literatura, e não acho que isso seja otimismo barato, é que ela é uma tentativa de dar inteligibilidade ao mundo, ao que o autor vê, sente e experimenta, mas que não consegue explicar tintim por tintim. Dar inteligibilidade é buscar compreender, e compreender é um passo importante para planejar atitudes, identificar problemas, traçar possibilidades em alguma medida. Obviamente que essa é UMA concepção de literatura, que, definitivamente, não se aplica a todas as obras escritas. Oferecer respostas assim, prontas, acabadas, sistemáticas ou fáceis, ela não vai, mas pode desempenhar papel relevante em seu entorno sócio-histórico. Ou não. Essa é a questão, hehe.

Acredito que seja exatamente por aí, e com um adendo: cada obra é algo pessoal, o que o Kertész escreve é verdade para ele, o que o Kundera escreve, é verdade para ele - e assim por diante. E tudo isso pode, ou não, entrar em diferentes medidas na composição do mundo de quem lê. Liberdade de impressão, eis o que nos falta...

Isso me faz lembrar de três coisas:

1 - um professor meu, falando que a historiografia (não toda ela, obviamente) ultimamente tem andado muito 'Poliana' a respeito das coisas. Linkando sua fala com a dele, dá para perceber que em nossa realidade é de 'mau tom' falar de problemas, de mazelas e de dilemas que vivemos. Se pode reclamar, desde que seja uma reclamação que fique restrita a um comentário rápido e que não procure mudar o que gerou a reclamação. Esse otimismo forçado de que você fala se assemelha aquele 'jogo do contente' que a Poliana joga lá no livro. Essa comparação seria uma deixa legal para uma coluna, né? XD
Exatamente...
(E a idéia pra coluna é bem legal, aliás)
2 - Em A Lentidão, o Kundera fala que a velocidade é inversamente proporcional à memória. Nossa sociedade tem como uma das características mais marcantes a instantaneidade, a velocidade, a 'rapidez' com que se espera que tudo aconteça. O corolário que o Kundera extrai é, a meu ver, sensacional:
Kundera disse:
“(…) nossa época se entrega ao demônio da velocidade e é por essa razão que se esquece tão facilmente de si mesma. Ou prefiro inverter essa afirmação e dizer: nossa época está obcecada pelo desejo do esquecimento e é para saciar esse desejo que se entrega ao demônio da velocidade.” (pp. 91-92)
É isso. E ponto. :)

3 - No livro Cavalos Roubados, do Per Petterson, aquele velho eremita que mora num bosque norueguês fala um negócio que achei f*** (você até chegou a usar de assinatura algum tempo aqui, eu acho): que hoje tudo tem que divertir, tudo que tem ter humor e tal, ele dizia que não tinha tempo para ser entretido, não tinha saco para esse bom humor. Reflete bem esse 'otimismo forçado' que você falou, não?
Sim. Mas é uma idéia que ainda pode ser desenvolvida bem mais, seguindo por Sarah Kane, Martin Crimp, Slavoj Zyzek, Peter Sloterdijik e por aí afora...




Procurando nos lugares certos encontrarei de tudo, não significa que isto represente o estado da literatura contemporânea, já chegaram a comentar que depois da segunda guerra não houve nada a dizer, e sabemos que se procurarmos nos lugares certos muito foi dito, não propagou-se ou não encontrou ouvidos, tanto que o mito da mudez pós-guerra ainda está vivo. Tenho consciência que tanto Shakespeare como Cervantes, mais que norma são exceções de seu tempo, mas imagino qualquer leitor mais crítico em seu tempo contemporâneo seria capaz de ressalvar o brilhantismo de ambos, sem muita sombra de dúvida.

Apontar apenas os problemas gera uma “stasis” a consolidar suas mazelas, se escritor vê-se como agente transformador há de apontar soluções e não banhar-se em catarse autocomiserativa. Bem como disse, apontar soluções é resolver os problemas, com estes resolvidos podemos passar à solução dos outros e não na paralisia do denuncismo oco, soando trombetas e vivendo na mesma miséria. Há hoje corrente majoritária ativa a justificar denuncismo banal como cultura, arte séria, mas em realidade é apenas a glorificação das bizzarices humanas presentes nas aberrações dos antigos parques de diversão.
Ainda acredito ser Platão, Tucídides e Thoreau não só literatura, mas alta literatura. Se estes livros não contém sementes de mudança, não imagino onde as possa encontrar, ficamos tão fatalistas que nos tornamos impotentes diante de nossos antepassados?

Abraço,
Alex
Que mito da mudez? Talvez aqui, no 'extremo-ocidente'. Mas se formos analisar literaturas como a polonesa, por exemplo, ou a austríaca, veremos que isso não é bem assim. Existem aí Borowski, Rozewicz, Milosz, Szymborska e Bernhardt para provar.
Existe sim, um denuncismo. É inevitável em nosso tempos. Mas esses autores que eu citei - e ainda outros - não pretendem apenas denunciar. Surge, porém, a dificuldade que a literatura enfrenta hoje em dia. Via de regra é tida como entretenimento, não como algo a ser pensado, a ser internalizado. A arte, sozinha, não é semente de mudança. Ela pode fomentar a mudança, isso sim, mas esta já precisa estar enraizada de alguma maneira. Não foram as obras de Platão, Túlcides e Thoreau, so que causaram alguma mudança: eles podem ter ajudado a despertar as pessoas para a necessidade de que algo seja feito, mas, quantos não os leram e não agiram? Se em tempos em que a ação individual tinha mais valor no campo político-ideológico do que hoje isso já acontecia, pense agora. Quantas pessoas você conhece que ao menos cogitam tomar alguma atitude real contra algo?
O problema não é a literatura, ou não é só a literatura. É todo o modo como se pensa (ou como não se pensa) o mundo.








Como disse antes, o simples apontar o “estado de decadência” gera a complacência com o fato, apontar soluções gera mudança, o pensamento crítico e não a descrição estática está na raiz da diferença. O que se lê é o que lhe chega aos olhos, a atividade extra sensorial não pode ser aí utilizada, foi de alguns anos para cá que notei que minha literatura era composta de brasileiros velhos e novos apenas estrangeiros, foi o momento que tive que apoiar-me na crítica, pois antes os amigos eram fonte plena de boas e confiáveis indicações. De todo meu círculo de amizades sou o único que direcionou a curiosidade para a literatura contemporânea, e sou constantemente decepcionado pela crítica, ando a ver estes cacoetes, não é no que recebe má ou boa crítica, mas em tudo que vem à luz através dela. Há nitidamente um padrão no que se vê, e fora deste não existe quase literatura.
Eu leio pouquíssimos autores ocidentais. Menos ainda brasileiros - de vez em quando pego alguma coisa, mas não é comum. Talvez por isso tenhamos uma visão tão radicalmente diferente da contemporaneidade: a realidade literária a que eu estou acostumado é completamente diferente do que existe, hoje, na literatura brasileira.






Há teóricos às baciadas de diferentes correntes a justificar praticamente tudo que se queira afirmar, posso citar os que “legitimam” estas monstruosidades “nonsense” da arte conceitual como exatos opostos dos partidários da forma pura. É sempre interessante lembrar que foi este estetismo bastardo a justificativa de Ezra Pound juntar-se a Mussolini, o fascismo era possuidor de melhor forma.


