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Hermann Hesse!

Roy Batty

"Inconsertável"
Alguém já leu alguma obra dele?

O melhor, na minha opinião, é "O Lobo da Estepe". Tem muito a ver comigo...

Trata da dilaceração existencial em seu sentido máximo, onde tudo se torna insuportável e repulsivo! A desesperança está ligada ao inexorável quadro político de entorpecimento, causado pelas falsas ideologias que escondem do homem comum a verdade das estruturas constituídas.

O personagem principal tbm é o narrador. Ele vive a dualidade entre o homem comum, de uma classe burguesa e a fera dentro de todos nós, que se rebela para conseguir a liberdade das piores prisões: a ignorância e a dominação imposta pela sociedade

Recomendadíssimo para quem adora livros que abordam a vida sob uma perspectiva totalmente realista (vejam bem, o personagem passa extremo pessimismo, mas no fim ele mostra o que todos nós às vezes tentamos esquecer).


Outro bom livro dele é "Demian", uma das grandes obras do expressionismo alemão.

Para quem prefere algo mais espiritual, ele ainda escreveu o "Sidarta".

São ótimas leituras!
 
Última edição:
Esse cara tá na minha lista. Aimeudeus, mais um pra ler qualquer dia depois da chuva...

Me interessei pelo Hesse ao ficar sabendo da influência que tiveram suas obras, principalmente "O Lobo da Estepe" na mentalidade juvenil dos acontecimentos do final da década de 60 e movimentos de contracultura que envolveram o período.
 
Eu estou lendo o livro Demian.
Uma amiga me indicou após eu mencionar a ela que eu vivo em "dois mundos". O personagem principal vive um conflito entre os dois mundos: o sombrio e o luminoso. Realmente eu estou me identificando com ele, apesar de os mundos que eu vivencio não serem exatamente estes retratados.
Um romance com teor bastante filosófico que nos faz mergulhar em nós mesmos. Recomendo a leitura aos que procuram mais respostas dentro de si e buscam se conhecer um pouco mais.


Alguns trechos que me chamaram a atenção no livro:

"Hoje sei muito bem que nada na vida repugna tanto ao homem do que seguir pelo caminho que o conduz a si mesmo."

"Há coisas e pessoas que te causam medo. Isto, sim, é que não devia acontecer contigo: nunca se deve ter medo de homem algum."

"Somente as idéias que vivemos é que têm valor. Percebeste que o 'mundo permitido' era apenas a metade do mundo, e trataste de ocultar a outra metade, como fazem os religiosos e os professores. Jamais o conseguirás! Ninguém o consegue, a partir do momento em que haja começado a pensar."
 
Esse autor parece ser muito interessante. Nunca tinha ouvido falar dele, mas gostei desses reviews. Vou ver se leio uma coisa dele quando acabar o livro que estou lendo.
 
Eu estou lendo o livro Demian.
Uma amiga me indicou após eu mencionar a ela que eu vivo em "dois mundos". O personagem principal vive um conflito entre os dois mundos: o sombrio e o luminoso. Realmente eu estou me identificando com ele, apesar de os mundos que eu vivencio não serem exatamente estes retratados.
Um romance com teor bastante filosófico que nos faz mergulhar em nós mesmos. Recomendo a leitura aos que procuram mais respostas dentro de si e buscam se conhecer um pouco mais.


Alguns trechos que me chamaram a atenção no livro:

"Hoje sei muito bem que nada na vida repugna tanto ao homem do que seguir pelo caminho que o conduz a si mesmo."

"Há coisas e pessoas que te causam medo. Isto, sim, é que não devia acontecer contigo: nunca se deve ter medo de homem algum."

"Somente as idéias que vivemos é que têm valor. Percebeste que o 'mundo permitido' era apenas a metade do mundo, e trataste de ocultar a outra metade, como fazem os religiosos e os professores. Jamais o conseguirás! Ninguém o consegue, a partir do momento em que haja começado a pensar."

Muito bom o seu post! E o espírito de Hesse é bem esse mesmo: procurar a resposta dentro de si mas não de uma forma tradicional. Ele encontra as respostas na negação de si mesmo para entender como os outros se sentem por viverem uma vida apegada às próprias convicções (sendo estas um muro que divide o esclarecimento da cegueira).

Hesse mergulha demais nas neuroses humanas, mas ele não segue uma corrente de pensamento, ele não se alia a nenhum grupo de pensadores e escritores. Ele tem o próprio estilo. O mais assustador é que a idiossincrasia do personagem em O Lobo da Estepe em muito se parece com a minha, tirando algumas questões como a nulidade do valor sobre a vida que o personagem demonstra depois que percebe que ninguém parece se esforçar em direção ao próprio EU como essência.

