Spartaco
Anton Bruckner - 200 anos do nascimento
Comemoramos hoje o centenário de nascimento do compositor György Ligeti (em 1923, na Hungria). Ele pode ser considerado como um dos mais notáveis compositores de música erudita do século XX.
Ligeti nasceu em 28 de maio de 1923, em Diciosânmartin (hoje Târnăveni), na região da Transilvânia, na Romênia, de uma família judaica húngara. Durante a Segunda Guerra Mundial, integrava uma brigada de trabalhos forçados quando o resto da família foi enviado para campos de concentração nazistas. Só a mãe sobreviveu, seu pai e irmão foram assassinados.
Tendo começado a estudar música aos 18 anos, Ligeti completou seus estudos em Budapeste. Em 1956, na sequência do fracassado levante popular contra as forças ocupadoras soviéticas, fugiu para Viena. Decidido a romper com os dogmas da música, não só clássicos, mas também os da então considerada "verdadeira" vanguarda, ele começara a desenvolver um estilo próprio, combinando influências folclóricas com dissonâncias saborosas, rupturas dramáticas e uma técnica de filigrana rítmico-harmônica, inspirada na polifonia medieval, que ele denominou "micropolifonia".
Em 1961, a peça orquestral Atmosphères, com suas estruturas hipnoticamente fluidas, quase impressionistas, serviu para Ligeti como cartão de entrada definitivo na vanguarda musical do Ocidente. A partir daí, seu nome passa a ser mencionado no mesmo fôlego com os dos já estabelecidos Pierre Boulez, Luciano Berio ou Karlheinz Stockhausen, alguns dos gigantes que dominarão a história da música erudita na segunda metade do século 20. Numa sequência de obras sedutoramente revolucionárias, em 1966 o compositor húngaro publicou Lux aeterna, na qual, sobre as sílabas do texto latino da missa para os mortos, o coro misto a capela se metamorfoseia em massas sonoras iridiscentes e superfícies quase eletrônicas.
Pouco depois, o cineasta Stanley Kubrick escutou ambas as obras, gostou e as incluiu em seu épico de ficção científica 2001, uma odisseia no espaço, de 1968 – sem antes pedir permissão ou esclarecer de quem eram os direitos autorais. Quem conta o que se seguiu é o percussionista e compositor Lukas Ligeti, filho de György, em sua estada na Alemanha para o Moers Festival: "Um dia, meu pai foi assistir a esse filme que todo mundo dizia que era tão bom. Quando escutou a música, claro que ficou sem fala e chocado."
Após a sessão, uma senhora comentou que a única coisa de que gostara era a música (a trilha sonora de 2001 também inclui, aliás, a valsa Danúbio Azul, de Johann Strauss II, e a icônica introdução do poema sinfônico Also sprach Zarathustra, de Richard Strauss). Quando Ligeti agradeceu, comentando que a música era sua, a velha dama o despachou: "Sim, meu rapaz, é claro." O compositor processou o diretor americano pelo "roubo", mas o caso acabou sendo resolvido extrajudicialmente. Kubrick voltaria a usar música de Ligeti em O iluminado (1980) e em sua obra final, De olhos bem fechados (1999) – desta vez com permissão prévia e pagando os devidos direitos autorais.
Depois de Viena, György Ligeti viveu em Berlim e nos Estados Unidos, e ensinou composição na Universidade de Música e Teatro de Hamburgo. Ao longo de sua trajetória manteve uma característica relativamente rara num "artista sério": um irresistível senso de humor iconoclasta, quase infantil. Assim, sua única ópera, Le Grand Macabre, é uma sátira cáustica sobre o Juízo Final, cuja orquestração inclui um coro de buzinas de carro. Também impossível de levar a sério, porém surpreendentemente instigante, é seu Poème symphonique, em que 100 metrônonomos, cada um num andamento diferente, são acionados simultaneamente. Até sua morte, em junho de 2006, permaneceu curioso sobre todas as manifestações de música, para além das fórmulas prontas, quer tradicionais, quer modernas. Assim, a partir da década de 80 dedicou-se a estudar a música da África Central, em especial a do povo pigmeu Aka.
Numa época menos preocupada com "apropriações culturais" indébitas, essa influência se manifesta tanto no Trio para violino, trompa e piano (1982), como em alguns dos 18 Études para piano solo (1985-2001), ou nos concertos para piano (1985-88) e para violino (1989-93) e orquestra. Essas e outras obras ligetianas da maturidade são de um dinamismo exuberante, contendo passagens quase dançáveis – apenas quase, pois polirritmos (superposição de dois ou mais estruturas rítmicas) e assimetrias lhes conferem um elemento de imprevisibilidade e mesmo perigo.
Fonte: https://noticias.uol.com.br/ultimas...o-a-vanguarda-descobriu-a-musica-africana.htm