Abraço,
Alex

E, do mesmo modo, muitos dos partidários da pura forma combateram contra os totalitarismos e contra a exploração colonialista: Witkacy, Koltès, Yufit... Cabe a cada um aceitar ou não determinadas ideias - e justificá-las de acordo com o que se quer atingir.
 
Vixe, a conversa virou coisa de gente grande. rs


No final do arco "Estações das Brumas" da HQ Sandman de Neil Gaiman há a seguinte falsa citação:

"
Outubro sabia, é claro, que o ato de virar a página, de terminar um capítulo ou de fechar um livro não encerrava uma história.

Tendo admitido isso, ele também reconheceria que finais felizes não eram difíceis de encontrar: "É simplesmente o caso" explicou ele a Abril "de se encontrar um lugar ensolarado num jardim, onde a luz é dourada e a grama, macia; algum lugar para repousar, parar de ler e saber que foi uma boa história".

de O Homem que era Outubro, de GK Chesterton/ Biblioteca dos Sonhos

"
 
Que mito da mudez? Talvez aqui, no 'extremo-ocidente'. Mas se formos analisar literaturas como a polonesa, por exemplo, ou a austríaca, veremos que isso não é bem assim. Existem aí Borowski, Rozewicz, Milosz, Szymborska e Bernhardt para provar.
Existe sim, um denuncismo. É inevitável em nosso tempos. Mas esses autores que eu citei - e ainda outros - não pretendem apenas denunciar. Surge, porém, a dificuldade que a literatura enfrenta hoje em dia. Via de regra é tida como entretenimento, não como algo a ser pensado, a ser internalizado. A arte, sozinha, não é semente de mudança. Ela pode fomentar a mudança, isso sim, mas esta já precisa estar enraizada de alguma maneira. Não foram as obras de Platão, Túlcides e Thoreau, so que causaram alguma mudança: eles podem ter ajudado a despertar as pessoas para a necessidade de que algo seja feito, mas, quantos não os leram e não agiram? Se em tempos em que a ação individual tinha mais valor no campo político-ideológico do que hoje isso já acontecia, pense agora. Quantas pessoas você conhece que ao menos cogitam tomar alguma atitude real contra algo?
O problema não é a literatura, ou não é só a literatura. É todo o modo como se pensa (ou como não se pensa) o mundo.


O mito da mudez pós-guerra vem de uma fala do Walter Benjamin, não que eu concorde, mas é um discurso que vira e mexe irá trombar, como disse, é só procurar que encontra, minha questão está exatamente na literatura que tem a língua portuguesa como matéria prima, é aí que procuro, outras literaturas me servem como ponto de comparação, e em realidade o que encontro é decepcionante, pelos motivos que já citei, está faltando corrente fresca em nossa literatura, não só a forma, não só o conteúdo, mas ambos juntos.

Citei Platão, Tucídides e Thoreau, pois a mudança sempre começa da idéia, que é a massa moldada pela literatura, tanto que as prensas por muito tempo foram controladas, fruto do medo do poder dominante de seu papel de divulgar novas idéias. Mais do que nunca as revoluções agora mostram sua face ditatorial frente à realidade democrática, se a prática não é exatamente democrática cabe ser aperfeiçoada, mas o ideal de revolução agora cai apenas em tomada de poder por ditadores. O fato das democracias serem mais demagogias, mostra que precisam de aperfeiçoamento no sentido dos velhos ideais, não de revoluções que serão sempre minoritárias fontes de ditaduras. É esta própria democracia que necessita de todos como agentes de mudança, é assim que foi feita, pensada, mas não executada. Uns não podem agir por outros, é essencialmente anti-democrático, a cada um cabe seu quinhão.


Eu leio pouquíssimos autores ocidentais. Menos ainda brasileiros - de vez em quando pego alguma coisa, mas não é comum. Talvez por isso tenhamos uma visão tão radicalmente diferente da contemporaneidade: a realidade literária a que eu estou acostumado é completamente diferente do que existe, hoje, na literatura brasileira.

E, do mesmo modo, muitos dos partidários da pura forma combateram contra os totalitarismos e contra a exploração colonialista: Witkacy, Koltès, Yufit... Cabe a cada um aceitar ou não determinadas ideias - e justificá-las de acordo com o que se quer atingir.

Como disse, minha questão surgiu em minha língua pátria, é este o contemporâneo que mais me intriga.

Não acredito que teóricos possam pautar a discussão, pessoalmente cheguei à conclusão que forma pura é vazia assim como o é o conceito desprovido de forma batizado de arte, a conclusão que chego a analisar os antigos cânones é que independente de época uniram forma e função.

Abraço,
Alex
 
Existe sim, um denuncismo. É inevitável em nosso tempos. Mas esses autores que eu citei - e ainda outros - não pretendem apenas denunciar. Surge, porém, a dificuldade que a literatura enfrenta hoje em dia. Via de regra é tida como entretenimento, não como algo a ser pensado, a ser internalizado.

Acho que é por aí que procuro caminhar Luciano, falta ontologia na literatura, em parte dela pelo menos. E também na leitura. Uma obra (ao menos aquelas que se encaixam na 'alta literatura' [estou generalizando aqui, OK? Sejam tolerantes comigo]) não é somente um produto que procura entreter (embora possa ser isso também, por isso é que há diferentes concepções sobre o que é e qual a razão de ser da literatura) mas uma experiência sócio-histórica em alguma medida. O sujeito que escreve não está isolado do mundo, vive em um determinado ligar, lê determinados livros, partilha de certas relações sociais, possui algum referencial político-filosófico-ético-moral-etc. que o faz ser o que ele é. O detalhe é como ele traduzirá essa experiência para a literatura. Não dá para adotar uma leitura mecânica e rasa e achar que isso dá conta de explicar ou interpretar a leitura.

Creio que se formos capazes de dar visibilidade a como a literatura é uma experiência complexa, profunda e multifacetada, que nos ajuda a compreender a realidade de alguma forma; seremos também capazes de nos posicionarmos qualitativamente diferente em relação a nossa própria realidade. Só que como você mesmo complementa a seguir:

A arte, sozinha, não é semente de mudança. Ela pode fomentar a mudança, isso sim, mas esta já precisa estar enraizada de alguma maneira. Não foram as obras de Platão, Túlcides e Thoreau, so que causaram alguma mudança: eles podem ter ajudado a despertar as pessoas para a necessidade de que algo seja feito, mas, quantos não os leram e não agiram?

Esse é o ponto nevrálgico. "Só" porque alguém leu um livro e se atentou para problemas existentes na sua própria realidade, isso não quer dizer que ele se torna o arauto e pivô de uma revolução ou de uma transformação revolucionária. A leitura PODE ser um passo importante para a mudança, mas justamente por ser uma possibilidade que ele pode ou não significar algo mais amplo. Ah, e vale lembrar que essa leitura vai depender tanto do que o autor escrever quanto da maneira como ela será apropriada pelo leitor, embora ela não seja, obviamente, pura subjetividade.