Às vezes me assusto porque quando leio Hesse é como se fosse eu escrevendo, claro, não com a mesma habilidade, mas nas idéias....

Uma coisa genial é ele citar Goethe e Mozart diversas vezes em "O Lobo da Estepe", mas sem ser antiquado e dando razão a isso de forma metódica, fazendo-os arquétipos de ideais e cultura!

Fascinante!
 
Última edição:
Eu recomendo Demian para jovens tristes e problematicos a anos.... rs... pessoas q acham q nao se encaixam no mundo.....
Hesse, os contos dele sao maravilhosos..... mas ainda nao li "lobo da estepe" (nao tenho 40 anos rs)
 
Alguém sabe se Gertrude dele é bom?
Eu encontrei Gertrude e outro dele aqui em casa, mas no final das contas acabei começando mesmo Ensaio Sobre a Cegueira; mas se for um bom livro entra pra minha lista de espera:yep:
 
Nunca li esse...

Mas os relevantes são "O Lobo da Estepe", "Sidarta" e "Demian" mesmo...

O que sei é que "Gertrude" ronda a questão da inadequação de Hesse no meio da classe burguesa, de forma análoga à narrada em "O Lobo da Estepe". Aliás, o mote temático de todas as obras dele sempre recai na repulsa de tudo o que ele considerava atávico, artificial e material...

Suas obras que divagam na incompreensão de si mesmo, é na verdade fruto de uma dominação de uma classe com poder maior (burguesa), que ditava por trás da fachada do governo, os modos de conduta da sociedade num período político indefinido e agitado. Hesse narra em maior ou menor grau em cada uma de suas obras, a busca pela libertação de qualquer verdade manipuladora (de governos, religiões ou senso-comum) que não seja a própria!
 
Entendi, Roy.
Eu fiquei curioso principalmente pelo Demian, mas como encontrei o Gertrude e o Rosshalde aqui em casa imaginei como eles seriam.

Interessante essa crítica dele, muito próxima do que Nietzsche pregava. Imagino se Hesse sofreu sua influência.
 
Demian é mesmo muito interessante, gosto muito do conceito da "marca de Caim"
e como o personagem principal se afasta dela, em um dado momento da história, quando se entrega aos "prazeres mundanos".

Li o Demian na adolescência e me identifiquei bastante com esse "distanciamento", mas com o tempo me aproximei mais do Sidarta, valorizando a simplicidade do pensamento ao invés de cultivar essa "distancia" pressuposta pela marca de Caim.

Um autor que dialoga diretamente com H.H. é Thomas Mann e os problemas do distanciamento proporcionado pela "marca de Caim" são bem trabalhados no livro Doutor Fausto.

Portanto, acho que devemos tomar cuidado com a "identificação" que temos com o Demian, mal dirigida, ela pode nos tornar pessoas extremamente elitistas e pretensiosas.

A literatura tem seus riscos, simplesmente não dá para ler uma obra dessa magnitude e sair incólume.

Bom dia pessoal!
 
Exelente tópico! UP.

Conheci Hesse após um conhecido ter me indicado no lugar de Dostoiévisk (que, diga-se logo, é outro "monstro" da literatura), pois continha uma visão realista e crítica mas não tão pessimista da vida.

Primeiramente li Demian e achei fantástico além de original, apesar de possur um teor chocante justamente pelo seu realismo, mas ainda bem que já havia entrado em contato com idéias semelhantes em Nietzsche.

Agora estou lendo "O Lobo da Estepe" que me parece mais triste e melancólico, porém muitíssimo crítico.

Muito bom! Recomendo a todos que buscam saber um pouco mais de si.
 
Estou lendo o livro: "O Jogo Das Contas De Vidro"

E estou adorando pois conta uma história deum estudante dotado Joseph Knecht que foi descoberto e recrutado pelo Mestre da Música da Ordem de Castália, uma sociedade quase monástica onde se cultiva o estudo de todas as ciências e artes, sem lugar para a história e temas relacionados com a sociedade, sendo uma referência da nação e servidor de professores nas disciplinas mais puras e sublimes, tais como a matemática e a música. A jóia da coroa de Castália é o Jogo das Contas de Vidro, que consiste numa arte de montagem de divagações racionais a partir de qualquer tipo de conhecimento puro, misturando quaisquer disciplinas deste. Knecht é um homem que, devido às suas capacidades, mas, sobretudo, devido à sua abertura de espírito, rapidamente ascende ao lugar de Magister Ludi, supremo Mestre do Jogo das Contas de Vidro. O seu percurso de vida é singular, permitindo que Knecht se confronte e complemente os seus conhecimentos e crescente sabedoria com vários sábios representantes de diferentes apologias face à vida. É um belo romance de idéias esse livro, estou gostando muito!
 
