O que nos difere é usar a tragédia como elemento de espetáculo, a denúncia das mazelas seriam justificativa ruim a tentar diferenciar uma literatura “mais séria” do puro entretenimento.
Não gosto de pensar tão dicotomicamente assim Alex. Acho que não dá para generalizar dessa forma, inclusive se levarmos em consideração determinados aspectos de nossa realidade, digamos assim. Me explico: os sentimentos Poliana, o 'otimismo forçado', a dificuldade que existe em estabelecer crítica a algo, a contrapor-se seriamente a algum aspecto de nossa realidade sem que essa crítica redunde numa reclamação superficial e isolada exercem pressões sobre todos os escritores. O senso comum está impregnado de um conformismo construído ou de resistências que reforçam o inidividualismo, e colocar-se contra esse senso comum, o status quo, é um ato de ousadia.
Levando em conta essas condições, não posso condenar aqueles que ocupam suas forças e seu tempo construído críticas que procurem denunciar justamente essa situação, pois são esforços válidos, a meu ver, e não meramente elemento de espetáculo. Não duvido que haja quem use a denúncia como forma confortável de estabelecer críticas sem visar mudança, mas isso não pode ser algo que tenhamos como geral.
Por isso é que penso que a literatura ajuda a entender nossa época, até porque, de alguma maneira, ela é um sintoma da realidade. Se boa parte da literatura está sendo dedicada a essa crítica (seja qual o significado com o qual procuramos identificá-la), isso não nos diz algo sobre nossa realidade? Não é um sinal de que o buraco é mais embaixo? Se a literatura, que goza de uma liberdade não de reproduzir o real, mas metamorfoseá-lo com todos os recursos que dispõem, se volta a denunciá-lo e vê-lo com pessimismo, sem muita luz de esperança, isso não nos informa algo a respeito da própria situação da humanidade em relação ao presente, e, consequentemente, ao porvir?
Acredito que, se alguém tivesse uma solução ou uma resposta para as mazelas que se denunciam aos montes, certamente trataria de colocá-la em algum livro, seja sob a forma que fosse. Não que a literatura necessariamente aponte caminhos, mas acaba nos informando algo sobre o que acredita ser certo ou errado, ou o que pulula no real. Ainda acho que esse tempo é essencialmente trágico sob tantos aspectos que está difícil enxergar alguma saída, por isso não vou 'cobrar' da literatura tal coisa.
Aliás, o que seria entretenimento? Pensar não pode ser considerado entretenimento? Ou o entretenimento prescinde crítica e pensamento?
Lembrei de uma frase que o Carlos Heitor Cony usou no prefácio que fez para
A Cabana do Pai Tomás, numa edição velhíssima que um colega meu me emprestou (e que eu, vergonhosamente, nem li nem devolvi), ele diz o seguinte: "(...) qual a finalidade da literatura? Ser o 'sorriso da sociedade' - como um imbecil certa vez a definiu? Ou ser a própria 'consciência da sociedade' - como os estudiosos mais sérios a compreendem?'"
Acho que isso dá conta de pensar um pouco sobre as questões que tu propôs. Depende da maneira como o autor concebe a literatura, a maneira como ele se utilizará da singularidade da linguagem, da elaboração narrativa, dos sentidos que atribuirá à temática e assim por diante; e também como os próprios leitores lerão tal obra. Acho que dá para denunciar sem cair em espetáculo, ser bastante trágico sem cair em clichês ou em fatalismo, e acho que dá para usar o entreitinimento tanto para conformar quanto para despertar o questionamento. É algo relativo na medida em que é subjetivo, não é relativismo, é múltiplo e distinto em cada caso.
Acredito que esta preocupação com a forma seja um cacoete herdado do modernismo que ainda não foi corretamente exorcizado, forma é importante, mas não pode ser aspecto órfão de uma obra. A preocupação exclusiva de forma torna fácil a classificação, uma vez que não vê o aspecto principal, o que se tem a dizer, na gênese de um texto tem-se o que dizer, é tão ou mais importante em como dizer. Filósofos tinham muito a dizer apesar de muitas vezes a forma canhestra, literatura sabe dizer, apesar de não ter algo a comunicar.
Aí também depende, porque elaboração estética não necessariamente é despreocupação com o conteúdo. Apesar de gostar de encontrar experimentações estilísticas narrativas quando leio algum livro, não gosto quando ela vem a título de técnica, como um artifício que se encerra em si mesmo.
Confesso que piso em ovos ao falar da relação forma-conteúdo (inclusive pela própria longa tradição que nos precede), mas creio que a forma é sim importante, pois a forma condiciona a maneira como o conteúdo é expresso. O detalhe é quando a forma esmaga o conteúdo para apresentar-se como elemento primordial, a coisa toda se torna um exercício de belo que perde muita coisa, a meu ver. Sem forma é como se o conteúdo inexistisse, toda linguagem, inclusive nossos posts, partilham de alguma forma de apresentação narrativa, procuramos adequá-la às nossas idéias e ao debate como forma de tornar inteligível o que pensamos. Não fosse a forma essas minhas idéias estariam na minha cabeça, isoladas, silenciadas pela incapacidade de serem expressas.
Pirações a parte, minha pergunta sobre a forma foi tímida por conta de meu limitado conhecimento de obras contemporâneas e, pensando sobre como concebemos a literatura, quais os desdobramentos dessa suposta preocupação exagerada com a forma?
Como disse no tópico sobre as apostas do Nobel, acho que há uma cobrança muito grande sobre inovação, o que leva os autores a experimentar formas, formas, formas e perder de vista outros pontos igualmente importantes. Como disse também, não sou contra inovações, pelo contrário, mas parece haver uma condenação (e talvez aqui eu me refira de forma mais direta à crítica e às avaliações feitas sobre a literatura em âmbito geral) a quem não ousa experimentações formais. Mas isso é minha opinião e, inclusive pelo caráter hipotético, é altamente questionável...