Acho que vale lembrar um negócio que eu e o Luciano já falamos: como apreciadores e entusiastas da literatura, podemos querer fazer uma defesa apaixonada dela e querer ver nela o caminho essencial da mudança, quando, na verdade, ela pode comportar tanto a mudança quanto o conformismo. Entendo quando alguém defende veementemente a literatura, mas é preciso pesar as coisas e compreender o papel dela. Como o Luciano disse, é ingênuo pensar que a literatura per se irá modificar o mundo.
 
uma vez lembro de ter lido uma frase que era atribuida ao voltaire (não o alberto do fórum, o filósofo francês mesmo), que dizia algo mais ou menos assim: livros não mudam o mundo. livros mudam pessoas, que mudam o mundo. eu gosto de pensar no papel da literatura sob esse ângulo, de algo mais indireto do que muitas pessoas costumam imaginar. não é porque sujeito escreveu uma obra engajada que fará alguma diferença. a diferença será feita pelos leitores que foram tocados por sua mensagem.
 
Se em tempos em que a ação individual tinha mais valor no campo político-ideológico do que hoje isso já acontecia, pense agora. Quantas pessoas você conhece que ao menos cogitam tomar alguma atitude real contra algo?
O problema não é a literatura, ou não é só a literatura. É todo o modo como se pensa (ou como não se pensa) o mundo.

Exatamente isso Luciano. Como eu disse em algum post anterior, essa melancolia e fatalismo da literatura contemporânea estão calcadas no solo histórico, vivemos num período em que tomar alguma atitude contra algo se tornou talvez mais difícil do que nunca. Ou não. É difícil analisar isso em escala histórica, até porque há muitos fatores a serem considerados.

Toda vez que penso sobre esse senso comum que torna as investidas de denúncia ou crítica tão difíceis, não posso deixar de pensar em Gramsci e na maneira como ele estudo a hegemonia, a formação do consenso como formas de manutenção e reprodução do status quo sem uso extensivo e constante da força. Governa-se usando a força quando necessário mas através da formação do consenso ativo dos governados, que estão dentro de uma hegemonia que lhes torna difícil enxergar outra forma de viverem suas vidas, de organizarem a realidade ou agirem politicamente. Essa parece ser a questão para mim, conquanto eu tenha simplificado grosseiramente o conceito gramsciano.

O consenso está tão fortemente arraigado na mentalidade 'padrão' que as investidas são dificilíssimas de serem levadas a cabo, e que dirá efetivadas como semente de questionamento. Nesse sentido acho que (parte da) literatura tem papel importante, por apontar o que superficialmente não se vê, ou seja, o que não se consegue dar inteligibilidade. Acho que o Terry Eagleton, naquele Introdução a Teoria Literária (thanks Anica pela indicação :timido: ) fala algo sobre como a literatura torna a realidade mais sensível por 'aperfeiçoar' nossa visão sobre as coisas, digamos assim. Ao falar sobre o real sob um prisma do qual não estamos acostumados a fazer, ela torna o real 'mais real', aumenta nossa capacidade de percepção com relação ao real.

E, do mesmo modo, muitos dos partidários da pura forma combateram contra os totalitarismos e contra a exploração colonialista: Witkacy, Koltès, Yufit... Cabe a cada um aceitar ou não determinadas ideias - e justificá-las de acordo com o que se quer atingir.

Tem um artigo (do qual não me lembro agora) que fala que escrever é um ato de qualificar. Ao escrever o autor estará atribuindo sentidos e significados aos elementos que aparecem no seu livro, o que ele qualifica como 'bom' ou como 'ruim' traduz sua percepção sobre o mundo.É bastante óbvio que a dicotomia bom-ruim não ajuda a compreender a complexidade do real, e essa dicotomia está longe de ser o resumo do leque de recursos e meandros da literatura, mas é conforme o autor trata seu tema, aponta características e atribui sentido ao longo da escrita que se desenham também os caminhos que trilou, as opções que faz, o posicionamento que assume e assim por diante, sendo que algum 'projeto' em relação ao real aparecerá, mesmo que seja só a fruição, ou ainda a condenação final.
 
De tudo no universo que pode ser causador de mudança, a idéia, o engenho humano é o único ao nosso alcance, as grandes feras da África, os lobos e ursos da Europa sucumbiram frente à imaterialidade do pensamento. Não consigo imaginar melhor depositário de tal força que não seja a palavra escrita, através dela tive maior intimidade com o pensamento de humanos a séculos já misturados com a terra, mais entendimento que tenho de pessoas respirando que invariavelmente encontro em meu cotidiano.

Se o pensamento consciente humano é nossa única possibilidade de intervenção no mundo, a outra opção seriam forças da natureza independentes de nossa vontade. A literatura, fruto da escrita pode portar a massiva variedade do pensamento e assim como o homem é capaz de maravilhas e abominações.

Estava hoje lendo uma obra escrita em 1850, veio-me à cabeça uma idéia: o que nos chegou desta data não foi o que os leitores contemporâneos da obra tiveram à disposição, dificilmente seria fiel representante de seu tempo, a maioria da literatura que atravessou o tempo escapou do padrão de seus pares, distinguiu-se da homogeneidade mediocrizante e ousou escapar do oblívio temporal. Quem hoje lê Coelho Neto? Quem sabe quem foi? Em seu tempo foi muito mais famoso que Machado de Assis, há no tempo virtude de peneirar as boas obras do cascalho a voltar ao rio. Hoje muito, a grande maioria do que vemos é puro cascalho, como fazer a separação sem a peneira do tempo?

Abraço,
Alex
 
De tudo no universo que pode ser causador de mudança, a idéia, o engenho humano é o único ao nosso alcance, as grandes feras da África, os lobos e ursos da Europa sucumbiram frente à imaterialidade do pensamento. Não consigo imaginar melhor depositário de tal força que não seja a palavra escrita, através dela tive maior intimidade com o pensamento de humanos a séculos já misturados com a terra, mais entendimento que tenho de pessoas respirando que invariavelmente encontro em meu cotidiano.

Se o pensamento consciente humano é nossa única possibilidade de intervenção no mundo, a outra opção seriam forças da natureza independentes de nossa vontade. A literatura, fruto da escrita pode portar a massiva variedade do pensamento e assim como o homem é capaz de maravilhas e abominações.
O consenso está tão fortemente arraigado na mentalidade 'padrão' que as investidas são dificilíssimas de serem levadas a cabo, e que dirá efetivadas como semente de questionamento. Nesse sentido acho que (parte da) literatura tem papel importante, por apontar o que superficialmente não se vê, ou seja, o que não se consegue dar inteligibilidade. Acho que o Terry Eagleton, naquele Introdução a Teoria Literária (thanks Anica pela indicação :timido: ) fala algo sobre como a literatura torna a realidade mais sensível por 'aperfeiçoar' nossa visão sobre as coisas, digamos assim. Ao falar sobre o real sob um prisma do qual não estamos acostumados a fazer, ela torna o real 'mais real', aumenta nossa capacidade de percepção com relação ao real.

Em certa medida eu até concordo com esse tipo de idéia, mas não consigo deixar de pensar que esse tipo de pensamento é perigoso. O passo seguinte é separar o mundo entre aqueles que lêem e aqueles não e, depois disso, dizer que o primeiro grupo constitui material humano melhor do que o segundo. A literatura é algo realmente poderoso, realmente interessante. Mas não traz nenhuma espécie de redenção ou salvação. Nem todo mundo precisa ler para conhecer o mundo, nem todos os seres humanos têm a necessidade de expressar o que sentem e pensam através das palavras - e os que não o fazem não são piores por causa disso.
Eu sei que não é o que nenhum dos dois está implicando, mas é que o caminho para isso começa aí.