Hesse é meu autor predileto.

@Roy Batty
o lobo da estepe foi desenvolvido justamente para causar esse sentimento de identificação no leitor. ele, conforme vc citou implicitamente, destaca algumas bases idealistas e irreais do nosso pensamento geral e as critica profundamente.

uma das sacadas mais geniais que o Hesse teve foi escolher o Mozart. Pq Mozart sendo que temos tantos exemplos de músicos de grande nome (bach, beethoven, etc etc etc)? Simples: Mozart produziu música classicista! ou seja: música que visava a perfeição através do equilíbrio. mas a sacada está no contraponto que o estilo de vida do Mozart gerava com essa postura em relação a música. vamos ver alguns exemplos:

- bach: o cara tentava a perfeição harmônica, mas tinha uma vida toda regrada e certinha
- beethoven: o cara era louco em todos os aspectos, tanto na música quanto na vida pessoal

já o mozart, apesar de ter como objetivo a música "perfeita" (salvo uns casos raros onde ele surtava), tinha uma vida completamente paradoxal em relação a isso. o nosso amigo Harry tentou atingir a perfeição através da perfeição, e falhou miseravelmente. Harry romantizava totalmente a visão de mozart, sendo que o próprio mozart teve uma vida totalmente desregrada - mas ainda assim alcançou o ideal burguês de forma exemplar para a história da humanidade.

bom, a proposta inteira do livro, de acordo com a minha interpretação, é esculaxar de forma violenta essa busca da perfeição e relembrar os nossos amados escritores/leitores da época (e veja, a crítica ainda é válida para nós hoje!) que as trivialidades da vida também podem nos fazer felizes/satisfeitos (novamente a relação genial entre o estilo musical do mozart e o reproduzido por pablo - que apesar de ser popular, era feito com maestria). definitivamente a escolha de mozart não foi aleatória :)

essa crítica do perfeito x real é muito bem feita também no jogo das contas de vidro, citado pelo nosso amigo Roderick (que infelizmente está banido; adoraria discutir o livro, que é junto com lobo da estepe uma das minhas obras prediletas, com outro que leu/gostou).

veja, novamente muito boa a escolha do nome para a sociedade que está acima da sociedade humana, que não possui deficiências, necessidades e nem sustentabilidade: castália (tradução muito boa!)

enfim, vou almoçar, já falei demais....

PS: uhul, consegui meu décimo post e saí do "Silma-quem?!"

edit: ah, mozart colocava a própria música acima da própria humanidade, também :)
 
Última edição:
Hermann Hesse é sensacional! Dois dos três livros dele que li são de mudar a vida da pessoa, e o outro não é ruim, entretanto não é espetacular. Não vou divagar muito sobre o autor porque outros fizeram-no com precisão antes de mim. Ele é aquilo mesmo, tudo que foi dito. Tudinho! E, pra mim, os livros dele, em ordem de excelência, são:

Demian >= Lobo da Estepe >>>> Sidarta.

Um dos trechos mais marcantes pra mim dO Lobo da Estepe é este abaixo. Me identifiquei com 95% das palavras dele. É maior que os quotes que costumamos ver pelo fórum, mas vale a pena lê-lo de modo integral.

