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Encontros (conto)

Naquela noite, eu ainda não sabia como uma vida podia mudar tão de repente. Na verdade, a minha vida. Ela estava prestes a tomar novo rumo, e esta era a última coisa que eu poderia esperar. Tudo graças a uma jovem e a uma história que se iniciou através dela.

A solidão de casa havia me obrigado a procurar um lugar cheio de gente, com música alta, bebida barata e nada para me preocupar. Mais do mesmo, mas aquilo me agradava: era relaxar, esquecer o dia e a vida, e depois voltar para casa e dormir o sono mais profundo para tentar não ouvir o despertador quando ele tocasse lá pelas oito da manhã, o que raramente acontecia.

Comecei a observar o ambiente como alguém que está de fora daquele mundinho cheio de suor e adrenalina liberados na pista de dança. Inventava histórias para cada pessoa que conseguia ver o rosto. E depois que criava uma vida bem amarga para aquela pessoa, eu passava para outra. Assim fazia até me cansar ou estar bêbado demais para atinar minhas ideias.

E assim, de um rosto para outro é que a vi e algo estranho se deu dentro de mim. Não conseguia criar uma história para ela, tampouco desgrudar meus olhos dos seus. Isto porque ela retribuiu o olhar, como se quisesse me dizer algo sem usar as palavras. Ela não dançava, apesar de estar no meio da pista. De repente, a jovem baixou os olhos e se precipitou pela multidão. Eu a perdi de vista, e isto me deixou completamente enlouquecido. Não sabia o que me levava a ela, apenas seguia o instinto. Decidi correr pela margem da pista e procurá-la. Talvez, se eu fosse para a direção indicada por ela, conseguisse achá-la.

Foi o que fiz. Durante um tempo, mantive a expectativa de que a encontraria; em menos de um minuto eu estava no meio da pista olhando para todos os lados e completamente atordoado. Caí em desespero. Chorava sem saber o motivo. Por que aquela garota tinha mexido tanto comigo? Nem a conhecia e já me sentia ligado a ela.

Fui ao banheiro tentar me recompor. Calmamente, joguei água no rosto e tentei organizar os pensamentos. Enquanto deslizava as mãos encharcadas sobre meu rosto, pensei em hipóteses. Talvez a conhecesse de algum lugar, mas seu rosto não me era familiar. Poderia ser, quem sabe, uma admiradora secreta que resolveu se revelar, mas era muito improvável. Eu nunca fui um cara capaz de despertar paixões. Ou talvez ela estivesse em perigo, fugindo de algo, e tentou me avisar. Não, isso era muito pretensioso até mesmo para mim. Eu não estava em Sin City. Eu não era o Marv. E ela não era a Goldie. Quando dissipei meus devaneios, olhei para o espelho e a vi novamente. Ela estava atrás de mim. Virei rapidamente em sua direção, mas não havia ninguém. Ela não estava lá. Era a minha imaginação, só podia ser. Melhor ainda: eu estava bêbado demais, era isso. Para não me decepcionar mais, me contentei instantaneamente com a ideia. E resolvi ir embora. Não havia mais nada para fazer naquele lugar. Era voltar para casa e rolar na cama até que o despertador gritasse comigo.

Saí da boate e logo começaram a cair as primeiras gotas de chuva. Nada mal para uma noite péssima. O trânsito era intenso por dois quarteirões, mas logo se dissipou quando dobrei a esquina. E, sob uma marquise, soluçando e se protegendo da chuva que aumentara, estava ela. Parei e ela me notou. Chorou mais, e eu não podia fazer nada. Estava paralisado. Logo minha mente e meu corpo estavam completamente em estado de alerta. Agora, ela era real. Ou imaginação? Não sabia a resposta, mas comecei a gostar da situação. Aos poucos, parou de chorar e me olhou nos olhos. De novo. E eu realmente estava ligado a ela, o que quer que isso representasse.

Quando a chuva passou, ela começou a descer a rua. Eu não disse nada, apenas a acompanhei. Andamos um tempo até chegarmos a uma casa que estava com o portão aberto. Ela entrou. Esperei um tempo, aguardando que saísse, o que não aconteceu. Resolvi entrar. Passei pela garagem e a porta de entrada também estava aberta. Não havia ninguém na sala, nem na cozinha e todas as luzes estavam acesas.
Decidi subir as escadas, ainda à sua procura. Como no térreo, as luzes dos quartos e banheiro também estavam acesas. No primeiro quarto, havia uma moça deitada no chão. Quando me aproximei, vi um comprimido perto de sua mão. Debaixo da cama, uma caixa de remédio para dormir. Vazia. Rapidamente peguei meu celular e chamei a ambulância. Peguei a moça em meu colo e a levei para baixo, esperando até que o socorro chegasse.

Soube pelos médicos que a moça tentara se matar. Depressão, disseram eles. Já não era a primeira noite que ela estivera naquele hospital, conforme me confidenciou a recepcionista. Depois do susto, fiquei andando pelo corredor até que a madrugada chegasse ao fim e, logo pela manhã, Larissa — soube seu nome também pela recepcionista — tivesse alta e eu pudesse levá-la para casa. Assim que foi liberada, pegamos um táxi. Durante o trajeto, conversamos um pouco, e ela me beijou. Imediatamente me lembrei da jovem que vi na boate e me levou até a casa de Larissa.

Não conseguia entender a ligação dos fatos, mas decidi não comentar o assunto. Pelo menos naquele momento. De repente, Larissa tirou uma foto do bolso da calça. Era ela, a jovem.

É minha irmã — disse. — Ela morreu há alguns meses. Tentei me matar para ficar ao lado dela novamente.

Abracei-a com força e fechei os olhos. No radio, começou a tocar Eleanor Rigby, dos Beatles. Ah, look at all the lonely people...



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Conto publicado originalmente na antologia Marcas na Parede - Contos sobrenaturais, de suspense e de terror, sob organização de Hanna Liis-Baxter. Andross Editora, 2009.
Posteriormente, em http://www.recantodasletras.com.br/contosdesuspense/2872202
 

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