Tem um artigo (do qual não me lembro agora) que fala que escrever é um ato de qualificar. Ao escrever o autor estará atribuindo sentidos e significados aos elementos que aparecem no seu livro, o que ele qualifica como 'bom' ou como 'ruim' traduz sua percepção sobre o mundo.É bastante óbvio que a dicotomia bom-ruim não ajuda a compreender a complexidade do real, e essa dicotomia está longe de ser o resumo do leque de recursos e meandros da literatura, mas é conforme o autor trata seu tema, aponta características e atribui sentido ao longo da escrita que se desenham também os caminhos que trilou, as opções que faz, o posicionamento que assume e assim por diante, sendo que algum 'projeto' em relação ao real aparecerá, mesmo que seja só a fruição, ou ainda a condenação final.

Faz sentido...

Estava hoje lendo uma obra escrita em 1850, veio-me à cabeça uma idéia: o que nos chegou desta data não foi o que os leitores contemporâneos da obra tiveram à disposição, dificilmente seria fiel representante de seu tempo, a maioria da literatura que atravessou o tempo escapou do padrão de seus pares, distinguiu-se da homogeneidade mediocrizante e ousou escapar do oblívio temporal. Quem hoje lê Coelho Neto? Quem sabe quem foi? Em seu tempo foi muito mais famoso que Machado de Assis, há no tempo virtude de peneirar as boas obras do cascalho a voltar ao rio. Hoje muito, a grande maioria do que vemos é puro cascalho, como fazer a separação sem a peneira do tempo?

Acho que o tempo peneira sim... Só não sei o quão confiável é o critério que ele utiliza, no fim das contas. Mas não há como saber.
 
Para dar prosseguimento ao post: um ponto sobre o qual todos aqui parecem concordar em alguma medida (com opiniões diferentes a esse respeito, mas vá lá) é que há um quinhão de tragicidade bastante grande na literatura contemporânea. Se isso leva a um fatalismo, a um relativismo, a uma posição crítica ou qualquer coisa assim é outro ponto. O que quero discutir aqui é: essa tragicidade não é algo único de 'nosso tempo', mas creio não ser similar a qualquer outra tragicidade da história. O que ela tem de diferente nesse sentido? E o que ela pode nos dizer sobre nossa própria realidade?

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Em outras notícias, retomando minha pergunta anterior: a literatura contemporânea não está muito preocupada com a forma em detrimento de outros elementos?
 
Em certa medida eu até concordo com esse tipo de idéia, mas não consigo deixar de pensar que esse tipo de pensamento é perigoso. O passo seguinte é separar o mundo entre aqueles que lêem e aqueles não e, depois disso, dizer que o primeiro grupo constitui material humano melhor do que o segundo. A literatura é algo realmente poderoso, realmente interessante. Mas não traz nenhuma espécie de redenção ou salvação. Nem todo mundo precisa ler para conhecer o mundo, nem todos os seres humanos têm a necessidade de expressar o que sentem e pensam através das palavras - e os que não o fazem não são piores por causa disso.
Eu sei que não é o que nenhum dos dois está implicando, mas é que o caminho para isso começa aí.


Acho complicado achar este pensamento perigoso, pois não é ele o perigo, é o totalitarismo homogeneizante e a condescendência. O apreço ao conhecimento e cultura não são excludentes de direitos individuais talhados pela cultura a distanciar o homem da barbárie animal.


Acho que o tempo peneira sim... Só não sei o quão confiável é o critério que ele utiliza, no fim das contas. Mas não há como saber.


Há como saber o passado, sinto-me bem servido hoje do trabalho do tempo, perco esforço em ler o contemporâneo que não subsistirá ao passar dos anos.

Abraço,
Alex
 
Para dar prosseguimento ao post: um ponto sobre o qual todos aqui parecem concordar em alguma medida (com opiniões diferentes a esse respeito, mas vá lá) é que há um quinhão de tragicidade bastante grande na literatura contemporânea. Se isso leva a um fatalismo, a um relativismo, a uma posição crítica ou qualquer coisa assim é outro ponto. O que quero discutir aqui é: essa tragicidade não é algo único de 'nosso tempo', mas creio não ser similar a qualquer outra tragicidade da história. O que ela tem de diferente nesse sentido? E o que ela pode nos dizer sobre nossa própria realidade?

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Em outras notícias, retomando minha pergunta anterior: a literatura contemporânea não está muito preocupada com a forma em detrimento de outros elementos?

O que nos difere é usar a tragédia como elemento de espetáculo, a denúncia das mazelas seriam justificativa ruim a tentar diferenciar uma literatura “mais séria” do puro entretenimento. Aliás, o que seria entretenimento? Pensar não pode ser considerado entretenimento? Ou o entretenimento prescinde crítica e pensamento?


Acredito que esta preocupação com a forma seja um cacoete herdado do modernismo que ainda não foi corretamente exorcizado, forma é importante, mas não pode ser aspecto órfão de uma obra. A preocupação exclusiva de forma torna fácil a classificação, uma vez que não vê o aspecto principal, o que se tem a dizer, na gênese de um texto tem-se o que dizer, é tão ou mais importante em como dizer. Filósofos tinham muito a dizer apesar de muitas vezes a forma canhestra, literatura sabe dizer, apesar de não ter algo a comunicar.

Abraço,
Alex
 
O que nos difere é usar a tragédia como elemento de espetáculo, a denúncia das mazelas seriam justificativa ruim a tentar diferenciar uma literatura “mais séria” do puro entretenimento.

Não gosto de pensar tão dicotomicamente assim Alex. Acho que não dá para generalizar dessa forma, inclusive se levarmos em consideração determinados aspectos de nossa realidade, digamos assim. Me explico: os sentimentos Poliana, o 'otimismo forçado', a dificuldade que existe em estabelecer crítica a algo, a contrapor-se seriamente a algum aspecto de nossa realidade sem que essa crítica redunde numa reclamação superficial e isolada exercem pressões sobre todos os escritores. O senso comum está impregnado de um conformismo construído ou de resistências que reforçam o inidividualismo, e colocar-se contra esse senso comum, o status quo, é um ato de ousadia.

Levando em conta essas condições, não posso condenar aqueles que ocupam suas forças e seu tempo construído críticas que procurem denunciar justamente essa situação, pois são esforços válidos, a meu ver, e não meramente elemento de espetáculo. Não duvido que haja quem use a denúncia como forma confortável de estabelecer críticas sem visar mudança, mas isso não pode ser algo que tenhamos como geral.

Por isso é que penso que a literatura ajuda a entender nossa época, até porque, de alguma maneira, ela é um sintoma da realidade. Se boa parte da literatura está sendo dedicada a essa crítica (seja qual o significado com o qual procuramos identificá-la), isso não nos diz algo sobre nossa realidade? Não é um sinal de que o buraco é mais embaixo? Se a literatura, que goza de uma liberdade não de reproduzir o real, mas metamorfoseá-lo com todos os recursos que dispõem, se volta a denunciá-lo e vê-lo com pessimismo, sem muita luz de esperança, isso não nos informa algo a respeito da própria situação da humanidade em relação ao presente, e, consequentemente, ao porvir?