"Cada espécie de homens tem suas características, seus aspectos, seus vícios e virtudes e seus pecados mortais. Um dos signos do Lobo da Estepe era o de ser noctívago. A manhã era para ele a pior parte do dia, causava-lhe temor e nunca lhe trouxera nada de bom. Nunca fora alegre em qualquer manhã de sua vida, nunca fizera nada de bom na primeira metade do dia, não tivera boas ideias, nem divisara nenhuma alegria para ele ou para os demais. Ao começar a tarde, ia reagindo lentamente, principiava a se animar e, ao cair da noite, em seus melhores dias, tornava-se frutífero, ativo e, às vezes, até brilhante e alegre. Disso decorria sua necessidade de isolamento e independência. Nunca existira um homem com tão profunda e apaixonada necessidade de independência como ele. Em sua juventude, quando ainda era pobre e tinha dificuldades em ganhar a vida, preferia passar fome e andar mal vestido a sacrificar uma parcela de sua independência. Nunca se vendera por dinheiro ou vida fácil às mulheres ou aos poderosos, e mil vezes desprezara o que aos olhos do mundo representa vantagens e regalias, a fim de salvaguardar a sua liberdade. Nenhuma ideia lhe era mais odiosa e terrível do que a de exercer um cargo, submeter-se a horários, obedecer ordens. Um escritório, uma repartição, uma sala de audiência eram-lhe tão odiosos quanto a morte, e o que de mais espantoso podia imaginar em sonhos seria o confinamento num quartel. Sabia subtrair-se a todas essas coisas a custo de grandes sacrifícios, e nisso residia sua força e virtude, nisso era inflexível e incorruptível, nisso seu caráter era firme e retilíneo. Só que a essa virtude estavam intimamente ligados seu sofrimento e seu destino. Ocorria a ele o que se dá com todos: o que buscava e desejava com um impulso íntimo de seu ser acabava por ser-lhe concedido, mas em grau demasiadamente superior ao que convém a um homem. A princípio, o que obtinha parecia-lhe um sonho e uma satisfação, mas logo se revelava como sendo o seu amargo destino. Assim, o poderoso era arruinado pelo poder, o rico pelo dinheiro, o subserviente pela submissão, o luxurioso pela luxúria. O Lobo da Estepe perecia por sua própria independência. Havia alcançado sua meta, seria sempre independente, ninguém haveria de mandar nele, jamais faria algo para ser agradável aos outros. Só e livre, decidia sobre seus atos e omissões, pois todo homem forte alcança indefectivelmente o que um verdadeiro impulso lhe ordena buscar. Mas, em meio à liberdade alcançada, Harry compreendia de súbito que essa liberdade era a morte, que estava só, que o mundo o deixara em paz de uma inquietante maneira, que ninguém mais se importava com ele, nem ele próprio, e que se afogava aos poucos numa atmosfera cada vez mais tênue de falta de relações e de isolamento. Havia chegado ao momento em que a solidão e a independência já não eram seu objetivo e seu anseio, mas antes sua condenação e sua sentença. O maravilhoso desejo fora realizado e já não era possível voltar atrás e de nada valia agora abrir os braços cheio de boa vontade e nostalgia, disposto à fraternidade e à vida social. Tinham-no agora deixado só. Não que fosse motivo de ódio e de repugnância. Pelo contrário, tinha muitos amigos. Um grande número de pessoas o admirava. Mas tudo não passava de simpatia e cordialidade; recebia convites, presentes, cartas gentis, mas ninguém vinha até ele, ninguém estava disposto nem era capaz de compartilhar de sua vida. Agora rodeava-o a atmosfera do solitário, uma atmosfera serena da qual fugia o mundo em seu redor, deixando-o incapaz de relacionar-se, uma atmosfera contra a qual não poderia prevalecer nem a vontade nem o desejo ardente. Esta era uma das características mais significativas de sua vida.

Outra era a de que pertencia ao grupo dos suicidas. E aqui é necessário esclarecer que não se devem considerar suicidas somente aqueles que se matam. Entre estes há suicidas que só o chegaram a ser por mero acaso, e de cuja essência do suicídio não fazem realmente parte. Entre os homens sem personalidade, sem características definidas, sem destino traçado, entre os homens incapazes e amorfos, há muitos que perecem pelo suicídio, sem por isso pertencerem ao tipo dos suicidas, ao passo que há muitos que devem ser considerados suicidas pela própria natureza de seu ser, os quais, talvez a maioria, nunca atentaram efetivamente contra a própria vida. O "suicida" - e Harry era um deles - não precisa necessariamente viver em relações particularmente intensas com a morte; isto se pode fazer sem que se seja um suicida. É próprio do suicida sentir seu eu, certo ou errado, como um germe da natureza, particularmente perigoso, problemático e daninho, que se encontrava sempre extraordinariamente exposto ao perigo, como se estivesse sobre o pico agudíssimo de um penedo onde um pequeno toque exterior ou a mais leve vacilação interna seriam suficientes para arrojá-lo no abismo. Esta classe de homens vê o suicídio como a forma de morte mais verossímil, pelo menos segundo sua própria opinião. A existência dessa opinião, que quase sempre é perceptível já na primeira mocidade e acompanha esses homens durante toda sua vida, não representa, talvez, uma particular e débil força vital, mas, ao contrário, encontram-se entre os suicidas naturezas extraordinariamente tenazes, ambiciosas e até ousadas. Mas assim como há naturezas que caem em febre diante da mais ligeira indisposição, assim propendem essas naturezas a que chamamos "suicidas", e que sempre são muito mais delicadas e sensíveis, à menor comoção, a entregar-se intensamente à coragem. Se houvesse a autoridade suficientes para ocupar-se do homem, em vez de fazê-lo simplesmente no mecanismo dos fenômenos vitais, se tivéssemos uma verdadeira Antropologia, uma verdadeira Psicologia, tais fatos seriam conhecidos de todos.