Acredito que, se alguém tivesse uma solução ou uma resposta para as mazelas que se denunciam aos montes, certamente trataria de colocá-la em algum livro, seja sob a forma que fosse. Não que a literatura necessariamente aponte caminhos, mas acaba nos informando algo sobre o que acredita ser certo ou errado, ou o que pulula no real. Ainda acho que esse tempo é essencialmente trágico sob tantos aspectos que está difícil enxergar alguma saída, por isso não vou 'cobrar' da literatura tal coisa.

Aliás, o que seria entretenimento? Pensar não pode ser considerado entretenimento? Ou o entretenimento prescinde crítica e pensamento?

Lembrei de uma frase que o Carlos Heitor Cony usou no prefácio que fez para A Cabana do Pai Tomás, numa edição velhíssima que um colega meu me emprestou (e que eu, vergonhosamente, nem li nem devolvi), ele diz o seguinte: "(...) qual a finalidade da literatura? Ser o 'sorriso da sociedade' - como um imbecil certa vez a definiu? Ou ser a própria 'consciência da sociedade' - como os estudiosos mais sérios a compreendem?'"

Acho que isso dá conta de pensar um pouco sobre as questões que tu propôs. Depende da maneira como o autor concebe a literatura, a maneira como ele se utilizará da singularidade da linguagem, da elaboração narrativa, dos sentidos que atribuirá à temática e assim por diante; e também como os próprios leitores lerão tal obra. Acho que dá para denunciar sem cair em espetáculo, ser bastante trágico sem cair em clichês ou em fatalismo, e acho que dá para usar o entreitinimento tanto para conformar quanto para despertar o questionamento. É algo relativo na medida em que é subjetivo, não é relativismo, é múltiplo e distinto em cada caso.

Acredito que esta preocupação com a forma seja um cacoete herdado do modernismo que ainda não foi corretamente exorcizado, forma é importante, mas não pode ser aspecto órfão de uma obra. A preocupação exclusiva de forma torna fácil a classificação, uma vez que não vê o aspecto principal, o que se tem a dizer, na gênese de um texto tem-se o que dizer, é tão ou mais importante em como dizer. Filósofos tinham muito a dizer apesar de muitas vezes a forma canhestra, literatura sabe dizer, apesar de não ter algo a comunicar.

Aí também depende, porque elaboração estética não necessariamente é despreocupação com o conteúdo. Apesar de gostar de encontrar experimentações estilísticas narrativas quando leio algum livro, não gosto quando ela vem a título de técnica, como um artifício que se encerra em si mesmo.

Confesso que piso em ovos ao falar da relação forma-conteúdo (inclusive pela própria longa tradição que nos precede), mas creio que a forma é sim importante, pois a forma condiciona a maneira como o conteúdo é expresso. O detalhe é quando a forma esmaga o conteúdo para apresentar-se como elemento primordial, a coisa toda se torna um exercício de belo que perde muita coisa, a meu ver. Sem forma é como se o conteúdo inexistisse, toda linguagem, inclusive nossos posts, partilham de alguma forma de apresentação narrativa, procuramos adequá-la às nossas idéias e ao debate como forma de tornar inteligível o que pensamos. Não fosse a forma essas minhas idéias estariam na minha cabeça, isoladas, silenciadas pela incapacidade de serem expressas.

Pirações a parte, minha pergunta sobre a forma foi tímida por conta de meu limitado conhecimento de obras contemporâneas e, pensando sobre como concebemos a literatura, quais os desdobramentos dessa suposta preocupação exagerada com a forma?

Como disse no tópico sobre as apostas do Nobel, acho que há uma cobrança muito grande sobre inovação, o que leva os autores a experimentar formas, formas, formas e perder de vista outros pontos igualmente importantes. Como disse também, não sou contra inovações, pelo contrário, mas parece haver uma condenação (e talvez aqui eu me refira de forma mais direta à crítica e às avaliações feitas sobre a literatura em âmbito geral) a quem não ousa experimentações formais. Mas isso é minha opinião e, inclusive pelo caráter hipotético, é altamente questionável... :dente:
 
Acho complicado achar este pensamento perigoso, pois não é ele o perigo, é o totalitarismo homogeneizante e a condescendência. O apreço ao conhecimento e cultura não são excludentes de direitos individuais talhados pela cultura a distanciar o homem da barbárie animal.
Mas foi justamente esse apreço ao conhecimento e cultura que fez com que os ingleses considerassem tantos povos inferiores e, por isso, passíveis de serem dominados. Os soviéticos pensaram da mesma maneira - inclusive impondo a russificação sobre tantos povos diferentes, afinal a cultura russa era tão melhor que a cultura barbárica dos georgianos, dos povos túrquicos e dos povos altaicos - muitos dos quais, ainda hoje, não utilizam a escrita.
E falar em 'direitos individuais talhados pela cultura' é complexo. Não me lembro de ter lido ou ouvido falar de algum momento na história em que os direitos individuais de uns não foram criados as custas da amputação dos direitos e da cultura de outros...


Há como saber o passado, sinto-me bem servido hoje do trabalho do tempo, perco esforço em ler o contemporâneo que não subsistirá ao passar dos anos.

Abraço,
Alex

Mas como eu vou saber que o que sobreviveu é realmente o melhor, se eu não tenho outras opções?
Peguemos, por exemplo, o teatro elizabetano inglês. Certo, Shakespeare foi um grande dramaturgo. Ele foi genial, é verdade. Mas em quantas peças ele atingiu essa genialidade? Enquanto que Marlowe, ignorado pela grande maioria das pessoas, publicou algumas poucas peças (e teve sua carreira interrompida por uma morte prematura), sem ficar devendo nada às melhores coisas que Shakespeare escreveu. Foi a pura qualidade ou foi a prolixidade que fez o tempo preterir Marlowe em favor de Shakespeare?

O que nos difere é usar a tragédia como elemento de espetáculo, a denúncia das mazelas seriam justificativa ruim a tentar diferenciar uma literatura “mais séria” do puro entretenimento. Aliás, o que seria entretenimento? Pensar não pode ser considerado entretenimento? Ou o entretenimento prescinde crítica e pensamento?
A arte pode entreter, mas não é entretenimento. E entretenimento não é arte: cai dentro do senso comum, do um quarto da experiência humana que é mapeada e no qual nos movemos com segurança. Já a arte (que nos levaria a pensar, em um mundo ideal) aborda os três quartos restantes, aos quais não sabemos dar nome, e por isso causa inquietação.


E, a respeito do denuncismo oco (ou não) e da preocupação excessiva com a forma: nas literaturas centro-européias, isso é uma questão meio que resolvida. Na literatura israelense a coisa é mais complexa, justamente pela realidade mais complexa do país. Essas são minhas referências principais e, por isso, fica complicado aplicar essa espécie de pensamento na literatura brasiileira.
Mas me parece existir uma parcela de 'formofobia': a partir do momento em que o artista preocupa-se mais com a forma do que com o conteúdo, a obra é descartada como sendo vazia, em sendo 'arte pela arte', uma exibição de virtuosismo. Isso me parece errado. A forma pura não serve ao desenvolvimento da arte como técnica, e sim como uma tentativa de despertar algo através da forma. Vale lembrar, também, que quase todas as proposições para a forma pura são sempre feitas para a poesia, teatro e artes visuais, não sendo aplicáveis ao romance - que, por natureza, conjuga uma liberdade formal muito maior e uma necessidade de enredo.
Outro ponto, voltando a pensar nas diferenças referenciais. A literatura brasileira me parece imatura. Ao meu ver, ela só surgiu com Guimarães Rosa - e tudo que veio antes, por mais que pudesse ser considerado bom, era emulação européia. Até mesmo o modernismo nada mais era que um reaproveitamento dos modernismos e vanguardas da europa. Depois disso tivemos a ditadura militar, quando, ao contrário da maioria das literaturas submetidas a totalitarismos, a nossa literatura silenciou sobre tudo o que deveria falar - com poucas e notáveis exceções que ficaram relegadas ao underground, como Maura Lopes Cançado. Depois disso veio Raduan Nassar e, agora, alguns novos autores bastante interessantes tem surgido (Bensimon, Xerxenesky, Galera, Cuenca...). Mas a literatura brasileira ainda parece estar alguns passos atrás com relação à literatura do resto do mundo, especialmente a européia (que, acredito, serve melhor como ponto de referência para nós do que a norte-americana).
 
Não gosto de pensar tão dicotomicamente assim Alex. Acho que não dá para generalizar dessa forma, inclusive se levarmos em consideração determinados aspectos de nossa realidade, digamos assim. Me explico: os sentimentos Poliana, o 'otimismo forçado', a dificuldade que existe em estabelecer crítica a algo, a contrapor-se seriamente a algum aspecto de nossa realidade sem que essa crítica redunde numa reclamação superficial e isolada exercem pressões sobre todos os escritores. O senso comum está impregnado de um conformismo construído ou de resistências que reforçam o inidividualismo, e colocar-se contra esse senso comum, o status quo, é um ato de ousadia.

Levando em conta essas condições, não posso condenar aqueles que ocupam suas forças e seu tempo construído críticas que procurem denunciar justamente essa situação, pois são esforços válidos, a meu ver, e não meramente elemento de espetáculo. Não duvido que haja quem use a denúncia como forma confortável de estabelecer críticas sem visar mudança, mas isso não pode ser algo que tenhamos como geral.

Por isso é que penso que a literatura ajuda a entender nossa época, até porque, de alguma maneira, ela é um sintoma da realidade. Se boa parte da literatura está sendo dedicada a essa crítica (seja qual o significado com o qual procuramos identificá-la), isso não nos diz algo sobre nossa realidade? Não é um sinal de que o buraco é mais embaixo? Se a literatura, que goza de uma liberdade não de reproduzir o real, mas metamorfoseá-lo com todos os recursos que dispõem, se volta a denunciá-lo e vê-lo com pessimismo, sem muita luz de esperança, isso não nos informa algo a respeito da própria situação da humanidade em relação ao presente, e, consequentemente, ao porvir?

Acredito que, se alguém tivesse uma solução ou uma resposta para as mazelas que se denunciam aos montes, certamente trataria de colocá-la em algum livro, seja sob a forma que fosse. Não que a literatura necessariamente aponte caminhos, mas acaba nos informando algo sobre o que acredita ser certo ou errado, ou o que pulula no real. Ainda acho que esse tempo é essencialmente trágico sob tantos aspectos que está difícil enxergar alguma saída, por isso não vou 'cobrar' da literatura tal coisa.




Não é uma dicotomia, é apenas um aspecto que vejo mais pungente, se analisarmos a classificação dos movimentos literários passados em detalhe encontraremos milhares de fraturas, de certa maneira a classificação historicista faz maior generalização, só não nos é tão perceptível na literatura contemporânea, onde convivemos com as fraturas sem a visão geral.

Não tenho como saber se a visão trágica espetacular é um traço real da literatura ou apenas um viés da indústria cultural que atua como filtro em nossa visão. O mercado editorial é o tutor da liberdade literária.

Reproduzir fatos, sem pensar suas causas, ficcionando seus elementos, dramatizando, sem reflexão das causas cria uma barreira à compreensão verdadeira, um véu sobre a verdade, não exatamente a riqueza de visão que da literatura faz abrir a compreensão. Este distanciamento transforma a miséria real em um espetáculo de circo romano.



Lembrei de uma frase que o Carlos Heitor Cony usou no prefácio que fez para A Cabana do Pai Tomás, numa edição velhíssima que um colega meu me emprestou (e que eu, vergonhosamente, nem li nem devolvi), ele diz o seguinte: "(...) qual a finalidade da literatura? Ser o 'sorriso da sociedade' - como um imbecil certa vez a definiu? Ou ser a própria 'consciência da sociedade' - como os estudiosos mais sérios a compreendem?'"

Acho que isso dá conta de pensar um pouco sobre as questões que tu propôs. Depende da maneira como o autor concebe a literatura, a maneira como ele se utilizará da singularidade da linguagem, da elaboração narrativa, dos sentidos que atribuirá à temática e assim por diante; e também como os próprios leitores lerão tal obra. Acho que dá para denunciar sem cair em espetáculo, ser bastante trágico sem cair em clichês ou em fatalismo, e acho que dá para usar o entreitinimento tanto para conformar quanto para despertar o questionamento. É algo relativo na medida em que é subjetivo, não é relativismo, é múltiplo e distinto em cada caso.



Existe o entretenimento do macabro, não me peça suas causas psicológicas, mas acho que esta classificação não está servindo para nada mais que preconceito, e de certa maneira clichê a diferenciar literatura que em sua profundidade é muito semelhante.




Aí também depende, porque elaboração estética não necessariamente é despreocupação com o conteúdo. Apesar de gostar de encontrar experimentações estilísticas narrativas quando leio algum livro, não gosto quando ela vem a título de técnica, como um artifício que se encerra em si mesmo.

Confesso que piso em ovos ao falar da relação forma-conteúdo (inclusive pela própria longa tradição que nos precede), mas creio que a forma é sim importante, pois a forma condiciona a maneira como o conteúdo é expresso. O detalhe é quando a forma esmaga o conteúdo para apresentar-se como elemento primordial, a coisa toda se torna um exercício de belo que perde muita coisa, a meu ver. Sem forma é como se o conteúdo inexistisse, toda linguagem, inclusive nossos posts, partilham de alguma forma de apresentação narrativa, procuramos adequá-la às nossas idéias e ao debate como forma de tornar inteligível o que pensamos. Não fosse a forma essas minhas idéias estariam na minha cabeça, isoladas, silenciadas pela incapacidade de serem expressas.

Pirações a parte, minha pergunta sobre a forma foi tímida por conta de meu limitado conhecimento de obras contemporâneas e, pensando sobre como concebemos a literatura, quais os desdobramentos dessa suposta preocupação exagerada com a forma?

Como disse no tópico sobre as apostas do Nobel, acho que há uma cobrança muito grande sobre inovação, o que leva os autores a experimentar formas, formas, formas e perder de vista outros pontos igualmente importantes. Como disse também, não sou contra inovações, pelo contrário, mas parece haver uma condenação (e talvez aqui eu me refira de forma mais direta à crítica e às avaliações feitas sobre a literatura em âmbito geral) a quem não ousa experimentações formais. Mas isso é minha opinião e, inclusive pelo caráter hipotético, é altamente questionável...