O que foi dito acima a propósito dos suicidas só diz respeito obviamente à superfície; é psicologia, portanto uma parte da física. Do ponto de vista metafísico, o assunto aparece de outra forma e muito mais claro, pois, vistos assim, os "suicidas" se nos apresentam como perturbados pelo sentimento de culpa inerente aos indivíduos, essas almas que encontram o sentido de sua vida não no aperfeiçoamento e moldagem do ser, mas na dissolução, na volta à mãe, a Deus, ao Todo. Muitas dessas naturezas são inteiramente incapazes de cometer suicídio real, porque têm uma profunda consciência do pecado que isso representa. Para nós, entretanto, são, apesar disso, suicidas, pois veem a redenção na morte e não na vida; estão dispostos a eliminar-se e a entregar-se, a extinguir-se e a voltar ao princípio.

Assim como toda força pode converter-se em fraqueza (e em certas circunstâncias deve fazê-lo, necessariamente), assim, ao contrário, o suicida típico pode fazer de sua aparente debilidade uma força e um escudo, o que acontece aliás com certa frequência. A estes pertencia também Harry, o Lobo da Estepe. Como milhares de seus semelhantes, fazia da ideia de que o caminho da morte estava pronto para ele a qualquer momento não uma quimera juvenil e melancólica, mas antes encontrava nesse pensamento um apoio e um consolo. É verdade que nele, como em todos os homens de sua espécie, cada comoção, cada dor, cada desesperada situação da vida despertava imediatamente desejo de livrar-se de tudo por meio da morte. Mas, pouco a pouco, foi transformando em seu interior essa tendência numa filosofia que era, na verdade, propensa à vida. A profunda convicção de que aquela saída de emergência estava constantemente aberta lhe dava forças, fazia-o sentir a curiosidade de provar seu sentimento até às últimas instâncias. E quando se via na miséria, podia às vezes sentir com furiosa alegria uma espécie de prazer em sofrer: "Estou curioso por saber até que ponto um homem pode resistir. E quando alcançar o limite do suportável, basta abrir a porta e escapar." Há muitos suicidas que extraem força extraordinária deste pensamento.

Por outra parte, a todos os suicidas é familiar a luta contra a tentação do suicídio. Cada um deles sabe muito bem, em algum canto de sua alma, que o suicídio, embora seja uma fuga, é uma fuga mesquinha e ilegítima, e que é mais nobre e belo deixar-se abater pela vida do que por sua própria mão. Tendo consciência disso, a mórbida consciência que é praticamente a mesma daqueles satisfeitos consigo mesmos, os suicidas em sua maioria são impelidos a uma luta prolongada contra o próprio vício. O Lobo da Estepe era bastante afeito a esse tipo de luta; nela já havia combatido com várias armas. Finalmente, aos quarenta e seis anos de idade, deu com uma ideia feliz, mas não inofensiva, que lhe causava, não raro, algum deleite. Fixou a data de seu quinquagésimo aniversário como o dia no qual se permitiria o suicídio. Nesse dia, convencionara consigo mesmo, podia usar a saída de emergência, segundo a disposição que demonstrasse. Então poderia ocorrer-lhe o que fosse, enfermidades, miséria, sofrimentos e amarguras, que tudo teria um limite, nada poderia estender-se além daqueles poucos anos, meses e dias, cujo número era cada vez menor. E na realidade suportava agora com mais facilidade males que antes o teriam atormentado profundamente, males que o teriam comovido até as raízes. Quando por qualquer motivo as coisas iam particularmente más, quando novas dores e perdas se vinham juntar à desolação, ao isolamento e ao desespero de sua vida, podia dizer aos seus algozes: "Esperai mais dois anos e eu vos dominarei." E logo se punha a imaginar o dia de seu quinquagésimo aniversário, quando, logo pela manhã, começariam a chegar as cartas de felicitações, enquanto ele, tomando da navalha, despedir-se-ia das dores e fecharia a porta atrás de si. Então a gota das juntas, a depressão do espírito e todas as dores de cabeça e do estômago poderiam procurar outra vítima."
 

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