Como disse, forma é fundamental, mas não sozinha. Mesmo o bilhete deixado ao padeiro tem forma, mas a forma é escrava da função, é utilitária, não fim em si. Acredito que parte da confusão está na dissolução da fronteira entre prosa e poesia, pois se uma aponta a priorizar a forma a outra preza o conteúdo. O grande problema é que a inovação torna-se caricata, quando o principal atributo que ouvimos sobre um autor é o não uso da pontuação ou das letras maiúsculas, acredito que há algo de muito errado, não estamos nem nos deixando maravilhar pelo truque do mágico, apenas com o coelho pink.

Abraço,
Alex
 
Mas foi justamente esse apreço ao conhecimento e cultura que fez com que os ingleses considerassem tantos povos inferiores e, por isso, passíveis de serem dominados. Os soviéticos pensaram da mesma maneira - inclusive impondo a russificação sobre tantos povos diferentes, afinal a cultura russa era tão melhor que a cultura barbárica dos georgianos, dos povos túrquicos e dos povos altaicos - muitos dos quais, ainda hoje, não utilizam a escrita.
E falar em 'direitos individuais talhados pela cultura' é complexo. Não me lembro de ter lido ou ouvido falar de algum momento na história em que os direitos individuais de uns não foram criados as custas da amputação dos direitos e da cultura de outros...



Não foi o apreço ao conhecimento, mas sim a ideologia da mentira, o nazismo não foi exatamente pressuroso em sua busca do conhecimento, mas igualmente ávidos em inferiorizar seus inconvenientes. É culpar o conhecimento pelos atos de ignorância, conhecimento não leva a preconceito e sim conceito.

No dia em que atingirmos o nível de os direitos individuais não sobreporem os indivíduos, chegamos ao ponto ideal, no momento estamos tentando, e acredito que estamos melhores do que em épocas passadas, se os jacobinos usaram ideais apenas como propaganda vazia, ideais nos serviram de guia, é sempre uma questão de aperfeiçoamento e não de destruição vazia a criar sistema possuidor de novos vícios; é mais simples consertar os vícios que conhecemos e aperfeiçoar o modelo do que criar novo com mazelas desconheciadas.



Mas como eu vou saber que o que sobreviveu é realmente o melhor, se eu não tenho outras opções?
Peguemos, por exemplo, o teatro elizabetano inglês. Certo, Shakespeare foi um grande dramaturgo. Ele foi genial, é verdade. Mas em quantas peças ele atingiu essa genialidade? Enquanto que Marlowe, ignorado pela grande maioria das pessoas, publicou algumas poucas peças (e teve sua carreira interrompida por uma morte prematura), sem ficar devendo nada às melhores coisas que Shakespeare escreveu. Foi a pura qualidade ou foi a prolixidade que fez o tempo preterir Marlowe em favor de Shakespeare?



Encontraste Marlowe, embora a obra seja seminal, não teve o desenvolvimento de Shakespeare, mesmo que sejamos incluídos no cone de luz de todos os autores, isto não nos garante que suas letras nos atingirão, com toda certeza há muitos mais desconhecidos que nem um único exemplar tenha sobrevivido em bibliotecas, mas o peso do tempo mudou Machado de Assis com Coelho Neto, podes ler o segundo e verá que houve justiça. É só preocupar-se em ler todas as obras de um período de cinqüenta anos de nossa história que verá o quão benéfico foi o filtro do tempo.



A arte pode entreter, mas não é entretenimento. E entretenimento não é arte: cai dentro do senso comum, do um quarto da experiência humana que é mapeada e no qual nos movemos com segurança. Já a arte (que nos levaria a pensar, em um mundo ideal) aborda os três quartos restantes, aos quais não sabemos dar nome, e por isso causa inquietação.



Inquietação, está aí uma palavrinha que não compartilho, movimento ao desconhecido ao cientista não é considerado assim, excitação, é a palavra. O desconhecido instiga o cientista, e este que faz verdadeira ciência, penetrando o reino do desconhecido, acha aí elemento de conforto. Apesar de cientistas e artistas terem sido separados nas correntes históricas, sabemos que compartilham a mesma alma, aí que acho esta inquietação artística mais clichê que classificação de uso prático.




E, a respeito do denuncismo oco (ou não) e da preocupação excessiva com a forma: nas literaturas centro-européias, isso é uma questão meio que resolvida. Na literatura israelense a coisa é mais complexa, justamente pela realidade mais complexa do país. Essas são minhas referências principais e, por isso, fica complicado aplicar essa espécie de pensamento na literatura brasiileira.
Mas me parece existir uma parcela de 'formofobia': a partir do momento em que o artista preocupa-se mais com a forma do que com o conteúdo, a obra é descartada como sendo vazia, em sendo 'arte pela arte', uma exibição de virtuosismo. Isso me parece errado. A forma pura não serve ao desenvolvimento da arte como técnica, e sim como uma tentativa de despertar algo através da forma. Vale lembrar, também, que quase todas as proposições para a forma pura são sempre feitas para a poesia, teatro e artes visuais, não sendo aplicáveis ao romance - que, por natureza, conjuga uma liberdade formal muito maior e uma necessidade de enredo.
Outro ponto, voltando a pensar nas diferenças referenciais. A literatura brasileira me parece imatura. Ao meu ver, ela só surgiu com Guimarães Rosa - e tudo que veio antes, por mais que pudesse ser considerado bom, era emulação européia. Até mesmo o modernismo nada mais era que um reaproveitamento dos modernismos e vanguardas da europa. Depois disso tivemos a ditadura militar, quando, ao contrário da maioria das literaturas submetidas a totalitarismos, a nossa literatura silenciou sobre tudo o que deveria falar - com poucas e notáveis exceções que ficaram relegadas ao underground, como Maura Lopes Cançado. Depois disso veio Raduan Nassar e, agora, alguns novos autores bastante interessantes tem surgido (Bensimon, Xerxenesky, Galera, Cuenca...). Mas a literatura brasileira ainda parece estar alguns passos atrás com relação à literatura do resto do mundo, especialmente a européia (que, acredito, serve melhor como ponto de referência para nós do que a norte-americana).




Não tenho dúvidas do subdesenvolvimento da literatura brasileira em relação a outros regionalismos, basta ver a data em que nossa colônia passou a ter prensas em comparação com outros territórios literários. Acredito que hoje as fronteiras regionais são menos importantes que as barreiras da língua, e que o contexto individual é mais pungente, pelo menos na literatura fora, aqui o regionalismo está virando mais um estereótipo tardio. Sempre que cito modernismo, estou falando do mundial, desconsidero o evento caricaturesco de vinte e dois.

Eu já vejo uma glorificação da forma em detrimento ao enredo, uma transfusão de conceitos poéticos ao gênero distinto da prosa, não é novo, João Cabral já havia denunciado que a prosa andava a ser criticada na luz da poesia por sua popularidade na década de quarenta. Como já afirmei e reafirmei, acredito que forma e função é que fazem o grande desafio, o item invariavelmente presente nos cânones independente de seu período de vida.

Abraço,
Alex
 
Sábado passado estava lendo a folha Ilustrada e deparei-me com três matérias sobre um autor de “Pulp” chamado James Patterson:

http://www1.folha.uol.com.br/ilustr...james-patterson-tenta-sucesso-no-brasil.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/ilustr...rbes-de-autores-mais-bem-pagos-do-mundo.shtml

http://www1.folha.uol.com.br/ilustr...-300-mil-para-tentar-emplacar-patterson.shtml

Em resumo das matérias: ele é o autor que mais ganhou dinheiro, número um na Forbes, mas não fez sucesso no Brasil, uma editora vai gastar R$300.000,00 para tentar fazer os livros venderem por aqui, pois falharam com outras editoras.

Mas que raios isto tem em comum com literatura contemporânea? Não é um autor deste “estilo”, mas é contemporâneo e ruinzinho auto-reconhecido: "Nunca escreverei um grande livro de literatura séria, nem quero. Não sou bom como García Márquez, Joyce ou Flaubert. Mas posso escrever uma grande história popular". O caso é que já teve seus livros editados aqui e não fez sucesso e agora vão investir em propaganda para tentar emplacar o autor. O mesmo não acontece com a literatura dita séria? O quanto o reconhecimento de um livro depende da propaganda independente do seu conteúdo? Como pode-se julgar um livro de forma independente? Bem ou mal a propaganda do Patterson começou com três reportagens simultâneas no caderno de cultura de um dos principais jornais do Brasil. O quão longe os contemporâneos ditos sérios estão do Patterson?

Abraço,
Alex
 
Essa questão da propaganda é interessante. Até que ponto Joyce, Flaubert ou García Marquez não são autores que vivem de propaganda, que ganharam suas famas com propagandas e de forma histórica ("leia porque é bom, porque todo mundo acha bom e você deve achar bom")? Joyce, no final de sua vida, tentou desesperadamente fazer uma propaganda positiva para com o Finnegans Wake.

Agora quanto à sua última pergunta:
O quão longe os contemporâneos ditos sérios estão do Patterson?
Eu digo que nenhum escritor "sério" jamais esteve longe da chamada literatura ruim. Afinal de contas, será que Cervantes teria escrito o Dom Quixote se ele não tivesse se aproximado da literatura de cavalaria? Se a literatura dita -- ou ditada? -- de qualidade não estiver próxima da literatura dita -- ou ditada? -- ruim, ela simplesmente não existe. Nós necessitamos pegar um épico como o da Independência do Brasil e comparar com um épico mais bem estruturado (de maior fineza linguística, de profundidade de temas e abordagens etc, sempre como valores comparativos e não absolutos ou tabelados) como A Invenção de Orfeu e, a partir desta comparação, tecer o que viria a ser essa tal qualidade literária. Pois qualidade literária é e sempre foi comparação. Não acredito que se dê pra julgar uma obra independentemente, pois aí você teria que julgá-la de forma hermética e adotando valores que só fossem positivos com ela e para com ela: o que, historicamente, é impossível.

Agora quanto a uma observação feita no início do tópico:
Será que é por falta de idéias que a literatura ainda apega-se ao velho modernismo ferrugento? Velho por velho acredito que o romanesco tenha mais a dizer do que os trejeitos modernistas. Não haveria mais mérito no romanesco contemporâneo do que no modernismo burlesco?

Não acho que a literatura (entenda-se, os autores) estejam apegados a este modernismo de vanguarda. Mesmo porque a vanguarda tem prazo de validade. Cansei de ser moderno, agora quero ser eterno, dizia Drummond. A questão é que os leitores estão por demais apegados com a força revolucionária e vanguardista que o século XX teve, com todo seu modernismo cataclismático. Os leitores é que precisam parar de abrir um livro de Saramago (p.ex.) e achar que a revolução linguística dele é o fato dele ter embaralhado os sinais de pontuação: quando, na verdade, este fator é o de menos que os leitores colocam como o de mais! Mesmo porque, não acho que um tipo de arte ou estilo ou técnica possa se tornar velho e ferrugento. Ou você quer algo mais velho e ferrugento que o modelo épico virgiliano na época de Camões e de Tasso? Ou você quer algo mais velho e ferrugento do que começar com um "As armas [...]" que caras com Ariosto, Camões e Tasso pegaram de Virgílio (Arma virumque cano...)? Durante séculos os estudos de literatura latina começavam com a citação dos primeiros versos das Bucólicas de Virgílio. Isso só foi acabar com Goethe, quase dois mil anos depois. Agora como me dizer que isso é velho e ferrugento? Chega a ser heresia.
 
Joyce e Flaubert são de épocas quando a propaganda era mais ou muito mais ingênua, acredito que o mérito do segundo seja mais evidente, a quebra da unicidade da voz narrativa foi um ganho nas possibilidades de expressão literária; já o primeiro é um gosto adquirido, é necessário certo esforço para penetrar no mérito de suas páginas e no seu jeito figurativo e horizontal de narrar, há uma estrutura rebuscada violando a linearidade evidente da narração. No caso do García Márquez, acho mais difícil, pois pessoalmente não lhe sou grande fã e é mais contemporâneo do nosso mundo de propaganda “avançada”, posso compará-lo com Borges, tem aí certa distância temporal, mas imagino que atingiram o mesmo “status quo” da tecnologia de propaganda. Como li apenas um dos livros do Borges no original, e não sou particularmente experiente em espanhol, falho em perceber malabarismos da pena, mas seu tipo de estória destaca-se na singularidade do enredo, e em espaço narrativo muito desafiador que é o conto, poucos são os mestres desta forma exígua, e Borges é um. Hoje a sofisticação da propaganda faz a maioria comer um sanduíche caro e com o mesmo gosto da embalagem como se fosse uma iguaria, e muito do que me chega aos olhos é pura embalagem de conteúdo duvidoso.

Um Patterson escreve para uma demanda, as estórias são simplórias, a cada vinte páginas os principais pontos do enredo são novamente explanados para não exigir do leitor grande concentração, esta fórmula é a mesma sendo ele ou outro junto ou sob seu nome que escreva. Quando evidencio a ferrugem evidente do estilo modernista, é para explanar esta incongruência entre seu velho e já datado formato e a escrita contemporânea, que não deveria ainda estar oxidada. O romanesco é mais velho, mas a novela é um estilo mais fluido, mais natural que os experimentalismos modernistas datados. Este cacoete contemporâneo da repetição modernista ou experimental também é escrever para uma demanda, público diferente do Patterson, mas também pautado. Acho que o grande desafio contemporâneo é explorar todas as formas narrativas já presentes na história, sem proibir-se território, como foi o modernismo. Gertrude Stein foi mais útil para autores do que leitores, pois sua literatura é ilegível para quem não quer apenas a estética da forma pura.

Posso estar enganado, mas nos movimentos de vanguarda sempre houve uma contestação mais ativa, uma discussão em tons mais apaixonados, hoje vejo uma vanguarda, se é que pode assim ser chamada, desapaixonada e conformista, uma falta de combatividade, um conluio morno que faz a literatura patinar no mesmo lugar. O revolucionário de ontem é o conformista de hoje, e os “revolucionários” modernos não ousam ou não existem por falta de brilhantismo, se conformando com seu status e deixando-se pautar. São minhas questões, em especial na literatura em língua portuguesa, esta modalidade variada e selvagem, difícil de domar dentre os vários idiomas humanos. Será que nosso problema é a falta de massa crítica de escritores por conta da baixa educação? Ou será visão pautada pelo viés editorial?

Abraço,
Alex
 

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